Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada escrita por Eddie Stoff


Capítulo 2
Talvez, sem querer, posso ter explodido algumas coisas




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 Veja bem, eu não sou uma criança problemática. Bom, não intencionalmente. É que coisas estranhas acontecem comigo quando fico...  nervoso.

  Eu poderia citar o que aconteceu no começo deste ano, quando eu estudava na minha antiga escola, a High Tower.

  Estava tendo um dia como qualquer outro: morrendo de tédio na aula de geografia. Quem se importa com relevo, planície e depressão? A professora era a Sr.ª Allen, ela parecia ser gente boa, pelo menos fora do horário de aula. Durante a aula ela não tolerava conversas aleatórias ou qualquer outra coisa – seja uma palavra que não fosse para perguntar sobre a matéria, ou saídas ao banheiro a não ser que fossem uma emergência.

A Sr.ª Allen estava explicando sobre as formações rochosas. Até aí estava tudo bem, só que ela virou de costas para escrever algo no quadro. E aí foi que começou a dar problema. Alguém – não me pergunte quem por que não vi, mas sempre havia uma suspeita de quem era — teve a incrível ideia de jogar uma bolinha de papel na professora, pegando em suas partes baixas. Ela se virou furiosa por um microssegundo, depois ficou tranquila (Uma baita atriz ela seria), se abaixou, pegou a bolinha e educadamente perguntou quem a havia jogado. Era óbvio que ninguém ia levar a culpa por algo que não havia e nem mesmo o culpado ia ser louco o bastante para admitir. Como ninguém fez menção de se pronunciar, a Sr.ª Allen ameaçou que se não aparecesse o “engraçadinho”, iríamos ficar sem intervalo durante uma semana. E, sim, infelizmente ela podia fazer aquilo. Além de professora, ela era uma das coordenadoras da escola.

  Na sala onde reinava o silêncio, o murmurinho começou a ficar cada vez mais alto, até que alguém teve a brilhante ideia de entregar o culpado.

— Sr.ª Allen? – chamou Rupert Gallaham, levantando a mão. Era um garoto mimado que achava que podia fazer o que quisesse só porque sua família tinha bastante dinheiro. – Eu vi quem jogou a bolinha. Foi o Adrian. – E apontou pra mim.

  Fiquei aturdido demais pra saber que estava levando a culpa por algo que não fiz. Voltei à consciência trinta segundos depois e tudo que disse foi:

— Hã? E-eu?

— Eu vi Adrian – disse Rupert, com convicção e um leve sorrisinho maldoso – Você arrancou folha do seu caderno, amassou e jogou na pobre Sr.ª Allen. Isto não se faz Gasparzinho.

  Gasparzinho foi o apelido que, carinhosamente, me deram por ser muito pálido. Além disso, tenho heterocromia central, ou seja, meus olhos têm cores diferentes. O esquerdo é azul com um círculo verde central; o direito é verde com um círculo azul central. O médico disse que é extremamente raro. Na verdade, não existe nenhum caso no mundo. Segundo meu pai, puxei esse traço da minha mãe, assim como meu cabelo escuro.

  Os outros garotos da sala começaram a incentivar a mentira do Rupert, já que eles também não iam com minha cara – Ah, um detalhe não tão importante: a escola High Tower é frequentada apenas por garotos. Uns disseram que também viram; outros disseram que tentaram impedir que eu jogasse. Tais mentiras pareceram convencer a Sr.ª. Allen. Ela me fuzilava com os olhos. Parecia um touro olhando para uma toalha vermelha prestes a furá-la com os chifres. Veio até minha mesa e colocou a bolinha em cima dela e pediu para desamassá-la. O que ela esperava encontrar? Provas do "crime"? Meu nome escrito? Poxa vida, se tivesse sido eu ela acha que eu iria colocar meu nome? Não sou tão burro assim.

  Fiz o que ela pediu e, realmente, tinha meu nome escrito junto com algumas anotações da aula. Fiquei incrédulo. Foi uma armação. Estava bem óbvio, só a professora que não havia percebido. Não podia provar, mas tinha certeza de quem tinha sido o autor daquela proeza: Rupert. Olhei ao redor da sala e pude ver os garotos rindo de mim e passando o dedo pelo pescoço como se dissessem: Você está frito, West. Vai ficar na detenção pelo resto do ano. Tentei argumentar com a Sr.ª Allen, mas ela parecia bem decidida em ter achado o culpado. Olhei pra ela, assustado.

