Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 2
Festa de Noivado




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O castelo minuciosamente ornamentado era o ponto mais iluminado de toda a Cidadela e da noite que acabava de cair. Tecidos e luminárias foram importados às pressas da Terra dos Portos para deixar a sala do trono preparada para o aquele evento, e, em seu exterior, um imenso tapete vermelho indicava o caminho que os convidados deveriam seguir.

Carruagens de todos os cantos se aglomeravam a entrada do palácio e até mesmo os oficiais mais graduados das três fortalezas de Alestia se locomoviam para o notório encontro daquela noite. Era essencial que todas as pessoas influentes fossem convidadas e estivessem presentes para o grande anúncio, e, apesar dos preparativos terem sido feitos às pressas – tudo em menos de uma semana para o terror dos criados e mensageiros –, todo esforço e trabalho duro pareceram suprir com maestria as expectativas de seu rei.

O reino de Alestia estava em festa, celebrando e anunciado ao público o noivado de sua princesa, que havia debutado aos quinze anos, mas nunca havia aceitado uma proposta de casamento sequer, até aquele momento. Aquela era uma noite de festejo e alegria, apesar dela própria não parecer muito contente.

― O senhor só pode estar caçoando de mim! Sou uma nobre e uma humana, não posso me casar nestas condições, ele sequer pode ser considerado um cavalheiro – retruca ao pai, fazendo uma careta, ao mesmo tempo em que tentava não chamar a atenção dos convidados. – Sem mencionar que sequer fomos apresentados.

― O objetivo desta festa é justamente esse: apresentá-los um ao outro e anunciarmos o noivado. – Suspira pesadamente, cansado de repetir a ela, os motivos que os levaram até aquele momento e aquela comemoração. – Precisamos fazer isso.

O rei era um homem alto e corpulento, tinha olhos castanhos e um bigode grisalho engraçado, mas que não lhe retirava o andar altivo e o ar majestoso. Trajando sua coroa de ouro e o anel real, a presença do rei impunha respeito e ninguém ousava cruzar seu caminho sem lhe prestar as devidas reverências. Entretanto, apesar de sua reconhecida e respeitada nobreza, ele sentia-se dez anos mais velho todas as vezes que pensava ou falava sobre um possível casamento para a filha, como se a coroa repentinamente pesasse toneladas em sua cabeça.

Sua filha, Sara, tinha os cabelos e os olhos castanhos médios, pele branca como veludo e bochechas levemente rosadas que sempre conseguiam deixar seu rosto quadrado ainda mais atraente. O rei a considerava o primor da monarquia alestiana, principalmente por possuir os cabelos compridos e encaracolados como os de sua falecida mãe. Contudo, seus acessos de raiva ao ser contrariada a tornavam uma donzela difícil de lidar e, em consequência disso, nenhum de seus pretendentes conseguiu conquistá-la, desde os quinze anos, o que totalizavam três belos anos de solteirice e cortejos insuportáveis.

― Sara! – chama o filho caçula do rei, correndo em direção à princesa e segurando-lhe a mão direita. – Ainda não consigo acreditar que você irá se casar com um vampiro, eles são tão legais e fortes, um dia quero desposar uma vampira também – comenta feliz, demonstrando claramente não saber do que estava falando e do que um não-vivo era realmente capaz de fazer.

― Você não sabe o que quer, Richard, tem apenas nove anos, é uma criança ainda – responde de maneira ríspida, sacudindo a mão para se livrar do toque do irmão –, o que de interessante consegue ver em pessoas que agem como sanguessugas? Eles são frios e carrancudos, devem ser horríveis de se conviver também – conclui, sentindo um calafrio subir-lhe a espinha ao imaginar um deles a tocando.

― Silêncio, Sara, nossos convidados mais importantes chegaram – diz o rei em sinal de alerta ao ver dois homens adentrarem o salão, já preocupado com o comportamento de sua princesa diante de seres tão perigosos.

