WSU's Padre escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 6
V




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Quando cheguei em casa naquela noite, me dei conta do quão fatídicos tinham sido os últimas dias para mim. Minha casa relativamente empoeirada devido à construção do presídio feminino de Corsário, não era nenhuma desculpa para que eu não pudesse deixar aquele ambiente mais agradável e nem mesmo os sumiços de meu marido.

Eu nunca deveria ter deixado as coisas chegarem nesse estado. Tudo era como se eu não tivesse ninguém ao meu lado, mas, ao mesmo tempo, sentia uma penumbra sobre mim e estava lá me observando.

Subi as escadas esgotada, como se carregasse um fardo enorme nas minhas costas. Parei de frente ao banheiro e abri a porta. Tudo o que eu queria naquele momento era apenas tomar um banho.

No momento em que comecei a tirar minha blusa, nesse momento, a ducha disparou um jato contínuo, dois, três todos falhos como se estivesse faltando água nos canos. Então, para meu desespero, estabeleceu-se uma corrente contínua como se alguém estivesse atendendo meu desejo.

Levei a mão à minha boca, observando e sentindo o arrepio frio subindo pela minha espinha dorsal passando pelo pescoço e surgindo até as minhas orelhas. A água começava a ganhar tons de vermelho até atingir a tonalidade carmesim e sem entender o que acontecia, desci correndo as escadas até tropeçar logo nos primeiros degraus e rolar até parar na sala.

Olhei para o tapete e vi a enorme sombra me cobrindo, a dor aguda em minhas pernas não me deixaram levantar. Então rastejei até o balcão, onde subi num banco. Abri uma das gavetas e lá estava o revólver de Funes.

Sabia que a sombra estava ali, mas ao olhar para o espelho percebi que eu estava sozinha. Coloquei a arma no balcão, peguei uma taça pendurada nos suportes em cima e uma garrafa de vinho. Decidi encher a taça até transbordar, respirei fundo e tomei um gole.

Mas nem enquanto eu bebia, tive paz. A porta da sala se abriu, rapidamente virei apontando a arma.

— Ô, calma aí! — disse Tuller, erguendo as mãos. — Sou eu, Jesse James.

Suspirei e virei-me de volta para beber o vinho.

— Tenho boas notícias.

Pareceu até piada, não ouvia aquelas palavras juntas há um bom tempo.

— O Padre tá aí fora e quer falar com você.

Os olhos me saltaram instantaneamente.

— Me ajuda — disse, erguendo a mão.

— O que aconteceu? — perguntou, vindo até mim.

— Tropecei da escada.

Ele olhou para a taça de vinho pela metade

Bebassa.

Fui me sustentando em seu ombro até lá fora, aonde Wellington esperava com o porta-malas aberto. Me olhava de maneira cética. Me deparei com o corpo de meu marido desacordado dentro do carro.

— Meu Deus! — pasmei com repulsa.

Seu corpo estava atado nos braços e nas pernas com um tipo de corda de cisal, toda sua pele parecia ressecada, muito branca e suada. Seus cabelos desarrumados de longe pareciam aqueles que viviam lambidos com gel.

 — É o seu marido? — indagou-me.

— Sim, mas não se parece em nada com ele, parece um cadáver.

Ele tirou o celular de seu bolso e mostrou-me uma foto, era Funes em sua mala na mesma posição, mas parecia mais conservado.

— É um cadáver em estado de putrefação e segundo o que estudamos em todos os seminários de exorcismo, um demônio não pode possuir mortos.

Não sabia o que ele queria dizer com aquilo. Tudo aquilo era surreal para mim e eu só tinha visto aquelas coisas em filmes de terror e agora já estava vivenciando a cada dia.

— Isso significa dizer que ele está vivo? — perguntei, confusa.

— Ou que o impossível aconteceu — respondeu, fechando o porta-malas.

Tudo aquilo era impossível para mim, amigos.

Guardou o aparelho em seu bolso e me olhou seriamente.

— Me responda com sinceridade: seu marido tem participado de rituais malignos?

Era só o que faltava, passei anos vivendo com um bruxo e não sabia.

