Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 10
O Homem de Capa Marrom


Notas iniciais do capítulo

É, eu adoro um drama, leitor. Hoje é dia de drama, de descobertas e de uma treta das boas.

Só gostaria de deixar claro que eu não sou estudiosa dos ritos processuais da Idade Média, portanto o que verão aqui é uma semelhança como os nossos ritos processuais, pois existem algumas coisinhas iguais, pelo pouco que eu sei.

Mas como eu não sou Victor Hugo e não tenho qualquer compromisso com a verdade histórica, Let it Go e Hakuna Matata!

Boa leitura!



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Era noite em Paris, a primeira desde que a capitã Phoebe conhecera Esmeraldo.

Phoebe andava apressadamente por uma viela, a dúvida corroendo-a por dentro. Se por um lado ela desejava Esmeraldo, encantada como estava com aquele cigano tão charmoso, por outro isso ia frontalmente contra seu dever, que era recaptura-lo a qualquer preço. Mas o tempo fluía e ela precisava decidir o que faria.

— Eu não devia pensar nele desse jeito. Mas... ele bem que pareceu inocente, falou com tanta convicção sobre o tal homem de capa marrom que não podia ser invenção. – a capitã ponderava enquanto caminhava, o rosto de Esmeraldo fixo em sua mente.

A capitã ia para casa, estava ansiosa por chegar, tomar seu banho, comer algo saboroso e finalmente descansar, mas os pensamentos estavam em tamanha desordem que ela sentia que, se não fizesse algum esforço, como caminhar, por exemplo, não conseguiria dormir. A atividade sempre a ajudava a manter a mente limpa então, ao invés de dobrar a esquina que a levaria até sua casa, a garota tomou outro rumo.

Se foi coincidência ou se foi justamente por causa do assunto que tirava o sossego de Phoebe, ela não sabia dizer mas, quando deu por si, estava exatamente na mesma viela onde Laurette havia sido morta.

As casas ali eram relativamente bonitas, muitos burgueses moravam ali. A rua era estreita mas bem iluminada, as casas de pedra eram bem cuidadas, com pequenos vasos cheio de flores coloridas pendendo das janelas, e o único inconveniente era a passagem de um ou outro cigano barulhento, que voltava de uma rodada de bebidas e ia em direção a... bem, ninguém sabia dizer pois o Pátio dos Milagres, cedido a eles pelo próprio Rei, era um mistério que nem mesmo madame Frollo conseguira desvendar.

Phoebe notou onde estava, uma sensação de incômodo a agitava, mas ela continuou andando, curiosa, mesmo que não soubesse explicar essa curiosidade repentina. De repente, a capitã parou de andar, pasma, o choque quase fazendo-a saltar do chão. Na casa onde ocorrera o crime, um homem de capa marrom acabava de entrar, havia um detalhe em prata reluzindo no tecido fino e foi com horror que Phoebe percebeu que aquele era o homem que Esmeraldo apontava como assassino de Laurette. Só podia ser ele.

Sem perder tempo, a capitã avançou resoluta, a espada em punho.

— Ei! – ela gritou para o homem – Você! Pare aí mesmo!

O homem, surpreso, parou onde estava e encarou a garota, que voou para onde ele estava, seu rosto fechado em uma carranca.

— Identifique-se. – ela ordenou.

— François de Beaufort – o homem respondeu maquinalmente e encarou Phoebe, reconhecendo-a na mesma hora – Eu moro aqui, capitã. Algum problema?

Phoebe piscou confusa e encarou o homem. Suas sobrancelhas franziram-se e ela ficou por um segundo sem reação mas logo recuperou-se, estreitando o olhar.

— Beaufort? Então conhece Laurette de Beaufort, morta nessa casa? – a capitã questionou.

— Era minha filha. – François respondeu ainda sem emoção, encarando a oficial com uma expressão indecifrável – Por quê?

— Conhece também o cigano Esmeraldo, acusado do assassinato de sua filha? – a capitã voltou a questionar enquanto uma mulher de meia-idade, de aspecto abatido, a esposa de François, espiava desgostosa pela porta e encarava ora a garota ora o marido, que lhe deu um olhar irritado e voltou a encarar Phoebe.

— Fui eu mesmo quem o denunciou pelo assassinato de Laurette. – foi a resposta seca que Phoebe recebeu – Eu o vi deixar minha casa correndo, vários vizinhos disseram a mesma coisa, que o viram por aqui, agitado. E, pelo que eu sei, ele tinha motivos para matá-la, portanto sim, infelizmente o conheço. Parece que minha filha – essa última palavra foi dita com uma repulsa visível na voz do velho homem – não se contentou em lançar sua honra na lama e, depois que saiu de Paris, começou a tomar ciganos como amantes e esse aí a recusou, encheu-se de ódio por ela e resolveu se vingar. Tiveram o que mereceram, tanto ela quanto ele.

