Exceto Você escrita por Arii Vitória


Capítulo 3
03. Sorte no amor


Notas iniciais do capítulo

Alô, alô!



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Daniel Santiago

—Que merda eu posso ter dito pra ela ontem?

Estou encarando Julie no intervalo, ela está sentada em uma mesa com outras duas pessoas, mas não conversa com elas, como constantemente ela está usando os fones de ouvido, mas a garota e o garoto que também estão sentados na mesa a cutucam para fazer perguntas as vezes.

—Você convidou ela pra sair com a gente. -Joel diz, parece que ele está tentando me tranquilizar, mas tudo que ele conta sobre o dia anterior só me deixa ainda mais desesperado.

Tudo que me lembro é de chegar em casa sem camisa e acordar no sofá com minha mãe gritando comigo. Aliás, agora também não tenho mais uniforme, não faço a menor ideia de onde posso ter o abandonado na minha tarde de bebedeira. 

—Não posso ter feito isso! O que ela respondeu?

—Que não, obviamente. -Patrick responde enquanto morde seu misto quente pela primeira vez. Quando você vê Patrick e Joel pela primeira vez bebendo no fundo da escola, você não imagina que a mãe deles prepare misto quente para ambos comerem no intervalo, mas eu juro que é a realidade, o que me faz perceber que não há nada de mau em nenhum dos dois.

Volto a encarar Julie, mas o que me surpreende é que dessa vez ela está me encarando também. Nós dois devíamos o olhar imediatamente.

—Caramba! E se eu tiver dito algo ruim pra ela? -Os irmãos Jones se entreolham, eles tem alguma conexão louca de irmãos, acho que conversam com olhares ou algo assim, porque eles não respondem nada.

A relação dos dois me faz lembrar do meu irmão. Nós não eramos do tipo que conversava por olhares, talvez pela diferença de idade, mas toda vez que Patrick e Joel se implicam ou discutem é difícil não me lembrar de Tony, é difícil não ficar triste.

Ele morreu de câncer um pouco mais de um ano atrás, mas tudo ainda parece tão recente que as vezes acho que foi ontem, principalmente nos feriados, quando a família toda se reúne, dá pra ver que todo mundo se esforça, mas eu sempre aposto com meu primo que todos vão começar a chorar na primeira meia hora, geralmente eu ganho.

Nos mudamos por causa disso, minha mãe queria começar de novo. Ir para algum lugar onde os vizinhos não nos encare com pena cada vez que formos colocar o lixo na rua. E, bom, aqui estou eu!

—Ela está vindo pra cá! -Joel diz alto demais, volto a olhar para Julie, ela está mesmo se levantando, mas agora está encarando nós três como se fossemos retardados porque ouviu Joel gritar, ela passa por nós apenas para ir até o banheiro.

—Cara… -me viro para Joel novamente, Patrick dá um soco no braço dele por mim e agradeço com o olhar.

(…)

Sei que preciso falar com Julie, porque senão fazer isso vou enlouquecer com pensamentos do que eu poderia ter dito a ela. Então quando entro no ônibus me dirijo diretamente até ela, que está na janela de sempre, com os mesmos fones de ouvido.

—Oi. -digo assim que me sento ao seu lado, vencendo minha vergonha, ou seja lá o que me impedia de falar com ela. -O que está escutando? -pergunto, enquanto ela retira os fones de ouvido um a um.

—Nada que você conheça. -ela diz, delicada como um elefante. Não parece estar nem um pouco afim de falar comigo, mas acho que não me importo porque continuo falando.

—Você me subestima, Julie. -digo e espero que ela diga o nome da banda.

—Neutral Milk Hotel. -ela responde, penso por alguns segundos.

—É, tem razão, não conheço.

—O que está fazendo, Daniel? -ela pergunta, direta. Gosto do fato dela saber meu nome e gosto do jeito em que ela diz também.

—Queria me desculpar por ontem. Eu não costumo beber, e não me lembro de quantas besteiras eu te disse. Eu realmente não faço isso. -digo, apesar de não saber o motivo de estar me desculpando.

—Tudo bem, você não disse nada demais. -ela responde, parece tranquila, então suponho que não devo ter dito mesmo nada demais.

—Tem certeza?

—Sim.

—Ah. -murmuro. Fiquei a manhã inteira pensando sobre eu ter dito algo horrível, mas agora que sei que não disse, desejei ter falado, porque daí teria a droga de algum assunto pra falar com ela.

—Posso voltar pra minha música agora? -ela pergunta, como quem não quer parecer grossa.

—Claro. -respondo, e a deixo voltar a colocar os fones, mas continuo quieto ao seu lado. -Eu não sou mesmo de beber, sabe? -continuo falando, então dessa vez ela apenas pausa a música e me olha.

