A Dama do Coração Partido escrita por Claen


Capítulo 13
Um Fã na Delegacia




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A delegacia de polícia não era muito longe do hospital e mesmo com toda a neve que encontramos pelo caminho, levamos apenas cerca de 20 minutos para chegar lá. O lugar era bem pequeno, se compararmos a sede da Scotland Yard, e fomos recebidos pelo próprio Chefe de Polícia, que ficou muito surpreso com nossa visita, mas também bastante animado.

— Muito bom dia, Sr. Holmes! É uma grande honra recebê-lo em nossa cidade! – dizia o jovem inspetor, enquanto apertava efusivamente a mão de meu colega. Seu encantamento pela presença de Holmes era tamanho, que achei que nem tinha me notado ali, mas foi apenas impressão minha, porque ele logo veio me cumprimentar também, quase que com o mesmo entusiasmo.

— Olá, Dr. Watson! Não imagina como é um prazer conhecê-lo! Sou um grande fã do seu trabalho.

Um fã? Quem diria! O rapaz tinha conseguido me deixar encabulado, porque eu nunca havia me visto como um verdadeiro escritor, muito menos imaginava ter fãs espalhados pelo país. Eu tinha começado a escrever depois de ter servido no Quinto Regimento dos Fuzileiros de Northumberland na Segunda Guerra Afegã. Eu havia sido ferido gravemente e mandado de volta à Inglaterra com meus nervos e minha saúde em frangalhos, quando fui aconselhado a colocar meus pensamentos no papel, porque isso poderia me ajudar a lidar com a situação e também seria uma boa terapia. Coincidentemente, logo depois, conheci Holmes e encontrei uma fonte quase inesgotável de histórias, bem mais interessantes que as minhas próprias e me tornei uma espécie de cronista dele.

— Muito obrigado pela gentileza.  Prazer em conhecê-lo também, chefe...?

— Inspetor Chefe George Haylock, ao seu dispor. – respondeu o rapaz curvando-se com uma reverência.

— O senhor me parece muito jovem para exercer tal função... – disse Holmes enquanto o observava. – Parece-me que foi promovido ao cargo há pouco tempo e ainda está se adaptando, mas para a sua sorte, eu vim ajuda-lo. – completou, sem nenhuma modéstia - Se continuar passando as noites trabalhando, como vejo que passou esta, terá um futuro promissor, Inspetor Chefe Haylock.

— Puxa! – exclamou o rapaz, com os grandes olhos castanhos brilhando de admiração – Quer dizer que as histórias são mesmo verdadeiras! Diga-me, Sr. Holmes, como sabe que acabei de ser promovido?

— Muito elementar, meu jovem. A enorme desorganização de sua mesa, indica que tem muito trabalho a fazer, mas, aparentemente, ainda não se inteirou de tudo e não sabe bem por onde começar. O quadro na parede, do senhor junto de outro oficial de polícia mais velho, me diz que ele foi, possivelmente, o antigo dono do cargo. Digo também, sem nenhuma sombra de dúvidas, que devido a grande semelhança fisionômica entre vocês, que ele é o seu pai e deve ter se aposentado, passando a função para o senhor. Também percebi que não há placa de identificação com seu nome na mesa, e a não ser que ela esteja soterrada de baixo da pilha de papéis, o que eu não acredito, isso indica que acabou de ser nomeado e ainda não teve tempo de mandar fazer uma para você. Uma semana no novo cargo, talvez?

— O senhor é mesmo incrível! Acertou até o tempo de minha nomeação! Mas como sabe que passei a noite trabalhando?

— Ora, isso foi a primeira coisa que notei. Basta ver seu rosto cansado, sua barba por fazer, e principalmente aquele sofá ali do lado, que foi transformado em cama, para um breve cochilo, quem sabe. E cá entre nós, - disse ele baixinho enquanto chamava o rapaz para mais perto de si - preciso avisá-lo que está meio despenteado e desalinhado também.

O jovem policial achou graça do comentário de Holmes, mas imediatamente começou a vasculhar as gavetas da escrivaninha até que encontrou um pequeno espelho que comprovava sua observação. Não se abalou muito, só deu uma ajeitada na gravata, passou os dedos pelos cabelos e se deu por satisfeito. Depois continuou sorrindo como uma criança que conhece seu ídolo.

