Time After Time escrita por Catelyn Hudson


Capítulo 5
Bella Ciao (Steve)


Notas iniciais do capítulo

Claro que a música do Steve seria uma da Segunda Guerra né minha gente, não resisti xD



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Roma, 1996

A melhor e a pior parte do seu novo apartamento era a proximidade da entrada do Vaticano. Não era fã da barulheira que podia ser ouvida do 15º andar, mas isso também significava que não havia desculpa para não ir a missa. Podia ir todo dia, até.

Ainda bem que sua mãe falava um pouco de italiano, graças ao seu intercâmbio de 6 meses em Milão, e o ensinou antes de falecer. Não ficava tão perdido durante a celebração. (Além do mais, toda missa era mais ou menos a mesma. Mesmo se não entendesse exatamente o que estava sendo dito, tinha alguma ideia baseando-se em suas memórias.)

Mesmo assim, pediu ao policial responsável por ele para matriculá-lo num curso de italiano antes de se integrar à sociedade.

— Poucas pessoas lá em Nova York sabem que falo italiano. Se eu for fluente de verdade, levantarei ainda menos suspeita. Por favor, Sr. Coulson.

Ele cedeu no fim da semana.

— Mas é melhor aprender rápido, se quiser que isso funcione.

Seu disfarce era de irlandês, com sua mãe. Lembrava-se de seu sotaque, e o seu próprio misturava o dela ao de seu pai (típico morador do Brooklyn, algo que poucas pessoas abaixo dos 60 anos tinham atualmente). Sob o nome John Walker, ele diria que se mudou para Roma após a morte de seu pai, a fim de criar um laço que nunca tiveram em vida.

Poético e trágico, mais ainda do que o real relacionamento entre Steve e seu (de fato) falecido pai – um veterano da Guerra do Vietnã que morreu antes de seu filho aprender a ler, em decorrência de um linfoma; anos depois, descobriu que a provável causa teria sido exposição a agentes químicos durante a guerra.

Não se lembrava muito de Joseph Rogers, mas o pouco que se lembrava era bom. Sua mãe preencheu muitas lacunas antes de ela mesma morrer, vítima da AIDS. Conforme sua saúde se deteriorou, descobriram vários casos como o dela, de enfermeiras que contraíram o vírus através de acidentes com seringas contaminadas.

Suas memórias dela eram bem mais precisas, já que já estava no ensino médio à época de sua morte. Lembrava-se vividamente dela na cama, rindo e tossindo ao mesmo tempo, falando das notícias como se nada lhe estivesse acontecendo.

Sarah Rogers permaneceu forte até o último suspiro, na tarde do dia 15 de outubro de 1993. A mão dela segurava a dele de tal forma que Bucky quase quebrou a mão inerte para tirar a dele.

Seu melhor amigo e vizinho ofereceu sua casa após o enterro. Ele recusou. A herança de seus pais era suficiente para manter o pequeno apartamento, especialmente com o emprego de Steve como caixa numa lanchonete na Universidade de Nova York.

Agora que parou para pensar, provavelmente não haveria um apartamento para onde voltar – se conseguisse voltar. Ele dissera a Bucky para não se preocupar muito com o lugar, apesar de haver a possibilidade de ele mesmo ter se mudado para lá.

Ruminar essas coisas, porém, não lhe faria bem algum. Havia um novo apartamento do qual cuidar – ligeiramente maior, aliás. Tudo bem, não era exatamente seu, mas sim da Europol, que estava ajudando o FBI (ou seja qual for o departamento policial americano responsável pela proteção de testemunhas) a escondê-lo (e, supunha, outros como ele pela União Europeia), o que significava que não precisava se preocupar em pagar contas, por exemplo. 

Os afazeres domésticos, entretanto, eram de sua total responsabilidade. Felizmente, aprendera-os antes mesmo de sua mãe morrer, e os pais de Bucky o ensinaram várias coisas “de adulto” quando ele virou órfão de vez. Os Barnes eram os melhores vizinhos que Steve poderia ter.

Falando em vizinhos, logo descobriu que tinha uma. Uma garota que aparentava ser ligeiramente mais velha, apesar de que isso poderia ser atribuído à maquiagem. Ele se apresentou uma semana depois de sua chegada, enquanto esperavam o elevador.

— Mi chiamo John Walker – disse, estendendo-lhe a mão. – Lieto di vederla, Sginorina…*

*(Meu nome é John Walker. Prazer em conhecê-la, senhorita...)

— Margaret Williams – ela respondeu, dando-lhe a mão de volta. –Lei parla inglese? (Você fala inglês?)

Ele assentiu, sorrindo.

— Sou irlandês, na verdade. De onde você é?

— Estados Unidos. Deve ter ouvido falar da cidade… Las Vegas.

Seus olhos se arregalaram.

— Sério? Você morava em Las Vegas?

As portas do elevador se abriram. Ela riu ao entrar.

— Não é tão animado quanto imagina, Sr. Walker.

— Ah, por favor, pode me chamar de John. Sr. Walker me faz parecer um velho. – Os dois riram. – Mas deve ser uma loucura com tantos turistas na cidade. Não é como se fosse o mesmo tipo de turista do resto do mundo.

— Bem, você não está de todo errado – admitiu. – Mas há muitos turistas… comuns, que só querem conhecer a cidade e descobrir o que há de tão atrativo nela. O que era realmente bom lá é que eu podia comprar praticamente qualquer coisa a qualquer hora.

— Como assim? – O elevador se abriu novamente.

— Farmácias e mercados funcionam 24h, assim como outras lojas. E, como sempre há gente chegando à cidade, não importa a hora, raramente as lojas estão vazias, mesmo de madrugada. Não vi isso em Roma, apesar de o turismo aqui ser igualmente intenso, se não mais.

Ele assentiu. Gostaria de poder falar que entende o que ela está falando, mas não era como se pudesse falar da vida noturna em Nova York – e, até onde sabia, as cidades irlandesas não era assim.

— Acho que nos separamos aqui – ela disse, trazendo-o de volta à realidade. – A menos que esteja indo à farmácia também.

— Não, não, vou para o outro lado. Mas obrigado, e até a próxima.

Ela sorriu educadamente, despediu-se e foi embora. Ele fez o mesmo; faltavam 15 minutos para sua aula de italiano.

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Ele a viu novamente ao sair da missa da manhã. Foi uma surpresa tê-la encontrado na multidão (ou melhor, ela o encontrou).

— Bom dia – ela o cumprimentou ao se aproximar dele. Falara com ela apenas uma vez, mas já reconhecia sua voz. Isso era bom ou ruim? (Provavelmente nem um nem outro.)

— Bom dia, Srta. Williams – respondeu com um sorriso. – Veio à basílica como turista ou membro da assembleia?

— Assembleia – sua resposta foi imediata. Os dois andavam em direção ao prédio. – Venho à igreja todo dia. E você, John?

— Eu também. É fácil vir à missa diariamente morando tão perto do Vaticano. As igrejas na minha cidade natal não davam tantas opções de horários quanto a Basílica.

Sentiu-se mal por mentir, principalmente logo após ter se confessado… mas não era como se pudesse ser franco. Qual seria o sentido de criar uma nova identidade se ele se entregasse a qualquer um que encontrasse? Thanos o acharia fácil se não mentisse. Suas mentiras, supunha, eram aceitáveis, considerando que as contava para evitar ser morto.

Alheia a seus pensamentos, ela assentiu.

— Não morava perto de igreja alguma em Las Vegas. Nada tão perto quanto aqui, pelo menos. E, honestamente, missa diária nunca foi um objetivo meu até pouco antes de ir embora de lá.

— Estou impressionado com a quantidade de pessoas numa missa matutina em plena quarta – ele comentou. – Claro, pode ser por ser mês de férias na maior parte do mundo.

Conversaram um pouco mais até chegarem ao prédio. Nesse momento, ele teve uma ideia.

