WSU's Padre escrita por Lex Luthor, WSU


Capítulo 7
VI




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Havia um círculo branco de tinta fresca no chão, ao lado da cama envolta de aparelhos médicos e coberta pelo véu transparente.

— Um corpo morto é um corpo sem alma. É como um cofre vazio trancado — analisou Soul. — Se realmente for um espírito maligno dentro do corpo, é algo muito poderoso e conseguiu entrar.

— Você pode morrer, Jamal — falou a mãe, preocupada. — Por quê tentar se arriscar?

— Mãe. — Olhou-a, desconfiado.

Tentou driblar o olhar preocupado de Lineker, aproximando-se de sua genitora.

Não lembra quando o papai morreu e quase o Conselho Tutelar me leva embora? — cochichou no ouvido da mãe. — Tivemos sorte.

Danda olhou para o antebraço com pelos arrepiados.

— Puxa! — impressionou-se. — Sempre que um espírito sussurra no ouvido de alguém isso acontece.

O rapaz revirou os olhos, perdendo a paciência.

A gente pode dar a mesma sorte ao garoto — continuou —, ajudando o Wellington a descobrir algo sobre o defunto.

— Tudo bem! — concordou, afastando-se. — Só pare de me arrepiar, ok?

A robusta mulher foi até o armário de madeira do outro lado e abriu uma gaveta, aonde haviam várias velas vermelhas.

Neste instante, Wellington subia arrastando o corpo amarrado pela escada.

— Parece que esse merda comeu um urubu antes de morrer — reclamou, ameaçando vomitar.

A esta altura, o defunto já parecia um jovem zumbi azulado da série The Walking Dead.

Ele arrastou o corpo até o centro do círculo e lá deixou.

— Qual a necessidade de colocar ele aí nesse círculo? — perguntou Lineker, enojado com o odor forte e fétido.

— Santo Deus! — exclamou Danda, carregando as velas. — Quando Wellington trouxe um ornitorrinco morto pra cá, eu avisei que não ia demorar pra ele trazer uma pessoa morta.

— Ah, cala a boca! — irritou-se o exorcista. — Eu só queria saber se ele era o último da espécie.

Lineker soltou uma risada tímida, em meio a todo o clima imundo da cena. Danda posicionou as velas vermelhas em diferentes pontos da linha circular de tinta no chão.

— A minha entrada no corpo deixará a porta do cofre aberta — explicou, Soul — e o círculo manterá o espírito maligno preso.

Sua mãe tratou de acender cada uma das velas.

— Tá e pra que ela tá fazendo isso? — indagou o garoto.

— Pra diminuir essa catinga — respondeu, Danda. — São aromatizantes.

Com o odor de carniça podre e flores do campo se misturando, algo chamou a atenção de Jamal. Eram três furos na camisa do defunto.

— Alguém atirou nele? — perguntou, apontando.

Desconfiado, Wellington observou.

— Não tinha reparado, deve ter sido a causa mortis.

— Bem, vamos lá.

Soul caminhou até entrar no círculo e parou com o peito do defunto entre suas pernas transparentes. Curvando sua coluna, agarro a cabeça do morto com as duas mãos e seu corpo foi esmaecendo e apagando, a medida que as luzes do quarto piscavam continuamente. Quando as lâmpadas apagaram de vez, o rapaz não estava mais lá e apenas as velas iluminavam o cômodo.

— Uau! — Lineker admirou-se, assustado.

A medalha no peito do garoto começou a brilhar intensamente.

— Deve estar no campo espiritual agora — explicou o exorcista. — Um lugar que podemos apenas sentir e filtrar energias através de medalhas como a sua, mas Jamal pode acessá-lo.

Danda fechou seus olhos e inspirou fundo.

— Espírito de trevas, permaneça aprisionado! — exclamou a médium, erguendo as mãos. — Espírito de trevas, permaneça no espaço delimitado.

Enquanto a mulher repetia as palavras, as marcações de tinta começaram a ser incandescidas com uma luz tal qual a cor pintada. De repente, era apenas Soul o corpo e uma névoa no quarto.

