A canção de Sakura e Tomoyo: melhor chamar Sakura escrita por Braunjakga


Capítulo 40
A semente (parte II)




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/781584/chapter/40

Capítulo 38

A semente, parte 2

 

I

 

Palácio real de Madrid, Espanha

25 de dezembro de 2010

 

Era tarde. Os céus de Madrid estavam cinzas, sem um pedaço de sol. Uma fina camada de neve cobria as ruas da cidade. Tomoyo via tudo aquilo através das janelas opacas daquele carro luxuoso, com bancos de couro e bebidas à sua disposição. O veículo vagava lentamente pelas ruas da capital do reino, mas o coração de Tomoyo estava mais acelerado que uma Ferrari. Pegou o celular e viu a última mensagem que enviou para Felipe. Foi há três dias atrás, perguntando se estava tudo bem com ela. Visualizou e não respondeu no começo, mas depois de seis horas, disse um simples “estou”, visualizado rapidamente pelo namorado. Ele não perguntou mais nada, nem ela falou. Em sua mente, tudo o que tinha a ser dito seria falado naquele dia de natal. No fundo, no fundo, a estudante se sentia mal fazendo aquele jogo duro com ele. Em meio aos seus olhares ao vazio e seus pensamentos, o choffer chamou:

— Senhorita, já estamos chegando!  

Tomoyo desligou-se do vazio e pôs os olhos na realidade. O palácio real de Madrid era enorme, dez vezes maior que sua antiga mansão em Tomoeda. Lembrando-se dela, Tomoyo se lembrou também que aquela era a primeira vez que andava em um carro com motorista particular. Desde que chegou em Barcelona, passou a vida inteira andando de ônibus e metrô ou pegando carona com os amigos de faculdade, principalmente Felipe. Há alguns anos, depois de muito esforço, Sonomi foi promovida no emprego e ganhou um carro da empresa. Foi com ele que ela conseguiu tirar a carta. Só nos finais de semana que ela conseguia usar o carro, pois a mãe usava para trabalhar. Ela também quase não usava o carro da mãe, pois Felipe ora aparecia de moto trezentas, seiscentas cilindradas ou de carro para levá-la onde quer que ela precisasse.

Tomoyo tirou os olhos do palácio e olhou para o choffer, um senhorzinho simpático de cabelos brancos. Não se aguentou de curiosidade e perguntou:

— Seria falta de educação fazer uma pergunta para o senhor? 

— Depende, o que seria? 

— O senhor trabalha há muitos anos como choffer do rei? 

— Sou subtenente da guarda real. Faz mais de vinte anos que eu dirijo para a família real… 

— Então… o senhor já levou muitas garotas como eu para o rei?

O choffer sorriu com a pergunta.

— Garotas? Não, não! Felipe sempre foi um bom menino. Eu só levei uma garota pra se encontrar com El Rey, nos encontros secretos que ele tinha, longe dos olhares de Dom Jordi e Dom Miquel Tossel… 

— Encontros secretos? 

— El Rey não tem muita liberdade pra agir… O tio e o irmão dele controlam muito a vida dele… 

Tomoyo se calou por um tempo e se lembrou do que ele disse no momento em que lutavam contra o Interventor da Catalunha. Mas, depois, voltou a perguntar:

— O senhor sabe quem é ela? 

— Sei sim, mas vou deixar que El Rey fale… 

— O senhor não pode me dizer só um pouquinho? 

— Menina Tomoyo, tudo o que eu posso dizer é que ela tinha olhos puxados como os seus… 

Tomoyo arregalou os olhos e não disse mais nada. O carro passou pelos enormes jardins do palácio e parou numa porta simples, nos fundos da construção. Dois soldados com a farda azul marinho da guarda real olharam para os lados para ver se não vinha ninguém. Depois, eles abriram a porta do carro para Tomoyo passar. 

— Senhorita Tomoyo Daidouji? Por aqui, não temos muito tempo… — disse um dos guardas, segurando a mão dela. Eles correram com ela até um elevador discreto do lado do hall de entrada.      

