Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada escrita por Eddie Stoff


Capítulo 19
A missão começou! Infelizmente, a Candy vai dirigir de novo. Socorro!


Notas iniciais do capítulo

Amo vocês que leem a história.



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Foram precisos vários minutos de espanto e muitos “para de graça, Adrian” até que a ficha realmente caísse para meus possíveis companheiros de missão. Ferdinand era o mais cético, andando de um lado para o outro, pois segundo ele “pensava melhor andando”. Não o julguei. Era difícil admitir que aquele seria o próximo passo para encontrar meu pai, ainda mais com um novo agravante: o bidente de Baphoraz estar em posse dos monstros. A pergunta que ficava no ar era “como diabos eles conseguiram o bidente?”.

— Se eles estão mesmo com o bidente de Baphoraz, — começou Ferdinand, ainda atônito  — a coisa pode ficar mais complicada para o nosso lado. O bidente controla a magia pelos Quatro Mundos. Tudo que há de mágico por aí provém dos Magos! Até o Instituto vai sofrer as consequências se a magia deixar de existir. 

Diante dessa nova possível realidade, a sala ficou com o clima mais pesado, como se o ar estivesse, aos poucos, fugindo. Era difícil pensar quando o futuro de tudo estava em risco.

Sue levantou a mão, querendo fazer alguma pergunta.

— Não é por nada, mas, se o bidente pertence à Baphoraz, como que os monstros poderiam utilizá-lo?

— Essa que é a pergunta que todos estamos nos fazendo — disse Candence. — Na teoria, armas mágicas assim só podem ser utilizadas pelos seus donos, no caso Baphoraz. Mas, honestamente, desde que os deuses sumiram muitas coisas não fazem mais sentido. Além do mais, se prestaram atenção nas aulas de magia com o Gregório, monstros também são seres mágicos, têm magia inata neles. Talvez tenham achado uma frequência que ligue o bidente a eles. — Candence ficou em silêncio quando nos viu a observando boquiabertos, surpresos pela “aula” que estava dando. — O quê? Eu gosto das aulas de magia.

— Então, só para reforçar — Ferdinand estava sentado na cadeira de Gregório, mexendo nas gavetas da mesa —, nós temos que ir para A Fazenda Amaldiçoada, lutar contra sei lá quantos monstros pelo caminho, resgatar o pai do Adrian e ainda recuperar o bidente de Baphoraz, uma das armas mais poderosas dos Quatro Mundos, pois os monstros querem acabar com toda a magia. É isso mesmo?

— É, você resumiu bem — disse eu. Ouvir aquilo em voz alta era bem desanimador, afinal o que quatro adolescentes poderiam fazer contra um exército de monstros?

— O que não sai da minha cabeça é como vão extinguir a magia? —  falou Susan. A garota estava calada por muito tempo, apenas ouvindo atentamente os detalhes.

— Tem feitiços para todos os tipos de coisa, Susan — respondeu Candy, cordialmente. Só de falar em magia, os olhos da garota brilhavam. — A magia está em tudo, seja da coisa mais básica até os feitiços mais complexos e perigosos. E pelo que o Adrian nos contou de seu sonho, os monstros sabem alguma maneira de fazer isso acontecer. 

— Isso eu entendi. Mas como ficariam as coisas para nós, Remanescentes? — ponderou Sue, sendo mais enfática no seu ponto. — O fim da magia implica diversas coisas, incluindo o Véu. Ele cairia? Não haveria mais divisão entre o “mundo dos mortais” e o “mundo sobrenatural”? Como fica a questão dos nossos poderes, ainda seríamos capazes de usá-los? Acabar com a magia não seria algo ruim apenas para nós, para os monstros também teriam consequências.

— Você acha que eles se importam com isso, Susan? — questionei, aumentando meu tom de voz. Com tudo que tínhamos passado até ali, eu não conseguia entender a preocupação dela com os monstros e isso me enfureceu. — Eles só querem caos e destruição, Sue.

