Sob o Olhar de Notre Dame escrita por Lily the Kira


Capítulo 11
A Escolha


Notas iniciais do capítulo

O final da música Fogo do Inferno merecia uma retratação mais digna do que a do capítulo anterior, e Leon merecia aparecer mais, não é?

Esse capítulo foi difícil de escrever, foi meio pesado... mas espero que gostem!



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Claudia estava diante da lareira em sua sala de estar, o fogo crepitava e estalava, o calor era incômodo mas ela não conseguia tirar os olhos das chamas onde Esmeraldo dançava, provocante.

O fogo na lareira de repente cresceu, transformou-se em um verdadeiro incêndio e a ministra, apavorada, era incapaz de conter as chamas. Era Esmeraldo quem avivava o fogo, que fazia as chamas espalharem-se com uma rapidez assustadora.

— Pare, por favor, não vê que irá nos matar? – ela disse em um fio de voz e o cigano em pessoa colocou-se à sua frente, seu riso brincalhão era perturbador. Os olhos dele eram duas chamas vivas e sua pele morena brilhava com a luminosidade intensa. Ele era lindo, mesmo naquele cenário aterrador, e Claudia estava presa na poltrona, incapaz de se mexer, completamente encantada.

E, de repente, ele a beijou, no instante exato em que o incêndio a atingiu. Mas ela não conseguia se desvencilhar, preferia morrer a interromper aquele momento, os olhos fechados e o corpo sem forças que queimava, a ministra não se sabia se pela força do fogo que a envolvia ou se pelo desejo que o beijo do cigano lhe despertava. Esmeraldo a conduzia gentilmente para mais perto da lareira, ela ia com ele, incapaz de resistir, o fogo rugindo ao seu redor.

— Para onde vamos? – ela perguntou finalmente, em um fio de voz, e ele a encarou surpreso, como se a pergunta da ministra fosse tola demais ou óbvia demais.

— Para onde mais? Você não disse que condenaria sua alma para me ter? Vamos para os abismos então, você já sabe disso. – a resposta de Esmeraldo fez com que Claudia se lembrasse de algo distante, e ela meramente fez um sinal de compreensão, conformada e parecendo não entender exatamente o que aquelas palavras significavam.

— Oh – ela suspirou mas Esmeraldo voltou a beijá-la e ela, sem saber como, entendeu que já estava morta, sua alma já deixara o mundo e estava agora presa para sempre, condenada. Mesmo assim, Claudia não o afastou e apenas deixou-se ficar ali, extasiada, aproveitando cada segundo daquele beijo, acreditando que duraria por toda a eternidade.

Mas Esmeraldo afastou-se dela de repente, assustando-a e encarando-a sem emoção.

— Vou voltar para casa, ministra. – ele disse e ela arregalou os olhos, o desespero ameaçando invadi-la.

— Para onde? Vai me deixar? – ela encarou-o suplicante e ele deu de ombros, mais uma vez agindo como se Claudia dissesse algo bobo ou sem qualquer lógica.

— Não pode existir felicidade aqui, lembra? Já a trouxe para cá agora preciso ir.

— Você também deve ficar! – a resposta taxativa fez Esmeraldo arregalar os belos olhos e encarar a ministra incrédulo.

— Eu? Não, foi você quem condenou sua alma, não eu. Meu papel era só trazê-la até aqui, agora preciso voltar. Não sabia disso?

No segundo seguinte, Esmeraldo havia sumido e Claudia, completamente pasma, olhou ao redor e viu-se em uma cela, muito parecida com aquelas do Palácio da Justiça, tendo total certeza de que aquele era um cárcere infernal de onde nunca mais sairia. O pavor finalmente a venceu e a ministra caiu de joelhos, as lágrimas rolavam sem parar, e ela acordou, o rosto lavado por um choro convulsivo, a lareira ainda acesa.

— Salve-me! – Claudia olhou para cima, para o crucifixo fixado acima da lareira, rezando desesperadamente – Livre-me dessa tentação! Quanto tempo mais terei de suportar isso? Por favor, não me deixe condenar minha alma! Salve-me!

Claudia caiu de joelhos, os olhos cravados na imagem do Cristo crucificado, ela tentou rezar por horas a fio, o dia já clareava enquanto ela ainda tentava, mas lhe faltava fé e suas preces não pareciam encontrar ouvido algum capaz de escutar.

“Minha fé era tudo o que eu tinha, tudo o que eu mais prezava, e agora me falta! Agora, no momento em que mais preciso!” ela pensava, e essa sensação de abandono oprimindo-a tanto que suas próprias forças pareciam ceder.

