A Tapeçaria escrita por CherryRed


Capítulo 2
Capítulo 1: Fontana di Trevi


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Espero que gostem do novo capítulo e já aviso que infelizmente não poderei postar regularmente por conta de pré-vestibular. Vou postar novos capítulos em breve. 

Bjs, 

Kitsu



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Os olhos verdes encaravam a fruteira à sua frente enquanto os dedos ágeis reproduziam traços precisos com o pincel na tela, cada detalhe dando mais realidade à figura e um aspecto curiosamente barroco ao que deveria ser apenas uma tigela cheia de frutas. Maçãs, uvas, pêssegos… Haviam diferentes formas e texturas, mas ela conseguia designar cada uma delas com maestria. Piscou rapidamente, tentando enxergar propriamente; sua cabeça e coluna começavam a doer, já não sabia se conseguiria pintar algo quando terminasse aquela tela. Mergulhou seu pincel na tinta escura e assinou o quadro, finalmente havia terminado e queria se jogar no chão e chorar, tamanha era seu cansaço. Ergueu a mão e um homem de aproximadamente 50 anos se aproximou, analisando com cuidado a obra e olhando para o objeto de referência com cautela por cima dos pequenos óculos redondos. Ele ajeitou sua postura e virou-se para a jovem.

—Cora, sua obra está excelente como sempre, seu realismo é surpreendente... –ela sorriu aliviada, limpando uma gota de suor que escorria por sua têmpora com as costas da mão direita. –Mas eu senti um aspecto meio sombrio, você aplicou muita pressão no pincel e usou tonalidades muito escuras. Está angustiante. –ele comentou e a jovem soube imediatamente para onde aquela conversa se direcionava. –Um verdadeiro artista se expressa através de sua arte e isso é uma prova de que algo não está certo com você... –Cora fitou suas mãos cabisbaixa. –O que houve, Cora?

            Ela umedeceu os lábios suavemente e encarou seu professor. Paolo Simbolico era um de seus professores preferidos, um homem íntegro e gentil com uma dedicação inigualável; os alunos se davam muito bem com o Senhor Simbolico e se divertiam com as histórias de sua juventude artística. Com Cora não poderia ser diferente, ela tinha uma admiração enorme por Paolo, que por sua vez a tratava como se fosse de sua família; algo extremamente reconfortante para Cora considerando o quão difícil sua vida tinha se tornado no último ano. Encarou os olhos escuros do homem e engoliu em seco. Não gostava de falar sobre o assunto, mas como tinha sido a última aluna a terminar o exercício e se via sozinha na sala com ele, resolveu desabafar.

—É minha mãe... –sussurrou. –A clínica ligou, me disseram que o estado dela está piorando e que ela precisará ser internada caso não volte a se estabilizar. –seus olhos marejaram e sentiu seus lábios inferiores tremerem, mas o nó em sua garganta a impedia de chorar propriamente. –Para a melhora dela, eu precisaria pagar uns medicamentos caros, mas eu não tenho dinheiro para me manter aqui em Roma e ajudá-la ao mesmo tempo... –continuou. –Vou precisar abrir mão da faculdade e voltar para o Texas.

            Paolo a encarou boquiaberto, sentando-se em um banquinho próximo ao dela.

—Eu sinto muito, Cora, não imaginava que o estado de Teresa podia piorar ainda mais. –ele a puxou para um abraço, mas ela não conseguiu ter forças para chorar. Estava mentalmente exausta e sabia que só desabaria quando ficasse só. –Mas não pode desistir do curso de Artes! Cora, você já pagou o próximo ano inteiro adiantado e isso aqui é tudo pra você! –o professor afastou-se a encarou.

—Eu sei, Senhor Simbolico, mas eu não posso deixar minha mãe em uma situação delicada por culpa do meu curso de artes... –falou respirando fundo.

—Faltam 3 meses para o período letivo acabar. –comentou Paolo. –Eu não vou deixar você ir para o Texas, sabemos que sua mãe não iria querer isso. Vamos dar um jeito, eu prometo, só temos que pensar em um trabalho para você. –disse.

                Cora soltou uma risada anasalada.

