Amor e acaso escrita por Madame Pontmercy


Capítulo 2
As novidades de Sanditon


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Querida Kitty,

 

 

 

Espero que Londres continue agradável aos seus olhos, pois sabe bem que dificilmente será aos meus, contudo, confesso a ti que me falta um pouco do dinamismo das grandes cidades porque tudo em Pemberley permanece igual, inclusive no meu aniversário, aliás, lamento que não pôde estar presente. Foi justamente neste dia que me ocorreu um fato bastante incomum e me levou ao endereço desconhecido que deve ter visto no envelope.

 

Uma carta ficou presa à última que me enviou e imaginei que novamente você havia escrito duas cartas seguidas, entretanto, era uma carta de uma desconhecida e abri pensando que seria sua. Envergonho-me por relatar que não parei de ler quando percebi que não era destinada a mim, mas para evitar agravar minha falta de decoro não revelarei o conteúdo da carta escrita por Charlotte Heywood, me limito a dizer que fiquei bastante emocionada e tomei coragem para vir a Sanditon devolvê-la antes que Miss Heywood deixe a cidade.

 

Imagino que pense que fiquei louca, mas Devonshire me parece muito monótono, especialmente após sua partida, e, depois de uma daquelas conversas instrutivas de Lizzie, decidi me abrir um pouco para o mundo e agarrar a primeira oportunidade de viver algo diferente, descobrir coisas novas que vão além da biblioteca de Pemberley.

 

Enfim, chegamos a Sanditon há dois dias, estou encantada com os vastos campos abertos e a beleza marítima que observei durante uma rápida caminhada hoje de manhã com Lizzie, embora ainda não tenhamos a chance de explorar o lugar, tenho certeza assim que puder visitarei as falésias que me impressionaram para tentar desenhar a exuberante paisagem natural.

 

Voltando às razões de estar em Sanditon, tenho uma pista da Miss Heywood, ontem recebemos a visita de um dos principais investidores da cidade, Tom Parker, cuja casa foi incendiada há um pouco mais de uma semana, apesar de ser um fato lamentável fico feliz em identificar que este é o anfitrião da remetente. Acredita que estou bastante empolgada para o chá que Mrs. Parker nos convidou?

 

Rogo para receber notícias suas em breve e, com sorte, na próxima carta consigo enviar um desenho de Sanditon.

 

 

 

 

 

Sua Georgiana.

Miss Darcy deixou a carta escrita na noite anterior com Mr. Brown, o mordomo, para que a remetesse e seguiu para a sala de desjejum cuidadosamente decorada com os móveis refinados e cortinas carmim que emolduram as amplas janelas voltadas para o pequeno jardim nos fundos de onde vinha uma agradável luminosidade.

— Bom dia, amadas irmã e prima.

— Bom dia, querida Georgiana, sinto-me contagiada com sua animação – comentou Elizabeth um pouco pálida e cansada.

— Bom dia, prima, espero que me ajude a obrigá-la a comer um pouco para não se sinta pior – reclamou Eloise lançando um olhar de censura para Mrs. Darcy.

Eloise Fitzwilliam entrou no círculo familiar há cerca de um ano advinda de uma família rica do sul da Escócia, era uma bela figura de pele alva levemente salpicada de sardas, cabelos ruivos ondulados e olhos castanhos que expressam sua personalidade forte. Diferentemente do marido, ela não possuía maneiras tão alegres e descontraídas, o que causou um estranhamento inicial na família, até se especulou que a motivação do casamento era sua herança de 20 mil libras combinada com seu temperamento e o fato de ter passado dos 25 anos ainda solteira. No entanto, não tardou para que adquirissem intimidade suficiente para entender que Eloise não era soberba ou desesperada para se casar, apenas reservava seu humor afiado e cético, bem como sua natureza zelosa, para seu pequeno círculo de amigos e familiares, no qual era possível perceber o amor e a divertida implicância que havia entre o casal.

— Oh Lizzie, o que houve? – perguntou Miss Darcy preocupada.

— Não é nada grave, só aquele pouquinho de enjoo que me aflige desde passamos horas enclausuradas naquela carruagem, mas nosso querido primo saiu antes mesmo de comer alguma coisa atrás de um médico – respondeu Elizabeth tentando aparentar tranquilidade.

— De qualquer forma, devíamos cancelar o chá com Mrs. Parker até que esteja melhor – replicou Mrs. Fitzwilliam.

— De forma alguma, não estou tão mal e estou ansiosa para conhecer alguém em Sanditon, ficar trancada aqui que me deixará doente.

— Então esperaremos o diagnóstico do médico, depois decidimos – finalizou Georgiana sentindo o temor da suspeita de que aquilo não era nenhuma doença.

