Exceto Você escrita por Arii Vitória


Capítulo 4
04. Caminhada nem um pouco silenciosa


Notas iniciais do capítulo

Oiê! Eu gostei muito de escrever esse capítulo, a verdade é que me diverti muito mesmo, então se alguém gostar eu gostaria muitíssimo de saber!
Beijões!



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Julie Murphy

Deve ser a centésima quarta vez que leio a mesma reportagem. Já li cinquenta versões diferentes dela. Minha mãe salvando cachorrinhos, por algum motivo acho até engraçado. Estou na aula de educação física, sentada na arquibancada, pensando no que meu pai me disse sobre conseguir o telefone dela se eu quisesse. Quando desvio os olhos para o jogo de futebol percebo que Patrick e Joel estão me encarando do outro lado da quadra. 

Não sei o que Daniel pode ter dito a eles sobre mim, mas tenho a sensação que os três estão me perseguindo há dias. Escolho ignorá-los, Joel e Patrick não são o tipo de amigos que eu desejo, e Daniel certamente também não deve ser.

Ah, fala sério! Não que eu possa dizer algo sobre os “amigos que desejo”, não quando meus melhores amigos são meu pai e meu cachorro. Quando converso com meu pai sobre isso, ele diz que é normal eu não confiar nas pessoas, já que foi isso que minha mãe não só me ensinou, mas provou ser verdade. E sinceramente, acho que estou melhor sozinha, olho para as pessoas que também estão sentadas na arquibancada e não tenho vontade de me sentar para conversar com nenhuma delas.

O sinal bate anunciando o fim das aulas, mas neste instante todos os professores se juntam para colarem os resultados das provas do primeiro bimestre na parede, em um mural de avisos que fica na entrada do colégio. Com exceção de matemática, eu consigo manter boas notas, mas decido ficar para conferir, o que acaba sendo um erro porque todos os alunos se juntam para ver suas notas, e eu não consigo ter acesso há nada por uns dez minutos, quando eles finalmente começam a ir embora já perdi o ônibus.

—Como estão suas notas? -olho para o lado, Daniel Santiago está logo ali, o que quer dizer que ele também perdeu o ônibus.

—Recuperação em matemática. -conto pra ele, mas não é nenhuma novidade pra mim, não conseguiria manter média em matemática nem se eu colasse de Amber Burce, e ela deve ser a mais inteligente da minha classe. Daniel me responde apenas com um olhar surpreso, antes de perguntar:

—Sério?

Não sei porque todos associam o fato de eu ser calada com o de ser inteligente, mas apenas confirmo com a cabeça porque não vou questioná-lo.

—Eu fiquei em português. Você tem aula com a Lindsay? Ela fica dizendo que devemos contar coisas pessoais na redação, é um saco! -Ele diz, continuando a falar comigo naturalmente.

—Eu sempre invento uma história. -digo, contando pra ele sobre minha técnica infalível para passar em português.

—É uma boa ideia, vou tentar na próxima. -ele diz, sorrindo como se eu tivesse contado a ele o segredo para ficar milionário. Começo a me afastar aos poucos, mas ele continua me seguindo.

—Acho que perdemos o ônibus.

Ele está tentando puxar o assunto, o que seria legal se eu não fosse a pessoa menos comunicativa do mundo.

—Ah. -murmuro e sigo em frente, alguns passos na frente dos dele.

—Posso te acompanhar? -ele pergunta. Droga! Como posso responder que não é o que quero sem parecer uma vadia anti social? Fico um tempo em silêncio, pensando em uma boa resposta, ele deve perceber isso, porque me alcança, ficando lado a lado comigo novamente, e diz:

—Não acho que goste de ficar sozinha.

—Eu gosto, na verdade, gosto muito! -exclamo, Daniel franze as sobrancelhas, como se eu tivesse lhe contado a maior mentira do mundo, mas ele faz isso de um jeito fofo.

—Por que? -pergunta. Como assim “por que”? O que esse garoto acha que vou responder?

—Porque sim!

—Uau, grande resposta! -ele afirma, debochando de mim. Mas sem que eu perceba, nós dois já estamos andando juntos em direção as nossas casas.

—O que quer que eu responda?

—Que tudo bem se eu te acompanhar até sua casa.

—Você já está fazendo isso. E eu moro há dez passos de distância de você! -retruco.

—Olha só, você contou? Está apaixonada por mim? -ele pergunta soltando um riso em seguida. 

Sei que ele está apenas brincando, mas desvio o rosto para o chão para que ele não perceba que estou vermelha de vergonha. Não o respondo.

—É brincadeira, Julie. Mas podemos continuar andando juntos? Não vou te chamar pra sair de novo, nem nada do tipo. 

—Eu gosto de andar em silêncio. -respondo com sinceridade, crente que agora ele finalmente vai parar de forçar assuntos comigo, mas ele responde:

—Isso porque nunca andou comigo!

—Não vai desistir? -pergunto. Já tive garotos levemente interessados em mim antes, mas eles costumam desistir assim que percebem que eu não gosto de conversar. Daniel é diferente porque não parece estar apenas levemente interessado, e ele não desiste nunca.

—Nós somos quase vizinhos, só estou pedindo por uma companhia!

—Certo! Tudo bem! -concordo por fim, sem outras escapatórias. 

—Ótimo! -ele diz e sorri satisfeito consigo mesmo. Conseguimos passar quase um minuto completo em silêncio, até ele começar a falar de novo.

—Então, você odeia o colégio ou só odeia as pessoas do colégio? -ele pergunta sem nenhum motivo. Não sei o que responder, não odeio pessoas, apenas não confio nelas, mas sei que não posso dizer isso a Daniel, porque vai resultar em mais perguntas, e para evitar respondê-las, tenho a ideia genial de ser eu quem faz as perguntas.

