Antes de partir, Ana pediu aos deuses que a acompanhavam que lhe dessem um momento de solidão.

            Enquanto os dois deuses dialogavam em voz baixa a uma distância razoável, a antiga professora de Literatura de Palaestra sacou de sua bolsa um livro enorme e bem gasto.

            Ela tirou uma caneta do bolso e começou a escrever, após encontrar uma página que ainda não havia sido usada.

            Enquanto escrevia, seus pensamentos corriam agitados.

— Todos aqueles anos em Palaestra, me submetendo ao Santuário, finalmente valerão a pena – pensou consigo mesma. – Todo esse tempo tendo que aturar aqueles cinco garotos de Bronze se exibindo, pulando e saltando por aí, brincando de ser super-heróis.

            “Como se não bastasse, agora eles não são mais míseros Cavaleiros de Bronze. Nem sequer são só cinco. Aumentaram a turma deles de tal modo, que todos no Santuário querem ser amigos deles, tudo devido a esse status que possuem após tantas batalhas... Que patético. Isso me dá náuseas”.

            Outra vez, ela preencheu mais uma linha do livro com suas canetadas. Cada linha era preenchida de forma rápida e violenta.

            “Agora os cinco estão mais empavonados do que nunca. Foram promovidos a Cavaleiros de Ouro, os vermezinhos. Eu já os detestava antes, e não é porque a cor de suas armaduras mudou que isso vai mudar também. Leão, Escorpião, Aquário, Libra, Sagitário... Vocês me aguardem. Nosso exército vai cair em cima de vocês sem dó nem piedade”.

            Ana preencheu mais uma linha do livro, e o suor desprendido de sua testa pontilhava as extremidades da folha.

            “Ainda temos aquela menina nojentinha de Áries, que vivia para cima e para baixo com os cinco... Os malditos Rookie Five... Quando ainda era uma amazona de Prata curandeira. E vive num relacionamento de gangorra com o pivete de Leão. É o cúmulo da indecisão. Onde já se viu uma amazona de ouro se portar assim? Se bem que o Leão tem sua parcela de culpa, também. Mal conseguia olhar para um rabo de saia sem sentir desejos insanos. É um moleque mesmo. O Santuário não soube passar os valores adequados para essa geração. E agora irão perecer por conta de seus próprios deslizes.”

            Mais uma linha preenchida.

            “Gêmeos e Câncer... os dois veteranos. Tinham tanto potencial, mas preferiram se manter leais a Atena e seus ideais ultrapassados. Gêmeos ainda demonstrou certo talento para as trevas num determinado momento, mas foi subjugado pelos outros 11 vermes. Uma pena. Nosso mestre Cronos teria feito bom uso das habilidades dele...”

            Novamente, a professora preencheu uma linha.

            “Por fim, temos Virgem, Touro, Peixes e Capricórnio. Deles, Virgem ainda me parece ser relativamente um adversário a altura. Mas os outros três... Mais parecem bebês que ainda não sabem engatinhar. Mal saíram das fraldas ainda. É essa a sua resistência, Atena? É esse o seu exército, Santuário? A força dos Titãs será avassaladora, e varrerá vocês e seus preciosos Cavaleiros de Ouro da existência antes mesmo que vocês percebam”.

            Mais uma linha preenchida.

            “Shion de Áries, um velho energúmeno que tenta fingir que quer levar o Santuário para o caminho da paz, mas que, por dentro, se regozija por ter a chance de liderar os Cavaleiros em mais uma batalha. E Atena, que se esconde atrás dos Cavaleiros enquanto eles dão a vida para, supostamente, defendê-la. Pois bem. Vocês dois pagarão muito caro por sua arrogância e impertinência. Quando tivermos arrasado o solo do Santuário com o sangue dos Cavaleiros de Ouro, vocês dois serão os últimos a morrer, contemplando os cadáveres de seus queridos pupilos. Que isso fique de lição para suas próximas encarnações... Isso é, se lhes for concedida a graça de reencarnarem novamente”.

            Outra linha foi preenchida. Ana estava lívida de raiva. Os símbolos que escrevera em seu livro pareciam fumegar.

            Concluindo seu manifesto de ódio contra o Santuário, Ana se levantou, e olhou mais uma vez para o enorme buraco que conduzia ao Tártaro.

— Com a sua licença, mestre Cronos – entoou ela para a energia cósmica que era sentida dentro do buraco. – Vamos sair para espalhar a boa nova do seu retorno.

            Ana fechou o livro, deu as costas ao buraco, guardou a caneta e se dirigiu novamente até onde os dois deuses a aguardavam.