— Tem alguma coisa programada para esta manhã, Srta. Williams?

Ela parou de andar e se virou para vê-lo melhor.

— Não, por quê? – Sua expressão indicava que ela achava que ele estava chamando-a para sair, o que não era sua intenção inicial… mas não veria problema algum nisso.

— Bom, sou novo na cidade – respondeu com um sorriso. – E não quero entrar em grupos de turismo; são sempre muito lotados. Se não se importar, poderia me mostrar a beleza de Roma? – Ela o fitou por alguns instantes, deixando-o um pouco nervoso. Ele coçou a nuca e acrescentou: – Claro, você dizer não sem ter que se justificar.

Aparentemente, foi a coisa certa a dizer, porque ela lhe sorriu.

— Acho que nenhum de nós tem nada melhor para fazer, então por que não? Mas é melhor irmos aos nossos apartamentos pegarmos algumas coisas. Kit básico de turista. – Ela andou até o elevador, e ele a seguiu.

— A gente se encontra em frente ao elevador em dez minutos, pode ser?

 – Está ótimo. E pode me chamar de Peggy.

Ele sorriu enquanto as portas do elevador se abriam.

— Maravilha. Até logo, Peggy.

Olhando para trás, esse teria sido o primeiro encontro deles, se não tivessem tido vergonha demais de assim nomear aquele dia em voz alta – mas não tímidos demais que não andassem de mãos dadas ao andarem por algum lugar mais lotado, nem que não dividissem um milkshake enorme do McDonald’s ao pôr-do-sol. Mesmo assim, nenhum teve coragem de se despedir com nada além de um “boa noite”. Ele foi dormir imaginando o que teria acontecido se tivesse tido a coragem de beijar sua mão.

Céus, ele soava como um menino dos anos 40 que nunca beijara antes. Suspirou. Peggy lhe despertava uma vontade de ser o mais cavalheiro possível – não que tivesse sido ensinado a agir de forma diferente.

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Foi preciso mais quatro encontros amigáveis para Peggy mostrar todos os pontos turísticos de Roma. Em cada vez, o desejo de Steve que tomar uma atitude aumentava, mas seu único “progresso” foi beijar sua mão. Algo nela o intimidava – de forma positiva, mas mesmo assim.

Verdade seja dita: ele não namorava desde a morte da mãe. Depois de passar o primeiro ano após a morte em luto pesado, ele se sentia… inapto a namorar. Paquerava de vez em quando, mas sempre se acovardava no último minuto. Uma vez, Bucky disse que ele construíra um muro em torno de si para evitar sofrer de novo. Sam acrescento que ele deveria “ir a um psicólogo, porra”. Ambos estavam certo, mas Steve não fez nada útil com seus conselhos.

Futebol, RPG and escola o ajudaram a se estabilizar mentalmente, mas no fundo sabia que não eram o bastante. Infelizmente, havia pouco a ser feito agora. O programa não contava com psicoterapia, ele não podia pagar. Teria que superar seus problemas sozinho; além do mais, não acreditava que a terapia seria realmente útil se tivesse que mentir o tempo todo.

Talvez o agente do FBI (ou seja lá de onde fosse) pudesse ajudá-lo? Não faria mal tentar.

— Steve? – ele chamou quando o viu entrar em seu escritório. – Aconteceu alguma coisa?

— Não, senhor Coulson. – Coçou a nuca. – Só… queria conversar, mesmo. Prefiro falar com alguém que me conheça como Steve Rogers, não como John Walker. Claro, se o senhor tiver tempo livre.

Coulson assentiu e sorriu discretamente.

— Estou com tempo livre agora, sim. Só não sei se poderei ajudá-lo direito, mas vou tentar. Sente-se.

Assim que sentou, começou a falar sobre seus pais, sua relação com eles, suas mortes, sua amizade com os Barnes e os Wilsons, sua vida amorosa. Coulson o ouviu por quase duas horas seguidas, com o rosto sem entregar emoção alguma.

— Não sei o que quer que eu diga – disse quando Steve terminou, – mas o que você está passando é normal. Especialmente agora, que está num lugar novo, cercado de estranhos. Sou o único que sei seu nome verdadeiro, e era tudo que eu sabia de você até… duas horas atrás.

— Entendi. É só que… não sei o que posso fazer aqui. O que há de alternativas, possibilidades...

— O que quer dizer?

— O que posso fazer aqui? Posso namorar Peggy, se ela aceitar? Que tipo de emprego posso ter quando terminar a escola? Espero que peguem o Thanos antes disso, mas sei que é difícil. Ele é procurado há mais de vinte anos, né?

— Se não me engano, 22 anos.

— Exatamente. Então, por mais que eu queria que o peguem logo, tenho que me preparar para ficar aqui por mais uns vinte anos. Construir minha vida aqui. Então, o que posso fazer?

Coulson se recostou na cadeira, e um silêncio se seguiu enquanto ele, aparentemente, pensava na resposta. Por fim, disse:

— Honestamente, Steve, enquanto você mantiver sua identidade em segredo, pode fazer o que quiser. Não conseguirá qualquer emprego que quiser, mas isso é mais pelo seu status de imigrante. Pode namorar Peggy, claro, até mesmo casar se chegar a esse ponto. John Walker tem todos os documentos necessário para se casar e conseguir emprego.

Steve assentiu e sorriu.

— Obrigado, Sr. Coulson. Ajuda saber o que está a meu alcance.

O homem sorriu de volta.

— De nada. E Steve, você me parece uma boa pessoa. Dê a si mesmo uma chance com a Peggy.

Agradeceu-o novamente e se levantou. Antes de sair, porém, fez uma última pergunta:

— Sr. Coulson, se eu tiver que continuar escondido por mais vinte anos, o senhor ficará aqui o tempo todo?

— Espero que nunca precisemos saber essa resposta, Steve.

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Um mês depois, Steve chamou Peggy para sair, oficialmente falando. Tinham saído da missa juntos, um hábito que se desenvolveu logo nos primeiros dias. Tendo estado na Itália há mais tempo, ela o ajudava com idioma e costumes locais. Geralmente iam direto para casa, exceto quando Steve tinha aulas de italiano ou Peggy ia para treino de tiro – queria ser atiradora profissional. Naquela manhã, contudo, ele a parou no meio do caminho para casa.

— Er, Peggy – disse, seu coração batendo mais e mais rápido. – Você… gostaria de sair comigo hoje? Num encontro?

— Pensei que já tivéssemos saído juntos. Ou meu tour por Roma não foi suficiente?

Ele sentiu as bochechas corarem.

— Ah, mas esses encontros foram mais amigáveis. Tava pensando em algo mais… romântico, sabe? Se você quiser.

Ela sorriu, pôs a mão em seu braço e respondeu gentilmente: 

— Eu adoraria.

O sorriso que ele deu era provavelmente enorme, mas não se importava.

Após uma breve conversa, decidiram ir para casa se trocarem e saírem para almoçar. Steve tinha planos para toda a tarde deles e, se ela quisesse, cinema no começo da noite. Ele estava pensando em ou O Corcunda de Notre Dame ou Zona de Perigo, dependendo do gosto dela.

Ele se trocou rapidamente, sem querer fazê-la esperar um instante, revisando seus planos mentalmente. Enquanto esperava por ela perto do elevador, sentiu a ansiedade chegar. Será que ela ia gostar de ficar com ele? E se ela não gostasse dos seus planos? E se não gostasse de filmes? Ele sabia tão pouco sobre seus gostos...

Ele ia fazer merda, não ia? Talvez devesse fingir uma diarreia. Dessa forma permaneceriam amigos, e sua relação não ia se acabar. Estava prestes a bater à sua porta, quando ela se abriu, revelando Peggy num vestido floral e o cabelo amarrado.

Caraca. De forma alguma ele ia desistir de sair, com ela daquele jeito. Estaria tentando matá-lo?