O defunto levantou-se com o pescoço torto para o lado e encarou o rapaz.

— Uma alma branca — comentou o espírito maligno, sorrindo. — Curioso.

— É só a alma, a pele continua preta — ironizou. — O que você está fazendo aí?

Um rosnado como de um cão feroz ecoou, o bastante para deixar Soul receoso.

— Vingando.

— Vingando o quê? — perguntou o jovem.

O defunto apenas lhe estendeu a mão. Soul sabia o que tinha que fazer, entretanto, temia. Novamente o rosnado bestial se alastrou pelo local, desta vez bem mais forte.

Sem temer, a alma branca segurou firme a mão do espírito maligno.

Fora do campo espiritual, os batimentos cardíacos do rapaz no leito aumentavam cada vez mais rápido.

— Merda — praguejou Wellington.

Soul se via de mãos dadas com pessoas usando vestes negras de capuz e o rosto coberto por uma máscara que se assemelhava a face de uma harpia. Tudo isso era através de olhos que não eram os seus. Todos entoavam como um cântico dizeres que ele não compreende, incluindo ele, mas com uma voz que também não era sua:

Satana eleison — diziam. — Lux fero eleison.

De repente, ele já não estava mais lá. E sim olhando para Julia com o minibar na sala.

— Sua vagabunda! — gritou, estapeando em seguida. — Como pôde fazer isso?!

A moça cambaleou e girou com a força do golpe, caindo em cima do móvel rústico. Então, ele viu seus punhos cerrarem-se prontos para agredir a mulher. Mais rápida, ela abriu a gaveta e sacou o revólver efetuando três disparos, o levantando ao chão e fazendo gemer e gritar de dor.

— Pai! — gritou Lineker, assustado.

O garoto com a medalha brilhando cada vez mais forte apontou para a cama, onde o rapaz desacordado se debatia e convulsionava soltando espuma pela boca. O exorcista levou as mãos à cabeça.

— Meu Deus! — desesperou-se a mãe, correndo em direção ao filho.

Soul pôde se ver tocar os próprios ferimentos de balas, arquejando. Foi então que escreveu algo incompreensível no chão branco, talvez uma língua morta. Enquanto sua visão tornava-se turva e seus olhos abriam e fechavam. Numa das piscadas, viu à sua frente uma coruja totalmente branca.

— Eu quero vingança — pediu, num último suspiro.

Wellington, desesperado, passou a mão bruscamente na tinta do círculo e a luzes das lâmpadas se reacenderam. Os sinais vitais do rapaz voltaram ao normal. O fôlego de todos estava voltando.

Quando o exorcista olhou para o círculo, percebeu que o cadáver já não estava mais lá e apenas a alma branca estava a chorar debruçada no círculo.

 — Não! — berrou a mãe, desesperada.

Mas ela não pode fazer muito, quando foi bruscamente erguida e colocada como um ímã de geladeira no alto da parede.

— Para! — desesperou-se Lineker, ao olhar para a cama.

Eles viram o cadáver com as duas mãos suspender o corpo desacordado de Jamal pela cabeça, arranhando o crânio com as afiadas garras negras.

Tentaram me expulsar de novo — gritou a voz deformada —, mas ninguém vai cruzar o meu caminho e sair vivo!

Wellington deixou um crucifixo descer em sua manga, pressionou e uma lâmina saiu da base da cruz. Rapidamente, arremessou na perna do braço do defunto. O golpe fez uma fumaça sair do ferimento, enquanto o demônio soltava o rapaz e rugia de dor. Danda caiu violentamente no chão.

Vendo a cena, Lineker viu a oportunidade de agir. Soltou o boneco do Temerário e correu segurando sua medalha.

— Pai Nosso que estás no céu...

O amaldiçoado tirou o objeto sagrado com outra mão, que também queimou e jogou no chão. Vendo a aproximação do garoto, saltou sobre ele e correu em direção a Wellington, o derrubando com um golpe nas pernas. Porém, antes que caísse, o defunto o segurou pelo crânio e ergueu-o como fez com Jamal.

