Amor e acaso escrita por Madame Pontmercy


Capítulo 1
A nova Miss Darcy


Notas iniciais do capítulo

Contém spoilers de "Sanditon", mas para quem não pretende assistir tem um resuminho para se inteirar.
Boa leitura :D



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Ao completar dezoito primaveras, Georgiana Darcy observava o espelho como se esperasse algo a mais, não quanto à aparência, pois era agradecida pela bondade divina ter lhe concedido um corpo bem formado, a tez levemente rosada, cabelos dourados e um belo par de olhos azuis, apesar de não serem perspicazes ou implacáveis, características marcantes da respeitável família Darcy, até mesmo dos membros que vieram pelo casamento como sua mãe, Lady Anne, e sua cunhada, Elizabeth Bennet.

Miss Darcy olhava para além de seu reflexo esperando que alguma coisa fosse diferente, uma versão de si mesma segura, articulada e encantadora, todavia, não era tão utópica ao ponto de acreditar em tal transformação. Em vista disso, a jovem se contentava em direcionar suas expectativas na possibilidade de algum acontecimento a afastar da rotina inexpressiva na qual se encontrava.

O último evento empolgante que havia presenciado foi o casamento de Catherine Bennet, há três meses sua querida amiga se tornou Lady Crawley e deixou Pemberley que, após as bodas da irmã, praticamente era seu lar. Ela foi a única pessoa com quem conseguiu estabelecer uma amizade genuína, a convivência e a desenvoltura de Kitty romperam o jeito introvertido de Miss Darcy, conseguindo uma relação leve, alegre e implicante que fazia muita falta em sua rotina. Por mais que amasse Elizabeth, não a considerava exatamente na mesma categoria de amizade, visto que era praticamente sua irmã e por ser casada não compartilhava mais as minúcias da vida de moça solteira. 

Embora tenha sido um evento feliz, não apenas a "perda" da amiga a incomodou, a presença de George Wickham foi extremamente desconfortável, ainda que não parecesse mais com o homem que tentou seduzi-la, a graciosidade foi substituída por um ar cansado e indiferente mesmo ao lado de sua alegre esposa grávida e seu bebê risonho no colo. Contudo, aquela figura decadente lhe provocava temor e asco misturados com uma incontrolável curiosidade que arrancou a atenção da realidade ao seu redor.

Georgiana balançou a cabeça na tentativa de se desvencilhar dos devaneios e respirou fundo tomando coragem para sair do quarto e ser o centro das atenções do dia, agradecendo aos céus que conseguiu dissuadir o irmão e a cunhada de promoverem um baile em sua homenagem, como havia sugerido Kitty.

Ao chegar na ampla sala de desjejum foi recebida com os calorosos cumprimentos e felicitações de Mr. Darcy e Elizabeth, acompanhados por Coronel Fitzwilliam, sua esposa Eloise, Mr. Bingley, Mrs. Bingley e pequena Lizzie Bingley, uma menina de recém-completado um ano que herdara a docura dos pais.

— Minha amada irmã, jamais conseguiria expressar o quanto lhe desejo felicidade e me alegra tanto ver que se tornou uma mulher inteligente e gentil – Mr. Darcy explanou puxando a moça para um abraço, quando se tratava da irmã ou da esposa toda sua natureza reservada se esvaia sem arrependimentos.

— Embora não concorde completamente com o elogio, agradeço muito. Eu não poderia ter um irmão melhor, na verdade, não poderia ter uma família melhor, obrigada por… – antes mesmo de terminar seu agradecimento encabulado foi interrompida pelo abraço de seu primo que, como sempre, a engoliu provocando a gargalhada de toda sala.

O dia prosseguiu nesse clima leve e alegre, repleto de atividades em homenagem à Miss Darcy, não era difícil obter seu sorriso porque não era criteriosa com a diversão que lhe proporcionam e também costumava estar disposta a focar no melhor do momento, caso contrário jamais suportaria estar na presença das irmãs do Mr. Bingley ou de sua tia, Lady Catherine.

