Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 3
Primeiro Conflito




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783798/chapter/3

Os convidados dançavam animadamente no salão lotado, apesar de nem todos realmente comemorarem a união que deixaria Alestia em paz e fortalecida. Por um momento, Richard pensou que a festa seria tomada de uma alegria mais verdadeira se os plebeus tivessem sido convidados ao salão real, mas isso certamente escandalizaria muitos dos barões e duques daquele lugar, e, por isso, era proibido.

Cassis tentava permanecer calmo enquanto dançava, apenas fazendo o reconhecimento de sua pretendente e evitando transparecer qualquer opinião ou ato que pudesse ser usado contra ele no futuro, visto que a princesa não possuía uma fama muito agradável em meio aos vampiros e poderia tentar algo contra ele. Aos seus olhos, Sara era uma donzela bastante bela, e o fato de ainda estar solteira o surpreendia, já que as moças da sociedade humana costumavam se casar cedo, somente alguns meses serem apresentadas à corte.

Ao redor, muitos casais paravam seu próprio bailado para apreciá-los, admirando o movimentar suave dos noivos enquanto o vampiro conduzia sua parceira com maestria numa dança típica de Alestia, que ele obviamente não deveria conhecer, mas conhecia. Seu tronco permanecia sempre ereto e confiante, enquanto seus olhos se mantinham presos no rosto da donzela toda vez que se aproximavam.

Sara o acompanhava muitíssimo bem, movimentando-se com segurança e delicadeza através de passadas leves e precisas, mas evitando firmemente qualquer contato visual.

― Belo palácio o de vossa alteza – diz Cassis, tentando uma conversa amistosa pela terceira vez consecutiva, mas não obtendo resposta. – O que fazes nas ocasiões vagas? Tem algum lazer em especial? – Mais uma vez houve o silêncio.

O vampiro estava tentado uma conversa amigável com a princesa e ancião nenhum poderia lhe dizer o contrário, entretanto, a falta de resposta começava a retirá-lo de seu perfeito estado de controle emocional. A música cessa, mas outra logo se inicia, não dando sequer um resquício de tempo para que Sara conseguisse fugir da dança ou para que o vampiro renunciasse aquela loucura de noivado.

― Dança muito bem. Suponho que tenha sido uma aluna exemplar de sua orientadora – elogia o vampiro, recebendo mais uma vez o sigilo como resposta, o que aumentou sua irritação e deixou seus lábios darem voz aos seus pensamentos: – Mimada.

― O que disse? – retruca ela, finalmente o olhando nos olhos e parando de bailar, mostrando ouvir muito bem, apesar de ignorá-lo.

― Você costuma ser sempre assim? Sem classe e etiqueta? – dispara subitamente, não conseguindo mais se manter tão indiferente e referindo-se a princesa de modo bastante informal.

― Bruto! Como ousa me insultar assim? Sou uma princesa, um patamar nobre aonde certamente você não se encontra, onde está seu respeito?

Sara empurra o vampiro com a intenção de interromper a dança, atraindo os olhares cautelosos dos membros do conselho, pois, para o bem de ambas as partes, nada poderia sair errado. Porém, da mesma forma com que tentou se afastar, a princesa foi trazida de volta pelas mãos masculinas, que rodearam sua cintura com rapidez e colaram seus corpos mais do que ela gostaria.

― Princesa? Perdoe-me milady, mas seus modos estão longe de serem os de uma realeza. Não tem porte e tampouco a educação de uma alteza. E se deseja mesmo que este noivado termine bem, acho bom controlar o tom de sua voz, pois está falando alto demais! – alerta Cassis com um resquício de impaciência na voz, retomando a posição de dança e balançando discretamente a cabeça aos vampiros que os observavam, demonstrando que estava tudo sob controle.

― Seu vampiro irritante, sem sentimentos e vazio, não passa de uma casca oca, um morto-vivo – cospe entredentes, diminuindo o volume de sua voz ao mesmo tempo em que tentava ofendê-lo.