—Eu já trabalho, Professor. Eu sou responsável por manter a Biblioteca da Faculdade organizada e fiscalizar todos os livros que entram ou saem de lá, isso me mantém em Roma. –por mais que não suportasse ter que organizar a bagunça que os outros faziam, gostava de estar em contato com tantos livros novos e antigos porque era uma forma de se esquecer de todos os seus problemas. Além do mais, por ser um trabalho calmo, podia facilmente ler algumas obras durante seu turno, o que definitivamente era um bônus. –E não é como se fosse tão fácil assim encontrar trabalho sem ter muitas experiências anteriores, especialmente em outro país. –adicionou.

                O homem franziu o cenho e pensou por um momento, arregalando os olhos e sorrindo alegremente.

—A que horas acaba o seu turno na Biblioteca? –indagou.

                Cora ergueu uma sobrancelha.

—Às três da tarde de segunda à sexta, por quê?

—Eu tenho uma prima de segundo grau que tem um ristorante e ela, por acaso do destino, está à procura de uma nova atendente. –explicou animadamente. –Como o fluxo de clientes se torna muito grande após às cinco da tarde, ela precisa de mais funcionários durante esse horário para atender à demanda. Eu poderia passar seu currículo para ela, que tal? –sugeriu.

                Sentiu os olhos marejarem e pela primeira vez naquela semana fúnebre, Cora Murrey sorriu verdadeiramente.

—Eu adoraria, Senhor Simbolico. –agradeceu; ele era uma das poucas pessoas que se importavam com ela e isso aquecia seu coração, além de lhe encher de determinação para seguir em frente. –Mas não precisaria ter experiência com isso?

                Ele deu de ombros.

—Ora, vamos, ela é minha prima... Tudo bem, de segundo grau, mas ainda é família e nós, italianos, levamos família muito a sério! –garantiu. –Ela pode abrir uma exceção para minha aluna favorita. –brincou.

—Senhor Simbolico, eu serei eternamente grata ao senhor por isso. De verdade, eu nem tenho como agradecer. -antes que pudesse continuar, seus olhos se fixaram no horário marcado pelo relógio da sala. -Ah, droga! Preciso ir, professor, meu turno começou e eu estou dez minutos atrasada. Bianca vai comer meu fígado, tenho certeza. -disse apressadamente enquanto guardava seu material e agarrava sua bolsa de couro sintético. 

    Despediu-se brevemente e literalmente correu pelos corredores da enorme e antiga faculdade, torcendo para que Bianca estivesse de bom humor naquele dia (e por bom humor ela queria dizer deixando pilhas e mais pilhas de livros a serem organizados); gostava muito de estar viva e prezava por sua saúde, logo tentava ao máximo não pisar no calo da mulher. A maioria das pessoas que frequentavam regularmente a Biblioteca evitava ir até lá durante o expediente da italiana, dando preferência aos dos outros funcionários do local porque também prezavam seu bem estar. Diziam que Bianca era uma mulher grosseira, arrogante e insubordinada, o que ela de fato era. Apesar de tudo isso, a faculdade por algum milagre (ou maldição do capiroto) a mantinha como chefe do setor, para a desgraça do corpo estudantil.

Cora sentia suas pernas doerem por conta dos constantes e intermináveis choques contra o chão duro, mas não poderia parar por um minuto sequer ou poderia piorar as coisas para si mesma. Ao se ver em frente à grande porta de madeira envernizada, suspirou aliviada, agora só precisava se recompor antes de entrar. Arrumou-se rapidamente e mirou seu reflexo nos pequenos detalhes de vidro da porta, garantindo que seu cabelo estivesse minimamente decente e não como se ela tivesse corrido uma maratona. Quando entrou, estranhou não ver sua chefe no balcão do lado oposto à entrada, mas como a cavalo dado não se olha os dentes, simplesmente colocou sua bolsa dentro do pequeno armário abaixo do balcão e pôs-se a  pegar alguns livros para começar seu turno. Ainda assim, era bizarro não ter sinal algum de Bianca, que poderia ter acontecido para que a mulher não estivesse ali? Apenas balançou a cabeça. Não era da sua conta, estava ali para supervisionar a Biblioteca, não para fofocas. Além do mais, ela devia apenas estar de olho em um ou outro casal dando uns amassos em um algum canto do local, como sempre acontecia. Cora riu; eles sempre eram pegos pela harpia e mesmo assim faziam da Biblioteca o seu motel.