Os cavalheiros trajavam roupas de cores escuras e elegantes, carregavam um semblante enigmático e uma ferocidade contida em seus olhares frios, como se nenhum humano ali presente fosse digno de suas presenças ou de olhá-los.

― E então, qual é o noivo? – questiona com desdém, cruzando os braços de forma grosseira.

― Nenhum, ele ainda não entrou – retruca o rei, batendo levemente nas mãos da princesa numa tentativa frustrada de fazê-la descruzar os braços. – Tenha calma, Sara, nossos convidados não podem entrar sem serem anunciados, já deveria saber disso. Por favor, prometa-me que vai se portar adequadamente dessa vez, já basta o vexame com o arquiduque de Krush na semana passada.

― Agora me culpa por aquele velho asqueroso não se lavar direito? Aquela barba horrível e repleta de gordura. – Torce a boca, enojada somente de lembrar da grotesca cena. – Parecia ter comido um leitão inteiro antes de vir me visitar, pelos céus, ainda bem que desistiu de mim.

O rei massageia as têmporas com os indicadores. Lembrar-se daquela desastrosa reunião de cortejo, onde a princesa e suas damas de companhia simplesmente fizeram chacota da barba do arquiduque, debaixo de seu nariz, sempre o deixava com dor de cabeça. E, além de mais uma proposta de casamento ter sido cancelada, com certeza ainda levaria três ou quatro encontros diplomáticos para que os ânimos se acalmassem entre eles.

Os oradores, parados a alguns metros da porta, pigarreiam chamando a atenção de todos, e, depois de percorrerem os olhos pelo grande salão, finalmente anunciam o clã de não-vivos. Um a um os anciãos adentram o luxuoso salão, conforme os seus nomes e títulos iam sendo proferidos, com seus corpos perfeitamente eretos e sorrisos triunfantes, nunca clara tentativa de não assustar os pobres mortais.

Seus trajes de gala eram deslumbrantes, superiores a qualquer vestimenta real que Sara tivesse visto ou ouvido falar, denotando que os não-vivos tinham acesso a tecidos tão finos e suntuosos quanto da monarquia humana. E apesar das roupas entre homens e mulheres serem bastante distintas, a princesa pôde notar algo em comum entre eles: a corrente dourada pendurada em seus pescoços, com o brasão do clã vampiro, o símbolo de seu poder.

― Sir Thorkus, o Mestre da Noite – continua o orador, na sequência das apresentações –, e seu filho, Sir Cassis, o Sanguinário!

Thorkus adentra o salão, atraindo a visão de todos para sua imagem alta e de ombros largos. Com os cabelos negros caindo soltos sobre suas costas, seu rosto jovem agia como uma prenda diante dos humanos que o admiravam sem se darem conta de seus oitocentos e trinta e sete anos.

Cassis, que caminhava logo atrás, tinha quase a mesma estatura de seu criador, diferenciando apenas no porte mais magro de seu corpo e os cabelos curtos que faziam leves curvas ao lado de seu rosto. Com a barba por fazer, o vampiro apresentava uma aparência belíssima às damas ali presentes, entretanto, sua pele sem pigmentação e olhos vazios pareciam ter um efeito contrário sobre elas, deixando-as confusas e engraçadamente desnorteadas.

― Oh! Diga-me que este tal de Cassis, o Sanguinário, não é meu noivo – indaga Sara arregalando levemente os olhos diante do título que o vampiro carregava, deixando os braços se descruzarem e balançarem moles ao lado do corpo. – Olhe para ele, na primeira oportunidade morderá meu pescoço – zomba, sem de fato entender a gravidade do que estava dizendo.

― Cale-se, eles estão vindo – ordena o rei nervoso.

― Esplêndida festa, vossa majestade, não vejo tão admirável decoração desde os meus setecentos anos! – diz Thorkus ao anfitrião, fazendo-lhe uma reverência e assustando Sara quanto a sua idade. – Permita-me apresentá-lo, este é Cassis, o mais valoroso homem que já tive a oportunidade de doutrinar – reinicia, apontando o filho com a mão aberta.