— Calma, Adrian. — Ferdinand ficou na minha frente, me pedindo para sentar. — Por mais loucura que seja, a Susan tem um ponto interessante a se discutir. Precisamos compreender as motivações deles para querer que a magia seja extinguida, Adrian. Por mais que pareça que eles agem de “maneira aleatória”, não é bem assim. Pense no Galiofeu, Tampinha. Alguém o mandou vir atrás de você. Alguém está dando ordens, os comandando para agir de acordo com a sua vontade. Mesmo que sejam tachados como uma “força de destruição”, os monstros também vivem em sociedade. É caótica? Sim, com certeza. Mas vivem. Resumindo, não podemos presumir que é algo “do nada”, mas algo pensado de maneira prévia. 

— Eles têm razão, Adrian —  falou Candy, brincando com os dedos no braço da cadeira. — Tudo tem começo e fim, até mesmo as coisas mágicas. A magia está aí há milhões de anos, obviamente que não como era antes, mas está aí. Desde que o mundo é mundo tem alguém planejando destruir tudo, mas sempre tiveram pessoas para se opor, para lutar contra isso. Se desta vez seremos nós, então que seja. Se for o destino a magia ser extinguida, assim será, mas se não, vamos lutar até o fim.

— Como é? — O grandão olhou torto para ela. — Candy, quando você se tornou a pessoa mais otimista dos Quatro Mundos?

Aquela quebra de tensão foi boa para nós. Ficar estressado apenas conversando era um exagero, embora o assunto fosse importante e crítico.

— Desculpa, Sue —  falei, arrependido. Toda aquela pressão era demais pra mim, tinha muita coisa nas minhas costas. — Não deveria ter explodido com você.

— Não devia mesmo, cabeção — rebateu a garota, bem-humorada. — Mas eu entendo o peso que está carregando no momento, apenas lembre-se que você não estará sozinho. Estaremos com você.

Susan olhou para Ferdinand e Candence, que acenou com a cabeça. O garoto esperou um tempinho para responder, na certa tentando fazer suas engrenagens mentais funcionarem mais rápido.

— O quê? Não é que eu não queira, Tampinha — retrucou o garoto. — É A fazenda, Adrian. Têm dezenas de histórias falando como aquele lugar está dominado por monstros, fantasmas e tudo mais que possa nos matar. E está pedindo para irmos com você?

— Falando desse jeito faz parecer ser uma ideia ruim. Mas, sim, é para lá que a missão vai nos levar. Está dentro?

— Com certeza — respondeu Ferdinand, com um largo sorriso no rosto. — Só estava tirando uma com a cara de vocês. Não deixaria que apenas vocês ficassem com toda a diversão.

— Agora que estamos combinados de irmos, só tenho mais uma dúvida — disse Susan, fazendo Candence revirar os olhos, como se não aguentasse mais. — Algum de vocês tem noção de como chegamos até a Fazenda?

— Ninguém sabe, Susan — respondeu Ferdinand. — Aquele lugar foi palco de muitas tragédias, muitas pessoas foram atrás da fazenda e nunca mais voltaram. Se tinha alguma informação de sua localização, foi perdida com o tempo aqui no Instituto.

— Talvez o Gregório saiba — insistiu Sue.

— É muito difícil ele ajudar — afirmou Candence. Ela estava certa. Gregório, oficialmente, não estava a par do que faríamos, então não poderia se envolver diretamente nisso. — Vocês viram como ele agiu, estamos por conta própria.

Engoli em seco. Tinha plena certeza de que, como sempre, as coisas seriam resolvidas pelo jeito mais difícil.

— Ótimo...

Decidimos ficar conversando mais um pouco, agora na biblioteca, elaborando alguns detalhes para a missão. Não era nada fácil, como buscar dois Remanescentes. Tentamos buscar respostas sobre como era o lugar, as vias de entrada, a região e mais um bocado de coisa que se faz quando se está pesquisando por algo. Chegou um momento em que o cansaço bateu e fomos, então, rumando para os respectivos dormitórios, mas não antes de combinar o horário para o encontro. 

