Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 4
O Imortal Sujo de Vermelho




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783798/chapter/4

Zino corria sobre a cobertura do castelo com o corpo inerte nos braços, saltando dum nível a outro como se Richard não pesasse mais que um boneco de palha. Se o seu objetivo era despistar o seu perseguidor, qualquer tolo diria que o plano não estava dando certo, já que Cassis vinha em seu encalço, mantendo os olhos fixos em seus cabelos castanho-claros e roupas que pareciam não serem trocadas há anos.

Cassis não acreditava realmente que o vampiro, cujo nome ainda desconhecia, tentava despistá-lo; ele havia-o desafiado abertamente para um duelo e seria uma tolice fazer isso para depois fugir. “Brincar” seria a palavra correta para definir o que o rebelde estava a fazer, uma brincadeira de gato e rato com o intuito de caçoá-lo, por ter permitido que aquilo acontecesse.

Com um último salto, Zino joga o corpo em direção ao pátio principal do castelo, lançando o cadáver de Richard para o lado assim que os seus pés tocam o chão. Os lábios do rebelde se esticam num sorriso presunçoso, enquanto o Sanguinário repetia o seu movimento em direção ao pátio, deixando que os cabelos voassem desordenadamente ao redor de seu rosto e seu corpo fosse puxado pela gravidade. Cassis se agacha suavemente ao tocar o solo, como se a altura e o seu próprio peso não significassem nada, e, com os olhos ainda presos no rosto de seu oponente, lança:

― Não precisavas disso. – Aponta Richard com o olhar. – Poderia apenas ter pedido pelo duelo, eu não lhe recusaria tal divertimento.

― Cale-se, o seu jeito apático e controlado irrita-me profundamente! – rosna. – Onde está o Sanguinário de quem tanto ouvi falar? Feroz, violento, um verdadeiro não-vivo? Vampiros não podem se unir ao seu rebanho, somos superiores, temos que caçá-los e governá-los, e não nos unirmos a eles… Nunca lhe entregarei este território! Vou matá-lo ou não me chamo Zino.

― É ágil para dizer asneiras e saciar a sua sede, isso deve compensar sua péssima maneira de batalhar – provoca. – Prepare-se para trocar de nome, Zino, porque não serei eu a morrer esta noite. Só lhe peço que não suje demais o meu traje de festa, é novo e odiaria perdê-lo!

Antes que Zino pudesse responder ou esboçar qualquer reação às provocações, sentiu algo lhe apertar o pescoço, seguido por uma intensa batida em sua cabeça. Foi impossível prever os movimentos de Cassis, que avançara contra ele bem mais rápido que um simples piscar de olhos, agarrando-lhe fortemente a garganta. Sem nenhum esforço, o vampiro afundou a cabeça de Zino nos blocos de pedra que compunham o designer único daquele pátio, causando danos consideráveis à estrutura do solo, mas quase nenhum ao crânio de seu oponente que não hesitou em subestimar suas técnicas de luta.

― É só isso que sabe fazer? – debocha. – Confesso que me surpreendeu com a velocidade, não achei que seu corpo pudesse se mover tão depressa, mas com relação à luta estou decepcionado, esperava coisa melhor. Confesse, Sanguinário! – provoca, tentando arrancar daquele rosto pálido algo além de apatia. – Admita que o peguei de surpresa ao atacar o menino, que não soube o que fazer e acabou hesitando.

― Não recebi o título de Sanguinário por acaso, já lutei muito em minha não-vida e nunca demonstrei fraqueza. Se hesitar fosse uma opção, eu seria um humano e não um vampiro… Adeus, Zino! – responde com rapidez, ainda segurando a garganta do inimigo.

Com movimentos velozes e precisos, Cassis prende o braço direito do oponente com uma perna e abocanha o esquerdo quando ele tenta golpeá-lo, rasgando-lhe a pele com suas presas.

A frustração toma conta de Zino. Ele não podia perder para alguém que aceitava se aliar a humanos e não admitia, principalmente, morrer sem conseguir aplicar sequer um golpe em seu rival. O vampiro sacode o braço com força, tentando inutilmente se livrar da mordida do Sanguinário, estalando os olhos ao perceber que aquela tinha sido uma péssima ideia e que seu gesto somente aumentara o rasgo em sua pele.