— Ele disse que o ouviu discutir com Laurette antes do crime. – Phoebe provocou mas o homem não se alterou.

— Disse, é? – mais uma vez a resposta foi fria, mas havia ainda um certo tom de ironia que irritou a garota profundamente – Bela história a dele. Curiosamente não há ninguém que tenha ouvido qualquer discussão além daquele cigano mentiroso. E, se acreditou nele, capitã, creio que deveria deixar seu posto por ser ainda ingênua demais para lidar com gente como aquele maldito. Vejo que é jovem, bonita. O que ele fez? Encantou-a com seu charme? Pobre criança. Volte para casa, menina, seu posto é mais do que você pode abocanhar.

Dizendo isso, o homem entrou na casa e, vendo que sua esposa não desejava fazer o mesmo, ele segurou seu braço para que ela o acompanhasse. Vencida, a velha senhora entrou sem dizer palavra, um cansaço visível em seus olhos, fechando a porta atrás de si e deixando para trás uma Phoebe furiosa, com o ego ferido e uma espada pesada nas mãos.

— Como ele ousa...? – foi tudo o que a garota conseguiu dizer – Será que... não! Ninguém brinca assim comigo e sai impune!

Phoebe voltou a andar, a raiva queimava dentro dela junto com a lembrança das palavras de Esmeraldo, de seu charme, de seu sorriso cativante.

— Aquele homem era o pai de Laurette! O pai dela! Esmeraldo mentiu, aquele desgraçado! E ainda me fez passar essa vergonha! Eu caí como um pato na conversa daquele filho da...! Como sou idiota! Mas esse cigano vai me pagar, ah, se vai!

E naquela mesma hora, a capitã Phoebe de Chateaupers resolveu usar a melhor arma que tinha para acabar com aquela história e dar o troco a Esmeraldo da maneira que ela pensava que ele merecia: seu charme.

— Se é assim que você joga, cigano, então vou jogar assim também e veremos quem ganha. – ela disse em um sussurro decidido, rumando diretamente para sua casa, as ideias claras em sua mente e um sorriso cruel em seu belo rosto.

O gabinete de madame Frollo estava ainda mais frio e cinzento do que costumava estar naquela manhã chuvosa, no dia seguinte àquele em que Phoebe descobrira a verdade sobre o homem de capa marrom. Claudia, após a primeira noite em que tomara o calmante recomendado por Leon, estava menos abatida, mas se a aura de frieza que pairava em torno dela era forte, naquele dia ela parecia envolvida em uma verdadeira névoa ártica.

Depois da atitude ousada do dia anterior, a ministra jurou para si mesma que nunca mais faria algo semelhante àquilo. O vestido vermelho estava em algum lugar desconhecido agora, ela nem queria pensar onde. Mas o beijo que roubara de Esmeraldo ainda fazia correr o fogo da lareira em suas veias e ela sabia que, daquele dia em diante, essa lembrança a torturaria. Se antes a paixão que sentia era forte, agora era incomparavelmente mais abrasadora.

E como que para tortura-la ainda mais, era justamente o processo de Esmeraldo que estava diante da juíza agora, sobre sua escrivaninha. Ela analisava novamente os depoimentos colhidos até então e os pareceres tanto do procurador real quanto do advogado nomeado para defender o réu. A ministra raciocinava freneticamente, o arrependimento por chantagear Esmeraldo a obrigava a ser justa agora e ela desejava chegar a uma conclusão, mas não havia qualquer luz para indicar-lhe a resposta. Pelo menos não a resposta que ela desejava receber: que Esmeraldo era inocente.

Muitos vizinhos viram Esmeraldo correr para longe da casa de Laurette, ninguém mencionou qualquer discussão ou homem de capa marrom deixando a casa, e ninguém ali tinha por que mentir. Claudia, que quase sempre sabia quando mentiam para ela, era obrigada a reconhecer que havia algo muito errado naquilo tudo, pois nem Esmeraldo nem aquelas testemunhas estavam mentindo.

— Laurette foi morta com um único golpe na nuca, que quebrou seu pescoço e a matou na hora – Claudia ponderou – Ela estava na sala, no andar térreo, a janela estava aberta, os vizinhos do lado não ouviriam discussão alguma. Os da frente não estavam em casa no momento do crime. Esmeraldo foi visto correndo dali mas não foi visto entrando na casa. Não há relatos de mais pessoas próximas da casa muito menos de qualquer homem de capa marrom. Esmeraldo é forte o suficiente para aplicar um golpe daqueles e ágil o suficiente para pular a janela, acertar a mulher e depois correr dali.