― Nem morto, nem vivo, minha cara noiva. E não tente me ofender, já ouvi toda espécie de insulto que possa imaginar e, a julgar pelas suas atitudes, acho que não seria criativa o suficiente para inventar algo novo! – rosna também entredentes.

― Está me chamando de burra?

― Apenas de inculta. Ops! Acho que esta expressão quer dizer a mesma coisa. Então, sim, estou chamando-lhe de burra – conclui, fazendo Sara pressionar os lábios de raiva.

― Não acredito que estou noivando com alguém como você, um vampiro – bufa –, a que nível tão medíocre de minha vida eu cheguei.

― Não se preocupe, alteza, isso também é um sacrifício colossal para mim.

― Sanguessuga.

― Irritante.

― Grosso.

― Mal-educada.

― Convencido.

― Mimada.

― Petulante.

― Chata.

― Insuportável.

― Sara finalmente está conversando com ele – conclui Arthur ao longe, visivelmente esperançoso ao ver o casal dançar e dialogar. – Parecem estar se dando bem.

― Sim, muito bem – diz Thorkus, revirando os olhos levemente com a troca de farpas que estavam fazendo e agradecendo mentalmente pelos humanos não conseguirem escutar a grandes distâncias, apesar dos vampiros mais novos se mostrarem divertidos com a situação.

Cassis inspira lentamente, cogitando seriamente a possibilidade de estrangulá-la, apesar de saber ser errado e antiético tomar tal atitude contra uma donzela. Uma nova onda de palavras lhe sobe a mente para serem ditas, porém, ao abrir a boca, o vampiro sente um fio de areia cair sobre seu rosto e cabelo, atraindo imediatamente o seu olhar para cima, onde o teto repentinamente desaba.

Em questão de segundos, o sólido e perfeito telhado do castelo desmorona, afastando os convidados da região central do salão aos berros e fazendo Cassis apertar a princesa contra o seu corpo de forma íntima, para retirá-la da linha de perigo.

Por sorte não houve feridos, somente um teto muitíssimo danificado. A nuvem de poeira causada pela destruição se dissipa, revelando a presença de um não-vivo com roupas tão surradas quanto sua aparência. Zino, o autor do estrago, ergue a cabeça de maneira ameaçadora, sorrindo internamente pelo efeito especial que antecedeu seu aparecimento. Seus olhos estavam carregados de desafio e percorreram cada rosto lentamente, até chegar ao de Cassis.

― Traidor, não pode aceitar fazer parte disso. Não pode simplesmente vir ao meu território e dizer que se juntará a uma raça tão inferior – esbraveja Zino. – Em pensar que eu o admirei pelo que fez há alguns anos…

― Do que está falando? – pergunta Richard de onde estava, já se irritando com a forma possessiva que o imortal se referia à Alestia, o seu lar e de muitos outros humanos.

― Este vampiro é um rebelde – sussurra Thorkus ao rei.

― Como sabe?

― Sua atitude em nada reverencia nosso clã ou nenhum outro conhecido, o que o torna um Rebelde. E, a julgar por sua revolta, esta criatura só pode estar bebendo vitae humano, fazendo de Alestia o seu território de caça.

Com apenas um olhar Thorkus enviou uma extensa mensagem aos de sua espécie, que prontamente se colocaram em guarda à frente dos mortais, prontos para impedir qualquer investida aos convidados. Entretanto, com as presas encolhidas e sem os seus equipamentos de batalha, os membros do clã não passavam de um amontoado de ridículos aos olhos do invasor.

― Quer o reino para você? Lute comigo, mostre-me o quanto é forte, Cassis, o Sanguinário – desafia Zino com ironia, não temendo sequer o momento em que os soldados do rei se colocaram em guarda ao lado dos anciões, com as espadas apontadas para o seu corpo.