Entrei no quarto, joguei alguns livros que falavam sobre a Fazenda em cima da cama e me debrucei para lê-los. As informações, por vezes, se divergiam e não davam algo muito concreto. Mas, dentre informações desconexas, tinham poucas coisas que se repetiam em cada livro, o que dava às informações, esperançosamente, alguma veracidade:

Cerca de aproximadamente cento e cinquenta anos atrás, a Fazenda servia como posto avançado para os Remanescentes. Em um fatídico dia, monstros invadiram o lugar, matando e destruindo cada um que vivia ali. Contudo, antes dos líderes da fazenda perecerem, lançaram um feitiço para prender os monstros que os atacaram, amaldiçoando-os. Daí vem o nome Fazenda Amaldiçoada. Desde então, o lugar foi excluído do mapa para que não fôssemos lá, mas mesmo com todas essas histórias ainda tinham Remanescentes que foram até o local e nunca mais retornaram. 

E lá estava eu, com pouco mais de um mês como Remanescente e me preparando para ir até a Fazenda. Mesmo estando lá apenas em sonho, pude sentir toda a atmosfera sombria e mortífera do lugar. Felizmente, antes que a paranoia invadisse por completo minha mente, meus olhos foram pesando e, por mais que tentasse ser forte para resistir ao sono, uma hora eu acabaria cedendo. Era até melhor, na verdade. Eu estaria cem por cento para o dia seguinte.

Coloquei Anoitecer na mesinha ao lado da cama. Empurrei os livros para o lado e, lentamente, fui adormecendo.

 

Felizmente ou nem tanto, não tive sonhos pitorescos com relação a fazenda, meu pai, monstros ou até mesmo com minha mãe. Tinha sido mais um dos sonhos do Adrian inocente, sonhando em ser um brilhante astronauta, ou depois ir nadar pela praia, coisas desse tipo. Mesmo estando em um profundo sono, ouvi um barulho distante como se fosse um despertador. Não era da corneta ensurdecedora que tocava todas as manhãs para nos levantarmos. Era como um despertador comum, desses em... relógio?

Pisquei os olhos algumas dezenas de vezes bem rápido para poder acordar em definitivo. Anoitecer estava apitando incessantemente na mesinha. O estranho é que não fazia ideia de que tinha aquela função no relógio. Talvez fosse uma de suas propriedades mágicas. Olhei para minha cama, estava uma bagunça, os livros espalhados, parecia um ninho. E foi então que me lembrei de algo importante que tínhamos conversado antes: arrumar a mochila. Fui colocando tudo que fosse necessário: roupa e comida. Com sorte alguém levaria pedaços do bolo cura-tudo.

Não demorou muito e já saí em direção ao ponto de encontro.

O dia ainda não tinha amanhecido. Não oficialmente. O tom azulado mais escuro começara a dar lugar ao azulzinho claro, poucas nuvens no céu. A brisa gélida assoprou. Não vi ninguém por perto, pelo menos na ilhota, todos ainda estavam dormindo, como se não tivessem preocupações maiores do que ter as aulas entediantes da Sr.ª Allen e fazer as atividades diárias de cada especialização em combate.

A ponte avermelhada balançava por conta dos ventos, o pequeno filete do rio que corria por baixo dela estava mais veloz. Eu ainda não a achava totalmente segura, mas ela não tinha causado nenhum acidente. 

Não demorou muito e quando estava chegando ao arco, nosso ponto de encontro, vi uma silhueta esperando encostada na armação de mármore. Era a Susan. Por mais que não estivesse chovendo, o frio estava presente, por isso vestia seu velho casaco cinza, calça jeans e sapatos pretos. Seu cabelo escorria pelo ombro. Suas mãos estavam acobertadas pelos bolsos do casaco, sua mochila estava pendurada em um dos ombros.

— Bom dia, Adrian. — Sue esperou que eu chegasse mais perto para poder falar.

— Bom dia — respondi. Meu corriqueiro mau humor matinal já era conhecido pela garota, mas naquele dia em específico eu estava bem. Não havia mau humor que ficasse à frente da minha determinação em encontrar meu pai. 