  

II

 

Estava num escritório ricamente decorado com mobília antiga. Nas janelas, havia amplas cortinas pendurada num teto de cinco metros de altura. Nas paredes, um papel de parede cheio de bordados complementava o ambiente clássico e majestoso daquele lugar. Tomoyo gostou da estampa com motivos abstratos. Ela guiou o olhar pela parede até uma série de quadros que começava por uma mulher e começou a ler os nome na parte de baixo das bordas dos retratos: Dona Maria Montserrat, Dom Sergi Ferrer, Dom Albert Ferrer, Dom Andoni Ferrer e, por fim, o retrato dele: Dom Felipe Ferrer. Todos eles, recordou-se bem das aulas de história, eram reis e rainhas da Espanha.

A aparência dele no quadro era de um homem barbudo, usando uniforme de general do exército de terra, muito diferente do que Felipe aparentou esse tempo todo. Ela baixou os olhos e segurou a mão no peito até que ouviu a voz de Felipe:

— Tomoyo! — disse ele, entrando na sala com um carrinho de bebê nas mãos.

— Felipe! — A estudante se virou um pouco assustada. Ela reparou o carrinho e lembrou-se também das manchetes de mais de um ano atrás, narrando o nascimento da princesa Sophia. A mãe dela, a Rainha Helena Paleologos da Turquia, morreu quatro meses depois do parto. Três meses depois da morte dela, encontrou Felipe na praça da universidade, cabisbaixo e chorando. Foi o começo da relação dos dois.

— Tá escuro, não é? Deixa eu acender a luz… — Dom Felipe apertou um interruptor discreto na parede, que se confundia com a estampa do papel, e um imenso lustre de cristal no teto iluminou-se, revelando com mais clareza ainda alguns detalhes daquele escritório. Deu para ver a mesa de mogno da escrivaninha, diante da janela, e a imensa estante de livros, ao lado da mesa. E é claro, os cabelos de Felipe, curtos quando vistos pessoalmente, mas longos naquele retrato. Naquele instante, estava na frente dela o Felipe de cabelos longos do quadro.

— Seu cabelo… 

Felipe estalou os dedos e a imensa cabeleira deu lugar ao cabelo bem aparado que conhecia. Até mesmo a densa barba sumiu e apareceu o cavanhaque elegante novamente. 

— Magia? — perguntou a estudante.

— Sim… Pra viver uma vida normal, junto com os meus súditos. — respondeu o chefe de estado. Sorriram Mas depois os dois ficaram em silêncio. O bebê de cabelos dourados, encaracolados, quase brancos, despertou de seu sono e abriu os imensos olhos azuis para Tomoyo. Ela esperneou no carrinho e ficou agitando as mãozinhas, querendo pegar a roxinha. A costureira ficou tentada a agarrar a menina no colo.

— Princesa Sophia… 

— Quer pegar ela, Tomoyo? Pega, vai! Acho que ela gostou de você… — disse El Rey, sorrindo. A costureira não hesitou e foi logo pegando a bebê real no seu colo. 

— Olha que bonitinha é ela, Felipe! Ela é uma graça! Estou encantada por segurar uma princesa no meu colo! — disse Tomoyo, sorrindo mais do que sorria com Sakura usando uma roupa sua. Ela deu um abraço caloroso nela e a princesa se agitou mais ainda no seu colo, sorrindo, chegando a agarrar os longos cabelos negros dela.

— Ma… Ma… re! — disse a menina. Tomoyo arregalou os olhos.

— Do que ela me chamou? 

— Ela te chamou de “mãe”. — disse Felipe, sorrindo.

— Mas… mas… — disse Tomoyo, com o coração palpitando. Besta com a menina, nem percebeu quando, entre um balbuciar e outro, ela dava dentadas e mais dentadas no seu seio, tentando achar leite ali. Tomoyo ficou mais envergonhada e agitada com o gesto da menina. — Felipe, o que você tá ensinando pra ela? Olha isso! 

El Rey era só sorrisos. 

— Vamos dormir, Sophia, vamos dormir… — disse El Rey, pegando a filha de volta. Bastou El Rey tocar na menina para ela começar a espernear e chorar. Então, a costureira pegou-a de volta dos braços do rei. Ela riu e voltou a ficar agitada em questão de segundos, balbuciando a palavra que tanto envergonhou a roxinha:

— Mare! Mare! 