É incrível como tudo se torna tão óbvio quando Holmes começa a falar. Qualquer um poderia ter visto a mesa repleta de papeis, o rosto cansado ou o sofá com uma pequena manta e uma almofada, mas poucos teriam a mesma rapidez e lógica para juntar todas as peças e ver a cena completa, imaginando tudo o que poderia ter acontecido. Isso era o que tornava meu amigo uma pessoa tão especial e causava tanta admiração em todos que o conheciam, e com o inspetor não foi diferente.

O rapaz era mesmo muito jovem e aparentava ter de 20 a 25 anos. Era bastante alto, tão alto quanto Holmes, e parecia ter um bom preparo físico. Creio eu, que se fosse necessário, ele se sairia muito bem em um combate corpo a corpo. Os cabelos eram castanho-claros, assim como os olhos, grandes e curiosos, o que é uma boa característica para um oficial da lei. Todavia, como Holmes havia notado, ele parecia ser bem desorganizado, porque não só a mesa estava uma bagunça, mas a sala toda estava do mesmo jeito. Mas quem sou eu para julgar alguém pela sua bagunça? Se fosse por isso, eu jamais teria aceitado dividir um apartamento com Sherlock Holmes, o rei da “bagunça organizada”.

— Mas sentem-se, sentem-se. – disse ele, nos indicando as cadeiras em frente à mesa, enquanto sua euforia inicial finalmente diminuía e iniciava a conversa de modo bastante franco - Fico realmente muito feliz que o senhor tenha vindo, Sr. Holmes. Não sabe o quão aliviado eu estou em tê-lo aqui...

— Após a aposentadoria do meu antecessor, – começou o inspetor - que como o senhor bem disse, era o meu pai, eu me tornei o responsável pela delegacia de Bedford. Eu venho de uma família de policiais e sinto que fui treinado minha vida inteira para assumir esse cargo e achei que estivesse preparado para tal, mas com tudo o que vem acontecendo, já não tenho tanta certeza.

— Por que diz isso? – perguntei.

— Por causa de toda a história da Sra. Edwards... Não consigo me perdoar pelo que aconteceu essa a madrugada. Ela primeiramente pediu ajuda ao meu pai, depois a mim e agora está no hospital lutando pela vida. Eu poderia ter enviado mais policiais, tê-los mandado ficar dentro da casa e não somente do lado de fora, tê-los enviado antes, não sei... sinto que poderia... não, que deveria, ter feito mais. – disse o rapaz visivelmente angustiado.

— Se alguém tem culpa nessa história, esse alguém sou eu. – disse Holmes amargamente, para a nossa surpresa – Antes de procura-lo, ela veio até mim e eu cometi um erro. Eu deveria ter agido imediatamente e não o fiz.

Inúmeras vezes, as deduções iniciais de Holmes não foram exatamente como ele acreditava, mas isso faz parte do trabalho e com algumas investigações posteriores ele sempre chegava à verdade, contudo, acho que aquela foi a primeira vez que ouvi Sherlock Holmes admitir ter cometido um erro. Ele estava bastante sério e foi aí que o observei mais cuidadosamente e percebi a tristeza em seu olhar. Até aquele momento, eu não imaginava que ele estivesse se sentindo tão culpado pelos acontecimentos. Ele nunca foi de demonstrar emoções e aquele rápido lampejo de humanidade, foi a forma dele de desabafar, mas sem revelar muito de si mesmo. No entanto, ele logo tratou de guardar bem lá no fundo, as emoções que tentavam aflorar e voltou a ser o detetive implacável.

— Bem, Inspetor Haylock, preciso saber se tem alguma pista daquele comprador que visitou a Sra. Edwards algumas vezes.

— Sim, Sr. Holmes! Já conseguimos identifica-lo e meus homens estão atrás dele nesse mesmo instante. – disse o inspetor, alegre de seu feito.

— Não imaginei que seria tão rápido! – surpreendi-me.

— Nossa cidade não é muito grande, então não foi tão difícil descobrir sua identidade. Como não era morador daqui, supusemos que ele estivesse hospedado em algum hotel e começamos a procurar. Não foi uma tarefa muito complicada, porque temos somente cinco hotéis, e um visitante com as características dele, são bastante incomuns.