— Salve-me! – ela disse alto, estendendo a mão, implorando por auxílio, sua visão turva de cansaço.

Apenas o silêncio respondeu, e pensamentos sombrios invadiam a mente da ministra, dizendo-lhe que estava só, que estava perdida, que aquele sonho era profético e que Deus jamais a ouviria agora. E ela infelizmente acreditou, o choro tão intenso que a criada ouviu e correu até a sala onde Claudia estava, o corpo sacudido por soluços. Mas quando a mulher abriu a porta, só encontrou o corpo inerte da ministra estendido no chão, frio como pedra.

— Um médico! – ela gritou, virando-se em direção à porta – Chamem Monsieur Dunois! Rápido!

Outro criado ouviu e, em poucos minutos, Leon entrava correndo até sala de estar, os olhos arregalados de espanto e sentindo um golpe doloroso no peito quando encontrou Claudia no chão, inerte, pálida como se estivesse morta.

— Madame Frollo! – ele correu para ela e pegou-a gentilmente nos braços, sua voz era quase um sussurro e seu olhar estava repleto de carinho – Por Deus, o que aconteceu com você?

— Eu a ouvi chorar, monsieur Dunois, ela parecia desesperada com alguma coisa mas, quando eu cheguei, a ministra já estava desmaiada. – a criada relatou, alvoroçada, e Leon ergueu-a cuidadosamente do chão para leva-la até sua cama.

— Será que foi um pesadelo? Ela tem costume de dormir ali? – a médico questionou.

— Ultimamente sim. A ministra fica por muito tempo na sala de estar, quieta, contemplando a lareira, o rosto sombrio.

— Aquela sala estava muito quente e aquela poltrona não é própria para dormir. Não seria de surpreender que madame Frollo tivesse pesadelos e que desmaiasse por causa do calor e das emoções violentas. Não a deixe mais dormir ali se puder, madame.

— Farei o que puder, monsieur Dunois, mas ultimamente a ministra Frollo não escuta ninguém. Ela anda tão mal humorada e abatida! Pobrezinha, eu nunca a vi assim em toda a minha vida, e olha que eu a vi nascer.

Leon ponderou aquilo tudo enquanto finalmente chegava até os aposentos de Claudia e a deitava gentilmente na cama, erguendo os pés dela acima da altura da cabeça, encarando seu rosto lívido com um misto de ternura e compaixão.

— Traga um pouco de água fresca e alguma coisa alcoólica, por favor. – o médico pediu e a criada retirou-se dali em um segundo, cumprindo com diligência a ordem recebida.

Enquanto esperava, Leon ainda encarava o rosto pálido de Claudia e, quando deu por si, estava segurando sua mão, apertando-a carinhosamente.

— O que está acontecendo com você, Claudia? – ele disse baixinho, uma vontade cada vez maior de abraça-la, de ampará-la, protege-la daquele tormento que ela vivia, fosse ele qual fosse – Por que não confia em mim e me diz por que sofre tanto?

Claudia continuava inerte, fria, o rosto ainda congelado na expressão de tristeza causada pelo choro. Leon estendeu devagar a mão, em dúvida se podia ou não tocar o rosto dela, desejando com todas as forças que pudesse fazer isso mas sem coragem para tanto, já que Claudia, se estivesse acordada, certamente não lhe permitiria aquele gesto. Suspirando, o médico retirou a mão mas continuou a admirá-la.

— É linda mesmo imersa em tamanha tristeza... – ele sussurrou carinhosamente e, como se uma luz fosse acesa para ele, iluminando algo óbvio mas até então ignorado, Leon percebeu que estava apaixonado por ela. Essa conclusão o fez sorrir um pouco incrédulo e ele comentou, entre carinhoso e divertido – Sou um bobo mesmo. Como não percebi isso até agora? E será que deveria ficar feliz ao descobrir o que sinto? A senhora sempre tão fria comigo... Sou um tremendo azarado, talvez, mas agora mesmo é que não a deixo aqui sofrendo sem ajuda-la. Pode não me amar mas ainda precisa de um amigo, não é? Pode nunca me amar mas isso não vai me impedir de fazê-la feliz da forma que eu puder.