Claudia suspirou, não querendo acreditar no que sua mente insistia em lhe dizer mas os pensamentos a levavam para apenas uma saída, a pior de todas, e ela foi obrigada a concluir o raciocínio, não vendo qualquer resposta além da que apontava para a culpa do cigano.

— Esmeraldo teve os meios e a oportunidade de matar Laurette, além de um motivo que ele mesmo disse ser forte o suficiente para isso – ela disse, a tristeza crescia a cada palavra – Não há provas em favor dele mas há evidências suficientes a apontá-lo como autor do crime. E ele mentiu para mim descaradamente, como poucos conseguem fazer!

A juíza continuava a buscar uma saída, a ponderar a respeito de tudo o que vira e ouvira para ter certeza de que nada lhe escapara, para ter certeza de que Esmeraldo não mentira. Mas, enquanto pensava, alguém bateu na porta e ela ergueu a cabeça, o raciocínio interrompido.

— Entre – ela ordenou e Phoebe entrou na sala, o rosto carregado.

— Ministra Frollo, posso conversar com a senhora por um minuto? – a garota perguntou respeitosamente e Claudia fez sinal para que ela se sentasse em uma das cadeiras à frente de sua escrivaninha.

— O que houve? – a ministra notou o olhar de Phoebe, que respondeu direta e pragmática como era de costume.

— Não sei se a senhora ouviu a versão do cigano Esmeraldo a respeito de um homem de capa marrom a deixar a casa de Laurette após o crime, meritíssima, mas eu tenho a resposta para isso caso a senhora tenha escutado essa invencionice.

— O que quer dizer? - Claudia arqueou uma sobrancelha e encarou a capitã, ponderando se desejava realmente ouvir o que a garota tinha a dizer pois, pelo jeito, isso complicaria ainda mais a situação de Esmeraldo.

— O homem em questão é o pai de Laurette de Beaufort, o mesmo que denunciou o réu à procuradoria real. Esmeraldo mentiu quando disse ser ele o autor do crime, eu mesma ouvi o homem na noite anterior. Como capitã da guarda real, após conhecer a versão do réu e de apurar os fatos, peço que a senhora acrescente meu depoimento aos autos.  

Claudia gelou. Phoebe, pelo posto que ocupava, de fato tinha o poder de auxiliar em investigações criminais, de tomar depoimentos e de trazer seu parecer à juíza em qualquer fase da instrução processual até o momento da sentença. Quanto a Claudia, não lhe restava qualquer alternativa além de fazer o que a garota lhe requisitava, e assim foi feito.

No mesmo dia houve sessão solene e Phoebe testemunhou, após jurar dizer a verdade perante Deus, que sabia quem era o homem de capa marrom e que aquele era o pai de Laurette de Beaufort, que não estava na casa no momento do crime e não teve meios nem oportunidade de assassinar a própria filha.

Como mais uma precaução, Claudia chamou François a depor e ele confirmou, olhando nos olhos da juíza, tudo o que dissera ao procurador no momento da denúncia.

— Ele a matou, me viu regressar à casa e correu. – o homem disse, sob o olhar cansado de sua mulher, que assistia a tudo sem nada dizer, os olhos inchados e o corpo curvado de exaustão e tristeza – Eu denunciei o cigano pois o vi deixar minha casa. E como podem pensar que eu faria mal à minha própria família? Jamais! Eu prefiro que um raio caia em minha cabeça antes que qualquer coisa manche o nome dos Beaufort!

Claudia escutou aquelas palavras e estreitou os olhos. François de Beaufort já dera provas suficientes de que zelava pelo bom nome de sua família e um assassinato não era algo que estaria em seus planos, seu depoimento era coerente com o restante das evidências e ele foi bastante convincente em suas palavras, a ponto do procurador real insistir mais uma vez para que Claudia finalmente sentenciasse Esmeraldo à morte por existirem indícios suficientes para isso.

— A defesa tem algo a declarar? – a ministra voltou-se para o advogado, esperando que o competente representante de Esmeraldo pudesse salvá-los com alguma requisição de última hora, depoimento, prova, qualquer coisa, e o homem suspirou cansado e encarou a juíza.

— Nada, meritíssima. Sem mais. Entretanto peço a suspensão do processo por tempo indeterminado por encontrar-se o réu em estado de asilo na catedral de Notre Dame. Enquanto ele ali permanecer, que sejam suspensos os atos e seja a sentença adiada.

