Amor e acaso escrita por Madame Pontmercy


Capítulo 5
Uma nova amizade


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :D



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Fazia um bom tempo que Georgiana não se divertia como se divertiu durante a tarde na praia com Charlotte, ficaram sentadas num tronco caído na areia da praia deserta e conversaram sobre literatura, moda e arte, contaram como eram seus respectivos condados, casas e família mais próxima. As risadas das moças eram tão genuínas e altas que chamaram a atenção de James Stringer que caminhava por perto.

— Eu sinto muita falta da minha família, foi difícil deixá-los e aceitar convite dos Mr. e Mrs. Parker para passar uma temporada em Sanditon, mal tive tempo para me despedir— disse Charlotte perdendo a animação.

— Como assim?

— Eu cheguei aqui por acaso após ajudar meus anfitriões, eles sofreram um acidente leve após uma das rodas se soltar fazendo a carruagem tombar, felizmente resultou apenas numa torção, provocada pelo pulo inconsequente de Mr. Parker para sair. Depois do convite, imediatamente me aprontei para acompanhá-los na viagem para cá, então a despedida foi rápida. Já estou há meses na cidade e no momento apenas aguardando o casamento de Miss Denham para voltar. Me desanima pensar que nem receberei notícias de casa na resposta da carta que enviei para minha irmã, sabe se houve mais um problema com os correios recentemente?

Georgiana não sabia como responder. Seu impulso sempre foi a sinceridade, contudo, nos últimos dias tinha contrariado tanto sua natureza que se sentia uma cobra traiçoeira, mal suportava esconder de Kitty a profundidade do vazio provocado por sua partida; da família a razão da vontade de vir à Sanditon; de Charlotte o conhecimento da carta extraviada; de seu irmão a gravidez de Elizabeth; e dos primos e cunhada a visita matutina ao Mr. Stringer. Em contrapartida, ter sido sincera com Mr. Stringer tinha a deixado mais leve, no entanto, nem esse sentimento lhe deu coragem para enfrentar as consequências das demais omissões. Naquele momento ela tinha recebido a oportunidade de diminuir o peso da culpa e revelar a verdade para Charlotte, ainda que arriscasse perder a amiga que acabara de conquistar.

— Não houve problema algum, Miss Heywood – gaguejou Georgiana – Na verdade, eu também vim por acaso à Sanditon, há alguns dias eu recebi uma carta triste que me deixou bastante emocionada e curiosa, então decidi vir para devolver esta correspondência que li por engano.

Charlotte se manteve em silêncio encarando o mar com semblante assustado tentando entender o que estava acontecendo. Não tardou para entender que a carta era aquela que enviou para sua irmã, na qual não apenas informa que logo voltaria para casa, mas também confidenciava o coração partido pelo infortúnio de Sidney Parker.

— Me perdoe, Miss Heywood, eu jamais adentraria a privacidade de uma correspondência sem autorização do remetente, abri pois pensei que era de uma amiga que tem hábito de mandar mais de uma carta seguida e às vezes colam uma na outra. Eu não sabia como lhe devolver a carta e precisava sair da rotina deprimente de Pemberley, apenas pensei em vir para te encontrar e depois daria um jeito de te devolver – explicou exasperada.

A jovem morena continuou em silêncio assimilando a intimidade exposta que nem mesmo as amigas que havido se afeiçoado há mais tempo em Sanditon, como Mrs. Parker e Miss Lambe, tinham ciência de suas esperanças frustradas.

Miss Heywood, está se sentindo mal? — perguntou angustiada.

Charlotte respirou fundo e se virou para encarar Georgiana.

— Estou me sentindo envergonhada por meu sofrimento ter sido exposto e se tornado um entretenimento para tédio de sua casa, Miss Darcy. Com licença, preciso escrever informar à minha família sobre meu retorno – gritou liberando a raiva.

Na sequência, Charlotte foi embora rapidamente sem dar tempo para Georgiana explicar que ela não se tratava de um mero entretenimento para uma herdeira mimada, mas o desespero por conseguir uma amiga porque não aguentava mais a solidão de Pemberley. As lágrimas de arrependimento brotaram ao ponto de soluçar por ter perder a amizade que tinha tudo para ser próspera, tendo que contemplar a volta da vida lúgubre de uma moça tímida isolada numa família onde todos pareciam tão felizes com seus casamentos.

— O que houve, Miss Darcy? Se sente mal? – perguntou James Stringer aparecendo sem ela percebesse.