Muitos poderiam estranhar a atitude de Leon, dizer que é uma fantasia, que ele estava apenas dizendo coisas da boca para fora. Outros ainda poderiam pensar que ele é um tolo, que seria absurdo querer fazer feliz uma mulher que poderia vir a rejeitá-lo, mas assim era Leon de Dunois, criado em uma família onde a bondade estava no sangue, onde a virtude era cultivada desde o berço. Leon era uma dessas pessoas raras, como que escolhidas a dedo pelo próprio Deus para virem à terra e semearem apenas o bem. Por isso mesmo ele agora encarava sua amada com carinho, desejando com todas as forças apenas vê-la feliz, sem pensar se ela o rejeitaria ou não.

Além disso, Leon desconfiava do motivo da tristeza de Claudia, ele ainda não havia esquecido da conversa com Phoebe e da hipótese que ela levantara sobre ser Esmeraldo a causa daquela dor. O médico tinha cada vez mais certeza de que Claudia estava completamente apaixonada por aquele cigano, ele mesmo sentia que isso cravava um espinho em sua alma mas, se fosse verdade, isso não eliminava o fato de que ela ainda precisava de ajuda, de um amigo, de consolo em meio a um tormento que era difícil de suportar.

Mas os pensamentos do médico foram interrompidos quando a criada retornou ao quarto trazendo uma tigela com água, um pano limpo e uma taça de vinho. Leon rapidamente molhou o tecido na água e encostou-o à testa de Claudia, em sua nuca e em seus pulsos, aguardando ansioso. Lentamente a ministra foi voltando a si, encarando confusa o local onde estava, a criada e Leon.

— Beba isto, ministra Frollo – o médico estendeu para ela a taça de vinho e Claudia bebeu sem dizer palavra – Como se sente agora?

— Lenta, a cabeça dói – ela respondeu sem forças, fechando os olhos doloridos.

— Já vai melhorar. Basta ficar aqui um pouco e logo voltará ao normal. – Claudia ouviu as palavras de Leon e sentiu alguma paz ao escutar aquela voz tranquilizadora. A presença dele, ela tinha de admitir, era reconfortante, mesmo que a ministra não entendesse exatamente o porquê. Mas com Leon ali era fácil acalmar a mente e ela rapidamente dormiu de novo, dessa vez sem sonhar.

Quando notou que Claudia estava melhor e que agora parecia dormir bem, o médico levantou-se, encarando-a mais uma vez com muito carinho, e deixou o quarto, mas seu coração se sentiu apertado assim que ele fechou a porta atrás de si. Seria difícil, talvez, viver longe de Claudia agora que sabia o que sentia por ela.

Assim que acordou, a ministra levantou-se decidida. Estava melhor, mais forte e lúcida, mas bastou alguns segundos para que a lembrança de Esmeraldo, de seu beijo, mesmo em sonho, de seu olhar ardente, voltasse à sua mente e para que o fogo da lareira se acendesse em suas veias. A ministra resolveu tentar mais uma vez. Ela iria a Notre Dame ao cair da noite, falaria novamente com Esmeraldo, pediria perdão pelo que tentara fazer, pela chantagem, pela mentira a respeito de sua sentença de morte, e talvez isso o acalmasse. Talvez ele a perdoasse e, quem sabe, não a desprezasse mais.

Mesmo em seu gabinete, mesmo diante de tantos deveres a cumprir, a ministra não conseguia manter-se concentrada, Esmeraldo não lhe saía da mente não importava o que Claudia fizesse. Ela chegou a cogitar a possibilidade de chamar monsieur Dunois ali novamente para lhe receitar algum calmante que fizesse cessar aquele caos mas o medo e a vergonha a impediram. Como diria a ele o que estava vivendo? Como admitir para alguém que a conhecia tão bem e tinha dela uma imagem de retidão e castidade, que estava atormentada por uma paixão violenta cujo alvo era um feiticeiro cigano? Claudia suspirou, vencida. Não adiantava: ou Esmeraldo cedia ou ela enlouqueceria uma hora ou outra.

— Deixe que ele seja meu, que seja meu esposo para que não cometamos pecado, para que eu não precise condenar minha alma! – ela rezou, desesperada, mais uma vez buscando forças em sua fé que minguava cada segundo diante do desespero crescente – Por favor, que ele seja meu. Que eu o faça feliz, que ele então aprenda a minha religião, torne-se um homem correto, mas que seja eu, com meu amor, a trazê-lo para o bom caminho. Mas, por favor, que ele o decida logo ou que esse tormento acabe! Não suportarei isso por mais tempo! Tenha piedade de mim!