— Tem alguma coisa a dizer, Sr. West? – disse ela, com aquele olhar intimidador que só os professores têm. – Você sabe que posso deixá-lo na detenção pelo tempo que eu quiser, não é?

  Balancei a cabeça dizendo que sim.

— Ótimo. Você parece ser inteligente, Adrian. Sabe quem é que manda aqui, certo? – perguntou

  Assenti novamente, mas ela repreendeu.

— Diga! Quero ouvir você dizendo quem é que manda aqui. – Sua voz ficou mais ríspida e quase me fez chorar. (Ora, eu só tinha treze anos, não me julgue, eu fico nervoso muito fácil, aliás, estou aprendendo a controlar isso)

— V-você, Sr.ª A-Allen. – Respondi nervoso. – Mas...

— Nada de "mas". – Ela começou a falar um pouco mais alto – Você, Adrian West, vai aprender a respeitar à autoridade dentro da sala de aula. Está me ouvindo? R-E-S-P-E-I-T-A-R. – Foi andando até o quadro, mas antes foi ao lado da mesa dela e jogou a bolinha no lixo. – Ficará o ano todo na detenção após a aula, Sr. West, para refletir no que fez. Está bom para você? – Falou de costas para a turma.

  Eu nem conseguia responder, estava muito nervoso. Minhas mãos tremiam bastante embaixo da mesa. Meus pés também. Eu estava suando frio, assim, de repente. De uma hora para outra minha visão ficou turva e depois não vi mais nada. Devo ter ficado desacordado por no máximo um minuto, quando abri os olhos parecia que eu estava num cenário de guerra, com exceção das mortes, é claro. Os objetos que estavam na estante que antes estavam novinhos em folha, agora estavam quebrados. As janelas da sala estavam aos pedaços no chão. Os tubos de ensaio praticamente nem existiam mais. As paredes da sala estavam manchadas com alguma coisa verde, talvez tinta, não sei. O teto estava caindo aos blocos, o reboco não segurava mais. Os meus companheiros de sala e a Sr.ª Allen estava jogados no chão, inconscientes, eles também tinham aquela coisa verde espalhada por eles, felizmente – ou não – estavam vivos. Só que a cena que mais me surpreendeu foi o que estava escrito no quadro negro em tons de vermelho, que parecia ser sangue:

NÃO FUI EU QUEM JOGOU A BOLINHA

  Será que fui quem fiz isso? (Até então eu não sabia os parâmetros dos meus poderes)

 Só que, infelizmente, não tive muito tempo para descobrir o que tinha acontecido na sala ou muito menos por que havia escrito aquilo no quadro.  Porém, depois de descobrir quem eu era soube que foi, sim, eu, quem escreveu aquilo num surto que eu tive Só não lembro como fiz aquilo. — Antes que eu pudesse, sei lá, me juntar a eles me fingindo de inconsciente e mentir sobre o que acabara de acontecer, o diretor da escola, o Sr. Vaughn, entrou na sala com mais alguns funcionários da segurança e ficaram de olhos esbugalhados. O Sr. Vaughn era um homem por volta dos sessenta e cinco anos, tinha a pele clara, porém, desgastada com a idade, os poucos cabelos que têm na cabeça são grisalhos. O rosto parecia jovial para alguém da idade dele, as poucas rugas que tinha no rosto raramente ficavam visíveis só quando ele estava nervoso, o que parecia ser o momento ideal para elas aparecerem. Seus olhos castanhos claros estavam por debaixo dos óculos fundo de garrafa que ele usava. Vestia uma camisa social quadriculada por baixo do paletó marrom. A calça, também marrom, parecia fazer parte do conjunto “Sou velho, porém, elegante”. Os sapatos eram pretos e pareciam que terem sido engraxados recentemente. Os outros dois funcionários vestiam o uniforme padrão da segurança da escola: camisa branca de manga comprida com os brasões da instituição e a palavra SEGURANÇA escrita no lado esquerdo e nas costas. A calça jeans preta parecia ser padrão, pendurado no cinto havia um rádio comunicador para cada um e os sapatos esportivos preto. Feito especialmente para correr atrás de aluno fujão.

  Na percepção deles, já que todos os outros estavam desmaiados ou algo do tipo, e só eu estava acordado, eles presumiram que o culpado era quem? Isso mesmo. Eu! — E eles estavam certos — Ele e os outros funcionários e imediatamente começaram a retirar os alunos e a Sr.ª Allen de dentro da sala, enquanto alguns rebocos ainda caíam.