— Então, animado para nossa primeira missão? — perguntou, para quebrar o gelo. Dava para ver em seus olhos que ela não tinha dormido muito na noite passada, parecia cansada.

— Eu acho que sim. Na verdade, determinado se encaixa melhor nesse contexto. Há muito em risco, Sue, não podemos falhar.

Ela concordou, mas não respondeu, pois estavam chegando Candy e Ferdinand logo atrás de nós.

Do pouco que conhecia de Ferdinand, ele não usava camisa sem ser as regatas, porque, segundo ele, facilitava no manuseio da espada e para golpear os inimigos caso não tivesse alguma arma. Mas, desta vez, ele estava usando uma camisa de manga longa preta, deduzi que tinha sido por conta do frio. Já Candy, como sempre, tinha que usar roupas de cores extravagantes: o cabelo loiro estava preso em um rabo de cavalo e um casaco vermelho com as iniciais I.Q.G. Como ela utilizava o arco que podia ser materializado pelo pensamento, não tinha nenhuma arma à mostra Nós quatro parecíamos alunos que estavam indo para o colégio, não para uma missão arriscada.

— Bom dia, moçada — disse Candy, esboçando um grande sorriso. Se tinha alguém que gostava de acordar cedo era a garota, embora não dissesse o porquê. 

— Estão prontos? — questionou Ferdinand friamente. Era quase cômico Candy e Ferdinand estarem juntos. Foi estranho, dias depois, o garoto vir me agradecer por tê-lo ajudado a tomar coragem para falar com ela. Pelo que me lembrava da conversa, eu não tinha ajudado em nada, mas resolvi não mencionar isso.

— Não — respondeu Sue em um sussurro que saiu um pouco alto demais. — Mas quem está pronto para uma missão desse tamanho?

A paisagem estava mudando. O Sol estava prestes a nascer. O céu assumiu cores mistas, parecia estar brigando para saber qual cor iria dominar: o azul ou o alaranjado do Sol. A corneta tocou. Havia passado um mês e ainda me assustava com aquele barulho infernal.

— A hora é essa, pessoal — comentei.

Eles assentiram.

 

Candy apertou um botão em meio às raízes que cresciam no arco, abrindo a nossa passagem para o mundo exterior. Fazia mais de um mês que não sabia o que era sair do Instituto. Atravessamos pela porta, entrando no mundo exterior.

Isso feito, estávamos de volta na velha cabana de madeira caindo aos pedaços. Paul continuava firmemente sentado na sacada, em sua cadeira de balanço, com uma garrafa ao lado. Ele vestia as mesmas roupas de antes, a jaqueta militar, a calça rasgada e tudo mais. À esquerda, um velho São Bernardo estava repousando e roncando, aparentemente. Era o velho Beethoven, supus. Não tinha conhecido o cachorrão pessoalmente.

— Aí estão vocês — falou Paul. Ele era cego, mas seus outros sentidos eram bem apurados. Além disso, não foi tão silencioso o nosso retorno para sair do Instituto e voltar para o mundo exterior. — Gregório contou que vocês vinham.

— Estava com saudades, Pau. — Candy o abraçou bem apertado. Beethoven, que estava do lado dele, acordou, nos encarando com a língua de fora.

Beethoven latiu.

— Também estava com saudades de você, Beto. — Ela acariciou o pelo do cachorro.

Ferdinand tocou os ombros de Paul, que deu uns tapinhas na mão dele. Sue e eu ficamos um pouco mais afastados, não éramos tão próximos de Paul.

Beethoven se levantou e esfregou o focinho na minha perna, com a língua para fora, babando incansavelmente. Depois de cheirar minhas mãos, fez a mesma coisa com a Sue, que ficou mexendo na cabeça dele e fazendo cócegas pelas costas dele, fazendo o Beto se tremer todo e ficar com um “sorriso” em seu rosto canino.

— Ele gostou de vocês — disse Paul. — Beto tem um faro especial para descobrir boas pessoas.

