Éter escrita por Mayara Silva


Capítulo 5
A Despedida




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 “O anjo então disse-lhe: “Abre o peixe e tira-lhe o coração, o fel e o fígado. Guarda-os contigo e joga fora as entranhas. O coração, o fel e o fígado do peixe servirão para remédios muito eficazes”. [...] ”

Tobias 6:5

 

Rafael, com extrema bondade no coração, preparou as essências com os órgãos dos peixes. Tinha uma mão excelente para tais obras e sua natureza deixava isso bem claro: um anjo moldado pelo divino e responsável pela cura.

Tomou-as em mãos e partiu em direção ao quarto do garoto. Enquanto Miguel e Gabriel discutiam, Rafael se concentrava em proporcionar o bem-estar da criança, cuja doença lhe propiciava pouco tempo de vida. Gabriel lhe salvara uma vez, mas, até quando?

Adentrou ao quarto do garoto e o viu adormecido. Aproximou-se.

— Olá, Ananias. Tudo bem?

Indagou o anjo, aproximando-se cada vez mais e mais. Contudo, não obteve respostas.

Ele estava morto.

Rafael não se exaltou ao ver o corpo pálido e sem vida do menino não corresponder. Virou os olhos na direção da porta, procurou descobrir se havia alguém por perto, pois o que estava prestes a fazer certamente seria abominado por Miguel.

Após a certeza da solidão, seus olhos buscaram outro alvo: a alma.

Localizou-a próximo a cama. Logo, Rafael deixou seu corpo carnal para tomar a sua natureza espiritual e, sem dificuldades, juntou-se ao garoto.

— Não tenha medo, Ananias. Vou levar-te ao teu corpo e, então, curar-te.

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“Então eles tomaram esposas, cada um escolhendo por si mesmo; as quais eles começaram a abordar, e com as quais eles coabitaram, ensinando-lhes sortilégios, encantamentos [...]”
“Estes são os nomes de seus chefes: Samyaza, que era o seu líder [...]”

“E as mulheres conceberam e geraram gigantes cuja estatura era de trinta cúbitos. Estes devoravam tudo o que o labor dos homens produzia e tornou-se impossível alimentá-los; então eles voltaram-se contra os homens, a fim de devorá-los; e começaram a ferir pássaros, animais, répteis e peixes, para comer sua carne, um depois do outro e para beber seu sangue. ”

Então a terra reprovou os injustos.

1º Enoque 6:10 – 7:1-6

 

Samyaza havia escolhido viver em simplicidade. Adorava a atenção que estava recebendo dos mortais, o privilégio de ser comparado a Deus, o orgulho de poder fazer o que mais ninguém, ali, podia.

Todavia, discrição era o que queria seguir. Sabia que, a essa hora, já estava sendo seguido, e os defensores da justiça já estavam à espreita como de costume.

Foi ao quarto de sua mulher, agora também seu, e a tomou em seus braços. Caíram na cama; se beijaram.

— Noemi... como reagiria se soubesse que levas um filho meu em teu ventre?

Sussurrou. Os lábios frágeis da mulher envolveram o seu pescoço. Samyaza era um pecado, induzia a luxúria, era a personificação da tentação.

Seus dedos finos percorreram pelos músculos de seu amado, desceram pelos contornos de sua cintura, queriam tocar as suas ancas.

— Você sabe que eu seria a mulher mais feliz do mundo se, assim, soubesse. Um filho teu... para nos unir ainda mais. Eu o amaria, como te amo.

O anjo sorriu e então tateou os dedos indicador e médio por sob a coxa arrepiada da mulher, até que começou a subir a sua saia.

— Se tu soubesses o que eu fiz para chegar até você...

—----------------------------- X ------------------------------

Gabriel contemplava uma pintura renascentista encontrada pelos corredores da bela mansão. Já haviam se passado dez meses de sua hospedagem naquele local, e era notável a familiarização para com Anelise e seu filho Ananias.

Agora, curado de uma pneumonia, Ananias corria pelos corredores da casa, com o peito arfando de saúde. Rafael constantemente dormia e Miguel estava inquieto, sentia que estavam muito próximos de, enfim, por um fim naquela missão.

Gabriel lentamente se afastou do retrato intitulado “The Annunciation: The Angel Gabriel” de Gaudenzio Ferrari, e se dirigiu até Miguel, a fim de discutir os últimos detalhes de seu planejamento, quando foi surpreendido por Anelise, que passava pelo mesmo corredor.

— Gabriel. Viu o meu filho?

Negou o anjo, com um sorriso no rosto.

— Ouvi os seus passos. Provavelmente está no primeiro andar, correndo em toda sua juventude. Vamos vê-lo?

A mulher assentiu e logo começaram a caminhar. Durante o trajeto, ela iniciou uma conversa.

— Eu gosto da forma como trata o meu filho... e ele ama-o. Uma vez, foste ao bosque colher lenha, mesmo que os criados pudessem fazê-lo, e sabe o que Ananias disse? “Mamãe, quando o papai irá voltar? ”

Ela suspirou.

— Já havíamos falado sobre o que acontecera com ele, mas Ananias complementou: “falo do Gabriel ”. E isso... bom, isso me deixou perplexa.

Gabriel arqueou uma sobrancelha, aos poucos os passos de ambos ali cederam e eles pararam.

— Posso conversar com ele.

— Eu sei.... mas... meu filho está tão feliz. Eu não queria que ele perdesse essa alegria.

E, por um instante, ambos silenciaram. Houve um vazio profundo durante alguns minutos, não tinham o que dizer um ao outro, até que Anelise resolveu tomar uma atitude.

Inclinou-se, alongou o corpo e aproximou os lábios dos de Gabriel, que custou a perceber o movimento sutil. Beijar os lábios de um anjo, por mínimo que seja, causou à mulher sensações de êxtase que ela jamais sentira antes. Um regozijo, como ir ao paraíso e voltar.

O oposto surgiu a Gabriel. Foi como arrancar uma de suas asas, perder metade de seu espírito. O anjo afastou-se repentinamente, surpreendido.

— Anelise...

— M-me perdoe... eu... achei...

Gabriel não precisava mais ouvir. Ele sabia onde ela queria chegar, sabia que não tinha culpa, mas sua missão não era aquela e ele a seguia com o máximo de rigor possível.

Levou o dedo aos seus lábios, para que se calasse, e por um instante viu suas bochechas corar. Não queria quebrar aquele momento, mas não queria mantê-lo.

— Eu preciso que saiba que iremos partir amanhã.

— P-para onde vão? ...

Medo saiu em sua voz, medo de perdê-lo. Gabriel custou a falar, mas prosseguiu.

— Não vamos voltar.


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