Ao fim da tarde, apesar de estar contente pelo dia estimulante, Georgiana estava bastante agradecida de estar sozinha por um tempo mesmo que fosse para se arrumar para o jantar.  Ainda que se divertisse com o grupo, ela também se sentia incomodada com sensação de estar num palanque sendo observada e sujeita à avaliação de todos, este era um dos principais motivos pelo qual evitava ao máximo frequentar à sociedade londrina, nesse caso, a atenção indesejada se agrava com o afeto falso motivado por sua herança de 30 mil libras, jamais esquecia como isso provocou a maldade de sua antiga preceptora, Mrs. Younge, e Mr. Wickham.

A lembrança da tentativa de golpe a sua fortuna acabou levando Miss Darcy refletir sobre a falta de perspectivas de encontrar a felicidade matrimonial ante à cobiça alheia e sua própria timidez. Na tentativa de esquecer os pensamentos ruins, ela pegou as cartas que haviam chegado pela manhã e sorriu ao ver duas cartas grudadas por um pouco de cera, aquilo acontecia quando Kitty se esquecia de escrever algo na primeira carta e não queria estragar o cuidadoso envelope para adicionar a segunda empilhando ambas as cartas, Georgiana jamais entendeu a lógica por trás disso.

 Na primeira carta ela apenas forneceu suas impressões sobre Londres e como estava encantada com a vida social, nada que realmente atraísse Georgiana, mas estava contente em ler como a nova vida da amiga estava feliz e cumprindo suas expectativas, embora guardasse bem fundo de si mesma o desejo egoísta de que ela não tivesse se casado para que não se sentisse tão sozinha.

Em sua infinita busca por suprimir os pensamentos tristes, inspirou e suspirou, por fim, abriu a segunda carta se deparando com uma caligrafia desconhecida:

Minha amada irmã,

Receio que não tenho as boas notícias que lhe prometi em minha última carta, contudo, posso lhe dar a boa notícia de que estarei em casa após o casamento da Miss Denham, apesar de ter sido anunciado logo em seguida ao baile de verão, será celebrado dentro de duas semanas, provavelmente estarei contigo pouco tempo depois de ter lido essa carta.

Querida Alison, minhas impressões sobre Mr. Sidney não poderiam estar mais equivocadas como já deve ter percebido pelas minhas últimas cartas, ele se demonstrou um irmão leal e atencioso, um guardião sensível aos sentimentos de Miss Lambe e um cavalheiro de maneiras impecáveis comigo como se espera que seja, e para o meu espanto ele atribuiu esta mudança de comportamento a mim, disse-me que inspiro o melhor que há nele.

Pensar sobre o que significava essa informação me fez passar a noite em claro, frequentemente me distraindo com a lembrança de sua aparência e seu caráter, cuja minha descrição jamais não lhe faria jus, meu coração se descompassa com seus elogios ao meu raciocínio, me falta o ar diante de seu sorriso e sinto um constrangimento misturado com entusiasmo quando estou em sua presença que nunca senti na vida. Ao confessar esses sentimentos à Miss Lambe, ela percebeu o que Lady Susan já havia percebido apenas observando – estou apaixonada por Mr. Sidney – e me recomendou a não nutrir esses sentimentos por seu guardião, e neste momento eu gostaria de ter seguido seu conselho.

A incerteza quanto à firmeza do relacionamento me impediu de te confidenciar antes do ocorrido na manhã do dia do baile de verão. Mr. Sidney me acompanhou ao centro de Sanditon para buscar meu vestido, no caminho mal conseguimos estabelecer uma conversa até que ele parou e declarou seu amor por mim, em seguida me beijou! Eu sei que não foi muito apropriado, te tranquilizo ao informar que não voltou a acontecer porque Mr. Sidney me trata com muita decência, e confio que você não comentará nada com papai

Oh minha irmã, não posso descrever a sensação do beijo, achei que meu coração iria explodir de felicidade! Me senti assim novamente quando Mr. Sidney me deu esperança de proposta de casamento assim que voltasse de Londres no dia seguinte ao baile, lembre-se que ele viajou em razão da ruína instaurada ao meu anfitrião pela tragédia que se acometeu ao Mr. Stringer. Foi uma semana de espera em que mal dormi, me concentrei no trabalho que tenho desenvolvido no escritório do Mr. Parker para não me perder em meus próprios pensamentos.