Dr. Fuchs confirmou que o mal-estar era causado pela gravidez, estimando que se tratava do 3° mês de gestação. Houve um misto de alegria e tensão porque todos esperavam um herdeiro para Pemberley que inauguraria propriamente a família formada por Mr. e Mrs. Darcy, porém, aquela era a terceira gravidez. Os abortos espontâneos ocorreram exatamente nesse período de gestação, sendo o último aquele que provocou grave hemorragia que a deixou desacordada mais de um dia e quando finalmente ficou consciente, além de fraca, estava em profunda tristeza. Elizabeth demorou para se recuperar física e mentalmente, e Mr. Darcy demorou ainda mais para se superar o trauma de vê-la naquele estado que havia chegado ao ponto de se mudar do próprio quarto por medo de perdê-la numa nova gravidez.

A apreensão provocada pela notícia da gravidez fez com que Georgiana perdesse a vontade de seguir com o plano de caminhar à beira mar e esquecesse da ansiedade de conhecer Charlotte Heywood, passou boa parte da manhã lendo em voz alta um romance para Elizabeth que repousava na cama um pouco menos pálida do que antes. Após terminar de ouvir a leitura de mais capítulo, cuja atenção não prestava por estar absorta em seus pensamentos, Mrs. Darcy insistiu que a cunhada fosse passear e aproveitasse o clima agradável em seu lugar, ignorando os protestos da moça de permanecer ali.

— Georgiana, você pode aproveitar e comprar alguns medicamentos para Elizabeth – completou Eloise – estarei aqui a vigiando.

Ante a experiência de Eloise em cuidar de enfermo e de a falta de conhecimento médico de Georgiana, ela assentiu ao pedido e saiu acompanhada por Rose Smith, uma jovem empregada da casa alugada.

O centro comercial de Sanditon era repleto de lojas com belas vitrines e estabelecimentos delicadamente decorados, a paisagem urbana era adorável capaz de incorporar as facilidades da capital sem perder charme interiorano, sem contar a beleza que culminava numa avenida à beira mar que permitia contemplar o litoral. Miss Darcy orientou sua acompanhante a prosseguir para o boticário, que estava lotada, para comprar os remédios que não sabia decifrar enquanto ela calmaria a ansiedade de ver o mar. Em seguida continuou caminhando sem se dar conta que alguém igualmente distraído vinha na direção contrária, subitamente sentiu um forte esbarrão que quase a derrubou.

— Me desculpe, senhor – rapidamente disse Georgiana quase inaudível, percebendo que só não havia caído por conta da mão que segurava sua cintura.

— Eu que lhe peço perdão, senhorita, não prestei atenção ao fluxo, eu lhe machuquei? – perguntou gentilmente o rapaz soltando a jovem e se abaixando para pegar diversos documentos caídos na calçada.

— Estou perfeitamente bem, senhor ..? – indagou o nome do desconhecido, encolhida ante a presença de um estranho.

— James Stringer, senhorita.

— Prazer em conhecê-lo, Mr. Stringer, me chamo Georgiana Darcy. Devo pedir desculpa pela falta de atenção e pelo transtorno com seus documentos – disse a jovem reunindo o máximo de sua baixa autoconfiança para cumprimentá-lo e aliviada por ele estar ocupado demais recuperando os papéis para encará-la.

— Não foi transtorno algum, Miss Darcy, de qualquer forma meu empregador não está interessado em meus projetos, principalmente após o incêndio – respondeu francamente Mr. Stringer ainda recolhendo os documentos.

— Ah o que senhor trabalha com Mr. Parker? – perguntou Georgiana com entusiasmo com esperança que ele conhecesse Charlotte Heywood e num estalo lembrou que a carta mencionava uma tragédia provavelmente estava relacionada a algum Mr. Stringer.

Ele assentiu e se levantou com uma pilha de papéis desordenada em suas mãos, então a moça conseguiu ver quem ele era, se surpreendeu com a beleza do jovem que mal deveria ter mais 25 anos, era alto com cabelos castanhos levemente bagunçados e rosto salpicado com poucas sardas, ficou desconcertada ao notar que era bem mais musculoso do que os homens que já havia visto. No entanto, o que chamou sua atenção foram intensos olhos esverdeados que lhe transmitia confiança e amizade, mas também expressava cansaço ou talvez tristeza, provocando empatia em Georgiana.

— Estes são desenhos dos meus esboços arquitetônicos, mas tenho trabalhado na construção do projeto de modernização de Sanditon liderado por ele — completou Mr. Stringer — Não vi a senhorita por aqui, é familiar do Mr. Parker?

— Ah não, ontem Mr. Parker deu as boas-vindas a mim e à minha família, nos explicou bastante sobre seu projeto ambicioso – informou a jovem se concentrando em como manter a conversa – Perdoe-me o atrevimento, mas sou uma grande entusiasta de desenhos, poderia me mostrar algum se não estiver ocupado?

— Claro, no momento as construções estão paralisadas, infelizmente tenho bastante tempo livre – respondeu com um belo sorriso, apontando para um banco poucos metros dali em direção à praia – a senhorita desenha?

— Eu gosto muito de desenhar, nada tão útil como seus projetos, apenas reproduzo o que me impressiona e certamente o resultado não pode ser considerado como  uma obra de arte.