A resposta de sua consciência era taxativa e ela não queria ouvir, isso a desesperava ainda mais: “Ele não será seu. Peça a Deus um marido, Ele lhe indicará aquele que de fato a fará feliz, mas você e Esmeraldo jamais seriam um casal harmonioso. Desista, confie em Deus, Ele vê sua dor e a consolará, mas que se faça a vontade dEle, não a sua!”

— Por favor! – a ministra suplicou, a ira crescendo em seu peito, a mente incapaz de raciocinar com clareza ou razoabilidade – Por que um marido diferente de Esmeraldo se é a ele que eu amo? Por que sinto tudo isso por ele? É a troco de nada que sofro tanto?

Esse conflito arrastava-se por intermináveis minutos e somente quem amou tanto sem ser amado e se viu à beira de um abismo por conta disso pode entender o que se passava naquela mente perturbada e desolada. Claudia estava irredutível, não queria aceitar outra escolha que não fosse o “sim” de Esmeraldo, mesmo sabendo o quão tolo e impossível isso era. Mas uma mente tão acostumada à frieza e calma, mesmo que forçada, não lida bem com emoções tão violentas e repentinas. Parece que uma nuvem a cega, rouba a coerência dos pensamentos, trava-a e a impede de ver saída. E foi nesse estado quase alienado que Phoebe de Chateaupers encontrou a ministra Frollo quando entrou em seu gabinete.

— Ministra Frollo, trago más notícias. – a garota começou, contendo a um custo enorme a ira, a vergonha, a decepção e a incredulidade por conta do que teria de relatar em seguida.

— Fale. – foi a resposta seca que recebeu da superior.

— O cigano Esmeraldo escapou de Notre Dame. – se tinha que dar aquela notícia, então Phoebe escolheu fazê-lo à sua maneira, direta e pragmática.

Claudia, que não estava olhando para a garota, ergueu a cabeça lentamente e cravou nela seus olhos cinzentos, arregalados de surpresa e ira.

— O quê? – a ministra disse em um fio de voz, incapaz de acreditar no que ouvia.

— Ele não está em nenhum lugar da catedral! – Phoebe esclareceu, agora incapaz de disfarçar a sensação de derrota que sentia por ter sido passada para trás daquela maneira – Ele... sumiu.

Claudia ergueu-se bruscamente de sua cadeira, assustando Phoebe, os olhos cinzentos em chamas e uma fúria tão poderosa que teria feito muita gente tremer de medo.

— Mas como?! – ela socou a mesa com força, os olhos ainda cravados em Phoebe, que não soube o que responder – Como deixou isso acontecer?

— Havia guardas em todas as portas, eu mesma garanti que Notre Dame fosse vigiada dia e noite, mas ele escapou de alguma forma, ministra, provavelmente usando algum feitiço, já que estamos falando de Esmeraldo. Aquele cigano é capaz de coisas que não imaginamos, de enganar pessoas sensatas e de mentir descaradamente! O que é mais uma artimanha para alguém que parece tão acostumado a elas?

O evidente rancor na voz de Phoebe despertou a atenção de Claudia e a juíza encarou-a com olhos de águia, adivinhando corretamente que a garota sabia mais sobre Esmeraldo do que ela deixava transparecer.

— O que quer dizer com isso, capitã? – a ministra questionou, deixando que a garota dissesse a ela o que precisava dizer ao mesmo tempo em que temia o que poderia descobrir e o que poderia fazer se uma hipótese perturbadora que invadira sua mente se confirmasse.

— Ele me enganou com aquele olhar inocente e eu pensei que aquele maldito feiticeiro fosse inocente. – Phoebe despejou finalmente, a raiva incontrolável fluindo e cada palavra - A senhora parece odiá-lo, certamente ele lhe fez algum mal bastante grave pois vi como deixou Notre Dame alguns dias atrás. E sua afilhada parecia encantada demais com ele ao vê-lo dançar no dia em que quase o prendi. Aquele homem é maligno! Ele perverte a mente das pessoas! Ele precisa ser parado antes que mais inocentes caiam em sua teia!

Claudia ouvia aquele desabafo trêmula de fúria. Ela detestava o modo como Phoebe falava de Esmeraldo, com tamanha ira e rancor, temia descobrir o que realmente acontecera entre ambos pois, sim, a ministra percebeu que algo havia acontecido, e sentiu uma onda gigantesca de ódio por aquela garota a ponto de sentir que faria uma tolice se ela ficasse mais tempo ali.

— Saia. – a ministra ordenou em um sussurro furioso. Phoebe piscou sem entender.

— Perdão...?