― Este reino não pertence a você – grita Richard irritado, com o senso de justiça apitando em sua cabeça e impulsionando-o perigosamente para perto do intruso, ao sentir o título de sua família ser refutado.

― Richard, não! – grita Arthur alarmado.

― Muito corajoso para um filhote humano – provoca Zino, puxando o menino pela roupa espalhafatosa e agarrando seus cabelos castanhos com força.

― Não se atreva, solte o menino!!! – ordena Cassis, avançando dois passos e se destacando diante da multidão.

― Faça-me soltar, se puder – desafia novamente, sacudindo levemente a cabeça do príncipe como a um brinquedo.

Os acontecimentos seguintes foram muito rápidos, tão rápidos que se Sara tivesse piscado teria perdido tudo, e, se tivesse uma ampulheta, notaria que os grãos de areia mal chegaram ao andar inferior.

Ainda com os cabelos aprisionados em sua mão, o vampiro deita a cabeça de Richard e salienta seus caninos diante de todos, abocanhando o pescoço do menino e fazendo as vozes se exaltarem logo em seguida. Seus dentes perfuram a pele juvenil e rompem a artéria, fazendo o sangue esguichar como uma fonte em direção a sua garganta.

Richard põe-se a gritar no mesmo instante, fazendo um calafrio de medo percorrer os corpos mortais ali presentes, enquanto goles de sangue eram retirados de si rapidamente. Seu corpo logo começa a empalidecer e sua energia vital a se esvair, contudo, com o pouco de força que ainda lhe restava, o príncipe foi capaz de erguer a mão em direção ao pai num pedido mudo de socorro.

― Não! Richard! – grita o rei no minuto seguinte, desesperado.

Thorkus segura o corpo robusto com força, impedindo Arthur de avançar, infelizmente o obrigando a assistir os olhos de seu filho se revirarem em suas órbitas, sem nada poder fazer.

Nenhum ancião saiu de sua posição, tampouco pareceu tocado com a terrível cena. A morte de um mortal lhes era absolutamente indiferente, pois suas humanidades se encontravam em níveis tão baixos, que eles simplesmente deixaram de se preocupar com a vida e o sofrimento daqueles seres tão frágeis. Muitos já haviam se alimentado de humanos e até mesmo provocado alguns óbitos sem necessidade no passado, e, para eles, isso era algo normal, era o predador prevalecendo sobre a presa.

Somente uma coisa lhes importava naquela situação, algo que estava sendo devidamente protegido, visto que era importantíssima para a aliança e os interesses da espécie não-viva: a vida de Sara.

Em meio ao torpor provocado pela cena de horror, Cassis avança contra o atacante, que apenas segurou o corpo inerte do garoto e saltou em direção ao buraco de onde viera.

Arthur cai de joelhos em seguida, com uma mistura de espanto, choque e desespero inundando seu rosto. Ele queria gritar, queria chorar, queria rasgar seu manto real e se livrar daquela dor que agora açoitava seu coração, mas não podia, pois era o rei e tinha que se manter forte. Um pensamento rápido o lembra de Sara e seus olhos logo passeiam pelo salão com urgência, procurando-a, até finalmente encontrá-la do outro lado da multidão, com o ar travado em seus pulmões, o semblante assustado e o olhar fixo onde outrora estava o seu irmão a dar seu último suspiro.

― Ansiei tanto por essa aliança para que não precisasse presenciar uma cena como esta, para que estivesse segura – sussurra Arthur para si mesmo. – Sara, minha menina, onde está sua ousadia agora?

O rei afunda o rosto nas mãos, sentindo a dor profunda da perda que muitos outros pais já haviam sentido, porque, embora o agressor estivesse sendo perseguido naquele exato momento, ele sabia que não havia mais chances e nem tempo de salvar Richard.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Capítulo duplo hoje porque é feriado. ^-^
Tenham uma ótima leitura!!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cassis (Série Alestia I)" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.