Ela piscou ao passar por ele, certamente percebendo sua reação. Engoliu em seco. Ela escolheu aquela roupa meticulosamente, o que só podia significar uma coisa: ela queria sair com ele. Steve pode ter sido quem chamou, mas ela também estava interessada. Ele faria mais merda se desistisse do que se perseverasse. Então perseverou. Estendeu-lhe o braço e perguntou, usando todo o seu charme:

— Vamos?

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Natal de 1996

Era o aniversário de 4 meses deles.

Após mais algumas saídas juntos, ele a pediu em namoro no dia 25 de agosto. O sim dela fez seu coração acelerar tanto que ele pensou, por um instante, que a pediu em casamento. Eles aproveitaram todos os dias da semana juntos, já que era a última de suas férias. Logo ele iniciaria seu último ano de escola, e Peggy começaria a faculdade de Direito.

No 2º mês de namoro, Steve tinha certeza de que estava apaixonado. Peggy era tudo que sonhara numa namorada – mesmo não o tivesse feito conscientemente. Tinha uma grande autoestima, não aceitava idiotices de ninguém (muito menos dele), tinha objetivos de vida e era focada em atingi-los, era criativa…

Porém, ainda mais importante que tudo, eles combinavam um com o outro. Tinham valores similares – algo que ficou claro desde o início, sendo ambos católicos devotos – e formas de pensar parecidas. A imaginação visual de Steve e as ideias de Peggy frequentemente se encaixavam, levando a conversas malucas e melhoras em seus campos de atuação – apesar de ainda estar na escola, ele começou a vender quadros de própria autora em outubro.

Inicialmente, mostrou-os a colegas de sala e seus pais, bem como funcionários da escola. Vendia-os mais barato que a maioria dos artistas, o que o fez ganhar fama rápido. Em dezembro, começou a fazer encomendas – algumas pessoas queriam seus quadros para dar de presente de natal.

Falando nisso, estava pensando em dar um quadro a Peggy como aniversário de namoro, mas não tinha ideia do que dar de natal. Não podia perguntar a ela; ela insistira que ele lhe desse um único presente para ambas as datas. Só de pensar nisso, porém, ele se indignava, apesar de que ficaria feliz se ela lhe desse um presente só.

Era provavelmente hipocrisia, se pensasse bem no assunto. Não que isso importasse; ele ainda iria atrás de um presente.

Queria algo “não romântico”, pois queria guardar isso para o quadro. Como ele próprio, Peggy não tinha família que lhe presenteasse, e suas amizades eram poucas e superficiais. Deixara seus amigos próximos em Las Vegas, tal como ele deixara os seus em Nova York (sem contar os que também fugiram). Ele queria lhe dar um típico presente natalino, algo que ela poderia ganhar de um parente ou amigo.

Ela amava filmes de animação, algo que o surpreendeu de primeira. Então começou sua busca por coisas da Disney. Inicialmente, foi a lojas de brinquedos. Sua procura parecia infrutífera; jamais daria a Peggy uma boneca ou um conjunto de panela de brinquedo, mesmo que fosse da Cinderela. Sem contar que a suposta pelúcia do tigre da Jasmine mal o lembrava do personagem do filme.

...Mas a do Simba filhote era muito bem-feita, e pagável. Ele a comprou quase imediatamente. (Por um momento, considerou comprar um para si, mas lembrou que poderia brincar com o de Peggy quando fosse a seu apartamento.)

Presente de natal comprado, hora de focar no quadro. Já tinha uma ideia, mas a quantidade de encomendas causava-lhe, às vezes, certa confusão mental, e ele frequentemente precisava de um minuto inteiro para se lembrar do que queria pintar para ela. Conseguiu terminar tudo a tempo, sim, mas não sem sacrifícios.

Suas notas poderiam ter sido melhores; felizmente, fora altas o bastante mas poupá-lo (por pouco) de uma conversa com os professores. Valeu a pena; seus clientes ficaram felizes e gratos com seus quadros e o pagaram muito bem.

Valeu a pena ver o sorriso enorme de Peggy quando lhe deu o quadro de presente. Eram eles dois sentados numa gôndola em Veneza, a cabeça dela repousada em seu ombro enquanto admiravam o céu noturno, com uma lua cheia e inúmeras estrelas. Havia outras gôndolas, desenhadas em tamanho menor, como se estivesse distante deles.

— Talvez no nosso próximo aniversário eu te leve para lá – ele disse timidamente enquanto ela admirava o quadro. Demorou para ela lhe responder verbalmente, mas ele já sabia que ela tinha gostado.

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Veneza, verão de 1997

Foi só depois que ele entrou na faculdade que conseguiram ir a Veneza. Felizmente, fora aceito na mesma faculdade de Peggy, então os dois se encontravam sempre que queriam.

O passeio de gôndola não transcorreu bem como imaginara no seu quadro. Foi de dia e havia várias outras gôndolas perto deles, o que os deixou muito envergonhados para ficarem aos beijos. Mesmo assim, ficaram abraçados enquanto o gondoleiro cantava algumas músicas italianas.

— Essa última música – Steve disse num dado momento –, ela é nova, né?

— Mais ou menos – ele respondeu. – É do ano passado. Cantare e d’amore… não lembro quem canta.

— Amedeo Minghi – disse alguém de outra gôndola.

— Obrigado – os três responderam.

Eles se divertiram na Praça de São Marcos alimentando os pombos – não sem um arranhão no seu punho causado por um pombo mais agressivo. Com pouco dinheiro para gastar, optaram por almoçar pizza. (Sendo sincero, ele comia mais pizza em casa do que na Itália. Peggy disse que o mesmo aconteceu com ela.)

Claro, foram à missa na Basílica de São Marcos – meio distraídos com a arquitetura e a decoração do lugar, mas mesmo assim. Acabaram perdendo o último barco para a ilha de Murano, mas valeu a pena. Teria o dia seguinte para visitá-la, de qualquer forma. Quando saíram da missa, era fim de tarde.

— Ei, vamos ver o resto do pôr-do-sol na Ponte dos Suspiros – ele sugeriu, e ela acatou.

Claro, a ponte estava cheia de outros casais, mas conseguiram pegar alguma coisa.

— Ouvi dizer que existe um cassino aqui – ele disse em tom jocoso ao saírem de lá. – Quer ir?

Ela riu e deu um leve soco no ombro.

— Se me lembro bem, nós íamos a um show gratuito numa das igrejas.

Ele assentiu, rindo junto. De fato, havia um concerto gratuito numa igreja pequena, e não tiveram problemas para entrar. Saíram dali exaustos. Por sorte, uma amiga de Peggy da faculdade era de Veneza, e disse que eles poderiam dormir na casa da sua família.

— Todos os amigos da nossa Cecilia são bem-vindos aqui – o pai disse quando pediram confirmação do convite, assim que chegaram (após terem se perdido quatro vezes). – Não temos quarto de hóspedes, infelizmente, mas a cama do quarto dela cabe vocês dois.

Ambos coraram, o que fez o casal à sua frente rir. Conversaram um pouco, mas os mais velhos logo os mandaram para o quarto, ao verem o quão cansados estavam.

— Café da manhã será servido às oito – a mãe disse.

Longe deles, Steve disse:

— Posso dormir no chão.

Peggy balançou a cabeça.

— De forma alguma. Sinceramente, não acho que ficaremos tentados a fazer nada que não seja dormir. – Como ênfase, os dois bocejaram.

Pouco após o aniversário de 6 meses, eles conversaram sobre sexo. Peggy foi que iniciou, deixando claro que esperaria até o casamento – fosse com ele, fosse com outro cara. Ele só concordou, pois queria o mesmo. Sua mãe sempre falou da importância da castidade, e ele sempre guardou seus conselhos no fundo do coração. Foi uma conversa simples e direta, e raramente tinham problemas em manter seu compromisso. Aquele noite, como Peggy previra, foi tranquila. Steve logo caiu num sono profundo, ininterrupto, sem sonhos.

