Lily Evans estava cansada, e Petúnia não ajudava para que sua irmã se mantivesse sã ao reclamar por 45 minutos seguidos por não ter uma escultura de gelo sua e de Válter na decoração de casamento. A ruiva recebera um SMS do pai logo cedo, pedindo que “por tudo que há de mais sagrado no mundo”, Lily ligasse e tentasse apaziguar o humor de Petúnia, que naquela semana em específico estava mais desgastante que o usual. Depois que sua suposta greve de fome fora descoberta como fraude (a irmã mais velha de Lily Evans se esquecera de jogar as embalagens de pizza fora, e sua mãe encontrara quando foi ao quarto tentar conversar com a filha), Petúnia fez um escândalo, e decidiu se mudar para casa do noivo, e cancelado os convites da família para o casamento. Segundo a primogênita dos Evans, “Vocês não se importam com meu casamento, então eu não me importo de tê-los comigo no dia mais importante de toda a minha vida!”. Depois da discussão, Joseph Evans falara com Lily, contando o acontecido e pedido ajuda, porque sua paciência havia ido para o espaço, e venhamos e convenhamos que se Petúnia conseguira a proeza de cansar o patriarca dos Evans, ela, de fato, estava insuportável!

— Petúnia, você precisa entender que não temos dinheiro para encomendar uma escultura de gelo sua e de Válter se beijando! — a ruiva resmungou impaciente, prestes a desligar o telefone ou deixar sua irmã falando sozinha. — Mamãe e papai não podem bancar os seus luxos, além de que isso é de péssimo mau-gosto, pelo amor de Deus!

— Claro que a senhorita miss perfeita apoia o papaizinho e acha ridículo um sonho meu... — Petúnia praticamente rosnava pelo telefone, e Lily quase conseguia ver a veia do seu pescoço saltando de raiva. — Você sempre consegue tudo que quer! Estuda nessa escola de gente metida, e se acha superior a mim pelo simples fato de ser a preferida deles!

— Petúnia, por Deus! Não é nada disso, eu não me acho superior a você, eu só não entendo como você não percebe o óbvio e não tem um mínimo de noção das coisas! Não podemos bancar os seus luxos, ponto final. — Lily respondeu, perdendo a compostura prestes a lançar o celular do outro lado da sala. — Estudo em Hogwarts porque me dei ao trabalho de estudar e conseguir uma bolsa, que você também teria se parasse de gastar seu tempo pensando em dar o golpe da barriga!

— Como se atreve?! — Petúnia sussurrou cheia de veneno, e Lily se culpou no mesmo instante. A ruiva sabia que passara do limite, mas seu orgulho doeu e Petúnia continuou antes que ela pudesse pedir desculpas. — Meu romance com Válter não é um golpe da barriga. Eu o amo! Você sabe Lily que eu o amo.

Houve alguns instantes de silêncio, em que a única coisa que se podia ouvir de ambas era o som das respirações através do celular. Lily achou que Petúnia estava prestes a desligar, ou apenas deixa-la falando sozinha, por isso a contragosto decidiu se desculpar, antes que perdesse a coragem.

— Sinto muito Petúnia, okay? Eu passei dos limites, e fui maldosa com você... Eu sinto muito... — começou resignada, sentindo sua cabeça latejar. — Só quero que você volte para casa, e pare com isso de não nos querer no seu casamento. Somos sua família, você gostando dela ou não!

— Que seja! — a mais velha retrucou do outro lado, o que fez Lily suspirar rendida. — Irei voltar para casa, mas a questão da escultura ainda não foi esquecida. Vou conversar com papai para saber o que podemos cortar do orçamento, mas eu quero a minha escultura de gelo!

