Quinta-feira.

Desceu as escadas no meio da manhã e somente porque seu estômago resolveu roncar ferozmente, a verdade era que preferia ficar trancada no quarto até o próximo sábado, quando sairia para encontrar sua chave de portal e dar adeus a tudo. Contrariada, saiu da cama e deixou o livro aberto sobre o travesseiro, desde que acordara apenas passava os olhos pelas palavras. Já sabia como a história terminava, um final feliz em comparação à sua própria narrativa.

Quando chegou na cozinha parou na porta e não soube o que fazer em seguida. Talvez pudesse refazer seus passos e fingir que não havia saído do quarto, que continuava trancada lá dentro em silêncio absoluto. Baixou o rosto e fez menção de virar-se para retornar ao quarto, mas a voz masculina a interrompeu no meio do movimento.

— Pensei que estivesse no St. Mungos. — Comentou, mas não se deu ao trabalho de virar-se para olhá-la. Seu tom parecia uma lástima.

— Ontem foi meu último dia. — Explicou ainda de longe, incerta sobre se aproximar ou não.

— Então vai levar isso a diante. — Disse mais para si mesmo.

Resolveu se aproximar em passos cuidadosamente calculados.

— Não pretendo voltar atrás. — Respirou fundo ante de concluir. — Já tomei minha decisão.

Uma escolha que ainda fazia seu coração apertar-se até parecer tão pequeno quando uma noz. Mas ainda assim, uma escolha.

— Uma decisão baseada em covardia. — Seu tom era recheado de sarcasmo. 

— Covardia? Não acredito que está...

Harry levantou-se quando elevou sua voz, interrompendo-a com sua postura rígida.

— Você fez uma escolha covarde. Admita! — Seu tom subira alguns decibéis. — Fez a escolha óbvia porque tem medo de enfrentar as consequências se resolvesse ficar. Simplesmente não está disposta a enfrentar opiniões adversas, então vai fugir.

“O engraçado disso tudo é que não reconheço mais você. Achei que nada havia mudado, que continuava sendo a Hermione Granger que esteve do meu lado durante uma batalha e anos de desafios. Mas esta Hermione, que está na minha frente agora, não tem coragem suficiente para fazer qualquer uma daquelas coisas.”

“Você disse que nunca mentiu sobre seus sentimentos, mas está me deixando por medo de assumir um relacionamento. Aquela Hermione teria mandado o mundo explodir, se necessário, mas teria ficado pelo o que acredita.”

Precisou de alguns segundos para se recompor. Cada palavra lhe acertava com um tapa, e por mais que não quisesse acreditar, tinha plena consciência do que se tornara.

— Não fale como se soubesse a forma que me sinto, porque você não sabe.

Deu as costas e voltou pelo corredor, deixando-o sozinho na cozinha. Tampouco retornou para o quarto, apenas seguiu em passos determinados para fora da casa e aparatou tão logo se viu sozinha na rua.

Deixou-se suspirar ao perceber que acabara indo parar no Caldeirão Furado. Não havia planejado, só queria esfriar a cabeça. Talvez fosse o melhor, passar as últimas horas sozinha em lugar onde sabia que ninguém a incomodaria. Entrou discretamente e sentou-se numa mesa ao canto, escondida por um pilar de tijolos.

Havia uma revista esquecida na mesa ao lado da sua, e com um movimento quase imperceptível da varinha a fez levitar até que pudesse alcança-la. Dividia a atenção entre as manchetes vazias e repetitivas com a xícara de café que Tom havia lhe entregara a poucos minutos.

Não era como esperava passar seus últimos momentos ali. Na verdade, em momento algum pensou sobre como passaria seus últimos dias em Londres, não estava em seus planos voltar.

Mas as coisas mudavam.

Já era final de tarde. Fingia ler a revista pela terceira vez seguida, na sua frente um prato vazio repousava com apenas as migalhas do que fora um muffin de abóbora. A xícara de café, preenchida algumas várias vezes durante o dia, estava pela metade.

Sabia que em algum momento teria que voltar para o Largo, apenas não queria dar de cara com Harry. Sua decisão o magoara, mas a última coisa que queria era machucá-lo ainda mais com alguma discussão. Dessa forma, manteve-se concentrada em analisar as imagens de celebridades.

— Hermione?

Por um milésimo de segundos desejou desaparecer. Mas virou-se com um sorriso tão breve que sequer lhe alcançou os olhos.

— Rony.

O ruivo estava parado a alguns metros, mas a observava com certa atenção. Diferente do que esperava, seu olhar transmitia calma e dúvida, quase como se não soubesse exatamente o que fazer.

— Posso me sentar? — Indicou a cadeira livre com a cabeça.

Hermione empurrou-a com o pé, por debaixo de mesa. Um convite silencioso.

Rony não demorou para tomar seu lugar, pendurando sua capa no encosto da cadeira e sentando-se, um tanto desconfortável.

— Soube que vai voltar para Amsterdam. — Respirou fundo, mas antes de continuar esperou que Tom deixasse uma xícara de café na sua frente. — Por que não me contou?

— Pensei que não quisesse me ver depois daquele dia. — Confessou, mantendo os olhos voltados para a xícara que segurava com as duas mãos.

— Hermione, eu jamais... — Bufou quando lhe faltaram palavras. — Não vou negar que fiquei surpreso quando vi vocês dois. Fiquei chateado por terem escondido isso de mim por tanto tempo, mas depois que deixei Gina na Toca, pensei sobre o assunto e entendi porque prefeririam manter em segredo.

Novamente sorriu sem mostrar os dentes, mas não deixou o sorriso se estender para os olhos.

— Nunca foi minha intenção magoar vocês. — Sua voz soava baixa, como um pedido de desculpas.

— Vocês... Antes, quando éramos adolescentes, vocês já...?

— Não, Rony! — Apressou-se em dizer. — Foi confuso para mim também. Nunca pensei em Harry desse jeito, sempre fomos amigos. Nunca quis... Nunca imaginei me envolver com ele!

— Então era você quem estava tirando o sono de Harry Potter! — Parecia se divertir com aquela afirmação e vendo a confusão no rosto da amiga, explicou-se. — Há algumas semanas ele andava distraído demais. Perguntei sobre a mulher que o estava deixando daquele jeito, mas claro, ele manteve em segredo.

— Não foi fácil admitir que eu estava... — Parou no meio da frase, um tanto envergonhada por confidenciar aquilo para seu amigo.

— Apaixonada por ele.

Concordou.

— Fico feliz por vocês. — Disse, pegando-a de surpresa. — Chateado por ter ficado de fora e arrependido por ter deixado Gina falar tanto naquele dia.

— Não foi sua culpa. — Tratou de segurar a mão do amigo. — Gina só me fez enxergar o que eu sempre soube.

— Ela não foi justa, Mione.

Negou com a cabeça.

— Ela estava magoada. Não a culpo! — Olhou-o com carinho e esboçou um sorriso genuíno. — Obrigada por estar aqui, não queria partir sem te ver uma última vez.

— Estarei lá quando for embora, quero me despedir apropriadamente! — Apertou a mão de Hermione que ainda segurava a sua. — Vamos? Te levo até o Largo.

— Obrigada!