No dia seguinte, exploraram o resto da cidade, bem como Murano. Usaram o restinho do dinheiro que tinham para outro passeio de gôndola, dessa vez à noite, como desejavam desde o começo. Era quase meia-noite quando retornaram a Roma. Andaram para casa apoiando-se um no braço do outro. Deram-se um beijo preguiçoso de boa-noite e cada um caiu quase que direto na sua respectiva cama.

Na manhã seguinte, durante o café da manhã pós-missa, ele disse que a amava pela primeira vez. Ela se engasgou com a água e não respondeu, mas seu sorriso após se recuperar foi suficiente.

Ela disse que o amava uma semana depois, quando saíram da sessão do novo filme da Disney, Hércules.

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A carreira de Steve mudou drasticamente naquele verão.

Sua performance na faculdade vinha sendo ótima. Aprendia rápido, e frequentemente ajudava os colegas com trabalhos e aulas difíceis. Ainda fazia encomendas – agora por um preço um pouco maior, já que estava se aperfeiçoando formalmente – para ajudar na renda, mas focava mais nas aulas. Com frequência, treinava técnicas novas em presentes para Peggy. Seu feedback era bastante enviesado, sabia, mas ouvir seus elogios o motivava imensamente.

A própria Roma o inspirava. Uma caminhada rápida por qualquer parte da cidade poderia despertar várias ideias. Foi numa dessas caminhadas, durante a noite, que ele conheceu um trio de grafiteiros.

— Uau – deixou escapar ao ver o desenho no muro do outro lado da rua. Estava ainda em progresso, mas alguns detalhes já eram visíveis: um gladiador romano lutando contra um outro, inacabado, dentro de algo parecido com um coliseu (provavelmente o romano) lotado. Aquilo ao fundo era um leão?

Uma garota de boné se virou para ele.

— Tá ótimo, né? – O orgulho era nítido em sua voz. – Estamos trabalhando nisso há dias. Bem, noites. Não é uma boa ideia vir de dia.

— Por que não? – perguntou, franzindo a testa. Foi o cara a seu lado que respondeu:

— Porque alguns policiais malas podem decidir que isso é ilegal e mandar nos prender. É mais fácil de fugir à noite.

— Então por que fazem isso?

— Não é ilegal de fato — outra garota, sem boné, respondeu. – As leis são vagas, entende? E a gente vinha querendo pintar isso há muito tempo, e esse muro é a melhor… tela que encontramos.

— Além disso – o garoto acrescentou –, o dono dessa propriedade ainda não apagou, então devem ter gostado. Nada mais justo que terminarmos, não acha?

O sotaque dificultou um pouco para ele entender tudo que diziam, mas pegou o básico. Assentiu em concordância.

— Uma tela desse tamanho deve ser o sonho de qualquer artista. É o meu, pelo menos.

Isso pareceu despertar o interesse deles.

— Você é artista?

— Sim, desenho e pinto. Entrei na faculdade de Artes esse ano, mas faço isso desde os 14.

O trio trocou olhares, e a garota sem boné disse:

— Sabe, estamos planejando outro grafite depois desse. Quer se juntar a nós?

Foi pego de surpresa, claro.

— Uh, posso pensar no assunto.

— Claro – o garoto respondeu instantaneamente. – A gente se encontra no Pastasciutta da esquina em uma semana, pode ser? – Assentiu. – Ótimo. Próximo domingo, meio-dia. Qual o seu nome, aliás?

Dar seu nome falso, àquela altura, era fichinha.

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— Então, você tem 4 dias para tomar uma decisão, e não tem ideia do fazer.

Steve assentiu. Fora conversar com Coulson novamente, pedindo-lhe conselhos. Falara com Peggy no dia seguinte à proposta, que lhe disse para aceitá-la se o grupo se mostrasse confiável; como ele saberia disso, ela não disse. Porém, apesar de ela saber como era ser imigrante, não sabia como era ser refugiada sob proteção de testemunhas.

— O que acontece se eu for preso, Coulson? – era a pergunta que invadia sua mente e o impedia de tomar qualquer decisão. – Serei deportado da Itália? Serei expulso do programa?

A reação do policial foi um riso.

— Steve, não sou expert nas leis italianas, nem romanas. Mas, até onde sei, você não pode ser realmente preso por fazer grafite. Do que ouvi da polícia local, as leis têm vários furos, e os grafiteiros se aproveitam deles.

— Mas Giulia, Anna e Lucas disseram que havia riscos.

— Alguns policiais pegam essas pessoas, sim, mas nunca ficam presos por mais que algumas horas. Não precisa de fiança, e nada fica na ficha.

— Então por que prendem?

Coulson deu de ombros.

— Baderna. Invasão de propriedade privada. São as desculpas que usam, mas é mais porque veem isso como vandalismo, e querem dar uma lição de moral. – Recostou-se na cadeira. – Acho que, tirando o desconforto de ficar numa cela caso se encontre com esse tipo de policial, não há o que temer.

Ele agradeceu o homem e foi embora, decisão tomada em sua mente. Só teria que esperar quatro dias.

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— Vou precisar de algum treino, mas estou dentro.

O trio lhe sorriu. Uma garçonete chegou com as lasanhas – coincidentemente, todos pediram o mesmo prato – e desejou-lhes uma boa refeição.

— Claro que vamos te treinar antes, John – Anna disse antes de começar a comer. – Temos muito cuidado com nossa arte, não vamos arriscar você estragar alguma coisa por falta de experiência.

— Concordo plenamente – ele disse, rindo baixinho. – Inclusive, como está aquele muro da outra vez? Nunca mais passei por lá.

— Terminamos há 3 dias – Luca respondeu. – Vamos te mostrar depois daqui.

Continuaram a conversar enquanto comiam, e foram ao muro depois. O trabalho finalizado era tão bom quanto Steve imaginara. Desenharam outro leão ao fundo, que parecia assistir à luta tal como a plateia acima deles. Acrescentaram cicatrizes e feridas abertas nos gladiadores, além de gotas de sangue no chão de areia. Para o céu, usaram cores do nascer-do-sol.

— Ficou ótimo – ele disse após passar um tempo analisando o grafite.

Ele o agradeceram e se despediram. Giulia tinha que ir cuidar dos irmãos mais novos em casa, enquanto Anna e Luca (que eram gêmeos) tinha aulas de violino à tarde. Steve também tinha coisas a fazer – principalmente encomendas – então não se importou em voltar cedo para casa.

Enquanto trabalha no mais novo desenho, revisou o que aprendera sobre seus novos amigos. Giulia era a mais velha e tinha 18 anos (sua idade), e Anna e Luca tinham 16. Giulia acabara de entrar na faculdade, no curso de seus sonhos: enfermagem. Conhecera Anna na escola, no time de vôlei, e se tornaram amigas graças ao amor por arte.

Os gêmeos eram meio que prodígios das artes. Além de pintura, atuavam em música, escrita e cinema. Anna era mais interessa nos dois primeiros, enquanto Luca nos dois últimos, mas ambos eram talentosos nos quatro.

Tinham uma espécie de regra de vestimenta quando grafitavam, que Steve deveria seguir também: cinza-claro, roxo e preto. Anna explicou que essas cores os camuflavam de noite e os separavam de outros grupos, que vestiam apenas preto.

Giulia tinha duas irmãzinhas, uma de 2 anos e outra de 6 meses, das quais ela frequentemente ela tinha que cuidar, apesar de os pais terem contratado uma babá.

Num dado momento, Luca e Giulia se empolgaram falando sobre as eleições municipais. Ele era a favor de Rutelli, e ela de Borghini (seja lá quem forem).

Suspirou e sorriu para si mesmo. Era bom fazer novas amizades, mesmo que não preenchessem o buraco que os antigos deixaram. Ainda sentia muita falta de Bucky e Sam.

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Nova York, 1995

— Ainda acho que você não deveria fazer isso – Steve disse.