— Não que eu saiba — respondi com um sorriso sem-graça.

— Então vou precisar descobrir sozinho — disse, arrumando o chapéu de caubói na cabeça. — Mas eu quero me dê a sua palavra, que quando tudo isso acabar você vai tratar de me deixar com a guarda do meu filho.

Olhou para banco de trás, onde o garoto dormia e meus olhos seguiram os seus.

— Eu prometo — falei, estendendo a mão até ele.

Naquele momento, eu sabia que estava falando com a pessoa certa. Ele deu um aperto de mão firme e sorriu. Só que essa tranquilidade instantânea foi embora com as lembranças de Funes erguendo a mão para mim, levantando a voz e até mesmo me ameaçando com uma faca.

— Padre, esse homem vivia me ameaçando e quase me matou — desesperei-me.

— Quase me matou também — meu amante intrometeu-se.

— É, Tuller — concordou acenando com a cabeça —, foi há uma hora e meia e eu estava do seu lado.

— Por favor — falei, cortando os dois. — Se ele estiver morto, por favor mantenha-o morto e se estiver vivo, não deixe que ele tenha a chance de me fazer mal de novo.

Não consegui segurar as lágrimas que escorreram em meu rosto, o medo e a penumbra ainda estavam ali. Algo que eu falei atingiu Wellington, que olhou para baixo. Mas, com serenidade,  ergueu a cabeça e me disse:

— Vou pegar a balsa para Salvador, manterei contato. — Foi andando tirar os olhos do garoto, até chegar a porta do acento do motorista. — Até logo.

Ele entrou no veículo, ligou-o e deu partida.

Arrastando uma perna, fui levada por Tuller até a porta.

— Pode ficar essa noite comigo? — pedi, com um olhar que quase implorava por misericórdia. — Não quero ficar aqui sozinha.

Ele sorriu de lado.

— Vai ser a primeira vez que eu durmo com você até o dia amanhecer, será que é a primeira de muitas?

Abracei-o firme e respirei com alívio.

— Eu espero que sim — respondi, sorridente.

 

 

 

Salvador

 

O Chevette descia o viaduto que ligava a cidade alta com a cidade baixa. A vista de cima era privilegiada, dava pra ver a copa das árvores balançando enquanto o vento soprava.

No banco de trás, os raios de sol que refratados pelo vidro iluminavam o rosto do garoto. Logo despertou, coçando os cachos de seu black power. Seu pai, assistiu à cena pelo retrovisor. Levou a mão, ao porta-luvas aberto com a tampa quebrada e tirou uma barra de cereais, que arremessou para trás.

— Café da manhã — disse, quando a barra tocou o peito do garoto. — Tá meio gordinho — justificou com um sorriso.

Lineker sentou-se no banco, segurando a barra com uma mão e o seu boneco do Temerário com outra. Bocejou, se espreguiçou.

— Aonde estamos indo? — perguntou a criança, curiosa.

Ele tirou a embalagem do doce e logo tratou de dar uma dentada generosa.

— Vai devagar aí, Péricles do Exaltasamba — reclamou, coçando o bigode. — Não esquece que seu estômago não tem dentes.

O garoto cerrou os olhos com desdém.

— Aonde a gente tá indo? — insistiu.

— Você conhecer uns amigos do papai agora — respondeu com uma risada maliciosa. — Uns pilantras.

— E tinha como ser diferente?

O veículo parou em frente a um duplex branco. Na parte de baixo, uma placa com um olho minimalista preto e branco, muito semelhante aos das representações do deus egípcio Hórus ostentava o nome imenso, que Lineker leu em voz alta:

 

“Madame Danda”

 

— Uau! — impressionou-se, quase gargalhando. — “Fale com seu ente querido novamente” — reprisou o slogan.

Wellington riu alto, olhando para o filho no banco de trás. Uma risada que contagiou o garoto.

— Vamos indo — falou, afagando o volumoso cabelo negro do menino.

Ao deixarem o veículo, foram entrando no local, que tinha a porta de vidro aberta. Não havia nada de muito sofisticado. Pegador de anjos indígenas na porta, algumas imagens e estátuas de santos e orixás no corredor que dava para uma sala pequena com uma mesa branca e redonda. Sentados nela, uma senhora negra, bem robusta e com um turbante na cabeça, branco tal qual suas vestes e um homem loiro e calvo de meia-idade, com um terno bege.