Não se aproxime, garoto! — esbravejou o endemoniado.

Um pouco a frente da cena, ele viu o boneco do herói da Cidade Corsário. Olhou para seu pai adotivo agonizando nas mãos do agressor.

— É isso que eu tenho que fazer — falou para si, arrancando a medalha incandescente do peito. — Tenho que me sacrificar.

O objeto sagrado rolou pelo chão e o menino andou lentamente em direção ao ser amaldiçoado.

— Solta ele agora! — bradou o garoto, imperativo. — Ele é só um velho idiota e eu sou uma alma jovem e cheio de rancor!

— Não faz isso — pediu o exorcista, rangendo os dentes.

Soul erguia-se em cima do círculo aberto, arquejante. O endemoniado sorriu e arremessou violentamente, passando por dentro da alma e se chocando contra a parede.

E você quer se vingar? — indagou, o espírito maligno.

— Sim — respondeu, fechando o punho direito.

Cada vez mais próximo, o semblante do menino mudava para uma expressão de ódio absoluto.

— Lineker, não! — rogou, o rapaz.

Do que quer se vingar? — perguntou, insistente, levando a mão ao ombro da criança.

Não houve uma resposta, apenas o silêncio seguido do cenho franzido.

Vamos descobrir juntos — respondeu-se o endiabrado.

As luzes das lâmpadas apagaram-se e novamente se acenderam. Os dois já não estavam mais lá.

Desiludido, o pai levou ambas as mãos ao rosto.

— Por quê não fez nada, Wellington? — perguntou Soul, com raiva.

Um suspiro foi a resposta.

— Por quê não pegou a medalha e fez alguma coisa que preste? — questionou Danda. — Ele quase matou todo mundo aqui!

— Não dava! — gritou, aborrecido.

O exorcista socou o chão com força. Mãe e filho ficaram atônitos, assistindo à cena. Ele levantou-se, lentamente, cansado e apanhou a medalha.

— Eu preciso dele para usar a medalha, por que não tenho fé.

— Então é assim que você usa ele — disse o espírito, indignado.

O exorcista nada respondeu, apenas balançou a cabeça, indignado.

— E não é isso que vocês fazem aqui, porra?! — esbravejou Wellington.

— É melhor você tirar esse seu traseiro branco daqui — repreendeu-o Danda, apontado o dedo em sua direção —, antes que eu chute ele pra fora daqui!

Sem dar mais nenhuma palavra, ele pegou se crucifixo e o boneco do Temerário no chão e desceu as escadas.

 

 

 

Construção do Presídio Feminino da Cidade do Corsário

 

O som de correntes batendo no chão. Os chicotes estalando. Os gritos de dor. Lineker podia ouvir tudo aquilo, mas nada podia ver.

— Onde estamos? — indagou o garoto, com as mãos juntas do rosto.

Num lugar amaldiçoado — respondeu o defunto. — Aqui meus poderes estão ampliados mais do que posso imaginar.

Ele olhou para o menino, que tremia mais do que se estivesse nu na Antártida.

Não tenha medo. — Afagou os cabelos encaracolados do garoto. — Eu não esperava que fosse tão rápido, mas já tenho a resposta para a pergunta que te fiz.

— Já? — perguntou o menino, preocupado.

— Sim — disse o endemoniado, estendendo a mão para o garoto.

Ele apertou a mão fria e azulada do defunto, um claro veio à sua cabeça. De repente, estava novamente em Salvador.

— Por quê não pegou a medalha e fez alguma coisa que preste? — questionou Danda. — Ele quase matou todo mundo aqui!

— Não dava! — gritou, aborrecido.

O exorcista socou o chão com força. Mãe e filho ficaram atônitos, assistindo à cena. Ele levantou-se, lentamente, cansado e apanhou a medalha.

— Eu preciso dele para usar a medalha, por que não tenho fé.

— Então é assim que você usa ele — disse o espírito, indignado.

O exorcista nada respondeu, apenas balançou a cabeça, indignado.