— Deferido. – Claudia respondeu simplesmente, sem demonstrar o alívio que sentia, e encerrou a sessão, suspendendo o processo e adiando a sentença conforme requereu a defesa. Esmeraldo estava salvo pelo menos enquanto permanecesse em Notre Dame e, quem sabe, Claudia conseguisse um dia convencê-lo a fugir com ela, a finalmente ser seu e livrá-la daquele tormento.

Já Phoebe, deixou a sala com uma nova resolução e determinação e, assim que deixou o Palácio da Justiça correu para Notre Dame enquanto arrumava os cabelos e assumia um ar apaixonado e carinhoso, decidida a finalmente começar a colocar seu plano em prática.

Agora estamos na noite em que Phoebe e Esmeraldo combinaram de se encontrar. Clopin estava tenso, não tirava os olhos de cima de Esmeraldo temendo que ele fizesse alguma idiotice e saísse na frente para encontrar Phoebe, passando por cima do combinado, que era manter o rapaz em segurança, aguardando o sinal do cigano mais velho para que, se estivesse tudo bem, ele pudesse entrar na casa onde encontraria Phoebe.

Esmeraldo, por outro lado, passara o dia todo sonhador, avaliando seu reflexo no espelho para ver se de fato estava apresentável ou andando de um lado para o outro, matando o tempo e olhando para o céu, torcendo para que o sol se pusesse de uma vez para que ele pudesse encontrar sua amada.

Quando finalmente a noite caiu, Clopin teve dificuldades em manter o irmão sob controle pois ele queria sair a todo o custo, tamanha sua impaciência.

— Ela está me esperando, Clopin! Podemos ir logo? – o rapaz dizia, incapaz de manter-se parado.

— Espere um pouco mais, deixe a dama chegar primeiro, assim teremos certeza de que você não corre perigo. – o rei cigano respondeu, contendo a custo a irritação, certo de que iriam para uma armadilha mas sentindo necessidade de acalmar Esmeraldo para que ele não fizesse qualquer besteira e colaborasse – Além disso, deixe-a um pouco ansiosa, verá como isso apimentará mais ainda as coisas.

— Você acha? – Esmeraldo caiu na rede e sorriu, para alívio de Clopin, que entrou na brincadeira e continuou, mantendo a atenção do rapaz.

— Sem dúvidas! O que é muito fácil nunca é bom. Vá por mim, rapaz, a espera faz parte do jogo.

— E precisaremos esperar muito ainda? – o cigano mais novo questionou, a ansiedade novamente tirando-o da inércia.

— Só mais uns minutos e partiremos. E, por favor, se tudo der certo, dê um jeito de dizer para onde foi, assim nós iremos encontrá-lo, está bem? – Clopin colocou uma mão no obro de Esmeraldo, que sorriu, comovido, e devolveu o gesto.

— E você acha que esquecerei do meu irmão? Nunca! Assim que estiver seguro mandarei notícias.

Mais uns minutos se passaram e Clopin, torcendo para que seu plano desse certo, fez sinal para Esmeraldo e ambos deixaram furtivamente o Pátio dos Milagres, andando silenciosos como fantasmas até a Ponte Sant Michel, onde existia uma casinha de taipas, caindo aos pedaços, as janelas quebradas e um aspecto miserável. Era ali que Phoebe deveria esperar Esmeraldo.

Clopin, assim que chegaram próximos ao local marcado, mandou que Esmeraldo se escondesse nas sombras. O rapaz obedeceu e ele foi andando em direção à casa, despreocupadamente, mas espiando com um olho atento, pronto a captar qualquer sinal de armadilha.

Pela janela quebrada o cigano avistou a bela Phoebe, sentada em uma cadeira, um vestido ousado e um olhar ansioso para a porta de entrada. Clopin estreitou os olhos e escondeu-se nas sombras, avaliando o que vira.

“Ela está lá! Porcaria, ela realmente está lá e, pelo jeito, ela não mentiu quando disse que queria encontrar com Esmeraldo!”

Por um momento o cigano cogitou dar sinal para que Esmeraldo viesse até ele, o rapaz espiando ansiosamente de seu esconderijo, mas algo parecia muito errado para que baixassem a guarda tão rapidamente.

Clopin analisou a situação e avaliou os arredores da casa. Se iriam fugir, não poderia ser a pé pois certamente seriam descobertos pelos guardas que patrulhavam a cidade. Phoebe não seria idiota de suspender a patrulha ou chamaria atenção, portanto a fuga a pé estava fora de cogitação. O jeito mais seguro seria fugir de barco, deixando Paris silenciosamente pelo Sena, aproveitando a escuridão da noite. Mas não havia qualquer barco ancorado próximo à casa, mesmo existindo ali um minúsculo cais que comportaria uma canoa, e nem qualquer outro modo de fuga visível.

