A Dama do Coração Partido escrita por Claen


Capítulo 18
Acusações em Londres




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Eram cinco e meia da manhã, quando acordei com Holmes, que sem nenhuma consideração pelo meu sono, fazia um enorme barulho dentro do quarto. O dia sequer tinha amanhecido e ele já estava de pé e bem disposto, se aprontando para tomar o café da manhã.

Sem ter outra alternativa, também me levantei, ainda sonolento, e fui fazer o mesmo. Não tive trabalho algum para organizar minhas coisas para a viagem de volta para casa. A mala que eu havia trazido com roupas suficientes para permanecer por uma semana em Bedford, mal havia sido desfeita, afinal, tínhamos ficando apenas por um dia.

Quando desci, a mesa já estava posta com um café da manhã completo. Comi apenas algumas torradas e ovos, acompanhados por um copo de suco de laranja, o que não deixou Claire feliz. Precisei explicar que meu estômago não era muito afeito ao sacolejar dos trens e por isso eu estava comendo pouco, não tinha nada há ver com o sabor de sua comida. Só depois disso foi que ela deixou a cara emburrada de lado.

Pouco tempo depois, já estávamos de saída. Despedimo-nos da simpática cozinheira e partimos, na carruagem conduzida por Benningfield, para a estação de trem. Achei que era impossível esfriar mais do que no dia anterior, mas a mãe natureza provou que eu estava errado. Um frio cortante nos acompanhou por todo o caminho e os moradores do lugar afirmavam que este era o sinal de que mais tarde as coisas ainda iriam piorar.

Finalmente chegamos a estação e despedimo-nos de nosso chofer/guia e agradecemos por ter nos levado de um lado a outro da cidade.

— Muito obrigado pela assessoria, Sr. Benningfield. – agradeci com um forte aperto de mão.

— Foi um prazer. Só espero que os senhores consigam descobrir o que está acontecendo.

— Não se preocupe, Sr. Bennigfield, pois creio que tudo se esclarecerá ainda hoje. – disse Holmes - Não fique surpreso, caso receba um telegrama ou uma ligação minha em poucas horas, porque é provável que ainda precisemos de sua ajuda e da Sra. Claire.

— Estaremos a sua inteira disposição. Façam uma boa viagem. – despediu-se o mordomo com uma mesura e foi embora.

Assim que Benningfield se foi, entramos no trem e nos acomodamos em nossa cabine. O trem partiu exatamente às 7 horas com previsão de chegada para às 7h35 na Estação St. Pancras, em Londres, bem antes das oito, como Holmes desejava.

Eu sabia que ele não queria conversar sobre suas descobertas, mas a cada segundo que passava, minha curiosidade aumentava e resolvi insistir mais um pouco.

— Por que você ainda vai precisar da ajuda de Benningfield e de Claire?

— Porque acho que teremos que voltar a Bedford ainda hoje.

— Voltar? Mas acabamos de sair de lá, homem!

— Oras! Só porque saímos, não significa que não podemos voltar. Ah, e prepare-se, porque talvez precisemos voltar disfarçados.

— Disfarçados? E por quê? – fui pego de surpresa com essa nova informação.

— Paciência, meu caro Watson. Você saberá de tudo na hora certa. – respondeu ele tranquilamente.

— Ai, ai, cada vez te entendo menos...

— Não se preocupe, meu velho. Logo entenderá tudo.

— Se você diz...

Cansado de inutilmente tentar arrancar informações de Holmes, resignei-me a esperar por sua boa vontade e voltei minha atenção para a paisagem que passava pela janela de nossa cabine.

A viagem foi rápida e tranquila e logo chegamos ao nosso destino. Graças aos céus, o clima de Londres estava bem mais ameno do que o de Bedford e pude me livrar de um dos casacos que vestia. Pensei que iríamos direto para a Scotland Yard, mas descobri que Holmes tinha outros planos, porque era Lestrade quem nos aguardava na Baker Street. Mal entramos em casa para deixarmos nossas malas e já saímos na companhia do Inspetor em direção ao Hospital St. Bartholomew, onde finalmente ficaríamos cara a cara com o famoso Diretor Wright.

Embora Holmes estivesse conduzindo a investigação, foi o distintivo de Lestrade que abriu as portas necessárias para chegarmos ao ocupadíssimo Jonathan Wright, que não fazia ideia de que seria visitado por nós.

O diretor do hospital era uma figura verdadeiramente imponente. Era bastante alto, tinha cerca de 55 anos, ombros largos e uma feição severa. Os cabelos e o bigode, já embranquecidos pelo tempo, davam-lhe um ar bastante austero.

— Bom dia, Sr. Wright... – Lestrade tentou cumprimentar, mas logo foi interrompido pelo homem.

— Doutor Wright, por favor. – disse, solenemente.         

— Desculpe, - corrigiu-se o policial - Dr. Wright. Eu sou o Detetive Inspetor Gregory Lestrade da Scotland Yard e estes são Sr. Sherlock Holmes e Dr. John Watson. Nós estamos investigando a morte de um de seus funcionários, o Dr. Steven Edwards, e gostaríamos de fazer algumas perguntas.

— Investigando a morte de Edwards? Não sabia que a polícia investigava acidentes.

— E não investiga. Na realidade, a Scotland Yard está investigando os acontecimentos e descobertas que se seguiram à morte do Dr. Edwards. O Sr. Holmes é quem está aqui por causa do acidente.

— E então, Sr. Holmes, o que deseja saber? – perguntou secamente.