—Você não é alcoólatra, anotado! -ela diz, quase consigo ver um sorrisinho se formar no cantinho da sua boca.

—Certo. -digo por fim, e dessa vez não a incomodo mais. Ficamos assim pelo restante do caminho.

(…)

Eu não faço o tipo apaixonado. Não mesmo. Juro que esse não sou eu. A primeira e última garota que realmente gostei, -não de forma platônica- a que realmente gostei e me declarei foi Anne Beth. Nos beijamos algumas vezes, mas antes que a coisa ficasse séria demais ela me trocou por um cara chamado Pietro. Pensando agora, não tenho nenhuma experiência com namoros.

Entretanto, segundo minha mãe, Dona Cláudia, eu não preciso me preocupar com isso porque nossa família tem “sorte no amor”. Ela diz isso porque ela e meu pai estão juntos há uns, sei lá, cinquenta anos, e até Tony conseguiu encontrar o grande amor da vida dele antes de morrer, o nome dela é Belle, ela nos visita mais do que deveria e ainda sofre tanto com a morte dele quanto nós. Tentei explicar a todos uma vez que eu sou a ovelha negra da família, portanto, sou exceção a regra, mas meus pais riram e me deram três anos para me apaixonar.

Eu duvidei disso, é claro. Mas Joel e Patrick discordariam de mim se soubessem da história, porque de acordo com eles eu estou caidinho por Julie.

—Ela sempre foi assim, não é muito de conversar. Rebeca me disse que é porque ela deve ter uma família ruim ou uma infância ruim. -Patrick explica.

Eis um segredo sobre Patrick: Ele parece ser o típico garoto fodão que não se importa com nada e só usa preto, mas, na verdade, ele está sempre por dentro de todas as fofocas do colégio, ele diz que é porque tem um caso com Rebeca, uma líder de torcida que fala muito alto, mas Joel me contou que ele tende a escutar conversas escondido desde criança.

—O pai dela é George Murphy, minha mãe é obcecada com ele, então não acho que ele seja um pai ruim. -opino. Não sei porque estamos falando sobre Julie de novo, mas juro que dessa vez não foi eu quem começou o assunto.

—E quanto a mãe dela? -Joel questiona. Penso por um instante, moro há uns dez passos da casa dela e nunca vi nenhuma outra mulher por lá.

—Que comecem as teorias! Sherlock Holmes está na casa! -Patrick brinca, olho bem pra ele, o cara que faz fofoca e traz uma garrafa de vodca para o colégio também faz referências nerds? Juro que não julgo mais ninguém pela primeira impressão!

—Nunca vi a mãe dela. -conto pra eles, Patrick larga seu misto quente e pega o celular no mesmo instante, mas Joel rouba o celular dele e vai rapidamente até o Google. Ele pesquisa o nome de George Murphy seguido pela palavra Biografia Tento avisar a ele que Murphy não é tão famoso ao ponto de ter uma biografia na internet, mas para minha surpresa, alguns segundos depois:

—Denise Murphy! -Joel afirma como se tivesse acabado de ganhar no bingo.

—Não é aquela mulher que salvou os cachorrinhos? -Patrick pergunta a ele. Joel pesquisa apenas o nome da mulher no Google.

—Essa mesma! -ele responde e começa a ler a reportagem em voz alta. -“Denise Murphy é o nome da mulher que salvou quinze filhotes de cachorrinhos vira-lata do lixão, na última sexta-feira, dia doze. Ao ser entrevistada a mulher disse que já possuí dez cachorros em sua casa perto da praia, mas que eles não se importaria com novos irmãos. Atualmente, Denise está no segundo ano no curso de veterinária!”

Quando ele termina, nós três ficamos em silêncio, pensando em prováveis teorias de porque essa mulher não mora com Julie. Só então é que dou me conta que não deveríamos estar fazendo isso.

—Isso não é invasão de privacidade? -pergunto, porque me sinto extremamente invasor apenas por está pensando nisso.

—Está tudo na internet. -Joel responde e Patrick dá de ombros.

—Certo, chega por hoje! Não acho que ela gostaria de saber que estamos pesquisando sobre sua vida. -decido por fim, e é minha vez de roubar o celular das mãos de Joel.

—Como quiser, é você quem está apaixonado, lembra?

—Não estou apaixonado, eu só sentei perto dela no ônibus, por Deus! -Afirmo de forma convincente, os dois fazem a mesma expressão de “você quem sabe” ao mesmo tempo e esquecemos o assunto. Mas por dentro, tudo que eu penso é na frase de minha mãe: “Nossa família tem sorte no amor, não dou três anos para você se apaixonar, querido!”

Maldita macumba, mãe!


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Notas finais do capítulo

ahahahah! Gostaram?



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