Sem dar tempo a Lily para responder, a chamada foi encerrada e a ruiva apenas pôs as mãos na cabeça cansada, massageando as têmporas, e jogando o celular em um dos sofás das salas comuns aos estudantes de Hogwarts. Depois de assistir as aulas de literatura, a jovem resolveu atender ao pedido do pai e ligara para Petúnia enquanto esperava James Potter para as aulas de biologia. Claro, como se não fosse o suficiente, ela ainda teria que dar aula a James quando tudo que queria era ir para o quarto, tomar um banho morno e dormir!

Depois de fugir por uma semana, e ter sido abordada por Potter no Salão Principal, Lily se rendeu ao fato de que não podia mais se esconder. Tinha se comprometido com Slughorn, e não era do tipo que volta atrás com sua palavra. O que seria uma qualidade, se isso também não englobasse seu orgulho que se recusava a lhe deixar admitir que estivesse errada apenas para não ir contra o que havia dito primeiramente.

Lily não se achava uma pessoa ruim, podia ser orgulhosa e impaciente (e sabia que precisava melhorar nisso), mas não era uma pessoa ruim. Seu orgulho e impaciência já lhe renderam outros episódios como esse, geralmente com Petúnia, mas Evans não conseguia evitar. Era algo que fazia parte de si desde que a jovem se lembrava, como se sempre tivesse a necessidade de se provar. De ser inteligente, madura e capaz de solucionar os problemas da humanidade. Lily não lidava com baixa autoestima, mas em relação à Petúnia era como se nunca fosse o suficiente e por mais que lhe doesse admitir, Lily amava a irmã e apenas queria que Petúnia a amasse de volta, por mais ingênuo que esse desejo pudesse ser.

Quando crianças, Lily via Petúnia cheia de si, confiante, extrovertida e admirava a irmã por conseguir ser desenvolta no meio das pessoas de uma forma que Lily nunca conseguiu, mas enquanto cresciam a ruiva viu que Petúnia era preconceituosa, desleixada e até mesmo interesseira, mas que amava a Orca Felpuda, e Lily fora maldosa demais ao insinuar que o casamento dos dois se resumia a um golpe da barriga.

Soltando um muxoxo, Lily se culpou outra vez, mesmo já tendo pedido perdão a irmã, porque ela sabia que precisava engolir esse orgulho besta. Quando Petúnia soube que Lily ia para Hogwarts, foi como se o abismo entre as irmãs Evans crescesse exponencialmente e a mais nova não sabia o que fazer para resolver esse problema. Então todas as vezes que Petúnia falava mal dos futuros colegas de classe de Lily, a ruiva concordava a contragosto. Talvez fosse algo de criança que ela nunca conseguiu superar, talvez não, mas era por isso que Lily se manteve firme ao seu pensamento egoísta quando chegou à escola, porque aos olhos da ruiva era a única coisa em comum que poderia ter com a irmã mais velha, e ela não queria abrir mão disso. Por mais errado que fosse!

— Qual o seu problema, Lily? — murmurou para si mesma, sentando e tirando os livros de dentro da mochila. — Até quando você vai insistir em dar murro em ponta de faca?

Lily soube que Petúnia estava errada quanto aos alunos de Hogwarts ao conhecer Marlene, e sua certeza foi ainda mais forte ao conhecer Dorcas. As garotas dividiam o quarto com a ruiva há quatro anos e eram mais altruístas que ela própria, pouco ligavam se tinham muito ou pouco dinheiro, pelo contrário, só queriam honrar todos os investimentos que os pais fizeram. Dave Meadowes fora rechaçado pelos pais ao se casar com alguém de menor condição, e os pais de Marlene se recusaram a todo o luxo que tinham direito (já que tinham ligação com a Família Real Britânica) para que Lene tivesse uma infância normal. Lily engolira seu orgulho e, ao se tornar amiga de Lene e Dorcas, admitiu que estivesse errada voltando atrás quanto ao que havia decidido antes de começar seu primeiro ano no internato. Lene e Dorcas haviam conquistado um lugar dentro da ruiva que poucos conseguiam, e Lily quase podia ouvir a voz de Dorcas respondendo “Você tem um bom coração Evans, só precisa se permitir expô-lo mais vezes! Você tem seu próprio lugar entre a gente, tudo bem ser você!”, enquanto Marlene ria concordando das palavras bonitas da baixinha.