Conforme ia colocando os pesados livros em seus devidos lugares, a jovem pôde ouvir vozes sussurrando, pareciam irritadas com alguma coisa. Deu de ombros, provavelmente era algum casal discutindo relação em plena Biblioteca, nada incomum. Todavia, assustou-se ao ouvir um baque de algo contra a parede. Colocou o restante dos livros em uma mesinha próxima à estante ao seu lado e esgueirou-se contra ela, indo sorrateiramente até a área de onde o som tinha surgido. Em um ponto cego do local, se encontravam dois homens altos, um moreno de pele levemente bronzeada e um loiro pálido,  uma mulher muito bonita de cabelos rosados, e prensada contra parede estava sua chefe, Bianca Sardini. Os cabelos negros e curtos estavam completamente desalinhados, seu rosto estava sem cor e o seu semblante era de puro terror, um contraste bizarro com seu usual comportamento altivo e confiante. Cora arregalou os olhos verdes e levou uma das mãos aos lábios, reprimindo um grito. 

‘Que porra é essa?’ pensou ela. Por que Bianca não gritava? Quer dizer, tudo bem que ela estava em menor número contra os três, mas ainda podia tentar berrar por ajuda… Ao menos era o que ela própria faria.

—Sabe, Sardini, se tem uma coisa que a Passione não perdoa é traição… -começou a mulher de cabelos rosados. Ela era um pouco mais baixa do que Cora, mas sua postura faria qualquer um ali se encolher, era fria como gelo. Cora a analisou rapidamente; tinha vibrantes olhos verdes, lábios bem desenhados e usava roupas… Bem, definitivamente caras. Era muito bonita, mas parecia perigosa. -O Chefe soube que você tem trabalhado como agente dupla… 

    Bianca desesperou-se.

—Não, eu não… -ela começou a tremer freneticamente.

—Cale sua maldita boca e ouça bem o que vou te falar. -rosnou. -Você sabe que eu poderia acabar com você aqui mesmo… -comentou como quem fala sobre um dia nublado. -Mas por ordens do chefe, você e a escória que te deu o suporte se apresentarão perante ele e o resto da “comunidade”. 

    Desesperada, a mulher começou a se debater, tentando soltar-se dos homens que a prendiam, apenas para ser segurada ainda mais firmemente e ter a mão da outra ao redor de sua garganta. Os olhos castanhos de Bianca, por coincidência do destino, fixaram-se em Cora (que naquele momento já estava quase tendo um ataque cardíaco) e ela indicou um livro largado no chão com seu olhar, o que passou despercebido pelos três por ela estar praticamente desmaiando e completamente desesperada. Bianca sussurrou algo que Cora não compreendeu, mas logo foi repetido por um dos homens.

—Harita? -indagou o moreno. -Que cacete é harita? -virou-se para o loiro.

—Ela deve estar começando a ter falta de oxigenação cerebral, melhor soltá-la, Trish. -aconselhou ele.

    A tal Trish encarou Bianca com ódio, apertou seu pescoço com mais força e finalmente soltou, recompondo-se logo em seguida. Enquanto isso, Bianca dava profundas lufadas de ar, lutando para manter-se viva e acordada. Cora estava perplexa, Bianca “Harpia” Sardini era ligada à Passione, vulgo a mais influente máfia italiana, e ainda por cima era agente dupla?  Isso não fazia sentido algum. Observou Trish se aproximar do botão de alerta de incêndio e apertá-lo, fazendo sirenes tocarem e os sprinklers liberarem água, molhando todo o lugar. O homem moreno pegou o corpo quase desfalecido de Bianca em seus braços e os três saíram pela porta corta-fogo, um local escondido por onde ninguém passaria. Cora continuava parada olhando para o lugar onde eles haviam estado há alguns segundos. Não sabia se era por medo de tê-los de volta novamente ou se pelo choque de ver sua chefe babaca ser sentenciada à morte. Claro, ela nunca tinha feito questão de mudar de comportamento e tratava os outros feito merda, mas mesmo assim vê-la ser levada ao chefe da Passione era algo aterrorizante e Cora não desejava isso nem mesmo para ela.

    Quando sentiu sua blusa começar a ficar pesada devido à quantidade de água retida, Cora despertou e caminhou até o livro de capa marrom café, pegando-o rapidamente. Tinha algo muito importante nesse livro, caso contrário Bianca não teria dado indícios de que deveria pegá-lo… E além disso ainda havia a última palavra dita pela mulher. Harita. Não sabia o que era, mas descobriria o mais rápido possível. Correu até sua bolsa e partiu em direção à saída principal da Faculdade, precisava sair dali o mais rápido possível, já que não tinha segurança o suficiente para ver o que tinha naquele livro.

