Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada escrita por Eddie Stoff


Capítulo 18
Me ofereço a uma missão de risco




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Quando acordei, Candence comparou minha notória habilidade em desmaiar com a de um tal de Jason, embora eu não soubesse quem era esse cara e como ele ganhara tal fama de “Bela Adormecida”.

Certo dia, talvez duas semanas depois que chegamos ao Instituto, Susan foi até a sala do Gregório. A garota estava, incessantemente, indo até ele para conseguir uma maneira de falar com seu pai. O diretor, porém, dizia que não era possível, pois tinham que dar um jeito de nos fazer “sumir do mapa”. Pelo tom que ele usava mais parecia que iria nos matar. Numa das idas da garota até a sala do diretor, Sue pediu para que eu a acompanhasse.

Quando chegamos, Gregório nos olhou como se já soubesse do que se tratava. 

— Olá, crianças. Susan, ainda não conseguimos limpar toda a sujeira que vocês fizeram no colégio e no planetário. Vejam. — O diretor fez uns gestos com as mãos e uma imagem surgiu diante de nós. Era um noticiário falando sobre os dois acidentes. 

“Quase 20 dias depois dos misteriosos acidentes em um colégio no centro da cidade e no Planetário Pérola Lunar, ainda não se sabem as causas que levaram aos trágicos fatos ocorridos e nem se há ligações entre eles. Os laudos da perícia no colégio descartaram o terremoto como a causa do ocorrido. Muitos acreditam que foi causado pelo mau estado do prédio, mas ainda não há uma conclusão definitiva. Dezenas de alunos ficaram feridos, mas felizmente sem nenhuma morte. Contudo, no Planetário o dano foi ainda maior”, a repórter fez uma pausa. 

“Quando os bombeiros chegaram no local, a cena foi de um filme de terror. vários funcionários assassinados de maneira brutal, experimentos e equipamentos destruídos. Ninguém sabe o porquê disso ter acontecido. Segundo um dos bombeiros que esteve no local no dia, o ataque ‘não pode ter sido humano pela tamanha barbaridade e crueldade na maneira que mataram as vítimas’. O diretor-geral do Planetário, o doutor Albert West, ainda está desaparecido. Os danos materiais são significativos, mas as vidas que foram perdidas nesse terrível acontecimento não tem preço”, finalizou a repórter.

— Como podem ver, crianças — disse Gregório. —, o que fazemos lá fora tem consequências. Ainda há traços de atividades “sobrenaturais”. Se fosse outra coisa, já teríamos arrumado isso, mas o que aconteceu foi grande. Nossa “equipe de limpeza” já deu um jeito de apagar as evidências de que vocês estiveram nesses locais. O caso do Adrian é mais fácil, já que ele não tem ligação nenhuma com o mundo lá de fora. — As palavras de Gregório saíram como um soco direto no meu estômago. Mesmo sendo cruel, ainda era verdade. — Nosso pessoal foi até sua casa dias depois, Susan. Como seu pai sabe de tudo isso, eles explicaram como seriam as coisas daqui pra frente. Para todos os efeitos, após uma leve alteração de memória na sua madrasta e irmã, você está em um colégio interno que não pode receber visitas até o fim do semestre. Não é a melhor desculpa, mas vai dar bastante tempo para resolvermos tudo.

— Se eu “sumi”, por que não posso falar com meu pai, Gregório? — questionou Susan. Os olhos da garota estavam cheios de lágrimas, ela estava se esforçando para segurar o choro.

— Não é tão simples, Susan! — O diretor aumentou a voz. — Já disse, ainda há resquícios que podem servir como rastros para que monstros venham até aqui. Como acha que vivemos aqui por décadas sem nenhum ataque? Não posso arriscar, criança. Só peço mais um pouco de paciência.

Susan continuou questionando as decisões do diretor por não deixá-la falar com seu pai, mas no final acabou concordando com Gregório. Era difícil para a garota estar longe da família, principalmente de seu pai. Mas, como o diretor falou, era melhor esperar do que colocar todos em perigo.

Assim que saímos, foi possível ouvir Gregório gritando com alguém pelo telefone.

