Logo após o desjejum James apareceu em frente a Sea House com esboço da residência dos Fitzwilliam embaixo do braço, ele estava tão eufórico que preferiu esperar um pouco para se recompor antes de entrar. No entanto, por mais que respirasse fundo e tentasse esvaziar a mente, não conseguia conter a animação por finalmente ter a oportunidade de trabalhar com projeto arquitetônico, estava inundado pelas memórias dos sacrifícios que fez para chegar ali, como deixou de viver como um jovem comum aos 15 anos quando viu a primeira planta na obra que trabalhava com o pai e como dedicou o pouco tempo e dinheiro que lhe restavam para estudar aquele ofício, além das vezes em que seu pai o desencorajou e disse para aceitar seu lugar subalterno na sociedade.

— Mr. Stringer? – perguntou Charlotte o trazendo para a realidade.

— Desculpe, Miss Heywood, eu não a ouvi – respondeu sem graça.

— O que está fazendo parado aqui?

— Me preparando para apresentar o projeto – respondeu sem esconder o nervosismo.

— Imagino que deve estar com os nervos à flor da pele, mas eu confio na sua capacidade e deveria confiar também – encorajou Charlotte com um sorriso acolhedor.

— Estou tentando – explicou após um longo suspiro e logo procurou algo para distraí-lo – A senhorita veio visitar Miss Darcy?

— Sim. O senhor tinha razão, ela tem bom coração e não tenho motivo para pensar mal dela.

— Fico muito alegre em saber que mudou de ideia.

— Bom, melhor entrarmos, não é?

James bateu na argola da aldraba, foram atendidos de forma cortês pelo mordomo e guiados para a sala de visitas onde se encontraram os inquilinos, os quais os receberam calorosamente.

— Se o senhor não se importar, gostaria assistir sua apresentação e matar minha curiosidade de ver a futura residência dos meus primos, Mr. Stringer – expôs Elizabeth.

— Claro, Mrs. Darcy, não é incômodo algum – respondeu sem esboçar a ansiedade com a nova adição aos ouvintes.

— Então seguirei com Miss Heywood para o jardim e aguardarei minha aula – declarou Georgiana animadamente, todos sorriram para ela e James tomou cuidado para não sorrir além do apropriado, atento à promessa que fizera para Rose Smith.

As moças andaram silenciosamente em direção ao jardim, apesar de estar animada Georgiana não sabia o que Charlotte tinha a dizer e não teve coragem de falar qualquer palavra durante o curto caminho, ao passo que Miss Heywood estava procurando as palavras certas para expressar tudo que sentia, todavia, ao chegar no jardim percebeu que não as encontraria e teria que falar de qualquer forma.

— Me desculpe pela forma que me comportei contigo, Miss Darcy, lamento muito por ter sido tão injusta e ter tê-la deixado sozinha na praia, quem sabe o que poderia ter acontecido – disse cabisbaixa.

— Não há o que desculpar, entendo que tenha ficado abalada como qualquer um ficaria no seu lugar e voltei segura na companhia de Mr. Stringer – disse Georgiana com um sorriso fraco – Escrevi para tentar amenizar a angústia que te causei e confiei meus segredos à senhorita já que seria o mínimo a se fazer quando conheci os seus contra sua vontade.

— Eu fiquei abismada diante da sua sinceridade e coragem, me sinto honrada pela confiança e não tenho dúvidas de que posso confiar na senhorita também.

— Fico tão feliz por ter sua amizade novamente – respondeu Georgiana a abraçando – Já que somos confidentes é bastante apropriado que me chame por meu nome de batismo.

— Então deve me chamar de Charlotte, Georgiana – retribuiu rindo.

— Tenho mais novidades para você, Charlotte.

Em seguida Miss Darcy contou que o irmão se atrasaria sua chegada e o motivo disso, narrou toda a história da relação de sua família com os Blackwood e como recentemente Lady Blackwood cismou em torná-la sua nora sem o menor escrúpulo em como obter sucesso, razão pela qual não estava contente com o convite para o casamento de Miss Denham.

— Como se não me bastasse ir ao evento para ser julgada pela alta sociedade londrina, ainda tenho o martírio de ser perseguida por Lady Blackwood, se não houver outras mães com a mesma intenção para piorar minha situação.

— Você tem a sorte de ter uma família que não a pressiona para casar ou tentar arranjar um casamento vantajoso, pode somente ignorá-las.

