Éter escrita por Mayara Silva


Capítulo 4
Sob Missão




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“E chamaram a Ló, e disseram-lhe: Onde estão os homens que a ti vieram nesta noite? Traze-os fora a nós, para que os conheçamos.

Gênesis 19:5

 

Não era a primeira vez — e nem seria a última — que algo similar acontecia, com anjos. Miguel era um Arcanjo dotado de beleza, como costumam ser os seres etéreos. Belo, verdadeiro, impecável, símbolo de pureza, lealdade, valentia e perfeição. Mesmo em aparência mortal, era perfeito: incitava às paixões; ao desejo; à carne.

Cansou de resolver as coisas como um mortal. Sabia que, se despertasse seus poderes, Samyaza poderia senti-lo a quilômetros de distância, todavia, sem a voz de seu mentor para o guiar, não aceitaria depender de suas limitações terrenas.

— Tu queres dormir, não queres?

Aproximou-se o suficiente para que Natan jurasse de pés juntos que iria receber um beijo. Fechou os olhos, imaginando que daqui a alguns instantes estaria no paraíso, mas Miguel fez diferente.

Soprou suavemente no rosto do garoto. O sopro era equivalente a uma refrescante brisa de verão, que o fez adormecer em seus braços. Miguel o deixou em sua cama e partiu, não mais dormiria depois do que houve.

Ele não deixaria a natureza humana o guiar.

Deixou que suas asas fizessem o trabalho. As esticou, ergueu, e quando estava prestes a entrar em voo, percebeu uma presença extra ali.

— Eu vi.

Rafael estava encostado em uma árvore, cujas folhas já pereciam, secas como o deserto. Os braços cruzados e os cabelos escuros rebeldes caídos por sob os ombros.

— O que exatamente você viu?

Indagou Miguel, mostrando profunda despreocupação com a afirmação do anjo. Era um pouco difícil lidar com Rafael, e ele precisava mostrar liderança.

Todavia, o anjo soltou um suspiro, retribuindo o desprezo dele com suas palavras.

— Você foi tentado. Por pouco, não teve o mesmo destino de Samyaza. Tu és o príncipe dos Arcanjos, não é?

Miguel não gostou desse tom.

— O que vai ganhar de mim, me provocando dessa maneira, Rafael? Devemos nos concentrar no que foi requerido a nós.

— Não é minha intenção, te provocar...

Aproximou-se do Arcanjo.

— ..., mas estamos andando em círculos. Estamos tardando algo que pode facilmente ser realizado. Tu lideraste uma tropa de anjos contra o exército de Satanás e, agora, não consegues capturar um único anjo rebel...

— Aquieta-te! Deus não está falando comigo!

Exclamou o Arcanjo, levando as mãos à cabeça, a fim de ouvir apenas os seus pensamentos, a fim de tentar um novo contato. Rafael ficou ali, em silêncio, por alguns instantes. Estava incrédulo.

— ... não? ...

Nada. Profundo silêncio.

— Bom... fui orientado até aqui. Para onde tu estás indo?

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— Aqui.

A poucos metros de distância ambos contemplaram um enorme casarão gótico, que acondicionava uma grande safra de arroz em suas terras. Chegaram instantes depois da conversa que tiveram, não perderiam mais tempo tentando se infiltrar entre os humanos. Provavelmente Samyaza já os esperava, não adiantava se esconder em um momento como esse.

— Gabriel está aqui.

Disse Rafael. O Arcanjo aquiesceu, sentira a presença dele.

Ambos seguiram até o portão principal, onde chamaram e esperaram ser atendidos.

Gabriel os recebeu instantes depois.

— Por que demoraram?

— Fomos guiados até aqui.

Respondeu Rafael, e logo adentraram ao casarão onde Gabriel estava alojado. O anjo retirou o casaco que usava e cedeu aos recém-chegados.

— Como chegou aqui tão depressa?

Indagou Miguel.

— Acordei por perto. Mudei de roupa. Entrei aqui. Tão fácil, Miguel. Não acredito que tiveram dificuldade em se alojar na Terra e me encontrar.

Rafael o olhou com espanto.

— Está insinuando que podíamos transformar roupas sem precisar comprar?? Ou ir de um canto a outro sem precisar de transporte?? Não era para sermos como humanos??

Gabriel segurou uma gargalhada, foi firme o suficiente para que nenhum dos dois percebessem que ele ousara tentar rir.

— Se me permitem dizer, precisam vir à Terra mais vezes.

Frustrados, não comentaram mais nada. Gabriel prosseguiu.

— Vamos dormir. Amanhã, apresento-lhes à anfitriã.

—----------------------------- X ------------------------------

Logo cedo o trio se aprontou, pôs roupas novas e foi ao encontro da anfitriã, na sala de jantar, onde tomariam o café-da-manhã. Era uma jovem moça, viúva e mãe de uma criança de 2 anos. Tinha lindos cabelos loiros presos num coque, era bela e tinha uma sofisticação admirável, tal como um coração gentil.