 

III 

 

Os três foram para os fundos dos jardins do palácio real. Tomoyo segurou a pequena Sophia em seus braços e ficou balançando-a, cantando canções do tempo que estava nos braços de sua mãe. Ela se acalmou um pouco mais, e a morena repousou-a no carrinho de bebê, ajoelhando-se no gramado. 

— Ela sempre é assim com todo mundo? — perguntou Tomoyo.

— Não… Só foi com você… — disse Felipe. A costureira ficou vermelha como pimentão mais uma vez. Aquele simples gesto, aquele contato com ela criou um elo emocional entre Tomoyo e a pequena que é difícil de descrever. Demorou-se um tempo vendo-a dormindo, os fios dourados encaracolados na face rosada, os pequenos lábios mordiscando os dedinhos. Sorriu sem vergonha nenhuma, com os dentes bem abertos.

— Você gostou dela? — perguntou o Monarca.

— Muito… Me dá vontade até de ser mãe! — disse Tomoyo, soltando alegria pelos cotovelos.

— A gente pode ter um só nosso, se você quiser… — disse Felipe, valente e ousado.

Tomoyo se levantou de perto do berço e encarou-o séria. Ainda havia assuntos a serem resolvidos entre os dois.

— Felipe, vamos dar um tempo, está bem? Eu ainda não estou com cabeça pra pensar na “gente”… Vamos parar pra pensar no que a gente quer um do outro antes de voltar a sermos o que éramos antes. — disse Tomoyo, segurando as mãos dele. O semblante de Felipe ficou um pouco mais triste. 

— Felipe, me entende! Eu passei minha juventude vivendo com empregadas e guarda-costas do meu lado. graças à Virgem de Montserrat, eu consegui ter uma vida normal aqui na Espanha, uma vida de suor, trabalho duro. Se eu me casar com você… 

— Eu vou te fazer a mulher mais feliz do mundo… — disse Ele Rey.

— Eu vou voltar a ter aquela vida de volta… Eu vou ter motoristas, seguranças… 

— A mais protegida do Reino… 

— Vestidos… 

— Os melhores estilistas… 

— Encontros com autoridades… 

— Vou te levar no Taj Mahal, no Kremlin, na Casa Branca… Você vão conhecer Sheiks e Imperadores… 

— Eu vou ser a pessoa mais odiada na Catalunya! Você já pensou o que meus colegas de trabalho vão pensar? Eu sou culé! Eu não vou poder ver um jogo do Barça mais! 

— Eu também nem posso, mas eu vejo mesmo assim! Disfarçado, é claro! — disse El Rey. Os dois gargalharam, mas depois se aquietaram por uns segundos até Tomoyo voltar com a conversa.

— Adorei todo esse tempo que eu vivi com você… Vou adorar acompanhar a Sophia, mas… Se você fosse mais honesto com as pessoas, honesto consigo mesmo, honesto com a sua família… — disse Tomoyo, com um pouco de pesar.

— Eu vejo… Eu já fui tão honesto com a minha família que eu recebi em troca essa cela de ouro… 

Os dois voltaram ao silêncio.

— Me responda honestamente: você me ama, Tomoyo? — perguntou Felipe VII, olhando sério para ela, os olhos claros bem vivos como os de Sophia. 

A roxinha não soube o que responder. Apertou os dentes, respirou fundo e sorriu para ele.

— Felipe, eu gosto muito de você, sério mesmo! Você é um homem fantástico, carinhoso e… 

— Mas você ama a Sakura, não ama?        

Tomoyo respirou fundo mais uma vez e respondeu sem pensar muito.

— Amo sim, Felipe, mais que tudo no mundo. Daria a minha vida pela felicidade dela… 

— Eu sabia… — disse Felipe, soltando suas mãos das mãos de Tomoyo.

— Mas, espera! Isso não significa que eu esteja sonhando com ela e… 

— Não minta pra você mesma, Tomoyo. Eu vi a sua conversa. Sakura é a única pessoa pela qual você se apaixonou de verdade. Você sempre sonhou com ela. Eu até entendo isso… Porque eu sei o que é me apaixonar de verdade e não poder viver isso…

— Eu te entendo, Felipe! É aquela moça de olhos puxados, não é? 