— Eu disse para sair! – Claudia ergueu a voz, os punhos tão fechados e as unhas tão enterradas na pele que suas palmas estavam a ponto de sangrar. Phoebe, assustada, deixou o gabinete da ministra e sumiu dali sem olhar para trás, o ego mais ferido do que nunca.

Quando se viu sozinha, a juíza andou até a janela e encarou Notre Dame, uma onda de desespero a invadiu. A fuga de Esmeraldo era, definitivamente, demais para que ela pudesse suportar.  A preocupação pela segurança dele, junto com um desejo incontrolável de vê-lo, de tocá-lo, além da lembrança tão vívida do sonho daquela noite, tudo isso atirou Claudia em um estado lastimável.

— Vou achá-lo! – ela andava de um lado para o outro como uma fera enjaulada, desesperada, furiosa – Vou achá-lo nem que eu tenha que queimar toda Paris! Cigano maldito! Não sabe o que fez comigo ao fugir, ao me deixar sem saber se algum dia o verei de novo! Não sabe em que tremendo desespero me atirou sem piedade!

“Ele precisa pagar pelo que fez!” o lado mais obscuro de sua mente gritava, exigia, e Claudia concordou. Ninguém a lançava em um abismo tão desesperador como aquele e permanecia livre, sem prestar contas.

— Seu bruxo maldito! Seu fogo negro arde em mim sem descanso, você me enfeitiçou a ponto de eu arriscar a salvação da minha própria alma por sua causa e agora simplesmente some, incapaz de arcar com as consequências do que fez! – a ministra parou, respirando ruidosamente, o pior lado de sua alma vencendo aquela batalha, seu rosto tornando-se a imagem viva da ira e de tudo o que sente uma alma condenada – Eu fiz a minha escolha e agora é a sua vez. Será punido como o bruxo que é! Ou escolhe a mim ou ao fogo! Ou será meu ou vai arder!

À frente de Claudia erguia-se um magnífico crucifixo, o rosto tão vívido que parecia ser real. Assim que disse a última palavra, Claudia ergueu a cabeça e foi essa a imagem que viu: o crucifixo a encará-la, a questioná-la, a dizer a ela que corria perigo mortal se continuasse nesse caminho escuro. Mas a ira e o desespero eram tão intensos que Claudia, encarando de volta a imagem, respirou fundo e, tomada por uma sinistra disposição, desafiou-o.

Ela rezara, suplicara, pedira ajuda, mas tudo o que havia recebido de seu Deus era o silêncio. E agora, para coroar aquela verdadeira tragédia, Esmeraldo escapara dela. A ministra sorriu com desdém, furiosa e vingativa, e encarou o grande crucifixo com todo o ódio que corria violentamente por cada fibra do seu corpo.

— Deus tenha piedade dele. – ela disse em um rosnado cruel, os olhos mal piscavam, arregalados, faiscando, o desafio claro em sua voz – Tenha piedade de mim também embora não teve até esse momento. Mas eu juro pela minha própria alma: ele será meu ou vai arder!

Na mesma hora o amplo gabinete da ministra Frollo lhe pareceu o local mais frio de toda a criação, sua alma sentiu que perdia toda a luz e esperança e, desesperada, reagiu, gritando por socorro. Mas quem a salvaria? Quem a libertaria dos grilhões de sua mente? Claudia acabara de desafiar o único que poderia libertá-la e agora estava só.

“Só”. Essa palavra acompanhou-a por toda a sua vida e, naquele momento de rebelião contra o próprio Deus, nada lhe parecia mais terrível, mais esmagador. Tudo o que Claudia tinha era sua fé. Foi sua fé que a salvou do desespero quando perdeu seus pais. Foi sua fé quem a guiou por bons caminhos até ali. Foi sua fé que manteve sua alma em paz mesmo nos piores momentos de sua vida. Mas agora ela renunciara a tudo o que tinha de mais precioso por causa de um feiticeiro. E mesmo assim não conseguia voltar atrás. Era como se uma sentença caísse sobre ela, uma sentença da qual não podia recorrer.

“Fez definitivamente sua escolha, agora aceite-a.” Uma voz sinistra ecoou na mente da ministra, ferindo-a de forma ainda mais profunda que a perda de Esmeraldo, enchendo-a de uma frieza mortal. E ela, exausta, vencida, apenas suspirou e voltou para seu lugar, diante da escrivaninha.

— Que assim seja.


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Notas finais do capítulo

Podem começar a ver a Claudia como o Frollo da animação, pelo menos até ela tomar juízo. Se ela tomar juízo algum dia.



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