Sentada na longa mesa da cozinha do Largo Hermione observava Harry ir e vir pelo corredor estreito, chegou até mesmo a entrar na cozinha mais de uma vez só para sair segundos depois. Mordiscava uma torrada perfeita quando cansou-se do vai-e-vem sem sentido. Delicadamente, e sem desviar a atenção de seu café da manhã, retirou a varinha de trás da orelha e simplesmente a sacudiu.

E de repente, os pés de Harry estavam colados no tapete velho e desfiado nas pontas.

Confuso virou o corpo o máximo que pode e enxergou-a baixar a varinha sobre a mesa.

— Por quê?

Hermione olhou-o e delicadamente ergueu a xícara. Um bule flutuante encheu-a em poucos segundos, afastando-se novamente quando seu trabalho estava concluído. E somente após um longo gole do café que Hermione falou:

— Porque você resolveu fazer caminhada dentro de casa. Quer se explicar?

— Hermione, eu...

Apontou a cadeira na sua frente, e a xícara cheia que pousou no lugar vazio foi o ponto final.

Sentou-se e experimentou o café, após curtos goles e um longo suspiro, olhou-a com a coragem que reunira naqueles longos segundos.

— Hoje assinarei o divórcio. — Soltou de uma vez e arrumou os óculos sob o nariz, evitando o olhar da amiga. Preferia não ver, não saberia lidar com qualquer tipo de pena.

— Não entendo...

— Gina e eu assinaremos o divórcio, depois disso, estaremos oficialmente separados e livres para viver nossas vidas como bem entendermos.

— Quer que eu vá com você?

Sacudiu a cabeça e soltou um riso sarcástico.

— Agradeço, mas é algo que preciso fazer sozinho.

Recusou educadamente, mas em intimo gritava para ela fosse e segurasse sua mão. A cada batida de seu coração sentia que não conseguiria, ao menos não sozinho. Teve Hermione em todo os momentos bons e ruins de sua vida, parecia injusto que não participasse desse — logo este em que seu coração se partiria em dois.

Levantou-se então, e estufou o peito. Preparado para sobreviver ao longo dia que começava.

— Antes de ir, preciso que você solte meus sapatos do tapete!

Hermione inclinou-se para o lado e riu diante das meias coloridas do amigo.

— Considere feito!

***

O trabalho o distraiu durante a manhã inteira e parte da tarde. Procurara por todo o tipo de distração possível, coletara com os aurors seus trabalhos da semana e resolvera que os leria, analisando cada um dos casos passou a organizá-los para mais tarde, arquivá-los. As longas pilhas passaram a dividir-se em menores até que Rony bateu na porta.

— Está na hora.

Sem olhá-lo soltou a pena de faisão e deixou que o pingo de tinta manchasse sua mesa. Não importava.

— Já vou descer!

Rony deixou-o.

Com os cotovelos apoiados na mesa, descansou a cabeça nas mãos e respirou fundo algumas vezes, tentando desacelerar os batimentos erráticos em seu peito. De supetão ficou de pé e passou a mão nos cabelos, tentando ajeitá-los. Colocou a camisa para dentro da calça e ajustou a capa sobre os ombros, alinhando-a perfeitamente. Suspirou, girou a varinha entre os dedos e então saiu da sala determinado.

***

Na sala, apenas os advogados, Harry e Gina.

O ranger da porta quebrou o silêncio quando o juiz entrou em passos leves e lentos. Sentou-se então em sua mesa e pediu para que todos os presentes fizessem o mesmo.

O ar tornara-se rarefeito e gélido de repente, Harry sentia-se levemente confuso com toda a situação. Seus ouvidos não pareciam funcionar e todos moviam-se com lentidão exagerada, mas manteve-se observando cada movimento, numa apreciação dolorosa e sádica.

Gina estava muito bonita, o vestido verde que usava realçava o tom claro de seus olhos, o quais brilhavam diante dos archotes e velas presas aos candelabros e lustres ornamentados. Por um momento, onde tudo ao seu redor desacelerou ainda mais, pegou-se pensando em como seria desistir de toda aquela papelada naquele segundo. Pediria à Gina uma nova chance e poderia beijá-la novamente, tê-la nos braços e tocá-la sempre que quisesse. Retomar o plano de serem uma família...

E então percebeu.

Amava Gina. Sempre a amou.

No entanto, não conseguia imaginar tê-la como esposa novamente. Aquela ideia era de longe a mais absurda. Amava-a, mas não queria beijá-la, tocá-la e arrebata-la como um dia desejara. Gina fizera parte de sua vida por tanto tempo que não podia negar a afeição que sentia, ela era importante para ele e sempre seria. Mas tinha de admitir, não eram feitos um para o outro.

Não a faria feliz. E Gina merecia isso.

Ele merecia isso.

— Sr. Potter?

Piscou longamente o observou os rostos que o encaravam em espera.

— Há alguma mudança no contrato desde o último encontro?

— Não.

— Então acredito que possamos assinar o divórcio!

Gina e seu advogado foram os primeiros. Os pergaminhos chegaram em suas mãos junto com a pena dourada que reluzia no mesmo tom da aliança que usava. Molhou a ponta no tinteiro e antes de assinar olhou-o uma última vez, após, seu nome da solteira secava enquanto passava para a segunda via do contrato.

Em seguida, Harry tomou a pena e passou a assinar os documentos. Notou que sua mão não estava tão firme quanto gostaria e forçou-se a se concentrar naquela simples tarefa.

Por fim, os advogados assinaram e entregaram ao juiz.

— Para finalizar, preciso de suas alianças.

Harry tirou o arco dourado de seu dedo e o analisou demoradamente antes de entrega-lo. Gina fez o mesmo.

As alianças foram posicionadas uma ao lado da outra sobre um lenço de linho branco e então, delicadamente fechado sobre a mesa. Com um simples feitiço, o lenço e as alianças pegaram fogo e assim ficaram até desmancharem-se e as chamas se apagarem completamente. Somente quando uma fina fumaça prateada subiu e espiralou foi que o juiz voltou a falar — em tom de zombaria.

— Vocês estão oficialmente divorciados.