— Obrigado — respondi meio sem jeito.

— Ele parece ser um cachorro bem dócil e amigável mesmo — comentou Sue, sem tirar as mãos do animal.

— Paul — chamou Candy. — Gregório passou por aqui? Ele disse que “supostamente” deixaria algo com você.

— Sim, sim. Eu jamais iria esquecer, minha querida. — Paul tateou sua jaqueta militar verde oliva e enfiou a mão em um dos bolsos. Ele sacou um punhado de dinheiro, parecia ser o suficiente para alguma coisa que talvez fôssemos precisar. Além do dinheiro, tinha um papel rasgado. — Aqui está. 

Candy se adiantou e pegou o dinheiro juntamente com o pedaço de folha. E antes que pudesse formular alguma pergunta, Paul se adiantou e disse:

— Gregório contou que era para entregar a você.

Ferdinand analisou o dinheiro que estava na mão da Candy e depois pediu para que ela o pusesse no bolso da sua mochila, deixando ela segurando apenas o papel rabiscado. O papel era meio amarelado e, claramente, era a letra do Gregório que estava escrita ali. No papel tinha um nome de alguém e o que parecia ser um endereço, ambos não eram familiares para mim ou Sue. E nem para Candy e Ferdinand, ainda mais com as expressões que fizeram quando leram o nome: Augusto Bocarra.

— Você conhece algum Augusto Bocarra? — perguntei ao Paul. Estava intrigado com aquele nome. A nossa missão mal havia começado e já estava cheia de mistérios.

— Não. Infelizmente o nome não me remete a alguém conhecido. Desculpe — respondeu o vigia. — Mas se o Gregório escreveu aí no papel é porque ele sabe o que está fazendo.

Nós quatro nos entreolhamos e meio que concordamos com o olhar que “Gregório” e “sabe o que está fazendo” na mesma frase era algo hilário. Mas, por respeito ao velho Paul, seguramos o riso.

— Adoraria ficar mais tempo aqui com você e o Beto — disse Sue, acariciando o São Bernardo pela última vez. Seu olhar parecia um pouco triste por deixá-los ali —, mas temos que ir.

— Eu entendo, crianças. Vão — falou Paul. — Que os deuses guiem vocês para a vitória.

Nós soltamos um “êhh” um pouco desmotivado com aquilo. O único que pareceu confiante que os deuses nos ajudariam em algo foi o Ferdinand. Ele acreditava ferrenhamente que os deuses continuavam por aí, ajudando e olhando por nós.

Do outro lado da rua, um carro prata estava estacionado. Era o antigo carro do meu pai que pegamos para ir até o Planetário e posteriormente para o Instituto. Da última vez que tinha visto o veículo, ele estava há alguns metros mais atrás da localização do Instituto, pois tinha acabado a gasolina. Talvez, mágicamente, o tanque de combustível tivesse se enchido. Nunca se sabe quando o assunto é magia!

— Quem está pronto para pegar carona com a tia Candy de novo? — brincou Candy.

Ferdinand olhou pra mim como quem diz: Preferia ir no Titanic. A Susan, claramente, ficou nervosa quando Candy saiu correndo para ligar o carro.

— Será que não podemos ir andando? — sugeriu Susan.

— Não! — gritou Candy do outro lado da rua. — Vai ser divertido.

Vai ser divertido, ela disse — repeti, já me arrependendo de ter aceitado aquela missão.

Olhei para trás, Paul continuava nos “encarando” com seus olhos completamente brancos. Beto havia deitado aos pés de seu dono de novo. Ficou nos observando com a língua de fora. Até que ele era um cachorro adorável.

 

***

Felizmente o trânsito em direção ao centro de Bahuessi estava engarrafado. O que significava que Candy não poderia correr feito uma louca, desviando por mínimos centímetros dos outros carros à nossa frente. Repassamos mais algumas vezes o que fazer e para onde ir, até o contato que Gregório havia nos dado.

