MIB - Homens de Preto: A Síndrome da Nação Humana escrita por Agente F


Capítulo 1
"E Viveram Ignorantes para Sempre"




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A igreja está lotada.

Os noivos trocam olhares apaixonados.

É uma cerimônia absolutamente tradicional. Todos estão nas devidas posições. Ao colocar a aliança nas mãos de uma aparentemente bela mulher, o noivo chora dizendo as palavras mais carinhosas da sua vida. Todos estão contagiados de alegria, pela beleza do momento.

Seria apenas mais um evento típico, não fosse pela natureza biológica dos noivos, a qual nenhum dos presentes convidados ainda conhece. E digo aparentemente bela mulher não apenas por ser aparentemente bela, mas também por ser aparentemente mulher.

O anel de aliança possui inscrições ao longo de seu corpo que lembram hieróglifos. A noiva recebe cada palavra que sai da boca de seu noivo com uma lágrima. Ela também coloca na mão dele a aliança com as mesmas inscrições. As duas diferenciam-se apenas pela cor. Por alguma razão, a dele é prateada, e a dela, dourada.

Ditas todas as palavras, é hora de selar a união. O padre à frente deles está eufórico. Um pouco preocupado, mas eufórico. Minutos antes, uma meia dúzia de homens com trajes que até lembram sua batina preta, entraram no local, alegando serem seguranças oficiais enviados de última hora pela prefeitura de Nova York, para o caso de um eventual incidente que possa desestabilizar o evento ou interferir em tão importante sacramento. O sacerdote foi obrigado – pelo reconhecimento da intimidação que aquelas figuras lhe proporcionaram - a simplesmente consentir, e até considerou o feito bastante apropriado.

Finalmente, o carismático senhor pronunciou:

— Eu os declaro... marido e mulher!

Os noivos se beijam. Todos aplaudem. Olhares brilhantes e sorrisos largos se fazem aparecer graciosamente.

Os supostos agentes de segurança parecem ficar a postos para alguma coisa. Todos eles levam suas mãos às escutas e pronunciam algumas palavras em baixo tom. De todos os presentes no local, eles são os únicos que parecem estar preocupados com algo, nesse exato momento.

Enquanto ainda estão se beijando, a pele do casal parece umedecer e rasgar. Coisas que parecem grandes ventosas, enfileiradas de maneira vertical em duas partes, saem de seu corpo, conectando-se uns às do outro. Suas figuras humanas parecem desbotar e caem ao chão, para o espanto de todos. Pessoas gritam de desespero. Olhos brilhantes de admiração e encanto dão lugar a pupilas diminuídas de medo e brilhos de espanto.

Os noivos aparentemente humanos revelam-se uma espécie de centopeias gigantes, que, ao encostarem suas ventosas umas às do outro, parecem literalmente grudar na superfície um do outro, enrolando-se entre si como um embuá ameaçado, e rolando pelo corredor da igreja até freiarem e repousarem girando sobre o chão.

Um dos agentes chama o padre para perto de si.

— Está tudo sob controle, padre. Eu assumo daqui.

Este é o agente J, com uma expressão de familiaridade, que faz as vezes de sacerdote, apercebendo-se de que a visão de seu terno, do púlpito para cima, faz-se tranquilamente se passar pela batina de um diácono.

— Saúdo a todos, irmãos, neste momento tão especial.

Do lado direito de onde J estava, sai a agente L, parceira de J, e se dirige em direção ao centro do salão, perto de onde os noivos ainda estão se beijando. L abaixa um pouco sua fronte para olhar para o casal de insetos apaixonados por sobre a lente dos óculos escuros. Depois volta-se para a direção de J.

— Quanto tempo dura um beijo queithiano?

J dá de ombros.

— Preciso voltar a ler a enciclopédia das raças invertebradas.

L lança a J um olhar de leve repreensão lúdica.

— Ah, pois é. Fui contratado por minhas habilidades de combate e não por conhecimento biológico de vidas extraterrenas.

L sorri para ele.

— Agora acho que já pode... atirar na direção das janelas. – continua J.