— E não é isso que vocês fazem aqui, porra?! — esbravejou Wellington.

A névoa branca se espalhou pela construção. Enrugado, o rosto do menino transmitia toda a raiva que sentia no momento.

Do que quer se vingar, Lineker? — indagou o demônio, com a voz deformada.

Do meu pai! — respondeu com uma voz rouca, que lembrava de longe a sua própria.

Por quê?

Ele me usou! — esbravejou. — E merece que eu beba o sangue da sua cabeça cortada pelas minhas unhas!

Garras negras cresceram nos dedos do garoto e o demônio sorriu.

Mas antes — falou, segurando o ombro do rapaz —, vamos matar a mulher naquela casa.

O seu indicador apontou para a casa de Julia, a mais próxima da construção. O garoto, em silêncio, concordou acenando com a cabeça.

 

 

Salvador

 

Ao entrar no Chevette, Wellington sentou-se no banco do motorista, onde escorou a cabeça. Impaciente, olhou para frente e socou o volante três vezes, antes que começasse a chorar.

Viu pelo retrovisor o boneco que havia colocado no banco de trás.

— Meu filho — lamentou, choroso.

— Eu sabia que você gosta do moleque.

O exorcista saltou, segurando o peito, ao ver Soul no banco do carona.

— Que susto, filho da puta! — gritou, Wellington.

Colocou as mãos no porta-luvas e tirou um cigarro amassado. Pegou um isqueiro no bolso da camisa e acendeu-o, recompondo-se.

— Eu precisava disso — disse, mais calmo. — Se veio passar na minha cara a merda de pai que eu sou, perdeu seu tempo. — Soltou a fumaça. — Eu já sei disso.

O espírito balançou a cabeça negativamente.

— Não — respondeu, levando a mão direita na direção do motorista —, vim te oferecer mais uma última ajuda.

Quando seus dedos tocaram o exorcista, seus corpos uniram-se mais uma vez e Wellington viu tudo o que Soul vira, ao entrar no corpo do amaldiçoado. Em sua mente, o perverso culto passava como um filme, enquanto os participantes ressoavam:

Satana eleison — diziam, de mãos dadas. — Lux fero eleison.

Os dois corpos se separaram mais uma vez. De olhos arregalados, Wellington deixou o cigarro cair da boca e queimar sua perna.

— Cacete! — praguejou, estapeando a coxa para apagar a brasa.

— Então você sabe tudo o que está acontecendo? — indagou, o jovem

— Ele invocou um demônio com escritos em sumério, antes de morrer. — Pisoteou o cigarro no chão do veículo. — Tudo para se vingar da mulher que o traiu.

Soul olhou para o rosto do homem ao seu lado, com total desconfiança.

— Acho que você sabe mais.

— Ele era membro da Ordem dos Faustinos — respondeu, o exorcista. — Uma organização centenária, que se infiltrou nas entranhas da Igreja e dialoga com todas as classes demoníacas com o objetivo de trazer o anticristo ao mundo para encaminhar o Apocalipse Bíblico. Querem provar a fé cristã para o mundo.

— E como você sabe disso tudo, Wellington? — indagou o rapaz, erguendo uma sobrancelha.

— Eu já fui um membro deles — respondeu, abaixando a cabeça.

Soul levantou-se e passou por dentro da porta do carona, sem sequer abri-la. O exorcista inclinou-se e baixou o vidro da janela girando rapidamente a maçaneta de ferro.

— Espera! — gritou, tentando chamar a atenção do jovem que lhe deu as costas. — Eu era só um fanático religioso, tentando provar a minha fé pro mundo!

— É! — respondeu, irônico. — E agora você não tem fé nenhuma.

Wellington arrumou sua postura no banco do motorista.

— Foi um prazer te ajudar, padre — disse, despedindo-se. — Mas eu vou ouvir a minha mãe agora e não confiar mais em você, pelo meu próprio bem. Boa sorte com o Lineker.

O Chevette arrancou ferozmente, cantando pneu no asfalto. Sem mais a quem recorrer, o exorcista tomou rumo para Corsário novamente.


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