— Gabriel me falou que viriam. Fiquei muito feliz, infelizmente aqui tem estado vazio desde a morte do meu marido.

Disse a mulher, com um sorriso no rosto. A sua criança era um garotinho muito saudável, cheio de energia para compartilhar. Adorava Gabriel e sempre preferia o colo dele à mãe, onde ambos trocavam mimos e brincadeiras. Gabriel também o amava, havia formado um vínculo paterno com o garoto.

Miguel sentou-se à mesa, junto com Rafael, que ainda estava sonolento. A tempos ele percebera o estado cansado do anjo, Rafael sempre estava encostado em algo ou dormindo pelos cantos de algum lugar.

Aquilo não era comum.

— Rafael...

Tentou chamá-lo. O anjo passou a mão nos cabelos negros, tentou disfarçar o seu estado quase sonâmbulo, mas, após a oração que fizeram, deu três garfadas no bolo de flocos de milho e voltou a cochilar.

De um lado, um anjo adormecido, de outro, Gabriel brincava e arrancava gargalhadas do garotinho em seu colo.

— Meu nome é Anelise.

A mulher resolveu quebrar o silêncio.

— Vocês são Miguel e Rafael, certo? Gabriel me falou muito de vocês.

— Conhece Gabriel?

Perguntou o Arcanjo. A moça assentiu.

— Ia enterrar o meu filho, no cemitério da família. Ele estava com pneumonia pneumocócica e havia falecido em poucas horas. Esse anjo mandado por Deus o trouxe de volta.

Disse a moça, aos sorrisos, referindo-se a Gabriel. Havia o elogiado inocentemente, desconhecia sua natureza etérea.

Ao ouvir, também, o nome da doença, Rafael acordou.

— Ele... foi... curado? ...

— Às vezes ele tem uma ou outra crise, mas está fora de risco.

Era o seu papel cuidar de tal virtude, e por isso aquele assunto o deixou desperto. Ele esfregou os olhos e encarou os anjos ali, como se pedisse permissão para curar o menino, mas não conseguiu a resposta que queria, de imediato.

— Fale-os sobre o que viu, ao nordeste.

Disse-lhe Gabriel. O Arcanjo ficou intrigado e concentrou-se nas palavras da moça, já Rafael voltou a dormir.

— Enquanto meu filho estava doente, ouvi dos criados que ao nordeste da safra, a alguns quilômetros daqui, vivia um casal de camponeses. O homem era capaz de fazer milagres, curar enfermos e realizar desejos. Ele fazia isso em própria glória, mas sou uma cristã devota, então recusei-me a ir.

Ambos se entreolharam. Seu traidor havia, finalmente, se entregado. Anelise não percebeu a conversa entre olhares que havia acontecido ali, apenas estendeu a mão ao bule de chá para servir-se ao mesmo tempo que ofereceu biscoitos ao seu menininho, que brincava em silêncio.

— Devemos ir até lá imediatamente.

Ordenou Miguel. Gabriel se levantou.

— Sabia que diria isso, mas não será possível.

Miguel arqueou a sobrancelha. Em poucos dias, havia sentido mais dúvidas que em toda a sua existência como Arcanjo.

— Logo irá entender. Precisamos dialogar, os três.

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“Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. ”

Eclesiastes 11:5

 

— Não consigo contato com os céus.

Disse Miguel, ao companheiro. Era noite, após a ceia. Rafael despia os braços, para que pudesse dissecar os peixes frescos pegos pelos pescadores da anfitriã naquela tarde. Embora Anelise suplicasse para que repousasse, Rafael estava seguindo a sua natureza, queria usar a sua virtude em favor daquela família, mesmo que ela não tenha compreendido assim.

Enquanto isso, Gabriel estava um pouco mais longe, próximo de Miguel. Eles dialogavam sobre a incumbência.

— Vejo tua preocupação, Miguel. Mas não te aborreças, Deus não se esqueceu de ti.

Disse. Levou a mão ao seu ombro, num gesto acolhedor.

— Podíamos terminar essa missão sem dificuldades, no entanto, Samyaza ultrapassou níveis impensáveis e quebrou quaisquer condutas divinas submetidas. Ele foi muito além de apenas ultrapassar o campo terreno.

O Arcanjo arqueou a sobrancelha.

— O que tu sabes, Gabriel? Vejo que conseguiste manter contato prolongado.

O anjo aquiesceu em silêncio.

— Noemi é a menina a quem Samyaza deseja. Ela está grávida e logo conceberá um filho seu. Um Nefilim. Uma aberração capaz de oferecer risco à sua vida e à vida de outrem. Ele deve nascer, como parte do castigo de Samyaza.

Pausou a voz, queria que Miguel assimilasse aquelas palavras com cuidado.

— Tu és um Arcanjo forte, tem o poder da espada divina em tuas mãos, mas dos recados cuido eu. É a minha função. Jamais devíamos ter nos apartado.

— E o que devemos fazer? Foi-te revelado algum caminho?

Mais um aceno, a esperança agora enchia-os de determinação.

— Assim que nascer o menino, matá-lo-emos.


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