    Assim que saiu do edifício, foi até o estacionamento. Precisaria de sua lambreta para ir até o centro de Roma, uma vez que precisava de um lugar confiável, calmo e preferencialmente seco para analisar aquela situação. 

    +++

    A Fontana di Trevi era um lugar esplêndido e mágico, especialmente para Cora. A vista que tinha dela da gelateria em que se encontrava dava um ar ainda mais magnífico à fonte, principalmente pelo sol da tarde estar incidindo suavemente sobre as águas, que iluminavam as esculturas ali presentes. Agora, bem mais seca do que antes, a jovem estava em condição de pensar sobre o ocorrido de mais cedo sem surtar. Pegou o livro e uma lapiseira, preparada para fazer as anotações necessárias e deu graças a Deus pelo livro ter uma capa de couro com um fecho de metal, pois conseguiu se proteger dos sprinklers. Mas não podia dizer o mesmo sobre os outros livros da Biblioteca.

    Sentiu o smartphone vibrar ao seu lado e tirou-o da bolsa, vendo dúzias de mensagens não respondidas de Cantuccini. Rosalinda Cantuccini era sua melhor amiga e foi quem mais a ajudou desde sua mudança para a Itália. Era extremamente calma e delicada, o que balanceava a personalidade energética de Cora. Abriu o aplicativo de mensagens e rapidamente respondeu:

‘Desculpa, tive um compromisso de última hora aqui no centro e esqueci de te avisar. Estou bem, saí assim que as sirenes começaram a tocar então eu não me molhei tanto. Te vejo depois.’

    Assim que terminou de digitar, voltou sua atenção para o livro em cima da mesa de madeira. Folheou-o cuidadosamente, prestando atenção nos mínimos detalhes enquanto tentava, sem sucesso, descobrir o significado de Harita. Não havia nada de suspeito naquele livro, muito pelo contrário, era tão comum que Cora queria arrancar os próprios olhos de frustração; será que Bianca tinha decidido humilhá-la uma última vez ao fazê-la procurar por algo inexistente? Não duvidava. Aquele livro não passava de um dicionário de Português, era ridículo pensar em encontrar uma pista ou sei lá o que ali. Bufou alto e se esparramou na cadeira.

—Dicionário idiota. -murmurou pegando um punhado de folhas e jogando-as para o lado. 

    Todavia, algo chamou sua atenção. Na página de letra M, a palavra mapa estava sublinhada e parecia que algo havia sido escrito, mas logo apagado, ao lado dela. Tentou enxergar algo, mas nem mesmo as marcas de letra estavam visíveis. Frustrada, passou a mão pelo rosto e teve a súbita ideia de procurar a mesma palavra em outras línguas pelo tradutor. Riu desacreditada de sua própria burrice, estavam em 2011, o Google tinha respostas para absolutamente tudo que quisesse (exceto o por que de seu pai ter ido “comprar cigarro”). 

—Daddy issues de cu é rola. -afirmou para si mesma enquanto traduzia ‘mapa’ para todas as palavras possíveis. Pensar em seu pai era uma bosta e ela evitava ao máximo pensar nele. -Achei! -gritou, chamando atenção de todos dentro da gelateria. -Harita é mapa. Ela tava me indicando um mapa… Mas onde…? A coordenação de Geografia! Burra pra caraca! -jogou suas coisas dentro de sua bolsa, pegou as chaves da lambreta e rumou à saída do estabelecimento.

    Estava tão absorta em seus pensamentos, que sequer percebeu um pombo alçando vôo perto de si, o que a fez se assustar com a proximidade do animal com seu rosto. 

—POMBO FILHO DA PUTA! -gritou irritada enquanto continuava andando e se chocava contra algo.

    Quando percebeu, já estava indo em direção às águas da Fontana di Trevi junto a um vulto muito alto. Ouviu-se um alto splash e o contato da água fria contra sua pele quente, já sabia que tinha entrado água em seus ouvidos. De repente,sentiu uma movimentação na água e mãos fortes ajudando-a a se levantar. Ao abrir seus olhos, viu um homem musculoso, bonito e ensopado a encarando preocupadamente.

    De fato, a Fontana di Trevi dava sorte.


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