“Isso está cheirando mal”. O rei cigano pensou, a desconfiança mais acesa que nunca, e permaneceu parado, quieto, decidido a não arredar o pé dali antes de ter certeza absoluta do que estava acontecendo.

Mais alguns minutos se passaram e ele, furtivamente, aproximou-se da casa e espiou seu interior, onde Phoebe ainda permanecia sentada, mais ansiosa do que nunca. Ela parecia estar desarmada, às vezes olhava-se em um espelho de mão, conferindo a aparência ou ajeitando o vestido. Parecia ser de fato uma dama que vai a um encontro e Clopin, finalmente convencido, concluiu que estava vendo coisas demais e que talvez o charme de Esmeraldo a tenha, de fato conquistado.

Andando de cabeça baixa, o cigano mais velho foi até o local onde Esmeraldo, que quase explodia de ansiedade, ainda aguardava. Vendo o irmão chegar, o rapaz empertigou-se, incapaz de conter a impaciência.

— Nada de errado, não é? – ele disse em um sussurro mal humorado.

— Você é mesmo um feiticeiro, seu pequeno danado! – Clopin respondeu, um sorriso brincalhão no rosto e um carinho visível nos olhos negros – Ela está esperando você e parece ansiosa. Mas antes de dar o fora de Paris, ao menos dê um abraço nesse seu irmão que vai sentir sua falta, por piedade!

Esmeraldo, sorrindo finalmente, abraçou Clopin com força, dando tapinhas em seu ombro. Depois de alguns segundos, eles se separaram e se encararam.

Foi esse abraço que provavelmente salvou Esmeraldo pois, se o rapaz tivesse deixado seu esconderijo um segundo atrás, teria dado de cara com dois guardas que acabavam de se aproximar da casa silenciosamente, postando-se na escuridão para verem sem serem vistos. Clopin, quando notou isso, empalideceu e fez sinal para que Esmeraldo se escondesse ainda mais.

— Filha da... – o rei cigano praguejou – era uma armadilha! Ela poderia até ter intenção de passar uma noite com você mas, ao final, você seria levado direto para a cadeia, Esmeraldo!

O rapaz não respondeu, apenas encarou o irmão e a casa, da qual também vira os guardas se aproximarem, o choque, a dor e a incredulidade visíveis em seus olhos.

— Ela não faria isso comigo. – ele finalmente disse, em um fio de voz.

— Mas fez, e vamos sair daqui agora mesmo. Ande, circulando já, e mantenha-se nas sombras. Vamos para o Pátio dos Milagres e de lá você não sai até eu pensar em um jeito de tirá-lo da cidade em segurança. Andando.

Esmeraldo deixou-se levar por Clopin, a cabeça latejava e recusava-se a entender o que se passara ali, recusando-se a entender que Phoebe, um verdadeiro anjo, a personificação da bondade e justiça, o traíra, que ela faria dele seu amante por uma noite e, depois, como se não fosse nada o que teriam vivido, ela o prenderia, tendo inclusive guardas ao redor da casa prontos para isso.

“Ela não faria isso por si mesma!” o cigano pensava, lutando contra o ódio e contra as lágrimas “Ela não agiria comigo dessa maneira vil! Não, não foi ela. Alguém descobriu o que ela pretendia, alguém...”

Esmeraldo parou de andar, primeiro estupefato depois furioso, obrigando Clopin a parar de andar também.

— O que está fazendo? – o rei cigano chamou a atenção do rapaz quase desesperadamente – Vamos antes que sejamos pegos!

— Já sei quem está por trás dessa traição, Clopin, e não é Phoebe! – e, com essas palavras, o rapaz, sentindo uma fúria assassina, voltou a andar, seu rosto tão alterado pela ira que Clopin sentiu medo.

“Vai pagar por isso, Frollo!” Esmeraldo concluiu mentalmente e continuou andando, decidido, até a segurança do Pátio dos Milagres. “Você acabou de ganhar um inimigo!”


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Notas finais do capítulo

Você que leu O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo, sentiu alguma semelhança?

Só por curiosidade, a casa que eu citei, na Ponte Sant Michel, foi o local onde a Esmeralda e o Phoebus de fato se encontraram no livro e onde a treta máxima começou. Fiz essa pequena homenagem.

Só pra constar: Esmeraldo da livro, tu és uma insuportável! E Phoebus do livro: tu és o cara mais babaca de Paris! kkkkk Pronto, falei.



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