— Aposto que vai passar uma semana de cama chorando igual bebê, ardendo de febre – Bucky acrescentou.

— Aham, e a gente que vai ter que cuidar dele.

— Você são o quê, minhas esposas? – Sam perguntou. – Posso cuidar das minhas próprias febres, ok?

— Então você concorda que vai ficar doente se pular num rio em pleno inverno? – Steve perguntou, de sobrancelhas erguidas.

— Talvez sim, talvez não, não me importo!

— Meu Deus, Sam, por que você é certinho como o Steve? – Bucky exclamou, atirando uma bola de neve em Sam. Steve bufou.

— Não sou certinho! Sou conheço meus limites.

— Não convence ninguém, seu mala – seu melhor amigo respondeu no mesmo segundo. – Você tem uma crise de asma desde os 9 anos.

— Não quer dizer que eu esteja imune… – disse em voz baixa. Bucky deu um sorriso gentil e pôs a mão em seu ombro.

— Olha, Steve, a gente sabe que você é assim por causa da sua mãe. Você quer honrá-la e tal, ou coisa parecida. A gente entende, a gente aceita, a gente te ama desse jeito seu. Mas a gente vai frescar contigo por isso, sim.

Steve revirou os olhos, mas bateu na mão de Bucky.

— Valeu. Agora vamos apostar quanto tempo Sam vai durar nesse rio.

— Ainda estou aqui, viu?

Sam durou 15 minutos no rio semicongelado, fazendo Steve ganhar a aposta. E ele e Bucky realmente tiveram que cuidar do amigo quando ele, conforme esperado, gripou. Steve até o levou para sua casa, já que os pais de Sam iam passar o mês todo fora.

— Você é binha bãe ou binha bulher? – ele perguntava às vezes, especialmente quando Steve lhe trazia canja.

— Algo do tipo – ele respondia. – Algo gay do tipo.

— Nos xeus xonhos – ele dizia. Steve ria sempre, e mais alto de Bucky estivesse ouvindo. – Dão curto carinha de bebê.

Isso custou a Steve um novo apelido, ‘Carinha de Bebê’. Mas ele já esperava isso, desde que Bucky e Sam passaram a ter pelos de barba e ele não.

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Sanremo, fevereiro de 1999

— Ainda não acredito que conseguiu comprar esses ingressos, John – Peggy disse enquanto se dirigiam ao teatro.

— Ah, Peggy, as últimas encomendas me fizeram quase rico.

Ela revirou os olhos, mas não respondeu; apenas segurou sua mão com mais força. O primeiro show ia começar em 20 minutos, e os dois queriam comprar comida e água antes.

— Bem-vindos, senhoras e senhores – uma voz anunciou – ao 49º Festival de Música de Sanremo. E, para abrirmos, temos Mariah Carey!

Peggy se virou para ele, olhos arregalados

— Não me disse que teria Mariah Carey aqui!

Ele riu. Tal como Veneza, fora ele a escolher o destino da viagem e planejá-la. Da última vez, na folga de primavera, tinha sido a vez de Peggy, que escolheu Pisa.

Agora que ela tinha um emprego de meio período no campus e ele vinha cobrando mais por suas encomendas – sem falar que, às vezes, ele, Giulia, Anna e Luca eram contratados para grafitar –, eles podiam pagar quartos separados e ingressos para shows como aquele (Steve encontrara preços bons para todas as cinco noites).

— São vários artistas internacionais – respondeu. – Não me lembrava de todos. Acho que vai ter Cher e Ricky Martin também.

Ele ergueu uma sobrancelha – habilidade que invejava – e assentiu, virando-se para o palco, onde Carey havia começado a cantar. Ele reconheceu a música, mas não sabia o nome; mais tarde, soube que era I still believe. Alguns cantores nacionais se apresentaram depois dela, e apesar de Steve não ser fã de nenhum, gostou de todos – principalmente de uma Anna Oxa.

De manhã, costumavam ficar na praia, bronzeando-se, comendo e brincando como crianças. Eles não se importaram com os olhares. Peggy disse que tinha oito anos quando fora à praia pela última vez, e ele nunca tinha ido. Tinha todo o direito de serem infantis.

Ricky Martin foi o fechamento da segunda noite, e se conteram para não rir quando ele cantou La bomba. Depois, dividiram um sorvete de chocolate.

A tarde do 3º dia foi marcada por uma surpresa: um trio elétrico passou pela rua por onde andavamm, cheio de flores. Uma pessoa contou que era parte do Desfile de Flores anual da cidade. Mais tarde, Steve encontrou uma floricultura que vendia algumas das flores expostas, e comprou um buquê para Peggy. Ela corou como ele não via há muito tempo.

Os vencedores do festival foram anunciados na última noite, e Steve não se surpreendeu com nenhuma das escolhas. Saíram antes do final para ir ao cassino, que também era uma ópera e um ponto turístico famoso. Foram embora no fim da manhã seguinte, depois de ir à praia mais uma vez. No trem, Peggy disse:

— John, você se viu no espelho hoje?

— Não prestei muita atenção – respondeu, franzindo a testa. – Por quê? Tem alguma coisa na minha cara?

— Não só na sua cara, mas no corpo todo! Um bronzeado e tanto, amor. Aposto que poderia dizer que é afrodescendente sem ninguém te questionar.

Riu e a olhou com mais atenção.

— Bem, amor, poderia dizer o mesmo de você.

Sua pele, geralmente pálida, estava bem morena, o que dava um certo… ar de sensualidade a ela. Ainda bem que ficaram em quartos separados; não tinha certeza se teria conseguido se conter com ela daquele jeito.

Não se conteve em beijá-la, contudo. Ela foi pega de surpresa, mas não pareceu se importar.

—x-

Vaticano, fevereiro de 2000

Não era todo dia que se conseguia ver o papa de tão perto, mas, após quatro anos morando em Roma, Steve imaginou que o faria mais cedo ou mais tarde.

Era uma missa matutina, perto do Dia dos Namorados – o que fazia lembrar de preparar algo para Peggy. Tudo bem que ela fizera uma surpresa para ele no ano anterior, então não sabia que realmente precisava fazer algo. Ainda assim, melhor prevenir que remediar.

O papa deixou a basílica, e os dois conseguiram atravessar a multidão até estarem face a face com Sua Santidade. Ele parou para olhar para eles, e o coração de Steve acelerou quando ele falou:

— Você são especiais, posso dizer.

Ele e Peggy trocaram olhares e se voltaram para ele.

— Estamos namorando há três anos – ela respondeu gentilmente.

Papa João Paulo II gesticulou para que se aproximassem e colocou uma mão sobre cada cabeça. Sussurrou algumas palavras em latim e fez o sinal da cruz em suas testas ao final.

— Continuem vivendo na vontade de Deus, meus queridos – concluiu, e continuou a caminhar.

Os dois deixaram a praça em silêncio, segurando a mão um do outro com firmeza. Só ao chegarem ao seu prédio foi que Steve se manifestou.

— Meu Deus, acabamos de ser abençoados pelo papa!

Peggy assentiu. Ele a abraçou, e assim ficaram por um bom tempo.

— Temos que ir à aula – ela disse.

— Sim – ele concordou lentamente. Beijou-a na testa e se afastou. Ela lhe sorriu.

— Eu te amo, John – sussurrou.

— Eu também te amo.

Às vezes, vinha o forte desejo de revelar sua identidade, só para ouvi-la dizer “eu te amo, Steve”. Sabia, no entanto, que não podia. Era perigoso demais para ambos.

—x-

Inverno de 2001

Maria Stark anunciou que presidiria as Indústrias Stark com a ajuda de uma mulher jovem, Pepper Potts, já que seu filho estava… indisponível. Steve se lembrava daquele nome da escola. Um ano à frente deles, e achava que ela e Tony se conheceram antes… Daquela Noite.

Não gostava de se lembrar do crime que testemunhara. Geralmente o chamava de Aquela Noite ou O Incidente em sua cabeça. Quanto ao criminoso, ora o lembrava como Thanos, ora como O Vizinho do Mal da Nat.