PLAAK!

  Após retirarem todo mundo da sala, o teto finalmente desabou. Eu estava sentado do outro lado do corredor, em frente à sala quando o Sr. Vaughn sentou-se do meu lado, tentando saber o que acontecera.

  Expliquei pra ele o que eu sabia, o que não era muita coisa, já que eu apaguei e não vi ou ouvi nada. Disse também que quando acordei a sala já estava naquela zona. Preferi omitir a parte em que a Sr.ª Allen me deixou de castigo na detenção e que eu não sabia de nada sobre o que estava escrito no quadro. Não sei se ele acreditou em mim, porque quando ele se levantou ficou olhando atravessado pra mim, como se soubesse que eu estava escondendo alguma coisa. Mas, também, olhou pra mim como se tivesse pena. Tentei animá-lo dando um sorriso e falando a coisa mais estúpida que pude:

— Pelo lado bom, o teto teve a decência de esperar cair quando não tinha mais ninguém na sala.

  O Sr. Vaughn ficou furioso, bufou de raiva e saiu andando pelo corredor da escola. (A cena foi um pouco engraçada porque enquanto ele andava rápido seu sapato fazia um barulho estranho e isso me acalmou os ânimos). Os alunos das outras salas saíram correndo para ver o que tinha acontecido. Então, já viu a confusão que foi colocar tanto aluno de volta às salas de aula após aquele incidente. Um dos funcionários ligava para ambulância e outro, para os bombeiros.

  Mais tarde – cerca de trinta minutos – os alunos e a Sr.ª. Allen começaram acordar, alguns ainda estavam sob observação dos paramédicos que chegaram ao local dez minutos depois acompanhados dos bombeiros, que fizeram uma vistoria na sala para ver se existia o risco de desabar sobre as salas que ficavam no andar de baixo.

  À primeira vista, os alunos que tinham desmaiado não diziam coisas concretas sobre o que tinha acontecido na sala de aula. Contudo, quando começaram a recobrar a memória, foi quando eu me dei mal. Todos eles (sim, todos eles) colocaram a culpa em mim por ter destruído a sala. A Sr.ª Allen falou sobre o que eu fiz (O que eu não fiz, mas, infelizmente, todas as provas apontavam pra mim).  E, que por ter pegado detenção até o final do ano, eu tinha feito alguma magia negra para fazê-los apagarem e destruir a sala. Pode parecer loucura, mas era o que parecia. O pior é que o diretor quase acreditou, mas ele lembrou que NÃO EXISTEM BRUXOS e só trouxas acreditam nisso, logo, essa teoria foi por água abaixo. Mas, infelizmente, não foi o suficiente e acabei sendo expulso da escola High Tower, porque segundo o Sr. Vaughn, a Sr.ª Allen, o Conselho Acadêmico da escola e os pais dos outros alunos, eu era um perigo para os outros. (Não tenho culpa se coisas estranhas acontecem comigo).  

Talvez eu devesse ter ido ao médico, ou alguma coisa do tipo e perguntar o que eu tenho, mas eu tenho medo do que ele vá dizer, talvez algo do tipo: "Ah, sinto em informar que o que você sofre de uma doença chamada 'instabilidade de ser esquisito'. Esta doença afeta uma pessoa a cada duzentas mil em todo o mundo. O tratamento é à base de choque e uma camisa de força".

Se ainda não bastasse eu ter sido expulso, meu pai teria que pagar pela reforma da sala, os objetos que estavam lá dentro e os custos dos medicamentos para os alunos que tiveram alguns cortes e hematomas mais graves. Felizmente, isso não aconteceu. Meu pai, Albert, recorreu na justiça e como a escola não tinha provas que tinha sido eu quem destruiu a sala (Além de testemunhas nada confiáveis que, supostamente, foram atacadas por magia), eles tiveram que se contentar apenas com a expulsão.

  Ah, e eu fiquei sem celular e computador, já praticamente sem vida – não que eu tivesse alguma escolha— pelo tempo em que eu ficaria na detenção. Além disso, foram horas e horas de conversa com meu pai e com a psicóloga que ele arranjou, que, assim, do nada, não quis mais me consultar após oito sessões. Talvez ela tivesse ficado assustada quando contei sobre os sonhos que eu vinha tendo desde que completara treze anos, no dia cinco de março. Dias depois fiquei sabendo que ela havia desaparecido. Estranho, não?

 

A partir desse dia, minha vida não voltaria a ser o que era antes.

 


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