Cassis solta um riso abafado e, com a perna livre, o vampiro se apoia sobre o tórax do rebelde, imobilizando-o totalmente e liberando as mãos para empurrar sua cabeça até que finalmente se desprendesse de seu corpo fedorento. A última coisa que a mente de Zino pôde processar antes de sua morte final, foram os olhos castanhos do Sanguinário a cintilarem sua fúria.

Os litros de sangue roubados de Richard escorrem sem cerimônias do corpo finalmente morto, enquanto a cabeça do rebelde jazia a quase um metro e meio de distância. A carne de Zino começa a se decompor de forma extraordinariamente rápida, como se o tempo reclamasse as décadas em que permaneceu em sua longa juventude. E, para a infelicidade de Cassis, que teria de voltar ao interior do castelo, suas vestes e sapatos continham vestígios de poeira e sangue.

O vampiro apanha o corpo do príncipe delicadamente, fechando seus olhos e sentindo, pela primeira vez em muitas décadas, a tristeza por uma vida humana ter sido ceifada tão cedo. Por alguns minutos ele permaneceu ali, inativo, conduzindo os olhos aos céus para admirar as estrelas que pareciam dançar sobre a noite tão escura, cintilando em suas mais variadas cores e tamanhos. A lua era apenas um traço luminoso e acolhedor, que parecia sorrir para ele como se aprovasse seus atos e escolhas, mesmo que aquela não fosse mais uma noite para se felicitar.

Sua mente logo foi despertada pelo ardor em suas narinas e o calor que já arranhava sua garganta. O sangue do menino de roupas espalhafatosas estava por toda parte e aquele cheiro tão tentador poderia ser fatal para seu autocontrole. Foi então que Cassis retornou para o salão de festas, levando consigo o corpo do pequeno príncipe e o entregando nos braços do pai, o rei.

Sara ainda estava lá, no mesmo local e na mesma posição de minutos atrás, como se tivesse se fechado dentro si mesma, ignorando todos os gritos e lamentos ao seu redor. O vulto de Cassis atravessou o buraco no telhado e uma pequena nuvem de poeira se elevou quando seu corpo pousou sobre os escombros, fazendo a princesa finalmente sair de seu transe.

Os olhos femininos se fecham duas ou três vezes consecutivas, aliviando o ardor daquela região, apenas para se esbugalharem novamente ao verem os lábios manchados do vampiro, com uma nódoa que lhe escorria pelo queixo e que ela sabia ser sangue humano.

Pela primeira vez, Sara estava face a face com o medo de toda uma raça, com o imortal sujo de vermelho que por toda a vida assombrou os moradores das pequenas vilas de Alestia e cuja aura assassina sempre o rodeava. Suas pernas começam a tremer, o estômago a revirar, a pele se arrepia e um gosto estranho invade sua boca, vindo de seu esôfago, enquanto a mente gritava um alto e claro “FUJA” no interior de sua cabeça.

Cassis a vê, rapidamente, mas por tempo suficiente para que seus olhares se cruzassem, antes da princesa correr em busca de refúgio como se realmente pudesse se esconder do monstro tingido de rubro.

― Depressa, tragam água! – ordena Thorkus, alto e calmamente, voltando-se para Cassis logo em seguida: – Mantenha a cabeça abaixada e a boca aberta, de maneira nenhuma podes engolir isso. Este é o vitae de Richard que percorria o corpo do rebelde. – Termina num sussurro, tentando não chocar ainda mais os convidados, que ainda os observavam.

A água é trazida rapidamente e o sangue lavado de sua boca. Os sapatos e roupas foram prontamente retirados, antes que o cheiro pudesse incitar a sede do monstro em seu interior. Somente as calças permaneceram as mesmas, mas, até que o tronco despido fosse devidamente coberto por uma capa, alguns homens e mulheres se acotovelaram para comentar sobre seu físico de soldado.

Parte dos humanos ainda fitava Cassis com espanto e medo, alguns fazendo preces, outros cruzando os indicadores, como se esses gestos pudessem mantê-lo afastado ou mandá-lo de volta para o submundo. Apesar de toda a humanidade conhecer a existência de vampiros, ninguém da alta monarquia havia assistido a um ataque tão de perto, e isso havia se mostrado bem mais aterrorizante do que eles esperavam.

Entretanto, o vampiro parecia não tomar consciência de suas ações e reações, devido à expressão aterrorizada de Sara que ainda pairava em sua memória.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A partir de hoje as postagens se normalizarão a cada dois dias. Teremos capítulo duplo somente no próximo feriado...
Espero que estejam gostando. ^-^



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cassis (Série Alestia I)" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.