O ancião sorri, apresentando uma simpatia bem maior do que de fato lhe cabia e passando uma confiabilidade que Cassis julgou ser bastante exagerada. Porém, acreditando no que ouvia, o rei analisou o vampiro mais novo por meros segundos, apenas para constatar o quanto sua aparência era agradável aos olhos e o quanto o “jovem” parecia combinar com sua filha.

Cassis permaneceu em silêncio, limitando-se a uma pequena reverência e um sorriso torto durante a apresentação, numa tosca tentativa de convencer os anciãos de que estava sendo simpático.

― Maravilha! – exulta o rei. – Se for tão bom quanto já aparenta ser, sinto-me lisonjeado em apresentar-lhe minha filha, Milady Sara, sua noiva!

O vampiro analisa a princesa com certo interesse, achando-a bastante agradável à primeira vista, enquanto ela o observava com nítido semblante de desagrado.

Percebendo que a filha não se moveria e tampouco os cumprimentaria, Arthur a impulsiona para frente, não conseguindo medir bem a força aplicada e a empurrando forte demais, fazendo-a pisar na barra do vestido e tropeçar nas próprias pernas. Por um segundo ela pensou que tombaria, ou pior, que cairia sobre seus convidados. Contudo, conseguindo reaver seu equilíbrio a tempo, a princesa pôde se recompor de tão grande constrangimento, segurar o vestido com delicadeza e curvar levemente o tronco, finalmente os cumprimentando.

― É um deleite finalmente conhecê-la, milady – pronuncia Cassis pela primeira vez naquela noite, colocando a mão sobre o tórax e curvando-se igualmente, com o rosto assumindo uma seriedade bastante incômoda.

― Não posso dizer a mesma coisa – sussurra a princesa, desviando o olhar para um ponto qualquer do salão.

― Perdão, o que disse?

― Disse que não pode dizer o mesmo de você – dedura Richard, passando à frente da irmã e sorrindo abertamente, felicíssimo por estar face a face com um vampiro de verdade –, e antes de chegar, ela ainda o chamou de sanguessuga, frio e grosseiro, mas você parece legal pra mim – confessa, olhando-o de alto a baixo como se conferisse uma mercadoria.

O rei engasga com o vento, enquanto Sara gritava pelo menino, perturbada e corando violentamente. É claro que o vampiro havia escutado, mas queria dar à donzela uma chance de se consertar e passar uma impressão mais adequada, entretanto, Richard acabou massacrando a oportunidade de remissão da irmã.

― Bem, ah... – gagueja o rei, encabulado. – É melhor começarmos a dança! – conclui, caminhando apressado para o meio do salão, sendo seguido de perto por Thorkus, que preferia permanecer alheio aos vexames da princesa.

Enquanto o rei se preparava para iniciar o discurso, Richard atormentava Cassis com dezenas de perguntas sobre a espécie não-viva, soltando um questionamento atrás do outro sem nunca dar tempo suficiente para uma resposta. O garoto tinha bons traços, era um tanto hiperativo e magricela, seu gosto para roupas era duvidoso e espalhafatoso, mas seus dentes brancos e bem alinhados trouxeram uma boa impressão ao vampiro, que interiormente o achou engraçadamente feliz, apesar de não querer exteriorizar nada naquele momento.

― Damas e cavalheiros – inicia Arthur, subindo os degraus da plataforma dos tronos e automaticamente fazendo os convidados se aproximarem para ouvi-lo. – Durante muitos anos sofremos com problemas cuja procedência desconhecíamos, mas que, agora, a origem já não é mais um segredo. A existência de vampiros deixou nossas aldeias a mercê do medo e nossos soldados com armas em punho por muito tempo. – Pausa, suspirando ao sentir o peso de suas próprias palavras. – Por tempo demais, ouso dizer, pois muito sangue foi e continua sendo derramado nas caçadas aos vampiros, que com o passar dos anos demonstraram não nos ter como inimigos. – Pausa novamente, apenas para aumentar o suspense. – Hoje temos a chance de acabar com nossas diferenças, de finalmente coexistirmos em paz e extinguirmos qualquer hipótese de outra guerra estourar. Uma aliança nos foi proposta, onde Alestia entregará seu tributo em rebanhos ao conselho vampiro e, em troca, os alestianos receberão um representante do clã à família real, como uma promessa de que nenhum humano será atacado por um membro da sociedade vampira novamente.