Um psicólogo provavelmente diria que isso não era uma boa forma de lidar com o trauma, mas não havia nenhum para lhe dizer isso. O mais perto que tinha disso era Coulson, mas não era burro de usar um agente do FBI (na verdade, ele ainda não sabia se Coulson era do FBI ou não) como psicólogo, o que o deixava sozinho em seus pensamentos.

Como agora, em que estava no shopping, de joalheria em joalheria, procurando pelo anel perfeito.

Ah, sim. Deveria focar no anel, não nas notícias que ouvira de manhã depois da missa.

Vinha planejando o pedido desde a formatura. Ela estava tão, tão feliz naquele dia, não só por si mesma, mas por ele também. Naquele dia, seu sorriso era tão grande que suas bochechas certamente doeram depois. E aí ele foi conversar com seus (agora ex) colegas, e metade deles estava com seus cônjuges; a outra metade, em sua maioria, era homossexual, então chamavam seus pares de “companheiros”, mas soava igual a “cônjuge” em seus ouvidos.

Ele viu todos os casais, e um sentimento de falta lhe veio. Alguns tinham filhos já, e ele engoliu em seco. Desejava aquela vida: uma família para chamar de sua, uma rotina doméstica… com Peggy. Queria acordar a seu lado todas as manhãs, dividir as tarefas de casa com ela, não ter que se preocupar em voltar para casa antes de cair no sono porque já estaria em casa, ao lado dela.

Com essa epifania, começou sua caça ao anel. Mas antes, uma palavra com Coulson.

— Senhor Coulson, você disse que posso me casar, contanto que mantenha minha identidade em segredo, certo? – Ele assentiu, e Steve continuou: – Ok. Quero me casar com Peggy, mas não sei como comprar um anel de noivado.

Coulson franziu a testa.

— Nunca me casei, Steve. Mas… já pedi. Uma vez.

— O que houve? Se não for pessoal demais, claro…

— Não, tudo bem. Ela me traiu. Não se preocupe, já superei há anos. Mas acho que posso te ajudar com isso do anel.

Conversaram por meia hora, e eram as dicas de Coulson que o ajudavam na busca – isto é, até que se encontrou com Giulia.

— Oi, John! – exclamou. – Faz tempo que não te vejo!

Ele riu.

— A gente se viu há um mês, Giulia

— Tempo o suficiente para um ataque terrorista e para eu ser pedida em casamento – respondeu, falando como se os dois fatos caíssem na mesma categoria, e abraçou o noivo. Steve já o conhecia desde 1998. – Falando de pedidos… está atrás de um anel?

— Sim, quero pedir minha namorada em casamento. Você se lembra da Peggy?

— Claro, ela é adorável! Americana, né? Espero que não tenha perdido ninguém naquela tragédia.

— Até onde sei, não. – Era ele quem conhecia uma vítima; conhecera Howard Stark numa das poucas vezes em que jogaram RPG na casa de Tony. – Ela é de Las Vegas. Você poderiam me ajudar? Não sou bom com esse tipo de coisa.

Giulia concordou imediatamente e arrastou o noivo junto. Levaram meia hora até que Steve encontrou o anel perfeito. Era prateado, com uma joia azul no centro. Peggy amava azul e coisas simples.

— Este aqui – disse ao vendedor.

— Tem certeza? – Giulia perguntou. Claramente, aquele não era o anel de noivado que ela tinha em mente, considerando o quão chique era o dela.

Ele assentiu, e pagou.

— Obrigado, gente – disse ao se despedir da amiga.

— Acho que nem precisou da gente, no fim das contas, mas de nada!

Voltou para casa com um sorriso no rosto. Próximo passo: marcar a próxima saída, onde iria fazer o pedido. Peggy lhe contara, uma vez, que nunca gostou da ideia de um pedido chique, mas sim de algo mais íntimo. Imaginou um piquenique no seu próprio apartamento, como fizeram já no ano anterior – e ela adorou.

Passou por seu apartamento para esconder o anel e foi até o dela. Apesar de namorá-la há 5 anos, ele nunca recordava sua agenda – ou seja, nunca tinha certeza de quando ela estava casa. Dessa vez, estava – ufa!

— Ah, John, você veio na hora certa – ela disse, com um sorriso que parecia meio falso. Teria acontecido algo? – Entre, entre.

Ele a seguiu para o sofá, onde sentaram. Ela pegou sua mão e o olhou nos olhos de um jeito que o fez ficar sem ar.

— John, tenho algo a te dizer – disse solenemente, mas a voz falhou no meio da frase. – Não me odeie por isso… não poderia te dizer antes. – Ele franziu a testa, mas ficou quieto. Ela respirou fundo e prosseguiu: – Meu nome não é Margaret Williams, mas Margaret Carter. Tenho 23 anos. Não sou de Las Vegas, sou de Londres.

O silêncio que se seguiu indicou que ela terminara de falar, ao menos por enquanto. Steve a encarou. Ela mentira sobre seu sobrenome e sua cidade natal, por anos, para ele e para todos que a conheciam… exatamente como ele vinha fazendo. Será que estava sob proteção também? Ou estaria se escondendo por outro motivo?

Não queria pensar na segunda hipótese. E se estivesse se apaixonado uma assassina? Uma traficante?

Piscou e percebeu-a encarando-o. Estava nitidamente nervosa, e ele viu como um bom sinal. Suspirou e perguntou, gentilmente:

— Por que veio para cá sob uma nova identidade?

Demorou, mas ela respondeu.

— 1º de abril de 1995. Estava… voltando de uma festa. Meu bairro sempre foi seguro, não havia medo em andar por lá, mesmo à noite. – Respirou fundo. Deveria ser algo difícil de recordar. – Ouvi gritos vindo de uma ou duas quadras à minha frente. A rua era longa, então era difícil saber o quão longe ou perto eu estava. Imaginei que alguém precisava de ajuda, e corri na direção do grito. Quando me aproximei, vi um homem atacando uma mulher. Ele tinha tapado a boca dela com a mão e, quando cheguei perto, atirou na cabeça dela. – Nova pausa. Steve apertou sua mão, e usou a outra para acariciar seu cabelo. Pareceu acalmá-la um pouco, e ela continuou: – Não fiz um barulho, mas ele me viu mesmo assim. Não esperei sua reação; corri o mais rápido que pude. Por sorte, havia uma delegacia a cinco minutos dali. Fui colocada sob programa de proteção de testemunhas menos de 24h depois. O cara tinha fugido, e ninguém o achava. Depois de depor, fiz as malas e vim para cá.

Ele a abraçou, e ela chorou um pouco. Após um breve silêncio, ele disse:

— Se está me contando isso, suponho que ele foi finalmente encontrado.

Ela assentiu e, sem se afastar, respondeu em voz baixa:

— Ele estava num dos aviões que atingiu as Torres Gêmeas. Embarcou com identidade falsa, o que dificultou o reconhecimento, mas recebi uma ligação ontem. Estou livre, John. Posso voltar para casa.

Dito isso, ela começou a chorar sem reservas. Ele beijou-lhe a testa e repousou o nariz no seu cabelo, em silêncio. Peggy nunca havia chorado tanto, mas sabia que ela não gostava que os outros ficassem falando enquanto ela chorava.

Por um instante, pensou em se corrigir, mas se tocou de que ela não mudou seu nome, só o sobrenome. Quando ela parou de chorar, ele saiu do abraço, rindo.

— Não acredito que usou seu nome verdadeiro na sua identidade falsa – disse. – Isso é uma escolha estupidamente inteligente. Bem você.

Ela riu junto com ele. Quando pararam, porém, ele a olhou nos olhos, sério novamente.

— Tenho algo a te contar também. Não deveria, mas você confiou em mim, então farei o mesmo.

Ela assentiu. Céus, ela era tão linda, que se distraía. Mas tinha que se concentrar.