— Lady Blackwood é impossível de ignorar, por isso preciso de sua ajuda porque certamente você será minha desculpa para fugir dela.

— Eu não me importo – respondeu rindo – Miss Lambe voltará para Londres, estarei praticamente livre até voltar para casa, apesar de ajudar com os documento de Mr. Parker, farei o possível para estar o mínimo presente em Trafalgar House.

— Pretende mesmo voltar após o casamento?

— Não sei, como minha carta não chegou em casa, eu não tenho de fato uma data para voltar.

— Por favor, fique mais pouco, se não puder ficar mais tempo com os Parker, posso pedir para que meu irmão escreva aos seus pais.

— Não há nenhum empecilho, eles já pediram para que prolongasse minha estadia e meus pais não se importariam que eu ficasse mais um pouco. O problema é ter que conviver com Sidney Parker.

— Ah Charlotte... se for te fazer mal, eu não implorarei para que fique – disse Georgiana com carinho – Podemos nos corresponder e farei questão que se hospede em Pemberley assim que eu voltar.

— Agradeço muito a sua consideração. Estou inclinada a voltar após o casamento, talvez fique uma ou duas semanas para matar a saudade de casa e acho que consigo voltar a tempo para encontrá-la aqui.

— Desculpe interromper, senhoritas, mas Mrs. Darcy pediu para chamá-las para o almoço – informou o mordomo.

— Obrigada, Mr. Brown.

— Nossa, perdemos a noção do tempo, não posso ficar pois prometi que almoçaria com Miss Lambe antes dela partir.

Após justificar e agradecer o convite de Mrs. Darcy, Charlotte deixou Sea House. Por outro lado, James não conseguiu nenhuma justificativa convincente para escapar do almoço e teve que suportar o constrangimento de ser um convidado quando ele era apenas um homem simples que prestava serviços para aquela distinta família.

— Georgiana, já temos um possível local para nossa casa – informou animadamente Edward.

— Quanta rapidez – retribuiu perplexa.

— Mr. Stringer parece um milagre em nossas vidas, não somente projetou exatamente o que queríamos, mas também nos informou acerca de um palacete cuja obra não foi concluída e está à venda, então podemos ter nossa casa antes do previsto.

— Estou muito feliz por vocês, mais ainda por não ser tão longe de Pemberley – disse Georgiana sorrindo para os primos, em seguida para James – Tenho que concordar que Mr. Stringer foi providencial e nossa família teve muita sorte de conhecê-lo.

— Eu agradeço os elogios, mas apenas realizei o trabalho que me propuseram – explicou James encabulado pelo sorriso de Georgiana.

— Georgiana está certa. Espero que todo o cuidado e esmero que nos dedica, volte como muito sucesso para o senhor – falou Elizabeth sorrindo também.

— Lady Denham ficará muito alegre com seu desempenho, finalmente deve parar de atormentar o pobre Mr. Parker pela busca de investidores para Sanditon, ao menos em nossa presença – debochou Eloise provocando a risada de todos na mesa.

O almoço manteve o tom divertido e James viu pela primeira vez como era compartilhar uma refeição em família, sua mãe morreu quando ainda era criança pequena e só teve o pai, não houve oportunidade de um almoço divertido com vários parentes. Georgiana também se deu conta dessa sorte, após a morte dos pais ela comeu muitas vezes sozinha e com o casamento do irmão e do primo ganhou a companhia bem mais frequente deles além de Bingley com Jane, bem como a adição de Elizabeth, Kitty e Eloise à família.

— Deu tudo certo com Miss Heywood? – perguntou Elizabeth enquanto deixava a sala de desjejum.

— Estamos bem, seu conselho ajudou muito, obrigada, Lizzie – respondeu Georgiana – E como você está?

— Eu sabia que as coisas iam se ajeitar – disse Mrs. Darcy com alegria que logo se desvaiu com mais uma pergunta sobre sua saúde – Eu estou bem e cansada de vocês me questionando a todo momento, precisam entender que ou vocês se mantêm tranquilos ou eu não conseguirei ficar tranquila.

— Não quero te causar angústia, mas você costuma esconder quando se sente mal, então eu pergunto constantemente para saber seu estado.

— Prometo que direi se me sentir mal, até porque eu precisaria chamar Dr. Fuchs, então não há necessidade de me questionar a cada minuto do dia.

— Tudo bem – suspirou Georgiana enquanto Elizabeth seguiu sorrindo para alcançar Eloise e Edward.