L retira uma arma subatômica de dentro de seu terno.

— Não! Com revólveres normais! Não queremos causar um estrago tão grande assim. – avisa J.

— Aff! Sem graça. – resmunga L.

Ela tira um pequeno revólver comum de outra parte de seu terno. Ela fica em posição de mira. Depois, parece hesitar um pouco.

— Preciso mesmo ter que fazer isso? Estamos numa igreja! – pergunta L.

— Ordens diretas do Zed, bebê. – lamenta J.

L faz o sinal da cruz e pronuncia algo para os céus antes de finalmente se permitir atirar contra cada uma das janelas do templo. O público do local simplesmente fica espantado, dando pequenos gritos, e lançando olhares suplicantes por uma resposta advinda de algum lugar sobre o que significaria tudo aquilo.

Um outro agente traz um buquê até L. Ela o joga com toda força possível para o alto.

J pede a atenção de todos. Todos olham em direção a ele. Enquanto isso, L vai rolando o casal para fora do templo, como se estivesse empurrando uma roda. J coloca os óculos escuros. Uma de suas mãos surge com o neuralizador.

— Olhem para esse pequeno dispositivo por um instante, senhores.

Uma forte e ampla luz toma conta do local. Em questão de segundos, a memória de curto prazo das pessoas foi apagada.

— Não se preocupem, pessoal. Parece que alguém que se impunha contra a cerimônia demorou mais do que o suficiente para se manifestar, e ainda o fez de forma criminosa, atirando para todos os lados, apenas para gratuitamente assustar todos vocês. Eu peço as mais sinceras desculpas pelo ocorrido. Nossos homens já estão cuidando do indivíduo que fugiu para não muito longe daqui. Um antigo desafeto do noivo. À propósito, os noivos estão muito bem. Infelizmente, tiveram que partir mais cedo para as núpcias. Que grande sacrifício, hein? (risos de J). Ah, olha o buquê!

As mulheres em pé olham para o alto.

O buquê está caindo, de volta.

As mulheres se aglomeram e pulam para pegar o buquê. Uma delas o apanha. As pessoas aplaudem. Ela se alegra.

J chama o verdadeiro sacerdote de volta ao púlpito. As pessoas estão mais calmas e nitidamente incomodadas, porém serenas.

— Fui chamado para dar algumas informações aos agentes. Fiquem com o diácono Jones agora. – diz J.

Um outro agente aparece, ao lado do padre, com um prato cheio de guloseimas para os convidados.

— Enquanto isso, aqui estão alguns aperitivos para todos. Devem estar famintos. – diz ele.

As pessoas rapidamente se animam, e levantam-se de seus bancos, para comerem.

Ao sair do templo, J contacta Zed através de um pequeno transmissor.

— Caso resolvido aqui. Precisamos providenciar novos trajes para o casal queithiano.

 

J olha um pouco para os lados. Depois, avista o seu carro, estacionado perto dali. Ele atravessa a rua e vai em direção a ele. Antes de entrar nele, olha um pouco mais ao seu redor.

— Aonde será que foi parar a L? – J se pergunta.

Ele abre a porta do volante e entra. Para sua surpresa, ela está sentada no banco do carona, ereta e quase imóvel, apenas esperando por ele.

— Só esperando por você, agente. – diz calmamente L.

J se assusta.

— Você é rápida, hein? – estranha J.

— Deixei os pombinhos num esgoto na rua ao lado. – acrescenta L – Pombinhos bem nojentos, por sinal.

J vai engatando as chaves no veículo e girando-as.

— E pensar que nós é quem somos os nojentos para eles. – relembra J.

— E, no entanto, convivem em nosso planeta; assimilam nossas leis, cultura, ritos e costumes; e vivem rodeados da maior parte da população nojenta para eles. – surpreende-se L.

J fica mudo.

Ele liga o carro e eles seguem.

Para quebrar o silêncio, L vira-se para ele.

— Então, estaria preparado para viver num planeta de insectoides gigantes, agente J?

— É... acho que não, L. – responde J.