— Como você sabe!?

— O motorista me falou… 

Agora era El Rey que não sabia o que dizer. Ele sorriu para si mesmo e balançou negativamente a cabeça. 

— Ele temia que eu tivesse te enganando… Nada mais longe da realidade… 

— Você… Quer me falar mais sobre ela? 

— Agora não… Por favor, agora não…  

— Está vendo, Felipe? Nós somos dois frustrados no amor! Como eu não me daria bem com você? 

Os dois gargalharam. A pequena Sophia começava a despertar de seu cochilo, pressentindo que Tomoyo se afastava. Os olhos dela não estavam mais alegres, mas sim, marejados, prendendo o choro. 

— Ela é tão nova e já sente as coisas… 

— Tomoyo, eu entendo você… Eu entendo que você não queira nada a sério comigo agora, El Rey de Espanha, e, pra ser honesto, eu tenho muita coisa pra falar com você… Muita coisa mesmo… 

— Eu estou sentindo… — disse Tomoyo, se aproximando dele e tocando no peito dele.

— Sabe, eu quero reconstruir minha vida com você, mas enquanto você não souber quem eu sou, a gente não vai tá começando isso de uma forma honesta com um e com o outro… Verdade é tudo num relacionamento… — disse Felipe. Os olhos de Tomoyo brilharam como quando ela viu a princesinha.

— Felipe… Se eu fosse mais hétero… 

— Não faz falta… O amor é uma coisa muito esquisita desde quando esse negócio de amor começou…  — respondeu Felipe. Ele trouxe Tomoyo para si e deu-lhe um longo e prolongado beijo nela. A pequena agitou-se no seu carrinho, e dos dois ouviram os gaguejos dela. Separaram-se e a roxinha pegou-a em seus braços mais uma vez. Ela sorriu e abraçou o pescoço da costureira como se não quisesse sair de lá. 

— Olha… Eu trouxe uma camisa do Barça pra ela de natal…     

— Vai ser a primeira de muitas! Já fiz a carteirinha de sócia dela desde que ela nasceu! 

Tomoyo deu um beijo ardente na testa dela e tentou desprender-se dela. Foi difícil, principalmente depois que ela balbuciou o nome da costureira.

— Moyo! Moyo! — disse Sophia. — Pere! Pere! (Pai! Pai!) Moyo mare! (mãe) 

— Fia, eu estou precisando ir, está bem? A “mare” aqui promete que vai voltar para te ver… 

Depois de muito custo e muita conversa, a pequena se soltou, com a cara mais triste do mundo.

— Não faz essa cara! A “mare” trouxe uma camisa do Barça pra você! Não fica assim! Vamos lá: “Blaugrana al vent, un crit valent…” — Tomoyo começava a cantar os primeiros versos do refrão do hino do Barça para ela. Sophia pegou a camisa e ficou olhando-a sem desgrudar sequer a mãozinha e os olhos de Tomoyo. Passou-se mais algum tempo e, cansada, a princesa soltou-se de Tomoyo para ir para o colo do pai, chorando e gemendo, tentando berrar.

— Eu vou voltar, eu vou voltar! A gente vai se ver muito ainda… — disse Tomoyo. A pequena ficou esfregando os olhos e aspirando o catarro que caía do nariz. — Cuida dela, Felipe… 

O carro oficial em que Tomoyo havia vindo já estava lá novamente. Ela foi escoltada por dois guardas reais até o veículo, e até mesmo o jovem soldado que lhe abriu a porta do carro fez uma continência para ela. Ela sorriu, agradeceu o gesto e olhou para os dois mais uma vez, acenando da janela do veículo. Assim que o carro tomou velocidade, deu para ouvir o berro de Sophia atravessando os jardins. A costureira teve vontade de abrir a porta daquele carro novamente e correr para acalmar a pequena princesa. Ela tinha experiência com crianças, ajudou Sakura a cuidar do pequeno Chitatsu. Pela primeira vez, sentiu-se como uma “mare” deve sentir quando fica longe das suas crianças. Ela também não queria ter se despedido de Sophia tão cedo assim.

 

Continua… 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A canção de Sakura e Tomoyo: melhor chamar Sakura" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.