Pararam na porta do corredor e observaram de longe a mulher balançar seus braços cheios de pulseiras com pedras barulhentas e dizer com seu sotaque carregado:

— Escute bem Madame Danda! — advertiu, apontando o dedo na cara de seu cliente. — Danda não mente.

Wellington olhou de lado para seu filho e abriu um sorrisinho do lado direito.

— Estou escutando, Madame! — disse o homem, atento.

— Quando você segurar em minhas mãos, vai poder falar com sua esposa — falou, arregalando os olhos. — Mas se tu soltar, filho do cabrunco. Se tu soltar, vai cortar a conexão.

Ela estendeu ambas as mãos para o homem com as palmas viradas para cima e ele as segurou. Instantaneamente a mulher fechou os olhos e começou a contorcer-se como se estivesse tendo um AVC.

— Antônio? — perguntou Danda, com uma voz bastante aveludada.

— Daniela! — disse o cliente, sorrindo com os olhos brilhantes. — Meu amor, que saudades!

O ex-padre deixou escapar uma risada, mas segurou a boca. A concentração de ambos na mesa era tamanha, que não foi o bastante para atrapalhar.

— Eu também, pitchuquinho!

— Ah, pitchuquita! — Uma lágrima escorreu pelo rosto do homem.

Ele cerrou seus olhos e fez um bico na boca, aproximando-se da mulher. Ela abriu um dos olhos e pode ver aquela aproximação.

— Você vai cortar a comunicação, Antônio! — esbravejou, rudemente e em seguida, pigarreou. — Digo, pitchuquinho — corrigiu, retornando ao tom anterior.

Desta vez, o garoto levou a mão à boca para não rir e chamou a atenção da mulher, que olhou como um pirata. Nada satisfeita, tratou de retornar suas atenções para o cliente.

— Desculpa, é que eu não faço tchuqu-tchuqui há um ano, desde que você me deixou. — Soltou uma risada infantil e envergonhada. — Sabe que quando estou perto de você, fico todo assanhado, né?

— Sei, sim — respondeu Danda, interpretando e encarando Wellington.

O ex-padre se fez de impressionado e aprovou a atuação da mulher com os dois polegares.

— E agora o que eu faço sem você? — perguntou o cliente, desesperado.

Cerrando os olhos novamente, ela continuou a conversa:

— Se não tratar a sua impotência sexual, nada — respondeu, seca. — Vá num urologista, pitchuquinho. Veja como está a sua próstata, se trate e arranje uma outra mulher — continuou, mais branda. — Que não é essa médium que te fala.

— Ah! Você sempre foi tão compreensível, Daniela! — disse, choroso. — Eu posso te dar um abraço?

— Claro, meu amor!

Ambos se levantaram e, para isso, soltaram as mãos e se abraçaram. Ele esboçou o gesto afetuoso com muito mais ímpeto.

— Sem se exceder, branquelo! — reclamou a médium. — Soltaram-se as mãos, acabou-se a conexão. Eu avisei.

— Ah, por favor! — retirou um talão de cheques do bolso e uma caneta. — Eu preciso falar com a minha esposa.

— Na-na-na-não! — estendeu a mão cheia de pulseiras, balançando a cabeça. — Volte outra hora! A Daniela foi embora e é a vez dos outros agora.

— Tudo bem, Madame — falou, segurando o pulso da médium e beijando o dorso, sem tirar seus olhos do dela. — Eu volto quando você puder.

— Vai. — Apontou para a saída. — Agora.

Antônio saiu tão apressado, que esbarrou de ombros com Wellington, mas não foi o suficiente para que o ex-padre parasse de encarar Danda apertando os olhos.

— O que é diabo? — indagou a médium, insatisfeita.

— É muita cara de pau — desconsiderou a ofensa. — Quero falar com o outro pilantra.

Ele foi entrando apressado e passando pela mesa segurando seu filho pela mão.