A garota revirou os olhos ao constatar que o garoto estava atrasado, e rindo irônica lembrou-se de suas duas melhores amigas que, além de todo o processo com Petúnia, queriam que Lily engolisse seu orgulho mais uma vez e admitisse que James Potter não fosse tão ruim quanto a jovem achava. Haviam combinado de se encontrar dia sim dia não para as aulas de biologia, e em plena sexta à noite a ruiva estava esperando por James para a terceira aula deles.

— Você está atrasado. — Evans acusou bastante cansada, ao ver o garoto entrar correndo na sala e largar a bolsa ao lado do sofá que Lily estava sentada. — Não vou ficar até tarde te dando aula porque você se atrasou!

— Oi, Lily! Tudo bem com você? — James respondeu irônico, ignorando a antipatia da garota. — Desculpa pelo atraso, tive um imprevisto. E não vamos ficar até tarde, na verdade, eu só vim para corrigirmos o exercício que você me passou da outra vez. Estou exausto!

— Tudo bem, Potter! Só me avise da próxima vez... — Lily cedeu resignada, pegando o questionário que James lhe estendia tentando afastar seus pensamentos de Petúnia e sua escultura de gelo.

Era a terceira vez que se encontravam para estudar, e Lily era forçada a admitir (ainda que apenas internamente para si mesma) que, até agora pelo menos, o Potter não se mostrara tão metido quanto Evans pensava. Lily não havia sido nem um pouco simpática com ele, respostas monossilábicas, se recusava a rir de suas piadas por mais engraçadas que fossem, e ela sabia que havia dado motivos para que James fosse grosso ou esnobe, mas o garoto não o fizera nem uma vez, o que lhe surpreendeu e lhe deixou mais irritada ainda, se isso era possível. Potter fazia piadas convencidas de vez em quando, mas mesmo sendo tão inteligente quanto Lily, não se gabava disso, apenas sabia quem era. O que irritava Evans profundamente, porque Potter não parecia lidar com a necessidade de provar algo para alguém. Não quando, mesmo se recusando a admitir até para si mesma, Lily em alguns momentos agisse como se quisesse provar para Petúnia que elas poderiam ser boas irmãs.

— Então, Lily? — James chamou, despertando-a dos seus pensamentos. — Tudo certo? Prometo para você que não espiei dos livros enquanto respondia. Foi até engraçado, quase dava para ouvir sua voz ralhando comigo quando eu me sentia tentado a filar dos resumos!

— Muito nobre da sua parte! — a garota riu junto com ele, numa mistura de divertimento com resignação, voltando sua atenção às questões e vendo que James acertara todas. — Tudo certo, Potter. Vou confiar que você não filou os nomes estranhos, e por hoje nós terminamos ok?

— Você está bem, Lily? — Potter tinha a testa franzida, e o rosto comprimido numa feição pensativa. Como se tentasse captar algo da Evans pela força da mente.

— An? — Lily retrucou surpresa, sem entender o que Potter queria com isso, ou pior ainda, se James havia percebido algo.

— Eu sei que não te conheço, que nunca trocamos duas palavras até o Slughorn te forçar a me dar aulas, e que você me acha metido já que isso sempre esteve estampado na sua cara desde que você veio para Hogwarts, mas eu consigo ver que você está estranha... — James falou pausadamente, como se fosse óbvio. — Das últimas duas vezes você parecia permanentemente irritada, agora só parece distante e cansada!