— ... Fugindo para não ser esmagado por aquela multidão de patas, caso não fosse bem-vindo em algum... lar? – continua L.

J faz uma careta.

— Eu gostaria de nem ter que pensar nisso, L. Ah, e não gosto quando você me chama de “agente J” ao invés de apenas “J”. Quando usa o “agente”, é porque está querendo transmitir uma formalidade irônica.

— Claro, J. É verdade. Mas, diz aí, já pensou que aquelas baratas que você esmagou para salvar o K naquele dia tiveram que... pensar nisso?

J olha para L, desconcertado.

— O que faz de nós melhores do que eles, se, no final das contas, nossa galáxia poderia estar em um pequeno pingente do colar de um gato, pra início de conversa? Isso não nos torna... insetos, também? – questiona L.

J volta-se para prestar maior atenção ao trânsito.

— É, acho que sim, L.

— Desculpe se estou desconcentrando você. – interrompe-se L.

— Não, não. Tudo bem. – responde J - Você tem razão. Acho que não processei direito o que estava fazendo. Afinal, oras, era o meu primeiro dia como agente! E tudo o que importava naquele momento era salvar a humanidade! Foi por uma boa causa!

— Havia outro jeito de conseguir o pingente. Era só usar a outra arma pra atirar contra o outro disco, quando Edgar fosse usá-lo. – retruca L.

— Sabe que eu precisava atrair a baratona para uma distância menor, para não atingir o K. – diz J.

— Ah, é. Lembrei. K fez o imenso favor de literalmente pedir para a criatura o engolir.  – ironiza L.

— É. Eu precisava salvar o K. Ele era meu mentor. Eu não estaria aqui se não fosse por ele. – diz J.

— K! O egoísta que te deixou na mão para lutar sozinho com aquela barata gigante? E, ainda por cima, para pegar uma arma que ele nem precisaria usar depois, já que se aposentou? Brilhante! E num treinamento que durou um mísero dia? Mentor espetacular esse! Um poço de egoísmo e presunção. – reclama L.

J dá um risinho.

— K era imprevisível, com certeza. Digamos que até mesmo o sereno K tinha seus momentos de passionalidade. – considera J.

— Só alguns? – ironiza L.

J olha para ela bem fixamente. Ele se recorda de como K a neuralizou uma vez a mais do que o necessário, simplesmente por birra.

— Tá. Digamos que muitos momentos. Mais do que um agente poderia se permitir. – ele volta a olhar para frente. – Talvez por isso tenha se aposentado. Ele já estava dando sinais de cansaço emocional e estresse devido a essa vida louca de agente MIB. Afinal, há quanto tempo ele estava nessa? Ele foi um dos fundadores da agência!

— É. Que bom que percebeu que estava ficando velho! – comenta L.

J ri baixinho.

— Agradeço por se preocupar comigo.

— Pra que servem os parceiros? – responde L, com um sorrisinho.

J sorri de volta.

L ofega, adquire uma postura mais serena e menos ranzinza, e cruza os braços.

— Mudando de assunto, não acha horrível que alienígenas possam se casar, e agentes MIB não?

J coça a região abaixo do queixo.

— É o preço de ser um Homem de Preto.

— Não sei se isso faz muito sentido. – comenta L – Não somos muito diferentes dos padres que costumamos neuralizar em casamentos de alienígenas. Também temos que ser celibatários!

— Tem razão. Por motivos distintos, mas sim. - diz J, antes de voltar a olhar para ela. – Desculpe. Apesar da pertinência de seu questionamento, senti uma certa súplica em causa própria. Estou errado?

— A questão não é essa. A liberdade humana é inalienável, J. E somos obrigados a nos submeter a regras impostas, e pra quê? Para que aliens tenham mais direitos do que nós em nossa própria Terra? E a troco de quê? De mantermos as pessoas alienadas quanto à existência deles? Desculpe o trocadilho entre “alien” e “alienado”.

J para o carro em frente a um restaurante.

— Vem, vejo que está precisando desabafar um pouco. Que tal um jantarzinho aqui?

— Obrigada.

 

O garçom reconhece J, e sorri.