— Cadê ele? — perguntou, olhando para a mulher. — Ô, Soul! Aparece aí!

Danda levantou-se de sua cadeira rapidamente e esbravejou, enquanto os dois subiam a escada para o andar de cima.

— Ei, não pode entrar aí! — repreendeu ela, erguendo o braço. — Ele está descansando!

— Posso sim, porque sou mais rápido que você — rebateu Wellington, arrancando risadas do filho ao lado. — E você trate de perder peso, tá parecendo o outro filho dela.

O garoto fechou a cara para o pai, mas ao chegar no cômodo de cima e ver a cama envolvido por um mosqueteiro transparente, que deixava ver o jovem rapaz esguio deitado na cama, parou sem compreender.

— Pai, quem é ele? — perguntou, admirado com rapaz que parecia estar morto desde os anos setenta, pelas roupas roxas de cafetão nova-iorquino da época e o black power como o seu, que se unia com a barba pelas grossas costeletas.

Wellington tirou seu chapéu da cabeça e franziu o cenho.

— A pergunta certa, meu filho, é “o que é ele?”

Logo, como um holograma, uma imagem começou a se formar na frente dos dois e replicar o jovem adormecido na cama.

 — Não viu minha mãe dizer que eu estava descansando, Padre? — perguntou, o rapaz translúcido. — O que você quer?

— Puta que pariu! — o garoto, gritou o garoto. — Me arrepiei todinho!

— Ei, olha a boca! — repreendeu o pai.

Soul voltou seu olhar para Lineker.

— Ele consegue me ver? — indagou, o jovem.

— Filho de peixe, peixinho é — respondeu o exorcista, convencido.

— Um ébano infanto-juvenil como ele não pode ser filho de um saco de bosta como você — retrucou o rapaz.

— Eu sou adotado — disse o garoto, sorrindo.

Wellington deu um passo a frente, segurando o chapéu contra o peito.

— Lineker, este é Jamal da Silva filho de Dandara da Silva — disse o ex-padre, apontando para o rapaz. — Ele sofreu um acidente de moto que o levou à morte cerebral, mas de alguma forma sua alma pode percorrer livre por aí e possuir outros corpos.

— Show! — exclamou o garoto, impressionado.

— A mãe dele você conheceu lá embaixo, ela explora a habilidade do filho para possuir clientes e tirar informações cruciais de seus subconscientes — explicou ao filho, tentando fazê-lo gostar menos do garoto. —  Suas vidas, costumes, familiares e aí, possuir a própria mãe para replicá-los e tirar dinheiro de trouxas.

— Ah, então ele é igual a mim! — disse, deixando seu pai com a pulga atrás da orelha.

O menino foi em direção a alma penada e estendeu sua mão em direção, para segurá-la. No entanto, sua mão transpassou a de Soul e apenas se fechou. Porém, no ato, Lineker ficou estático e de olhos paralisados.

— O homem está doente? — indagou o garoto.

— Ele tem câncer de próstata — respondeu o rapaz, virando-se. para o pai. — É bom você ter cuidado com o que fala, aqui nós ajudamos pessoas também.

O ex-padre engoliu seco.

— Então, talvez possa me ajudar? — perguntou, num tom mais respeitoso.

— Do que se trata? — perguntou Soul.

— Que tal ver você mesmo? — falou, estendo sua mão para o rapaz.

A alma do jovem uniu-se ao corpo de Wellington quando suas mãos se tocaram. O exorcista fechou os olhos, soltou o chapéu e seu corpo se tremeu por inteiro. O filho, encarou a cena com estranheza, até Soul projetar-se novamente em sua frente.

— Eu posso ajudá-lo — respondeu, para o ofegante homem apanhando seu chapéu. — Mas vai ser por ele. — Apontou na direção do menino. — Não sei como, mas quando o toquei, vi que ele ainda te ama muito.

Wellington, ainda de joelhos, sorriu e abraçou seu garoto. Com o coração confortando, Lineker retribuiu o gesto e até fechou os olhos para aproveitar melhor.

— Ei! — gritou Danda sem fôlego, segurando os joelhos ao chegar ao local. — Eu disse que ele estava descansando!


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