O centro da cidade era um conglomerado de prédios e diversas lojas por toda a extensão que tínhamos visto até então. Paramos numa dessas lanchonetes 24h para tomarmos o café da manhã. Não demorou muito e voltamos a seguir em direção ao local onde ficava o tal do Augusto Bocarra. O Sol matinal havia despertado com vontade. Da saída do Instituto até o centro durou cerca de duas horas de carro. Por onde passávamos, algumas pessoas olhavam para nós, tentando imaginar o que quatro adolescentes estavam fazendo ali naquela hora do dia.

Ferdinand e Candy andavam dois passos à frente de Sue e eu. Como eram os mais velhos e experientes nessa coisa toda de sair em missão, combinamos de eles irem como a primeira dupla a fazer reconhecimento do local, enquanto Sue e eu éramos o “elemento surpresa”. Ninguém imaginava que fôssemos filhos de deuses. Para aqueles caras de terno, com suas maletas pretas e passos apressados, éramos apenas crianças quaisquer que estavam matando aula (o que não deixava de ser verdade). Eles passavam por nós como se não existíssemos. Eu olhava para eles e pensava que era incrível como não tinham ideia de que existe mais do que apenas aquilo que viam. Um mês atrás eu era igual a eles, ignorante a certos assuntos e realidades.

Voltei a olhar para Ferdinand. O grandão que sempre carregava a espada guardada na bainha presa a cintura. Não que Ferdinand precisasse usar armas, ele era muito bom em combate usando apenas as mãos, mas ele costumava dizer que a espada era como uma extensão do seu corpo. Quer dizer, eu até entendia Sue e Candy não andarem com os arcos à mostra, pois eles se materializavam com a vontade do pensamento. Além disso, claro, Sue tinha seu bastão metálico que estava resguardado em forma de anel em seu dedo.

— Ei, Ferdinand — chamei.

Ele e Candy pararam mais à frente.

— O que foi, Tampinha? — disse ele. — Não vamos procurar um banheiro. Eu te disse que beber aquela xícara grande de café iria cobrar depois.

— O quê? Não é isso, cara. A espada que você usa. Cadê? Ou vai usar apenas as mãos? — falei.

As garotas começaram a rir.

— Não, Tampinha — respondeu. — Andar por aí com uma espada presa à cintura, com vários mortais comuns podendo ver, não é algo inteligente para se fazer. Não é como se ela fosse um relógio ou aparecesse do nada. Ontem à noite fiquei estudando maneiras de camuflá-la.

— E deu certo, pelo visto — comentou Susan. — Sabe, porque não estou vendo nenhuma.

Outra série de risos. Ferdinand estava ficando um pouco vermelho.

— Sim, deu certo — assegurou o grandão. — Está no meu bolso neste exato momento, seus chatos. — Ele deu a língua, como uma criança birrenta. — Nunca vão adivinhar o que é.

— Uma caneta? — chutei. A ideia veio depois de lembrar um livro que tinha lido há alguns meses sobre um garoto cuja espada virava uma caneta.

— Por que eu teria uma espada que vira uma caneta? — Ferdinand parecia ofendido com tal ideia. — Não faz o menor sentido isso. Não é por nada, Tampinha, mas é uma ideia ridícula.

— Tá. Não precisa levar para o lado pessoal, Fer — disse Candy, rindo do namorado. — É um clipe? Um relógio? Uma moeda? 

— Sim. Temos uma ganhadora. — Ferdinand mexeu em um dos bolsos da sua calça e retirou uma moeda de prata. Ela era ornamentada nos dois lados com o símbolo de seu pai, Borthus: uma espada flamejante.

— Você faz o quê, joga pra cima e ela vira a espada? — perguntou Susan, sem muitas expectativas.

— É exatamente isso — disse Ferdinand. — Mas não vou fazer aqui, obviamente. Agora, se já tiraram sarro o bastante, vamos continuar andando.

— Seria mais prático uma caneta — murmurei, enquanto Ferdinand colocava a moeda de volta no bolso.