Lily não sabia dizer se estava apenas chocada ou assustada. Ela esperava qualquer coisa de James, menos que ele percebesse que algo estava errado. Claro, ele não fazia ideia do motivo que deixara a Evans dessa forma, mas só o fato dele ter notado algo fora do lugar, desviando os olhos do próprio umbigo surpreendeu Lily. E não, ela não chegou a essa conclusão de uma forma romântica (como Lene e Dorcas brincavam para provocar a ruiva), mas fazendo-a admitir mais um pouco, que estivesse errada ao julgá-lo sem conhecê-lo. E se Lily não estivesse tão cansada, teria ficado irritada. Duas vezes no mesmo dia era demais para o orgulho já machucado da garota!

— Olha Potter, está tudo bem... — começou incerta, depois de alguns minutos, no que já era considerado um silêncio constrangedor. — Só estou cansada, querendo ir para o quarto, tomar um banho morno e dormir. Mas... Obrigada por perguntar!

James levou poucos segundos para responder, se rendendo ao fato de que a garota não ia lhe dar mais detalhes, mas surpreso por ela não ter sido rude.

— Okay então, até depois Lily! Estou exausto também, só quero um banho quente e dormir.

Despediram-se, e antes que James se adiantasse para acompanhá-la até a área dos dormitórios femininos, Lily saiu de lá quase correndo. Estava cansada por conta da discussão com Petúnia, e Potter se mostrar o contrário do que Lily acreditou fora a gota d’água para a garota que não estava acostumada a não ter razão. Evans baixara sua guarda com Marlene e Dorcas, algumas outras garotas do último ano e até mesmo Remus Lupin, mas não queria o fazer com James Potter. Sabia que estava sendo infantil, e que sua “amizade” com Petúnia era praticamente um caso perdido, não havia por que se prender a algo errado em prol da irmã que não fazia sequer questão de tê-la no seu casamento.

— Qual o seu problema, Lily? — perguntou pela segunda vez a si mesma enquanto se aproximava do quarto e já ouvindo as vozes lá dentro. — Até quando você vai insistir em dar murro em ponta de faca? — abriu a porta, e encontrou Dorcas pintando as unhas de Marlene enquanto essa tinha uma carranca na cara.

— Lily, a Lena está insuportável hoje! — Dorcas anunciou rindo, num belo contraste com suas companheiras de quarto. — Sirius a chamou para sair, ela disse que não seria mais uma, mas agora está toda emburrada.

— O Black te convidou para um encontro? — Lily sussurrou chocada, jogando a mochila na cama se dirigindo ao banheiro para tomar banho.

— Sim, e eu disse que não! — Lene disse como se fosse óbvio, assoprando o esmalte das mãos. — Black e eu nos conhecemos a tempo suficiente para eu saber quão mulherengo ele é e não estou disposta a lidar com isso agora.

— Certo, mas se você já falou que não, que não está disposta a lidar com isso agora, porque essa carranca? — Dorcas disse, e Lily soube que não era a primeira vez.

— Porque eu sou uma garota, e garotas são assim! — Lene respondeu contrariada, e Dorcas apenas riu erguendo as mãos em rendição.

— Concordo Lene, nós somos difíceis demais... — Lily soltou num suspiro, mas continuou em seguida. — Mas tenha certeza de realmente conhecer o Black e não estar deduzindo isso sem lhe dar a oportunidade de mostrar o contrário!

— Vocês duas estão estranhas hoje, e isso está me assustando... — Dorcas sussurrou, deitando em sua própria cama enquanto Lily entrava no banheiro. — Boa noite meninas e, por favor, não me acorde cedo amanhã!

— Até amanhã, Dorcas! Vou te acordar as 06h30 só porque você pediu para não fazer isso. — Lene riu vitoriosa, desviando de uma almofada se aconchegando em sua cama para dormir.

Lily Evans estava cansada, desistiu de repassar a conversa com Petúnia ou de pensar em Potter, terminou seu banho morno e quando voltou para o quarto suas amigas já estavam dormindo.