— Como estão as coisas sobre o caso da Susan McMenning? O quê? Pelos Deuses, Magno. O que é tão difícil em alterar a memória das pessoas? Não é você que está olhando para a garota pedindo para falar com o pai dela todo dia. Vou ter que fazer seu trabalho? Você e sua turminha têm mais uma semana. Uma semana, Magno!

Como combinado, Susan voltou na semana seguinte. Gregório deu as boas novas à garota, disse que a "equipe de limpeza" tinha arrumado as pontas soltas que sobraram. Naquela mesma noite Susan falou com seu pai. Ela até tinha me chamado para ir junto, mas aquele era um momento especial dos dois. Um que eu não tinha noção de quando teria novamente.

 

 

Era um sábado chuvoso.

Passaram quase dois meses desde todos os acontecimentos que fizeram minha vida mudar completamente. Após algumas noites em claro e me sentindo um completo estranho naquele lugar, as coisas foram finalmente entrando nos conformes. Contando com o apoio da Sue e dos outros amigos que fiz em um curto período de tempo, fui me acostumando com o Instituto e com a nova vida que eu tinha. 

Quando comecei as aulas de introdução à magia descobri alguns feitiços de localização que podiam ser conjurados a partir de uma memória, seja de um lugar ou de alguma pessoa. Eu tinha tentado lançá-lo algumas vezes, mas não tive sucesso em nenhuma delas.

Sem ideia melhor do que fazer naquele dia chuvoso, desliguei a televisão e fui para cama, tentando dormir. Desde que tinha chegado no Instituto os pesadelos tinham parado por um tempo. Porém, depois da minha primeira caça ao coelho, eu não ouvira mais nada da minha mãe.

Mesmo sendo incomodado pelos trovões reverberando no céu, consegui dormir. E aí eu sabia que meus sonhos esquisitos estavam de volta.Tudo ficou escuro. Parecia, com toda aquela escuridão, que eu estava cego. Só conseguia ouvir pingos de água indo ao encontro do solo. 

Pouco tempo depois a escuridão foi ficando menos densa, parecia que eu estava dentro de alguma caverna ou uma gruta. Atrás de mim uma luzinha que mal se sustentava clareou com dificuldade a saída. A cada passo que eu dava até a saída, os cabelos da minha nuca se arrepiavam. Instintivamente procurei Anoitecer no meu pulso, mas não estava lá. 

Prossegui para fora da caverna e vi que era uma pequena abertura no térreo de uma montanha infinitamente gigante. Mais adiante daquela montanha, abria-se uma floresta densa, sendo iluminada pelos raios que cruzavam o horizonte. 

Receoso, ingressei mata adentro. Corujas me observavam nas árvores, morcegos davam rasantes entre os galhos. Tive a impressão de ter ouvido alguns uivos, mas felizmente era apenas o vento apitando em meus ouvidos. Mais trovões cruzavam o céu.

Em uma passagem estreita entre as árvores, acabei arranhando a perna em um dos galhos pontudos que estava prostrado no chão. Desta vez, diferente do último sonho que tive, o corte não cicatrizou, ficou sangrando e ardendo com o contato dos pingos da chuva.

Depois de sei lá quanto tempo, consegui atravessar a floresta por completo, saindo em frente a uma árvore grande e robusta com diversas gaiolas vazias e quebradas. Mais adiante, tinha uma casa de tijolos estilo medieval de dois andares com luzes acesas. Ao redor dela havia uma extensa coletânea de árvores desfolhadas e de troncos apodrecidos, fora uma plantação de trigo que se perdia de vista. Um pouco distante da casa principal, havia, pelo o que pude distinguir, restos do que seria um armazém que parecia ter sido incendiado.

O meu “eu” interior gritava desesperadamente “Não vai até lá, Cabeção. É armadilha!”. Dei as costas e comecei a retornar por onde tinha vindo, tendo a esperança de acordar. Mas, como todo outro sonho que tive, não era tão simples assim. Já tinha passado das primeiras árvores na direção contrária quando ouvi um grito partindo de lá dentro. Meu senso de querer ajudar os outros me impediu de simplesmente dar as costas para aquela situação.