— Ei, não fale da minha espada que vira uma moeda e eu não falarei do seu relógio — brincou o grandão. — Além do mais, você não sabe o que aconteceu com o último garoto que enfeitiçou sua espada para ser uma caneta.

— O quê? — espantou-se Sue. — O que aconteceu com ele? 

— Certo dia, ele desapareceu assim do nada. Passou semanas sumido, ninguém sabia dele. Procuramos por todos os cantos, mas não o encontramos.

— E isso aconteceu por que a espada dele era uma caneta?

— Não! Porque ele foi capturado por monstros — respondeu Ferdinand, rindo da história.

Candence deu um tapa no braço do garoto que o fez parar de rir imediatamente.

— Sabe, Fer, quando você conta uma piada não tem graça. Não tem história nenhuma disso. Vamos continuar andando e encontrar esse tal Augusto Bocarra, porque estou com uma sensação que não será nada agradável.

— Não teve graça, Ferdinand. — Susan desferiu um soquinho no outro braço do grandão. Candence deu um leve sorriso.

— Ei! Chega, tá? Aprendi minha lição, não faço mais piadas. — E o garoto virou-se para mim. — E se você estiver pensando em me dar um soco também, é melhor estar preparado para correr.

— Não vou, não. Nem pensei nisso — disse eu, voltando a andar sem olhar para trás. — A Candence está certa, precisamos ir.

Não demorou muito e entramos em uma avenida com o que mais parecia ser um bazar enorme. De ambos os lados, lojas e mais lojas de especiarias, roupas, móveis, artigos de decoração.

— Olha que lindinhos, quatro crianças andando sozinhas por aqui. Até parece que são gente grande — disse uma senhora em uma das lojas que vendia pastéis.

— Crianças, estão interessadas em tapetes da mais alta qualidade? — ofereceu um segundo vendedor. — Venham, entrem e escolham o que mais gostar.

— Eles não querem saber dessas coisas velhas que você vende, Abe — rebateu um terceiro vendedor com um grande bigode acima da boca. — Querem coisa nova, tecnologia dos dias atuais.

— E o que você entende disso, Carlos? — resmungou o vendedor que se chamava Abe. — Você é um velho tanto quanto eu, seu pançudo.

Não demos muita importância para eles, mas olhamos para trás quando os dois homens começaram a brigar, berrando xingamentos que só as pessoas velhas sabiam. Era hilário ver aquilo, como eram “inocentes” em assuntos mais complexos como a existência de monstros e deuses.

Mais adiante, já perto do final da Avenida do Bazar, tinha uma loja enorme que tinha o dobro do tamanho das demais. Era um antiquário. Um homem baixinho e gordo estava na porta, olhando para as pessoas que andavam por ali. Os poucos cabelos que tinha estavam nas laterais da cabeça, deixando um grande espaço no topo da cabeça. Os olhos eram grandes e castanhos, atentos para qualquer movimento. Mas um detalhe que mais chamou atenção não era sua roupa ou a loja, e sim sua boca gigantesca. Ao mesmo tempo em que parecia um mortal comum, sua aparência se transfigurou em um ser monstruoso, um sapo balofo com dentes afiados.

Ele era um monstro, literalmente.

— Acho que achamos o Augusto Bocarra — deduziu Candy.

O homem que parecia ser Augusto Bocarra olhou em nossa direção. Deu um sorriso tão largo quanto sua grande boca permitia, os dentes pontudos e afiados brilharam. Sua língua monstruosa passou pelos lábios. Os olhos tremeram, ora ficando castanhos, ora em tom amarelado como os olhos de anfíbios. O ser monstruoso veio até nós, andando desajeitado e disse:

— Olá, apetitosas crianças. — Seus olhos brilhavam. — Eu sabia que vocês viriam.


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Notas finais do capítulo

Gente, a história não acabou, tá? Estamos passando por alguns problemas técnicos - como arranjar um beta. Voltaremos em breve.
Por favor, se não for pedir muito, deixa um comentário? Pode ser qualquer coisa, prometo que irei responder!
— A direção (que não dirige nada, mas vamos que vamos).



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