—Está gostando de lá? -Digo, fingindo que não ouvi sua última pergunta.

—É legal, quer dizer, não sei se estou me adaptando bem.

—Não está se adaptando? Está lá há o quê? Três semanas? E já tem vários amigos, e acho que já te vi falando com toda a minha turma, e você nem é de lá. -retruco. Não que eu esteja observando ele por aí, mas só o fato dele está forçando assunto comigo já prova o fato dele ser social e extrovertido, meu completo oposto.

—Está me observando?! E também contou quantos passos de distância nossas casas têm. Você é uma stalker? -ele ri da própria piada.

—Você, Joel e Patrick me encaram o tempo todo. Tem certeza que quer falar sobre stalker? -pergunto, me mantendo séria.

—Certo, aliás, desculpe por isso. -ele olha para o chão, parecendo estar levemente sem graça pela primeira vez desde que o conheço. 

—Tudo bem!

—Eu tenho problema com essa coisa de adaptação, mas esse ano resolvi ser mais sociável, como você observou. -ele diz, mas não consigo acreditar em um universo onde ele tenha mesmo esse problema, porém depois me lembro que eu mal o conheço, então não posso duvidar.

—Conheço seu tipo. Você é amigo de todo mundo, e as garotas têm uma quedinha secreta por você! -digo pra ele. Não precisa nem ser muito observadora para saber que Daniel é esse tipo de garoto, do tipo que atraí todas as garotas da turma e nem se dá conta disso. 

—Não, elas não têm! -ele nega, como se tivesse certeza absoluta que isso é mentira. 

—Eu disse secreta! -afirmo. 

—Você têm? -ele pergunta me olhando diretamente, reviro os olhos. 

—Não todas, Daniel.

—Claro. -ele sorri novamente. -Você quer a verdade? -ele me pergunta, parando de caminhar por alguns segundos enquanto assinto com a cabeça. -Meu irmão morreu há um ano e meio atrás. O maldito câncer! -impulsivamente paro de caminhar e olho pra ele, mas pela sua expressão sei que é verdade.

—Por que está me contando isso? Nem me conhece. -pergunto, um pouco em choque, sem saber direito o que responder a sua confissão, você não conta essas coisas a quem mal conhece, eu certamente não contaria.

—Acho que você é confiável. -ele responde, me fazendo olhar pra ele, em seguida continua a andar, fazendo com que agora eu o seguisse.

—Como pode achar isso se nem me conhece? -é uma pergunta sincera, então espero por uma resposta sincera. 

—Eu li em um livro de autoajuda que contar segredos as pessoas ajuda a criar intimidade. -ele conta, tento imaginá-lo lendo um livro de autoajuda para fazer mais amigos, mas desisto de tentar imaginar qualquer coisa sobre Daniel, porque ao que me parece, ele é uma caixinha de surpresas.

—Sinto muito. Pelo seu irmão. -digo, de repente, o alcançando para andarmos juntos novamente. Se perder minha mãe por escolha própria dela foi uma barra pesada demais pra eu segurar sozinha, como pode ter sido perder um irmão para uma doença?

—Tudo bem. -ele diz, olhando para o chão, mas depois recomeça: -Depois que ele se foi eu não quis muito fazer amizades, entende? Acho que quando você é uma criança e perde alguém, fica com medo de se aproximar demais das outras pessoas e perdê-las também, você acha que a culpa é sua.

Concordo com a cabeça, isso é um fato inquestionável, eu sabia bem.

—Não só quando se é criança. -murmuro. 

—Tem razão. -ele diz, e volta a olhar pra mim. -Mas e você? Qual o seu segredo, afinal? -ele questiona novamente.

—Não tenho nenhum segredo. -minto, ele parece saber que estou mentindo, mas tudo o que diz é:

—Um dia desses eu descubro.

Isso me faz sorrir, mas não deixo ele perceber que faz. Quando já estamos perto suficiente de nossas casas, eu digo:

—Então, você me trouxe! Sã e salva!

—E não precisei matar nenhum dragão no caminho. -ele completa. Ficamos ali no meio exato das duas casas, parados, até me parecer estranho demais, então digo:

—Tenho que entrar, preciso dar comida para o meu cachorro.

—Você tem um cachorro? Qual o nome dele?

—Não vou te dizer! -digo, sei que se eu contar o nome do meu cachorro Daniel vai ter motivo para me zoar por semanas. 

—Qual é, Julie! Segredos criam intimidade lembra?

—Você precisa parar de ler livros de autoajuda, cara. -digo a ele, segurando outro sorriso. 

—Verdade. Qual o nome dele? É algo constrangedor e estranho, não é?

—O nome dele é Justin, tá bom? -respondo, começando a me afastar para entrar.

—Justin? Isso é normal! -ele diz, o tom de voz cada vez mais alto a medida em que me afasto. 

—Justin Bieber! -respondo de uma vez por todas. 

Daniel solta a melhor risada que já ouvi em toda minha vida. É tão alta que tenho certeza que meu pai ouviu de dentro de casa, Daniel quase cai no chão de tanto rir, mesmo que não seja assim, tão engraçado.

—Não pode ser verdade! -ele continua rindo. -Você escuta bandas que ninguém conhece, mas o nome do seu cachorro é Justin Biber? Você é uma farsa, Julie!

—Eu tinha dez anos, tá bom? -me defendo, mas dessa vez não consigo evitar não sorrir junto com ele. 

—Até amanhã, belieber disfarçada! -ele diz, caminhando até a porta de sua casa, rindo.

Acho que gosto do jeito que ele diz “até amanhã”.


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