Por misericórdia divina, a grave situação financeira do Mr. Parker será remediada, apesar de sua incansável tentativa de tornar Sanditon num refúgio de primeira classe, Me alegra em saber que Mary e as crianças estarão seguras graças aos esforços de Mr. Sidney, todavia, minhas esperanças foram destruídas para sempre, porque ele voltou da capital com compromisso de noivado com Mrs. Campion, a mulher por quem ele foi apaixonado na tenra idade.

Não pode imaginar a dor que a notícia me causou, eu mesma jamais imaginei que poderia sentir tamanho sofrimento, se não sentisse meu coração batendo agora acharia que está morto. Mr. Sidney me explicou que de fato me pediria em casamento, mas o noivado foi a única salvação que ele obteve para o irmão, sua família e até mesmo Sanditon. Mrs. Campion é uma viúva rica e se dispôs a ajudar como sua esposa, não o culpo por ter me dado esperança que não pôde cumprir, porque eu faria o mesmo por ti e nossa família. Ainda assim me sinto despedaçada e não aguento mais fingir que estou bem quando me sinto miserável, conto os dias para voltar para casa e estar com minha família, longe de tudo que me lembre esse desafortunado amor.

 

 

 

Sua Charlotte.

Georgiana demorou alguns minutos para sentir vergonha por ler uma carta endereçada a outra pessoa, estava absorta na tristeza daquela mulher, por mais que não entendesse a dor de sofrer por um amor impossível, a moça conhecia essa sensação de desengano, por sorte nunca houvera amor entre ela e Wickham, porém, mesmo assim sentiu como chão tivesse aberto disposto a engoli-la.

Um toque na porta a despertou de sua reflexão sobre o sofrimento da pobre Charlotte, após responder positivamente, Elizabeth entrou no quarto com uma expressão preocupada.

— Aconteceu alguma coisa, Lizzie?

— Não, eu só estou preocupada contigo, já faz um tempo que percebo que você está triste – respondeu e sentou-se na cama acenando para que Miss Darcy se sentasse ao seu lado.

— Ora, por que pensa isto? Minha vida é perfeita.

— Georgiana, acho que te conheço bem o suficiente para perceber que desde que Kitty se casou você está distante e com uma expressão triste quando se distrai, hoje se tornou evidente para mim que estava esforçando para estar feliz, buscando o máximo sorrir, mas não realmente interessada em participar do grupo.

— Acha que meu irmão pensa assim também? – perguntou Georgiana com a voz embargada.

— De forma alguma, acha que você é tímida e reservada como ele próprio – replicou Elizabeth rindo das maneiras de seu marido – Mas eu não concordo, sinto que há algo diferente em você e não gostaria de passar o jantar tentando adivinhar o motivo para então conseguir ajudá-la.

— Não sei, me sinto sozinha, não sei explicar porque não faz sentido, minha vida é perfeita, tenho uma família amorosa e não tenho motivos para estar descontente – respondeu a jovem encarando suas próprias mãos inquietas.

— Reconheço que lhe falta companhia de alguém com quem você divida coisas em comum, como era com Kitty, agora casada ela está com outra vida e distante daqui, então você não tem com quem para compartilhar a sua vida como antes – atestou Elizabeth com um olhar indulgente – mas se excluir não é solução, entendo que você pode se sentir deslocada entre os casais, contudo, você está entre família e amigos que querem te fazer feliz, mas você tem que se abrir para funcionar.

— Me desculpe, não quero que se sinta mal pelo meu comportamento, vou buscar melhorar.

— Não há o que se desculpar, querida, não quero que mude para agradar a mim ou qualquer pessoa, só que permita a possibilidade de se sentir leve e descontraída sem precisar abandonar a sua essência. Eu acredito que, no momento, você precisa de mais amigos e para isso precisa se abrir às oportunidades, pode começar agora sendo você mesma no jantar e não apenas em silêncio sorrindo.

Georgiana agradeceu o conselho com um abraço, ganhando o característico sorriso aberto da Mrs. Darcy e as duas desceram para a sala de jantar. A conversa com Elizabeth a incentivou a tentar participar do grupo, não quer dizer que dispôs de grande desenvoltura, todavia, não se limitou a sorrir, responder e concordar, também introduziu assunto no animado jantar. Isto já era um grande avanço comparado ao seu usual comportamento, até mesmo aceitou a sugestão de uma excursão para costa litorânea e de visitar Londres, ainda que tenha fugido disso por quase um ano, a última vez apenas acompanhou o irmão e a cunhada porque estavam abalados com primeiro aborto espontâneo após ansiosa espera para serem abençoados com uma gravidez.