A chuva com a adição dos ventos fortes castigavam as plantações de trigo, fazendo-as esvoaçarem. As gaiolas presas na árvore foram caindo e rolando pelo chão. As luzes dentro da casa oscilaram, uma silhueta gigante cruzou a janela no lado interior da residência. Os cabelos da minha nuca estavam em pé mais do que nunca. Praguejei por não estar com Anoitecer ali comigo. Silenciosamente, apertei o passo e cheguei até uma das paredes da casa, me acocorando embaixo da janela que estava aberta.

Mais gritos de dor.

Ouvi vozes vindo de lá dentro. Risos. Tilintar de metal chocando contra alguma coisa. Escutei passadas chegando em direção à parte frontal da casa, mas logo se deslocou para algum outro lugar. Aproveitei a oportunidade de a janela estar desguarnecida e pulei para dentro. O interior da casa era tão podre quanto as árvores que ficavam ao redor do lugar. Tinham poças de algum líquido vermelho espalhado pelo lugar. Sangue. A única coisa que parecia funcionar (e muito mal) era uma luminária que estava pendurada por um fio.

Outro berro de dor.

Passos ruidosos vieram do segundo andar da casa, fazendo cair alguns pedaços do reboco do teto. Me embrenhei pelo meio da casa, decidi não pegar as escadas que levavam para o andar superior. Cheguei à cozinha e o cenário foi de embrulhar o estômago: no meio tinha uma mesa com uma grande carcaça do que parecia ser um lobo gigante, a pelugem preta estava vermelha. 

Segurei a vontade de vomitar e andei até uma porta entreaberta, era de lá que vinham as gargalhas sádicas, os gritos escandalosos e as pancadas no metal. 

A iluminação lá embaixo estava ficando mais nítida e forte. A poucos degraus de adentrar o porão, vi outras silhuetas projetadas na parede de rocha amarelada. Cabos de energia se emaranhavam no teto. Continuei a descida silenciosamente, na esperança de não ser ouvido. Quando finalmente cheguei ao piso do porão, eu quase gritei de pavor. Havia cerca de dez monstros em um círculo, enquanto outro estava na frente da pessoa sendo torturada por eles. Os monstros eram dos mais variados tipos e tamanhos.

Reconheci alguns graças às aulas que tivemos sobre os biótipos de alguns monstros. Os de pele avermelhada, músculos em excesso, cabelos negros que mais pareciam algas e um único chifre em suas cabeças eram os seojis, criaturas sádicas que adoravam duas coisas: matar e comer. Principalmente comer o que matavam. Outros dois pareciam lagartos, com direito a língua bifurcada, caudas longas e olhos amarelados com um traço na vertical em tons pretos. Eram os atreisos, monstros rápidos e com voracidade para destroçar qualquer um que aparecesse na sua frente. Alguns outros eu não consegui lembrar os nomes, mas eram tão letais quanto os demais. O algoz que importunava o prisioneiro era um seoja de pele arroxeada, portando uma grande espada de osso amarelado.

— Este verme moribundo não vai durar mais tempo — gritou um dos atreisos.

— Sim! Vamos matá-lo agora e depois comermos. Humanos têm carne macia — concordou um seoja no meio da rodinha do mal.

O homem tentou gritar novamente, mas tinha algo tapando sua boca. Ele se contorceu nas amarras. O seoja que estava responsável por torturá-lo deu um soco potente no estômago do encarcerado. Depois de se debater nas correntes, ele recebeu uma folga quando seu carrasco saiu da sua frente, tirando o pano de sua boca. 

Quando deu brecha para que eu conseguisse visualizar quem era o infortunado que estava sendo tratado como um brinquedo para aqueles monstros, quase enfartei. Era meu pai! Mesmo todo ensanguentado eu reconheceria ele em qualquer lugar. Era ele sem dúvidas. Ele teve um grande corte na barriga, causado pelo Zumbi de Areia quando o levaram do Planetário um mês atrás.

— Pai! — exclamei, mas ele não pareceu ouvir. Ninguém deu importância. 