— Aposto que desenha muito bem, está apenas sendo modesta ou não consegue admitir o talento – declarou James com um sorriso travesso que provocou risadas de sua interlocutora – Algo lhe chamou atenção em Sanditon para desenhar?

— Muitas coisas, no momento estou determinada a tentar captar as falésias magníficas que me impressionaram assim que cheguei à cidade.

— Realmente são uma excelente escolha, espero que a senhorita me mostre quando estiver pronto.

— Sinto muito, Mr. Stringer, mas não costumo divulgar meus desenhos – ruborizou Georgiana.

— Mas eu te mostrarei os meus que já foram rejeitados, não acha justo que eu possa ver os seus que não serão submetidos a nenhuma rejeição? – questionou Mr. Stringer se divertindo com a tentativa mal sucedida dela esconder o rosto avermelhado – Prometo que, ainda que esteja terrível, não farei nenhum comentário desagradável sobre seu desenho.

— Infelizmente, creio que o senhor esteja certo, quando estiver pronto eu te mostrarei – atestou Georgiana impressionada com a franqueza do jovem e em seguida se sentou no banco disposto na orla.

James apresentou os projetos nos quais se dedicou em meio ao cansaço do trabalho braçal nas obras, à baixa luminosidade de sua humilde casa e ouvindo resmungos do pai quando ainda estava presente. Miss Darcy os apreciou empolgadamente fazendo-o sentir que o sacrifício valeria a pena porque eles realmente estariam bem-feitos, mesmo que fosse o reconhecimento de uma desconhecida que aparentemente entendia de desenho. Foi a primeira vez em dias que ele se sentiu feliz e confortável na companhia de alguém, não apenas pela valorização de seu trabalho, mas também pela beleza e graciosidade da moça tímida que tinha cheiro de lavanda e os olhos azuis mais bonitos que tinha visto.

Georgiana nunca havia conhecido alguém que desenhava com tal nível de habilidade e tanto esmero aos detalhes, fez o possível para conseguir verbalizar o reconhecimento merecido e os elogios técnicos, com passar do tempo notou que havia se dissipado a névoa de tristeza que encobria olhar de Mr. Stringer. Apesar de estar interessada na conversa com o rapaz, Rose apareceu e teve que se despedir de James se dando conta que esqueceu de contemplar o mar.

— Espero avidamente poder admirar sua obra em breve, Miss Darcy. Foi um prazer conhecê-la, até logo – disse James com um sorriso aberto que a aqueceu como jamais sentira.

Ao chegar em Sea House, o alojamento onde estava hospedada, imediatamente seguiu para os aposentos de Mrs. Darcy se deparando com os olhares apreensivos dos familiares que lhe causou um arrepio pela espinha dorsal.

— Precisamos conversar – disse Elizabeth calmamente, nesse momento ficou claro para a senhorita que algo estava errado – Eu decidi não contarei ainda para meu marido sobre a gravidez e conto a discrição de todos.

— Como assim?! Vocês estão de acordo com isso? – perguntou indignada para os primos que pareciam estátuas sentadas próximo à cama, em seguida olhou chocada para Elizabeth que somente suspirou – por isso queria tanto que eu saísse e não testemunhasse o planejamento desse absurdo, por que pretendem mentir sobre algo tão importante?

— Suponho que não tenha esquecido como foi difícil a última gravidez, para mim o mais difícil não foi a recuperação, mas sim lidar com a desilusão nos olhos de Will e com o medo exacerbado dele que me sufocou nos meses subsequentes. Não sei como será essa gravidez, porém eu sei que não suportarei a apreensão intensa de seu irmão sem me abalar, certamente não é saudável sentir tamanha angústia numa gravidez com meu histórico infeliz.

Georgiana ficou sem resposta diante da confissão, evidente que ela percebeu o sofrimento dos irmãos na época, no entanto, havia sido poupada dos detalhes, além de não saber das consequências no relacionamento deles. Porém, conhecia o irmão o suficiente para saber que a racionalidade lhe falta quando alguém querido estar sob qualquer ameaça e isso se agrava associada à inflexibilidade em suas opiniões.

Não foi uma decisão fácil, Georgiana, me sinto muito mal de fazer isso com o primo que tanto estimo e não gostaria que isso acontecesse comigo – explicou coronel Fitzwilliam com raro semblante sério – Mas devemos respeitar a decisão de Elizabeth e priorizar sua saúde, confiando que ela é quem melhor sabe da profundidade de seus receios e o melhor momento para dar a notícia.

Estaremos atentos a qualquer coisa – completou Eloise – de forma alguma ela estará desamparada.

Não tendo argumentos para dissuadir Elizabeth, restou aceitar a decisão com um aperto no peito de esconder algo tão importante do irmão, e não apenas dele, precisava omitir a gravidez de todos até mesmo de Kitty que era irmã da cunhada. Dormiu com um peso no coração que não estava acostumada a carregar, contrariava  a lealdade que nutria por Mr. Darcy, além de exigir constante vigilância de suas ações para evitar revelar o segredo inconscientemente.

 


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