― Nem todos os não-vivos foram de acordo com esta nova ordem, assim como muitos de vocês não devem vê-la com bons olhos – continua Thorkus com sua voz grave, fazendo os braços de algumas senhoras se arrepiarem, enquanto subia a plataforma dos tronos e se colocava ao lado do rei –, mas espero conquistar vossas confianças ao dizer que esta aliança será um meio de sobrevivência para ambas as raças, visto que nenhum de nós quer perder, desnecessariamente, ainda mais vidas e não-vidas em novos embates. O novo tratado, iniciado no norte e expandido ao sul, finalmente estende suas honradas mãos a Alestia, e como nosso tributo a vós, separamos o mais honorável guerreiro para casar-se com sua alteza real. – Faz uma ligeira pausa, esboçando um sorriso bastante convincente. – E após o enlace ser consumado, Alestia estará sob o poder de nossa aliança e poderá contar com a proteção de nosso clã, sempre que a situação assim o exigir.

Arthur pronuncia mais algumas palavras a respeito das guerras e mortes que poderiam ser evitadas com aquele tratado, apelando para a aparência dos vampiros que tão humanamente se pareciam, a fim de amenizar os boatos horríveis a respeito deles, conseguindo alguns aplausos bem entusiasmados ao fim de seu discurso.

Diferentes patentes da nobreza estavam presentes naquela festa. Alguns se mostravam conscientes da importância daquele tratado para um reino com tantos habitantes, outros, porém, pareciam abismados com tal discurso, achando que a junção entre as espécies era um grande erro. Todavia, apesar das diferentes reações estampadas nos rostos de seus convidados, o rei parecia satisfeito em tê-los naquele pronunciamento tão importante, e com ainda mais alegria ordenou uma música e a dança logo começou.

Os casais emergiram das laterais do salão com rapidez, posicionando-se estrategicamente em seu centro para iniciar uma dança lenta e bastante conhecida. A maioria deles eram de humanos, é claro, já que os não-vivos tinham dificuldade em descer de seu pedestal para se misturar adequadamente. Cassis, porém, tenta uma sutil aproximação a sua noiva, imaginando que era isso que os anciãos esperavam dele:

― Gostaria de dançar?

― Me recuso! – responde rapidamente. – Não vai me obrigar a isso também.

Richard encara a irmã com um semblante sério, cruzando os braços e demonstrando que, mesmo com sua pouca idade, reconhecia o valor daquele noivado para Alestia e seu povo. Era tão difícil assim para ela simular um bom relacionamento?

― Está bem, eu danço – bufa, como se pudesse ler a pergunta implícita no semblante do caçula.

Cassis lhe estende uma mão e Sara o toca levemente através da luva, aliviada por não haver nenhum contato pele com pele entre eles. Elegantemente, o vampiro a conduz ao meio do salão, posicionando-se e arriscando uma rápida olhada para a donzela de nariz empinado, enquanto começavam a se mover.

Do outro lado, Arthur erguia sua taça de vinho, brindando o que para ele significava o sucesso daquele noivado, acreditando fielmente que os vampiros poderiam ser boas companhias, se não fossem intimamente provocados.

― Um brinde aos noivos.

― Aos noivos e a guarnição de Alestia – completa Thorkus, batendo sua taça à do rei e assistindo de forma interessada como os humanos se divertiam em bailes.


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Notas finais do capítulo

Capítulo duplo hoje, porque é feriado. ^-^
Tenham uma ótima leitura!!!



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