— Eu… tive asma, febre reumática, problema no coração, costumava ser magro de doente, e tinha alguns sintomas de depressão. Mas queria ser um soldado mesmo assim, então menti para o Exército…

— Ei, ei, ei – ela o interrompeu, franzindo a testa. – Está tentando me dizer o quê, que é o Capitão América?

Sorriu. Ela captara sua referência.

— Não, estou tentando te dizer que estava jogando RPG como Capitão América na noite em que testemunhei um assassinato.

Peggy piscou e o fitou por vários segundos antes de responder:

— Você está sob proteção também. – Ele assentiu. – Qual seu nome verdadeiro, então? Quer dizer, se quiser me falar.

Gentilmente, pegou uma de suas mãos, acariando-a.

— Claro que quero. Se Deus quiser, um dia estarei livre também, e quero que nos encontremos de novo. – Ela sorriu, e ele encostou sua testa na dela. – Meu nome é Steven Grant Rogers. Todos me chamam de Steve. Tenho 22 anos, e sou de Nova York. Vi um serial killer matar a esposa enquanto uma amiga pedia pizza no dia 1º de julho de 1996. – Pausa. – E eu te amo.

Não sabia o que o fez dizer a última frase. Talvez por ela estar prestes a partir, talvez por que acabara de lhe contar seu maior segredo. Não importava; não era a primeira vez que se declarava para ela.

Peggy o beijou rapidamente e sussurrou, abraçando-o:

— Eu também te amo… Steve.

—x-

Peggy voltou a Londres duas semanas depois. Nesse meio tempo, aproveitaram cada segundo juntos. Até dormiram juntos algumas vezes, apesar de nada de mais ter ocorrido.

— Queria saber quanto tempo vai levar para Thanos ser preso – disse uma vez. – Por quanto tempo terei que esperar para te ver de novo.

Ela não respondeu de imediato e, quando o fez, não o encarava diretamente.

— Se demorar demais, posso voltar. Não é como se estivéssemos proibidos de nos vermos.

No dia do voo, ele a deixou no aeroporto. Quando chegou a hora do embarque, ele a puxou para perto e a beijou com todo o amor que sentia, e ela o retribuiu com a mesma intensidade.

Sempre desejara viver um amor como o de seus pais. Jamais imaginou que o encontraria enquanto se escondia de um serial killer. Nunca contou a Peggy sobre o pedido, mas guardou o anel. Quando se encontrassem de novo, faria o pedido na primeira oportunidade. Não existia a possibilidade de ele não se casar com ela, mesmo que levasse anos e anos.

Interromperam o beijo quando a falta de ar os impediu de continuar. Mesmo assim, ficaram abraçados até anunciarem que o embarque estava prestes a se encerrar. Disseram “eu te amo” um ao outro pela última vez, e ele ficou observando-a até não poder mais vê-la.

Só ao chegar em casa que percebeu que não havia como se comunicarem. Não tinham celulares (muito caros), não trocaram endereços (apesar de que Peggy poderia se lembrar do seu), nenhum e-mail… nada.

Daquele dia em diante, Steve rezava para que Thanos fosse encontrado o mais rápido possível.

—x-

Primavera de 2003

Giulia e seu esposo dançaram ao som de Eva, de Umberto Tozzi.

— Eles sabem que a letra fala de um apocalipse nuclear? – ele perguntou a Luca, mas foi Anna quem respondeu.

— Sim. Giulia disse que descreve bem o relacionamento deles caso aconteça uma guerra nuclear.

Ninguém achou necessário falar sobre o quão pequena era a chance de sobreviverem a um evento daquele tipo.

O casal optara por um casamento de manhã. Muitos reclamaram de ter que acordar cedo demais para se arrumar, especialmente os padrinhos e madrinhas – categoria à qual ele e os irmãos pertenciam. Peggy estava na lista original, mas ela deu a notícia a todos os amigos antes de ir embora, então já sabiam que ela não viria.

No fim das contas, porém, ficou feliz que o casamento foi cedo. Se tivesse sido à noite, talvez não tivesse recebido a notícia na hora que recebeu.

Coulson o esperava na entrada de seu prédio.

— John, você se importa de eu ir com você até sua casa? Precisamos conversar. – Assentiu e levou-o a seu apartamento. Ao entrarem, ofereceu um copo d’água, o qual ele recusou educadamente. – Sente-se, Steve. Vim te dar grandes notícias.

Seu sorriso o fez se encher de esperança. Sentou-se.

— Vamos, Sr. Coulson, está me deixando nervoso.

— Thanos foi preso e está esperando julgamento.

De primeira, não reagiu. Esperou Coulson dizer que se enganou, e que na verdade não estavam nem perto de encontrá-lo. Quando o sorriso do policial não se desfez, porém, percebeu que era verdade. Thanos estava preso. Não tinha mais que fugir nem se esconder.

Poderia ir para casa.

— YEEEEEEAAAAAAH! – gritou ao pular do sofá, sem se importar com quem pudesse ouvir, nem se Coulson ficaria surdo. – Aquele filho da puta teve o que mereceu, e estou finalmente LIVRE, PORRA!

E as lágrimas vieram como uma cachoeira. Sentiu Coulson o abraçar, e deixou sua cabeça em seu ombro. Lembrou-se, por um momento, de ter confortado Peggy de forma similar. Não saberia dizer por quanto tempo chorou, mas estava cansado (e um pouco tonto) quando se afastou de Coulson.

— Você vai a Nova York em dez dias – o policial disse. – Despeça-se de seus amigos, termine seus trabalhos… aproveite seus dias ao máximo.

Steve assentiu, e ele foi embora.

—x-

Infelizmente, Giulia já tinha saído em lua-de-mel, e só voltaria dali a 3 semanas. Ainda pôde dizer adeus a Anna e Luca, e queria fazer isso com estilo.

Os dois ficaram chocados ao receber a notícia, claro. Já era raro conhecer alguém sob proteção, imagina dois – ele e Peggy.

— Você sabia da Peggy? – Anna perguntou.

— Não até ela ser liberada.

Quando a ficha realmente caiu, Steve contou sua ideia.

— Queria deixa uma última marca nessa cidade, então o que vocês acham de pintarmos esse muro aqui? – Mostrou a foto de um muro cinza numa construção no outro lado de Roma. Os gêmeos trocaram olhares.

— Sabe que provavelmente não vão gostar, né? – disse Luca. – Não fazemos grafiti sem autorização há anos… Steve.

Ouvi-lo usando seu nome verdadeiro o fez sorrir.

— Por isso que será um trabalho de uma noite só.

E realmente terminaram na mesma noite. Steve fez a maior parte do serviço, claro. Ao nascer do sol, sentaram-se na calçada para admirar o trabalho. Era um céu azul. Um sol amarelo-brilhante era visto no canto superior esquerdo, em meio a nuvenzinhas. Pássaros de diversos tamanhos voavam. Por fim, em destaque, um avião.

— Ficou ótimo – Anna disse. Os outros dois concordaram.

— Obrigado, pessoal – ele disse ao se levantar. – Por… tudo, de verdade. Meus anos aqui não teriam sido os mesmo sem vocês.

— Obrigado você também – Luca respondeu, dando-lhe um rápido abraço. – A gente se divertiu bastante. Muitas boas lembranças.

Anna o abraçou também, mais forte.

— Não se esqueça de nós quando voltar a Nova York!

— Passem-me seus e-mails, e a gente se fala sempre que quiser.

—x-

Coulson embarcou com ele. Não viajaram juntos, mas só de saber que ele estava lá dentro fez Steve se sentir mais seguro.

O voo durou cerca de 10h, a maioria delas aproveitada para dormir e ler uma revista da National Geographic que comprara de última hora. Queria comemorar alto quando o avião pousou, mas se conteve. Ninguém o entenderia.

Ninguém o esperava no aeroporto, e ele não achava que isso fosse acontecer. Coulson que lhe disse aonde ir.