— Me desculpe, Mr. Stringer, eu não o vi – disse Georgiana tentando limpar as lágrimas – Eu estou bem, obrigada.

— Não havia decidido ser sincera comigo?

— Ser sincera que me deixou nesse estado.

— O que houve? – perguntou novamente após sentar-se ao lado da moça.

Ela contou o que ocorreu há alguns minutos, relatando que o motivo de estar em Sanditon era conhecer Charlotte, sem dar detalhes da carta, e ela foi embora antes que Georgiana pudesse explicar a situação e James entendeu o motivo de ter ouvido gritaria.

— Eu imagino que seja algo relacionado ao Sidney Parker, não é? Ela perdeu um pouco da vivacidade depois dele ter aparecido com a noiva rica, apesar de Miss Heywood se esforçar para aparentar que nada aconteceu. Provavelmente deve ter ficado assustada com o fato de alguém que acabou de conhecer já saber o que ela esconde, isso não quer dizer que nunca mais falará com a senhorita.

— Mas ela achou que vim para me entreter com o sofrimento dela por tédio, certamente me julga um ser humano vil.

— Ninguém que converse contigo por alguns minutos poderia pensar em algo assim, Miss Heywood só está magoada, lhe dê um tempo e ela irá perdoá-la.

— Ela não está totalmente errada no fim das contas, eu queria devolver a carta, mas também queria um pretexto para fugir da minha vida vazia – declarou Georgiana voltando a chorar.

— Não se julgue severamente por querer fugir de uma situação que a sufoca, eu mesmo estava caminhando pensando se deveria fazer o mesmo. Tenho certeza de que seus sentimentos eram de solidariedade, assim como foram comigo, logo não há maldade nas suas intenções, a senhorita só faz parte também da lista de pessoas que precisam ser animadas – reconfortou James com um meio sorriso e sem pensar enxugou a lágrima da jovem, sentindo uma boa sensação ao tocar em sua pele.

— Acho que meu sofrimento não pode ser comparado ao seu, seria bastante injusto.

— Todavia, ainda é sofrimento, não há razão para medir a intensidade. Quando se sentir um pouco melhor, posso acompanhá-la de volta para cidade.

— Eu estou bem o suficiente, agradeço muito a companhia.

O toque e sorriso aberto de James além de trazerem conforto, também a atingiu com uma energia desconhecida, era mistura de euforia com vontade de se aproximar do rapaz e a impressão de que aquele era o sorriso mais bonito que já tinha visto na vida. Não conseguiu evitar que seu rosto ruborizasse, na tentativa de abaixá-lo e esconder o problema constante de ficar vermelha, algumas mechas caíram encobrindo seu rosto.

James não conseguiu evitar o impulso de tirar aquilo que atrapalhava sua visão dos olhos azuis safira e prendeu os cabelos dourados atrás da orelha, ao tocar a pele suave da maçã do rosto da moça desencadeou uma onda de atração que interrompeu a respiração de ambos.

— Então vamos antes que escureça – disse ele voltando a manter distância, disfarçando o constrangimento.

Os dois caminhavam na trilha que subia de volta para estrada em silêncio, como ela ainda estava processando o desdém de Miss Heywood, não voltou a pensar sobre a sensação desconhecida que sentiu com a presença de Mr. Stringer. Por outro lado, ele não pensava mais sobre a oportunidade de deixar Sanditon, apenas na beleza do olhar safira de Georgiana mesmo quando estavam abatidos e tentava decifrar a razão de sua infelicidade.

— Se me permite perguntar, Miss Darcy, por que sentia a vida vazia em sua casa?

— Bom, é complicado explicar, eu sei que não tenho motivo para reclamar da minha vida, reconheço que a realidade em que vivo é muito melhor que a maioria dos nossos compatriotas, mas não consigo evitar que me sentir solitária quando todos aqueles que são próximos de mim têm suas vidas encaminhadas e estou ali sobrando.

— Qualquer um está sujeito às mazelas da solidão, independentemente de suas condições de vida, a senhorita não deveria se sentir culpada por não estar bem.

— Não havia me dado conta dessa culpa que eu carrego – refletiu Georgiana, sentiu confiança em James, e continuou – Há alguns meses perdi o convívio de minha única amiga após seu casamento, antes mesmo disso ela já estava ocupada demais para compartilharmos os assuntos como antigamente. Não me entenda mal, eu fico feliz por ela ter encontrado alguém que a faça feliz, mas sou reservada e não tenho muitos contatos sociais, eu acabei ficando sozinha.