— Pois bem. Eu fui procurado pela viúva de seu falecido funcionário por outros motivos, mas tudo o que descobri me trouxe de volta para o seu hospital e algo me diz, que o senhor sairá daqui algemado em poucos minutos.

— Mas que ultraje é esse, meu senhor?! Como se atreve a vir até aqui me ameaçar dessa maneira? – bradou o homem, já se levantando a ponto de nos expulsar de seu escritório.

— Não é uma ameaça, é apenas a constatação da verdade. Trouxe suas algemas, Lestrade?

— Sempre as trago comigo. – respondeu o detetive, entrando no jogo de Holmes – Sente-se, doutor.

O diretor obedeceu a Lestrade e sentou-se enquanto olhava fixamente para Holmes, que não se deixou intimidar e continuou, mas não com um interrogatório, e sim com um festival de acusações.

— Já sabemos que o que aconteceu aqui não foi um mero acidente e sim um assassinato friamente planejado pelo senhor e por seus comparsas das indústrias farmacêuticas. Sabemos a respeito das pesquisas conduzidas por Edwards e Cooper e o prejuízo que elas poderiam trazer para os seus investidores e consequentemente para o senhor e seu hospital. Essas pesquisas jamais deveriam ser publicadas e como os seus funcionários se negavam a abandona-las, o senhor e seus “amigos” deram um jeito forçar o impetuoso Dr. Edwards a obedecê-lo de forma definitiva.

— Mas que loucura é essa que o senhor está dizendo? Eu jamais seria capaz de tal coisa! – retrucou o diretor.

— Ah, mas o senhor foi! Após o trágico e conveniente “acidente” de Edwards, ele deixou de ser um empecilho e o plano corria bem, até vocês se darem conta de que as pesquisas não estavam mais em sua sala. Ele provavelmente já havia levado todo o seu trabalho consigo, mas agora era tarde, porque o médico estava morto e vocês não sabiam onde as pesquisas estavam. A conclusão mais lógica era a de que elas estivessem em sua casa e poderiam ser encontradas a qualquer momento pela viúva, que com certeza as entregaria ao Dr. Cooper para que ele fizesse o que bem entendesse, inclusive, torna-las públicas a qualquer instante. Desesperados, vocês precisavam encontra-las e para isso, era necessário entrar na casa dele.

“- Seus arrombadores foram bastante hábeis ao entrar lá, mas extremamente desajeitados em suas buscas, o que na verdade acabou sendo bom para os senhores, que viram uma oportunidade de ouro surgir. Eles obviamente não conseguiram encontrar nada na primeira visita e então precisariam voltar outras vezes, porém, sequer foi necessário que eles continuassem procurando, porque os planos já haviam mudado.”

“- A cada vez que voltavam à casa, apenas faziam mais e mais barulho e desordem, deixando a viúva e seus empregados cada vez mais apavorados. Vocês sabiam que o medo levaria a Sra. Edwards a querer sair do imóvel, que agora, com a fama de mal-assombrado, cairia muito de valor e lhe daria a oportunidade de adquiri-lo por uma mixaria. Isso o deixaria livre para continuar suas buscas tranquilamente, fazendo o que quisesse por lá. Você poderia até derrubar suas as paredes se julgasse necessário.”

“- Então, enquanto seus arrombadores apavoravam os moradores, seu intermediário, o Sr. O’Neill, passou imediatamente a lhe fazer ofertas, antes que outros soubessem da tal “assombração” e tivessem a mesma ideia. Contudo, vocês não contavam com a relutância da Sra. Edwards que tornou a compra praticamente impossível. Isso também nos mostra o quanto as pesquisas eram importantes, já que o senhor e seus associados estavam dispostos a desembolsar dinheiro suficiente para comprar uma casa.”

— O senhor tem mesmo uma imaginação fértil! Deveria ser escritor de ficção. – gargalhou Wright, porém comecei a perceber um medo e um nervosismo que não estavam lá antes. Holmes devia estar chegando bem perto da verdade.

— Não adianta negar. – disse Lestrade – Seu comparsa, o Sr. O’Neill, está preso em Bedford e confessou tudo. Ele disse que a ideia foi toda sua. Nós o prendemos ontem de manhã praticamente na porta da sua casa. E temos mais uma péssima notícia: além de serem acusados de assassinato, formação de quadrilha e invasão, o senhor e seus cúmplices também serão acusados de tentativa de assassinato, porque na madrugada de ontem, seus arrombadores deram um susto tão grande na viúva de Edwards, que devido aos seus problemas cardíacos, está internada entre a vida e a morte no Hospital de Bedford. Reze para que ela sobreviva ou então mais um assassinato pesará sobre você e nunca mais sairá da cadeia.

— Isso é totalmente absurdo! – protestou, agora mais seriamente.

— É mesmo? Então me prove que eu estou enganado. – desafiou Holmes.

Eu sabia que não havia provas de todas as acusações que tinham acabado de ser feitas naquela sala, mas também sabia que essa era uma tática de Holmes. Ele o acusaria das piores coisas possíveis, até que em meio ao medo e o desespero de ficar preso pelo resto da vida, o homem confessaria a verdade para, pelo menos, conseguir reduzir sua pena. A tática tinha funcionado com O’Neill.

— Está bem! Se você quer a verdade, então eu direi a verdade. – disse Wright, finalmente entendendo que sua vida e sua carreira estavam indo pelo ralo.

— É só isso que estamos esperando. – respondeu Holmes, calmamente.


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