— Ah, senhor J! Por aqui, por favor.

— E aí? Como é que vai essa força, parceiro? – cumprimenta J.

O garçom os guia à mesa mais isolada do recinto. Quanto mais distantes as pessoas comuns estiverem de uma conversa de agentes MIB, melhor.

É uma mesa especial, reservada a agentes MIB. Ali é quase o point aonde todos os agentes vão jantar após o expediente. E claro, isso porque o dono do lugar é um alienígena. Ele meio que deve a eles sua vida e emprego na Terra. Convenientemente para J e L ou não, ali também é o lugar onde são reservados encontros românticos especiais.

Eles fazem o pedido. J pede para que L não se preocupe com o horário, apesar do local estar cheio. O chef do lugar prepara os pratos com a maior rapidez de todas. Não é à toa que é o restaurante mais badalado daquele bairro. O chef é um polvo do planeta Sechto. Mas nenhum dos clientes precisa saber disso. Com seus tentáculos, faz vários pratos simultaneamente. Os gastos com mais panelas, fogões e micro-ondas são compensados pela frequente e abundante freguesia.

J olha carinhosamente para L.

— Vida de agente não é fácil mesmo.

— Pois é. Hoje tive que quebrar vitrais de janelas de um lugar sagrado. Eram tão lindos! E isso não é exatamente razoável pra mim. Sou de uma família de formação católica e... por Deus, não tenho nem como me confessar! Eu teria que neuralizar o padre depois de fazê-lo. Ou deixar que ele pensasse que sou louca.

— Bom, pode se confessar pra mim. – brinca J. Pra que servem os parceiros?

— Pelo menos isso. – responde L.

— Estamos fazendo igual à Igreja na era medieval. Escondendo das pessoas a verdade. – comenta J.

— Exatamente! – diz L.

J apoia o queixo em uma das mãos enquanto olha para L.

— Ainda acha que tenho belos olhos?

— Como assim? – pergunta L.

J sorri.

— Eu nunca cheguei a dizer isso em voz alta. – diz L.

— Não depois da vida no necrotério. – responde J, com o semblante arteiro, como quem está gostando de brincar e sugerir coisas a quem está em busca de uma verdade.

— Você quer dizer que... já havíamos nos conhecido antes de Edgar me raptar?

— Sim. Nem sei se eu deveria estar falando isso, mas sinto que o momento pede que eu o faça. K neuralizou você.

L fica com olhar perdido, pela primeira vez.

— Então, de novo estamos falando no canalha.

— Ah, L. Sabe que faz parte do serviço.

— Eu havia visto um alienígena?

— Sim. É uma longa história. O dono da tal coleira do gato.

— Ah, claro. No necrotério.

L pega nas mãos de J.

— O que mais cheguei a falar para você?

— Não se preocupe, foi uma conversa rápida. Você havia detectado que não havia órgãos no corpo do morto, e aí descobrimos que era um modelo mecatrônico humano. Você achava que eu e K éramos peritos médicos que haviam sido enviados para lá.

— Sei...

— Não tivemos muito mais tempo para trocar palavras. K nos interrompeu bem no momento em que você estava prestes a falar algo sobre o que fazia à noite quando ninguém estava olhando.

L passa as mãos sobre a nuca e se retorce um pouco, envergonhada.

— Nossa! Eu estava mesmo um pouco fora de mim.

— O que você ia dizer naquele momento? – pergunta J.

— Acho que não seria prudente dizer. – diz L – Bem, eu nem posso reclamar muito de você ter pensado que eu estava me oferecendo pra você, naquela hora com o Edgar. – comenta L.

— Por quê? – pergunta J.

O jantar chega à mesa. J e L agradecem ao garçom.

— É melhor comermos, não é? Estou faminta.

— Bom, você não me conta as coisas, mas eu te conto. K a neuralizou uma segunda vez, sem necessidade, só por não ter ido com a sua cara. Cheguei a brigar com ele. Achei que deveria saber.

L quase engasga-se ou ouvir isso, e interrompe-se de comer.

— Filho da mãe!


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