Antes de dormir não pôde deixar de pensar no sofrimento da desconhecida Charlotte, lamentando que seu infortúnio não pudesse ser solucionado como o seu, teve vontade de conhecê-la para dizer que tudo ia ficar bem mesmo não sabendo que se ficará. Poderia sugerir Sanditon para a excursão, pensou Georgiana antes de adormecer.

No dia seguinte acordou determinada a convencer seu irmão para que o destino da excursão litorânea fosse para Sanditon, embora normalmente não fosse uma pessoa muito argumentativa, não tinha receio de expor e sustentar uma opinião com Mr. Darcy ou Mrs. Darcy. De qualquer forma, a jovem decidiu usar o adorável colar de prata que ganhara do irmão na tarde anterior, ele havia escolhido pela safira rodeada por pequeno diamantes ter o mesma tom de seus olhos, pensou o sensibilizaria utilizando o presente e causaria boa vontade para fazer o pedido.

— Bom dia, querido irmão – exclamou Miss Darcy ao encontrá-lo em sua habitual leitura antes do desjejum, enquanto esperava sua esposa voltar de sua caminhada matinal.

— Bom dia, Georgiana, vejo que gostou do presente e não venha dizer que sou bondoso demais novamente, apenas não há nada que eu não faça para te agradar – respondeu Mr. Darcy com sorriso aberto largando o livro para cumprimentá-la.

— Então irei me aproveitar dessa fraqueza adorável para sugerir que nossa excursão seja destinada a Sanditon e, não querendo abusar de sua bondade, quem sabe podemos partir antes do fim da semana – disse Georgiana tentando aparentar naturalidade com seu pedido nada convencional.

— Primeiramente, devo discordar quanto à classificação como fraqueza, certamente por remeter a algo negativo ainda que entenda adorável, e gostaria de saber de onde veio essa súbita de vontade viajar para um lugar que pouco ouvimos falar – questionou Mr. Darcy.

— Lembrei que se fala em Londres que Sanditon é considerado o mais novo refúgio de primeira classe e como concordei com a excursão litorâneo ontem porque gostaria de conhecer um lugar novo, por isso não considerei Bath ou Ramsgate – mentiu Georgiana mantendo a expressão sorridente, ainda que seu estômago revirasse pela atitude, especialmente por saber que o fez recordar da tentativa de sua fuga em Ramsgate apenas para tornar Sanditon mais atrativa.

— Bom, eu não tenho qualquer objeção e adoraria atender seu pedido, mas vamos esperar Elizabeth chegar para saber sua opinião – disse Mr. Darcy desconcertado com a menção de Ramsgate.

Como Mrs. Darcy era uma entusiasta de qualquer viagem, não houve qualquer protesto de sua parte para uma excursão à Sanditon, principalmente pela raridade de Georgiana pedir qualquer coisa e sua preocupação com a escassa vida social da cunhada, quando claramente possui todas as qualidades e condições financeiras para ser bem recebida pelo círculo que desejar.

Não havendo qualquer oposição à viagem, ficou acertado que coronel Fitzwilliam partiria primeiro para arranjar um alojamento adequado, enquanto Mr. Darcy iria para Londres resolver negócios pendentes antes de viajar. Apenas três dias após a partida de seu primo, Georgiana estava embarcando na carruagem com Elizabeth e Eloise em direção a Sanditon, embora se sentisse extremamente ansiosa ante ao desconhecido o qual se propusera adentrar, a moça vestiu a usual máscara de aparente tranquilidade e passou o trajeto inteiro pensando sobre a possibilidade de conhecer a jovem desiludida e se deveria entregar a carta extraviada de Charlotte Heywood em Trafalgar House.

Ao descer da carruagem e pisar no solo de Sanditon, Georgiana para decidiu que tudo seria diferente e para isso deveria ser uma nova Miss Darcy.

 


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Notas finais do capítulo

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