Me aproximei do meu pai, passando pelas brechas que os monstros davam, e acabei chegando ao lado dele.

— Pai — disse eu, tocando-lhe o rosto castigado. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas, estava chorando horrores, soluçando sem parar.

Meu pai parecia acabado, já nas suas últimas forças. Tinha perdido peso, as costelas machucadas se mostravam quase coladas à pele. Os olhos eram de olheiras profundas, como se não dormisse há semanas. A barba crescera. Seu abdômen estava quase todo latanhado por marcas de cortes, seja de espadas ou chicotes, ou o que quer que seja que eles usassem.

— Pai, eu estou aqui — falei-lhe rente ao ouvido.

— Adrian... — murmurou, sua voz estava rouca, fraca. Não fazia ideia se ele sabia que eu estava ali. — Meu filho...

— Pai, vou tirar você dessa — sussurrei. Dei um abraço nele, mas sem apertar muito para não machucá-lo. — Onde você está?

— Adrian — falou após uma crise pesada de tosse, expelindo bolotas de sangue.

— Está falando o quê? — gritou um dos seoja, jogando um osso que estava no chão. — Fica quieto e morra em silêncio, humano.

— Eu te amo, meu filho. Se eu não conseguir sair dessa… — Ele não terminou a sentença, pois começou a tossir novamente.

— Pai. — As lágrimas desciam aos montes pelo meu rosto. — Eu vou te resgatar. Só preciso que aguente mais um pouco, por favor.

 

— Eu sei que você está aqui, Adrian West — anunciou o monstro, pegando os outros monstros de surpresa, que ficaram olhando entre si para entender o que estava acontecendo. 

Como ele sabia que eu estava ali? Era tudo um sonho.

— Olhe bem como seu pai está, pois esta será a última vez que o verá. Seu mundo vai ruir, Remanescente — disse ele, profético. O monstro sibilou algumas palavras, conjurando uma arma. — Sem o bidente vocês perecerão e ninguém poderá ajudá-los. Nós reinaremos nos Quatro Mundos junto do nosso Senhor! Venha, Adrian. Venha atrás do seu pai, estaremos te esperando. Você tem até a última lua de Outono para resgatar seu querido paizinho.

Sacou a espada da bainha e a tateou por alguns segundos. Depois, acertou meu pai na barriga. Fazendo-o gemer de dor e se inclinar para frente, sendo detido pelas correntes.

— PAAAI!

O grito foi perdendo a intensidade. Silêncio. Senti meu corpo pesar e depois cair. De repente, ouvi ruídos distantes... eram trovões? 

Acordei no meu quarto novamente, mas isso não me fez ficar menos infeliz. Meu pai estava ferido e sendo constantemente açoitado por monstros. Eu tinha que fazer de tudo para resgatá-lo.

Outro trovão ribombou. O último.

Já não havia mais barulho de chuva. Não fazia ideia de por quanto tempo eu tinha dormido, mas agora que estava acordado só tinha um objetivo: salvar meu pai das garras daqueles monstros. Mas, primeiro, eu tinha que saber onde ficava aquela casa, e não poderia fazer isso sozinho.

***

Antes de sair peguei meu casaco, porque eu não sabia como estava o tempo fora do quarto. Não ouvir os trovões não significava que havia parado de chover. O céu estava nublado. A chuva tinha dado uma trégua, pelo menos por alguns instantes. Desde o início daquela semana vinha chovendo incessantemente, o que acabou atrapalhando algumas aulas ao ar livre.

No refeitório era a mesma bagunça e gritaria por parte dos outros Remanescentes, esperando Gregório aparecer para dar seu discurso matinal e só então liberar para irmos tomar café da manhã. Eu não estava com muita vontade de comer, não depois do que vi naquele maldito pesadelo com meu pai sendo torturado.

Estava sentado na mesa com Sue, Candy e Ferdinand. Nós quatro, depois de muitos desentendimentos, estávamos nos dando melhor do que antes; só a Sue e a Candy que ainda discutiam por alguns motivos bobos, mas logo paravam quando percebiam que estavam indo longe demais.