— Não pense que irei julgá-la, Miss Darcy, porque sou muito mais egoísta do que a senhorita poderia ser.

— Me parece bastante improvável, Mr. Stringer.

— Eu iria abandonar meu pai mesmo velho e já ficando cansado demais para trabalhar para seguir meu sonho em Londres por conta de uma chance de prosperar que não tenho aqui, ele morreu sendo contra minha ambição e agora não posso pedir perdão – confessou cabisbaixo sem olhar para ela.

— Não acredito que o senhor não converteria os benefícios dessa oportunidade em amparo para seu pai na velhice e aposto que correria atrás do seu sonho sem prejudicar ninguém – disse amavelmente Georgiana ao parar e forçá-lo a olhar para ela – então não deve pensar que foi egoísta porque seu pai tinha uma opinião diferente e devolvo seu conselho de não se julgar tão severamente.

— Acho que a senhorita está certa – declarou James hipnotizado pelos olhos da moça – Não tenho andado pensando direito ultimamente e não consigo aceitar a morte dele.

— Eu perdi meu pai quando era criança, foi bem difícil para mim, mas acho que é pior para meu irmão quem conviveu por mais tempo com ele. Eu entendo a sua dor e sei que ainda está muito recente para retomar seus planos, então viva seu luto de maneira saudável e não procure motivos para se culpar pelo seu falecimento.

— Obrigado por me mostrar o que eu não conseguia enxergar.

Georgiana sorriu em resposta e não tinha ideia de como isso fez James se sentir melhor, eles andaram calados alguns minutos observando a cidade se aproximar, enquanto processavam a estranheza de estarem tão à vontade na presença um do outro ao ponto de serem abertos com seus sentimentos.

— Não entendi por que resolveu vir a Sanditon para combater sua tristeza – James rompeu o silêncio.

— Minha cunhada me aconselhou a me abrir e arriscar conhecer novas pessoas, assim me sentiria leve e menos solitária, então a carta extraviada me deu um motivo para sair de Pemberley e da minha zona de conforto.  Achei que estava conseguindo me superar, desde que cheguei em Sanditon procurei não me esconder do mundo e estava cultivando amizade com Miss Heywood, mas agora não sei se estou melhorando.

— Não deveria desistir tão fácil, acabou de chegar e confio na sensatez de Miss Heywood, logo entenderá que a senhorita só quer uma chance de recomeçar. Por enquanto, pode tentar acalmar sua mente desenhando aquelas falésias espetaculares e me considerar um amigo também.

— Fico muito feliz – agradeceu Georgiana com um meio sorriso que se desmanchou assim que reparou entraram na cidade – Bom... Espero que não se ofenda, no entanto, não posso ser vista acompanhada do senhor, minha família não reage bem a qualquer homem desconhecido perto de mim, especialmente quando estão pensando que estou acompanhando Miss Heywood.

— Não me ofende sua família se preocupar com a senhorita, é cada coisa ruim que se ouve por aí – disse James com mesma leveza costumeira – Uma pena que não possa continuar as aulas de desenhos arquitetônicos, mas pode estudar com os livros que te indiquei.

— Eu agradeço a compreensão e certamente irei providenciá-los. Todavia, não desisti das aulas, darei um jeito da minha família conhecê-lo e aceitá-lo como tutor.

— Está me superestimando, não tenho qualquer referência para trabalhar como tutor, além de não me sentir confortável por cobrar pela instrução dou a um amigo.

— Ainda não planejei como irei conseguir, porém é a única forma que vejo de manter sua amizade e minha instrução sem enganar minha família a cada manhã.

— Isso não faz sentido para mim. De qualquer forma, melhor que a senhorita siga para casa, estarei de longe olhando para ter certeza de que chegou bem. Adeus, Miss Darcy – despediu-se sorrindo.

— Até logo, Mr. Stringer

Georgiana prosseguiu o quarteirão pensando no sorriso leve de James que lhe transmitia alegria e na sorte de encontrar um amigo sincero com quem pudesse conversar sem sentir medo de julgada, principalmente quando sentia que perdeu a amizade de Charlotte. Ao adentrar o saguão de Sea House se lembrou dos receios que a sufocava que dissipou a leveza proporcionada por Mr. Stringer, após conferir se Elizabeth estava bem, utilizou-se do pretexto do cansaço do longo dia para não jantar à mesa e ir para o quarto mais cedo, mas antes de deitar traçou o esboço incipiente das falésias que a impressionaram.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até mais :D



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