— Parece que um amigo seu se mudou para seu apartamento – disse, dando-lhe o endereço (como se pudesse esquecê-lo). – Sam Wilson, se não me engano.

Steve sorriu.

— Bom saber. Obrigado por tudo, Coulson.

— De nada, Steve. Vê se se cuida. – Dito isso, pegou um táxi.

Chegou a sua casa meia hora depois. Ao bater à porta, ouviu a voz de Bucky gritar:

— É aquele mala!

Ambos os amigos deram-lhe abraços apertados, e suas bochechas doíam de tanto sorrir. Finalmente, estava em casa.

—x-

Sam estava prestes a se formar em Psicologia. Bucky nunca fez faculdade, optando por virar um ghost writer (escritor-fantasma).

— Muita gente pergunta por que não publico nada no meu próprio nome – disse. – Mas prefiro ter dinheiro sem fama a arriscar ter fama sem dinheiro. Sei o que fazer com dinheiro, não com fama.

Steve não soube responder àquilo.

Era com Bucky que ele passava a maior parte do tempo; seu amigo o guiava pela cidade, apontando as mudanças – especialmente no World Trade Center.

— Querem construir um memorial enorme, mas não sei quanto tempo isso vai levar.

Havia inúmeros musicais novos, e agora poderiam bancar o ingresso de qualquer um. Sam lhe disse que juntaram um bom dinheiro trabalhando na Stark.

— Começamos pouco depois de você ir embora – ele disse enquanto o ajudava a organizar o quarto. Sam escolhera o de visitas, na esperança de que Steve voltaria para usar o próprio um dia. – Bucky ainda trabalha lá, mas eu tive que sair quando a faculdade ficou mais pesada. Mesmo assim, consegui economizar dinheiro o suficiente para me manter sem precisar pedir ajuda.

Os Barnes ainda eram seus vizinhos. Os pais de Sam se mudaram para o interior depois de se aposentarem, há dois anos. Como o Sr. Barnes conseguiu segurar o apartamento de Steve, Sam concordou em pagar meio-aluguel e se mudou para cá.

— Sempre gostei da família do Bucky, mas nunca entendi de verdade por que você os amava tanto… até aquele momento.

— São pessoas maravilhosas – disse em concordância, mas, se fosse honesto consigo mesmo, o único Barnes na sua cabeça ao dizer aquilo era Bucky.

Bucky, com sua animação em mostrar-lhe tudo da cidade, mesmo as coisas que não mudaram. Bucky, que o ajudou a procurar emprego. Bucky, com seus ombros largos e barba e…

Desde quando ele tinha atração por homens?

Não havia como negar: sentia uma atração por Bucky que provavelmente não deveria. Céus, ele era seu melhor amigo de infância. E Peggy?

E Peggy?

Um dia Sam perguntou por que ele resmungava aleatoriamente. Um dia ele respondeu:

— Bucky Barnes, caralho.

— Modos, cara – Sam respondeu de imediato. Àquela altura, Steve perdera as contas de quantas vezes fora chamado atenção por palavrões – até mesmo por Tony e Clint, que nunca tiveram “fineza” na lista de qualidades.

Não fora sempre assim… mas tanto tempo convivendo com Anna e Luca deixaram uma marca.

— Enfim, o que tem o Bucky?

— Estou a fim dele.

Talvez devesse ter esperado Sam terminar de beber água antes de responder. Ao menos conseguiu se desengasgar sozinho.

— Steve… cara, nem sei o que te dizer. Semana passada você não parava de falar da tal da Peggy, agora tem um crush no Bucky?

— É, eu sei, é loucura. Somos amigos desde quando, dois anos de idade? – Suspirou. – Eu nem devia estar pensando nisso. Não é como se fosse recíproco.

Pôde ouvir Sam quase se engasgar de novo.

— Está brincando, né? – Replicou, a voz tão elevada que o assustou. Sam suspirou e balançou a cabeça antes de continuar: – Bucky é bi, para começo de conversa. Assumiu-se em 2000. E ele sentiu mais saudades de você do que um amigo sentiria, cara. Mesmo com a proximidade de vocês, na minha humilde opinião. Então sim, acho que você deveria pensar bem no seu crush, porque tenho certeza de que ele vai ficar super ok com isso.

—x-

Apenas alguns meses depois foi que ele criou coragem para conversar com Bucky. Seu amigo ficou quieto durante todo o seu monólogo, e só se pronunciou após uns dois minutos:

— Você quer realmente fazer alguma coisa em relação a isso?

— Como assim? – perguntou, testa franzida.

— Você está claramente confuso. Não me importo se você precisar de mais tempo para pensar, não me importo se você decidir que não quer, no fim das contas. Mas, por favor, Steve, não diga que quer ficar comigo se não for sério. Não vou suportar.

Disse com tanta convicção que ele não conseguiu responder de imediato. Contudo, independentemente do quão confuso estava, de uma coisa estava certo:

— Quero tentar, Bucky. Tentar ficar contigo. Não sei o que vai acontecer, mas sei que, se não fizer nada, passarei o resto da vida me perguntando como poderia ter sido.

A resposta de Bucky foi um beijo.


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Notas finais do capítulo

- Aniversário do Steve: 4 de julho de 1979.
— Obviamente, o Steve desse cap tem o corpo parecido com o do filme, pós-esteroides. É quase impossível que alguém com o tanto de doença que o Steve tinha sobreviver tanto quanto ele viveu no filme, principalmente considerando que ele era de uma família pobre, de mãe imigrante e viúva, em plenos anos 20/30. De boa, daria pra ele ter ido pra guerra sim. Se as doenças não o mataram, ele já era imortal kkkkkk
— John Walker foi uma das várias pessoas que assumiram o manto do Capitão América na história da Marvel. Eu o escolhi por ele ter sido mais proeminante nos anos 80/90.
— No MCU, Joseph Rogers morreu em 1918 (pouco depois do nascimento de Steve) devido a gás-mostarda, e Sarah Rogers morreu de tuberculose adquirida em seu trabalho como enfermeira numa ala só da doença. Aqui, escolhi doenças que encaixariam mais na época.
— Linha do tempo de Joseph: lutou na Guerra do Vietnã entre 1969-1973 (aos 18-22 anos). Tinha 28 quando Steve nasceu, e morreu aos 31, em 1982, quando Steve tinha 3 anos. Obs.: o Agente Laranja foi usado nessa guerra entre 1961-1971, sendo o auge entre 67-69. Vários tipos de linfoma em ex-combatentes tiveram forte associação com o Agente Laranja.
— O tempo médio entre a infecção pelo HIV e o surgimento das ditas doenças definidoras de AIDS, nas pessoas que não recebem tratamento, é de 10 anos. Ou seja, Sarah provavelmente foi infectada entre 1981-1984, no auge da epidemia de AIDS nos EUA.
— Steve ser católico é algo que já li várias vezes sobre. Não sei é canon nos quadrinhos, mas tudo indica que essa é a religião dele. Decidi destacar esse aspecto porque eu mesma sou católica, e bem devota. Poucos trabalhos na mídia atual mostram o catolicismo de forma positiva ou fiel, então por que não escrever o que eu gostaria de ler?
— Grafite é uma arte proeminente em Roma desde... sempre. Há vários artigos sobre a arte de rua da cidade (quase todos em inglês), que usei para escrever sobre Giulia, Luca e Anna.
— O Festival de Música de Sanremo começou em 1951, e desde 1970 se dá no Teatro Ariston. Não encontrei um cronograma dos shows de 1999, então chutei a ordem das apresentações. Os artistas citados, no entanto, todos estiveram no festival.
— Pra quem achou que esse cap ia ter o funeral papal, lembro que São João Paulo II morreu em 2005, e esse cap termina em 2003.

O próximo cap é o maior até agora, e vai contar a história do POV do Scott! Depois teremos nossas irmãs favoritas, Gamora e Nebula ♥



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