Gregório chegou ao refeitório cerca de dez minutos atrasado. Ele ainda estava usando seu pijama listrado azul e um roupão de pele de urso, pantufas e um gorrinho. Na mão esquerda trazia consigo uma folha com as atividades que possivelmente teríamos na semana seguinte. Na mão direita, carregava uma xícara de café e nela tinha escrito: MELHOR DIRETOR DOS QUATRO MUNDOS. Havia controvérsias entre aquela xícara e a realidade, mas era inegável que ele tentava dar seu melhor quando queria. 

Mais tarde fui até a sala do Gregório conversar sobre o pesadelo que tive e pedir para sair atrás do meu pai. Já tinha ido algumas vezes naquela sala, no Q.G, mas sempre me sentia desconfortável com aquele tanto de animais empalhados, o estômago embrulhava só de imaginar cada um deles me encarando.

— Gregório — disse eu, me ajeitando na poltrona —, ontem à noite tive um sonho, ou melhor, um pesadelo.

Ele não falou nada. Fez um gesto com as mãos para que eu prosseguisse.

— É meu pai, Greg — revelei. — Depois desse tempo todo eu o encontrei. Ele está muito ferido e precisa de mim mais do que nunca. Você tem que me deixar ir atrás dele.

— Eu tenho? — Me encarou friamente. Gregório não fazia por mal, tampouco por não gostar de mim, mas ele, às vezes, deixava sua autoridade subir à cabeça. — Eu não tenho que fazer nada, Adrian. Olha, eu sei que você estava procurando seu pai, mas não posso simplesmente deixar você ir 

— Mas é meu pai! — Minha reação à negativa do Gregório foi mais explosiva do que eu achei que seria. — Eu tenho que ir atrás dele. Greg, são quase dois meses nisso. Todas as vezes que a Susan vai falar com o pai, sempre penso no meu! Penso que poderia estar fazendo o mesmo, saber que ele está bem. Você sabe o quanto isso dói? Sabe o que é não ter notícias de alguém que você ama? Viver todos os dias na agonia de que talvez nunca mais veja aquela pessoa? 

— Eu sei, Adrian. Deuses, eu sei. — Gregório me encarou como nunca tinha feito. Havia raiva, tristeza, angústia e mais outras emoções em seus olhos marejados. — Mas você nem sabe onde procurá-lo. Ele pode estar em qualquer canto dos Quatro Mundos. — Gregório tinha razão e sabia disso. — Entenda que estou impedindo você de ir a uma missão suicida.

— Mas...

— Basta, criança. — Gregório estendeu a mão, me interrompendo. — Me conte exatamente, sem esquecer um detalhe, do que aconteceu. Talvez haja alguma pista do lugar que estão o mantendo preso.

Comecei a descrever o pesadelo. Falei que tinha aparecido em uma caverna com tudo escuro, ao pé de uma montanha gigante. Contei sobre a floresta “assombrada” que rodeava os perímetros daquela casa. Como aquela casa era cercada por diversas plantações de trigo. Falei da árvore troncuda com gaiolas quebradiças, da casa de dois andares em estilo medieval e dos monstros que nela estavam. Quando terminei de contar, Gregório murmurou alguma coisa que me chamou atenção: a fazenda...

— Tudo isso que você falou — disse Gregório, sua feição era de total palidez. Estava lutando para acreditar que aquilo era verdade. — Só tem um lugar em todos os mundos que batem com esta descrição.

— A fazenda? — deduzi.

A expressão que ele fez nem precisou dizer se era ou não. Era lá, nessa tal fazenda.

— Adrian, você não entende quão perigoso é esse lugar. O nome que aquele lugar ostenta de Fazenda Amaldiçoada não é à toa. Muitos foram até lá atrás dela e nenhum retornou. — Seus olhos piscavam constantemente, como se tivesse entrando numa piração.

— Eu tenho que ir, Greg. É meu pai que está lá. Não posso deixá-lo sozinho. — Pedi mais uma vez. — Além disso, durante meu sonho, aquele que parecia ser líder dos monstros falou algo sobre o bidente de Baphoraz ser a nossa ruína.