— E quais são essas características? – perguntou Holmes – A Sra. Edwards não chegou a nos dar sua descrição.

— Bem, ela descreveu-o como um homem não muito alto, de cerca de 1,70m, bastante gordo, de cabelos ruivos e encaracolados. Tinha algum tipo de sotaque, possivelmente irlandês.

— Bem, realmente são características bastante peculiares. – reconheci – Ele dificilmente passaria incógnito em uma multidão.

— De fato, Dr. Watson. Pouco tempo depois que a Sra. Edwards deixou a delegacia, iniciei a investigação. Confesso que achei que estivéssemos sendo negligentes com o caso dela. Meu pai já tinha me contado, com certo deboche, sobre sua visita anterior. Ele não deu muita atenção à história dela, mas depois de conhecê-la pessoalmente, não achei que fosse nenhuma desequilibrada, principalmente quando soube que tinha voltado até nós por recomendação sua, Sr. Holmes. Nesse momento, vi que não poderia deixar de dar atenção a ela novamente e comecei a trabalhar. Só não enviei meus homens imediatamente para vigiar a casa, porque precisava da ajuda deles. Não tenho tantos policiais a minha disposição quanto gostaria e é por isso que estou trabalhando no caso desde ontem. Sequer fui para a casa, como o senhor bem observou. Estava aqui, quando soube da hospitalização da Sra. Edwards.

— Já que o senhor conhece a identidade e o paradeiro desse sujeito, por que ainda não o trouxeram? – perguntou Holmes, já impaciente.

— É que quando o descobrimos, ele já tinha deixado a cidade. Descobrimos que ele se chama Mackenzie O’Neill. A Sra. Edwards nos informou seu sobrenome, mas não sabia seu primeiro nome. De acordo com o gerente do The Bedford Swan Hotel, ele fechou a conta por volta das cinco da manhã e tomou o primeiro trem para Londres. Pedi ajuda ao Detetive Inspetor Lestrade da Scotland Yard para localizá-lo por lá e enviei meus homens com uma intimação, mas ainda não tive notícias deles.

— Que bom que falou justamente com Lestrade! Ele já está a par de alguns fatos sobre o caso e é um dos policiais menos incompetentes da Yard. Por acaso o senhor tem um telefone por aqui, Inspetor?

— Sim. Fica logo ao lado da recepção.

— Se me dão licença, vou ver se consigo alguma informação.

Assim que falou isso, Holmes foi em busca do telefone e eu fiquei na companhia do Inspetor Haylock, que se mostrou um verdadeiro fã. Debaixo de toda aquela papelada em sua mesa, havia um exemplar de um de meus relatos sobre as façanhas de Holmes. Era justamente “Um Estudo em Vermelho”, o primeiro que escrevi quando o conheci e vi minha vida tomar um rumo que jamais teria imaginado. Achei engraçado quando ele me pediu para autografa-lo, porque nunca alguém tinha me pedido para fazer tal coisa. O rapaz era uma companhia bastante agradável e assim como Holmes havia dito, também acreditei que ele teria futuro na carreira, e senti que algum dia voltaríamos a ouvir seu nome por aí.

— Boas notícias, senhores! – disse Holmes animadamente, quando retornou cerca de dez minutos depois – Nosso suspeito já está no trem de volta a Bedford e em menos de meia hora chegará aqui.

— Maravilha! – exclamou Haylock.

— Eu aproveitei para dizer a Lestrade que já não precisava procurar por Cooper e Packard, porque já os tínhamos encontrado, porém precisava que ele investigasse outra pessoa. Ele fez todo aquele discurso de “eu não trabalho para você e você não pode me dar ordens e blá, blá, bla´”, mas quando disse que a pessoa que ele devia investigar era o diretor de St. Bartholomew, Jonathan Wright, ele curiosamente ficou em silêncio e depois me disse que o tal Mackenzie O’Neill foi encontrado justamente quando saía da casa do diretor Wright!

— Ora, ora, mas quem diria!

— Pedi ao Lestrade que não o prendesse, afinal ainda não temos nenhuma acusação sobre ele e qualquer reação de nossa parte poderia alerta-lo, mas acho que seria interessante ele ficar de olho. Nós precisaremos voltar o mais rápido possível para Londres, porque tenho urgência em ter algumas palavrinhas com esse senhor.


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