Após ver a cunhada se afastar de Miss Darcy, Rose se aproximou tentando evitar de forma boba que James chegasse perto da moça, embora ele fosse ficar boa parte da tarde em sua companhia para a aula.

— Posso trazer seu material, Miss Darcy? – perguntou Rose em tom baixo.

— Sim, obrigada, Rose.

— Precisa de algo mais?

— Acredito que não.

Sem criatividade de inventar uma desculpa melhor para manter James afastado, Rose saiu para apanhar os instrumentos de estudo, despertando mais uma vez a curiosidade de Georgiana sobre seu nível de instrução ser incompatível com o cargo que ocupa, contudo, não sabia como fazer Rose confiar a ela seu passado e acreditar que talvez pudesse ajudá-la.

— Vejo que tudo está bem entre a senhorita e Miss Heywood, fico alegre pelo retorno da amizade das senhoritas – declarou James com seu típico sorriso que despertou Georgiana de suas reflexões sobre Rose.

— Tudo graças a sua intervenção, muito obrigada, Mr. Stringer – agradeceu tocando o braço do rapaz, então ela sentiu um calor agradável difícil de recuar e a sensação boa enebriou James, contudo, ele sabia que não deveria aproveitar e se afastou um pouquinho sorrindo pelo agradecimento.

 — Estou sempre ao seu dispor, Miss Darcy – respondeu de maneira cavalheiresca exagerada que obteve êxito em fazer Georgiana gargalhar.

— Veremos. Também pensa que Lord Byron é superestimado?

— De forma alguma, um poeta excelente que expressa todos os sentimentos que nós não temos coragem de expor ao crivo da sociedade.

— Pensei que tivesse ao meu dispor – brincou a moça.

— Não tão profundamente, é melhor que seja assim, se não a senhorita me acharia enfadonho como a maioria das pessoas pensam sobre os tutores.

— Está longe de ser enfadonho, Mr. Stringer, talvez porque seja mais meu amigo do que tutor.

— Ora, Miss Darcy, não diga isso ou ganharei a fama de péssimo tutor – fingiu ofendido enquanto suprimia o sorriso – Agora me sinto compelido de apenas falar sobre matemática o resto da tarde.

— Mas esse já era o planejado mesmo, principalmente agora que não sei o quão livre para manter as aulas – informou com um sorriso fraco.

— Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupado.

— Terei visita indesejável que carece de bom senso – respondeu desanimada, em seguida explicou a situação com os Blackwood.

James sentiu uma pontada de tristeza ao perceber que Georgiana provavelmente se casaria com um homem a sua altura, não que ele não soubesse disso, todavia, ouvir o relato do arranjo matrimonial tornou impossível de ignorar que ele estava encantado por uma moça que jamais poderia conquistar, ainda que ela não estivesse inclinada se unir com Lord Blackwood.

— Já tinha ouvido falar que as algumas mães da alta sociedade eram implacáveis para garantir bons casamentos, mas estou impressionado com o esforço de Lady Blackwood – James falou em tom divertido diante da careta de Georgiana, sem perceber que Rose entrou no recinto com o material requisitado.

— Não há graça alguma dessa história – resmungou Georgiana cruzando os braços.

— Certamente a falta de escrúpulos de Lady Blackwood tem seu lado cômico que, infelizmente, a senhorita não pode aproveitar por estar envolvida na história, mas não entenda que faço pouco caso da situação, apenas prefiro focar nos pontos positivos como: Lord Blackwood não está empenhado como a mãe, sua família não a forçar ao casamento o mais rápido possível e podemos considerar também a presença de Miss Heywood que poderá mantê-la fora de alcance.

 — Obrigada, Rose – Georgiana agradeceu a entrega do material e continuou – Reconheço que tenho mais sorte que muitas moças da minha idade e que a situação poderia ser muito pior, mas é tão desagradável ficar à mercê de uma senhora que não tem a menor consideração por mim como pessoa.

— Eu sei bem como é esse sentimento. Pode contar comigo também para despistar Lady Blackwood, não conseguirei ser tão eficaz como Miss Heywood, mas tentei como puder. Como disse antes, estou sempre ao seu dispor, Miss Darcy.

            Georgiana riu da referência e se sentiu um pouco menos apreensiva com a chegada dos Blackwood, logo começaram os estudos que só terminaram com o anúncio do chá da tarde, dessa vez James conseguiu escapar com a desculpa de visitar Mr. Parker para se informar melhor sobre a estrutura já construída no terreno que os Fitzwilliam pretendiam comprar.