Gregório ficou estático, surpreso, mexendo no fio do mouse do seu computador antigo. Coçou a cabeça algumas vezes. Ele me encarava e depois olhava para os bichos empalhados, como se caso eu fosse para a Fazenda fosse ter o mesmo destino que aqueles animais. Por fim, o diretor suspirou e disse:

— O bidente é uma das armas mais antigas e poderosas de nossos deuses. Após Baphoraz sumir, o bidente nunca mais foi visto. E se está em posse dos monstros, corremos grandes perigos. — Fez uma pausa longa. Ele olhou pela janela, o tempo estava fechado. Tinha voltado a chover.  — Você vai de qualquer jeito, não é? Mesmo se eu disser não.

— Se tiver alguma chance de salvar meu pai, eu vou pegá-la, não importa o que me cause depois. É meu pai. Eu vou trazer os dois de volta, Greg: meu pai e o bidente.

— Tudo bem, Adrian. — Deu um suspiro pesado, levantando poeira de uma das aberturas de sua mesa. Como se aquela fosse minha sentença de morte. — Eu sei que muitos aqui me veem como um carrasco inflexível em alguns momentos, mas faço o melhor para proteger cada um de vocês. Todos os dias que vocês estão a salvo aqui dentro, outros Remanescentes não estão. Entenda o que quero dizer com isso, Adrian. Eu não autorizo sua missão oficialmente. 

Gregório parou de falar quando alguém bateu na porta. Ele mandou entrar, e eram meus amigos. Os três se sentaram no sofá, confusos sobre o motivo de estarem ali.

— Ótimo! — disse o diretor. — Agora toda sua gangue está aqui.

— Não somos a “gangue dele” — protestou Ferdinand.

— Por que estamos aqui, Greg? — perguntou Candence. — Se foi pelo lance com a Carol no outro dia, foi totalmente sem querer. Não tenho culpa se ela ficou na frente do alvo.

— O quê? — espantou-se Gregório. — Que “lance” com a Carol?

— Nada! — disse a garota. — Não aconteceu nada. Não procure saber.

— Voltemos aos negócios — falou Greg. — O Adrian me solicitou sair em uma missão.

— Espera um segundinho. — Sue fez um gesto com a mão pedindo tempo. — O que está acontecendo? Que missão?

— Meu pai — disse eu. — Depois de todo esse tempo, acho que descobri onde ele está.

— Isso é ótimo, Adrian — falou  Candence. A garota tinha se comprometido em ajudar a encontrar algo que me levasse até meu pai. Por ser filha de Xaylã, a deusa das estradas, a garota poderia achar a localização, mas sempre dava em um beco sem saída. — Onde?

 Gregório coçou a garganta, o que não foi legal, sendo um prelúdio para o anúncio que eu estava prestes a fazer.

— Uma fazenda — revelei. Minha voz saiu mais rouca do que normalmente seria. — A Fazenda Amaldiçoada.

— Como disse pra ele, eu não autorizo essa missão. — Gregório deu uma piscadinha, como se houvesse algo implícito em suas palavras. — Mas, e se ele reunisse um grupo de amigos sem que eu visse e fosse procurar nos livros da biblioteca qualquer informação sobre a Fazenda Amaldiçoada? Ai de mim se eles reunissem tudo que é preciso para irem em uma missão até amanhã de manhã e saíssem bem cedinho. E, lá fora, falassem com o Paul sobre algo que, inocentemente, entreguei a ele. Obviamente tudo sem que eu soubesse do que estavam planejando, é claro. 

O diretor nos olhou uma última vez antes de se levantar da cadeira.

— Não sei vocês, crianças, mas vou dar uma esticada nas pernas. Não aprontem nada enquanto eu estiver fora.

Nós quatro ficamos nos encarando, tentando raciocinar o que tinha sido tudo aquilo. Depois de eles se recuperarem da notícia alarmante, certamente eles teriam diversas dúvidas e então, para tentar melhorar o clima, eu disse a coisa menos sensata que poderia:

— Então, quem topa a aventura que pode nos matar a qualquer instante?


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