Meu coração em suas mãos escrita por Eduardo Marais


Capítulo 6
Capítulo Cinco




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Mais primaveras são deixadas nos cômodos do porão da casa do tempo.

Para os olhos dos habitantes do povo, William era o modesto príncipe que havia se dedicado exclusivamente a cuidar dos anseios e necessidades de seus súditos, lidando diretamente com eles em seu dia a dia.

Mas na calada da noite, William era o espírito assustador que vagava pelas ruas e florestas, caçando e destruindo humanos pilhadores, violadores e mercenários que vinham de reinos vizinhos, em busca de crianças perdidas para servirem de alimentos a algum canibal travestido de humano.

Sem piedade, devastava quem ousassem devastar pessoas, animais ou lugares considerados sob sua tutela. E isso incluía o território da Floresta Encantada, abandonada depois da maldição de sua bela Rainha Má.

Mesmo sabendo que não havia sentimentos bons no coração de sua Regina, William se nutria de uma ilusão sobre uma vida em comum com aquela mulher. Uma vida simples e sem magia, apenas amor, nos braços de sua Rainha. Ainda sentia o gosto dela em sua boca.

Naquela noite, é recebido por um abraço forte e saudoso de sua mãe. As notícias não eram animadoras.

— Você continua tão lindo, meu menino. – Danna sorri e mantém seu rosto preso entre as mãos.

— Não sou mais um menino, mãe.

— É um belíssimo homem. Conheço muitos reis que matariam para tê-lo como genro. – ela segura a mão do filho e o conduz até um banco estofado no salão. - Você tem sido cruel ao nos ver apenas nas primaveras...ver meu filho uma vez ao ano, nos últimos vinte e oito anos...é doloroso demais.

— Seguimos políticas e caminhos diferentes.

Danna sorri e mostra as marcas do tempo em seu rosto redondo, iluminado e enfeitado por seus olhos gigantescos.

— Você está cada vez mais linda, mãe...

— Poderia estar mais viçosa e jovem, caso você não tivesse ameaçado espalhar nosso segredo aos aldeões. – ela se mostra irritadiça. – Viver tendo tripas de animais como alimentos em nossos rituais, não faz beleza alguma sobreviver.

— Sem negociações, minha mãe. Mas creio que o motivo de minha vinda não é este.

Ela inspira profundamente e crispa as mãos. A ausência de se principal elixir para se manter jovem e forte, estava causando destemperos constantes.

— Seu pai precisa de sua ajuda. Agora, mais do que nunca. – Danna coloca o dedo indicador sobre os lábios do filho, antes que ele pudesse falar. – A falta do coração no peito de seu pai está provocando uma derrocada na matéria dele. Você poderá comprovar com seus próprios olhos.

William fica quieto.

— Seu pai está com a aparência de um homem centenário. A decrepitude ocorreu rápido demais nos últimos meses, e segundo os magos, ele precisa que o coração seja recolocado em seu peito novamente ou ele se tornará uma coisa seca, inerte e consciente sobre uma cama.

A imagem de seu mentor, Ambrógio, murchando como uma planta sem hidratação retorna à memória do príncipe. Tantos e tantos anos depois, ainda estava tão nítida como se tudo tivesse ocorrido a dias.

— E sabemos onde está o coração dele?

— O coração de seu pai estará...onde a Rainha Maldita estiver. Encontre-a e traga o coração de seu pai de volta.

Ficando em pé, William caminha a passos suaves pelas proximidades da mãe. Ele diz:

— E como saberemos onde ela está? E se não tiver sobrevivido à passagem do portal?

Danna rosna com os dentes travados:

— Os magos a localizaram! Ela continua viva e não voltou a olhar para trás!

O coração do príncipe explode dentro de seu peito. Era o mestre da dissimulação e não exterioriza sua histeria e felicidade. Jamais o veriam saltitando e abanando as mãos sobre a cabeça. Embora, fosse sua vontade sair correndo fazendo isso.

— Devolver o coração ao peito do meu pai não provocará o rejuvenescimento dele. O que os magos lhe disseram a mais? Sabemos que meu pai enveredou por um caminho de rituais perigosos e macabros, sanguinários e diabólicos para manter a aparência jovem do corpo. Eu arriscaria dizer que vocês dois são muito, muito e muito mais velhos do que admitem ser.

Os olhos de Danna brilham. Raiva? Vergonha?

— Sim. Somos muito e muito velhos. Mantivemos nossa boa aparência com nossos rituais e entramos num caminho sem volta.

— Posso arriscar dizer que vocês conseguiram burlar minha vigilância e comeram algum “petisco” proibido, trazido clandestinamente de algum ponto distante. Certo?

— Não fazíamos com frequência...mas uma vez ao ano, saíamos do reino e buscávamos em terras distantes...crianças órfãs que nos cediam seus corações.

— Que conversa é essa? Qual criança iria ceder o coração para os seus rituais, sabendo que morreriam? Ora, vamos!

Os sons de passos trôpegos se aproximam e calam a conversa entre mãe e filho. Era Olavo que vinha caminhando com a dificuldade dos humanos centenários.

— Filho meu...

William sorri e abraça o pai com o mais absurdo amor. O mantém preso dentro de seus braços por muito tempo, até conduzi-lo para sentar-se. Beija-lhe as mãos diversas vezes.

— Você continua lindo. – Olavo toca os cabelos longos do filho. - Quando você se decepcionou conosco e saiu de nosso convívio, estava com vinte e seis anos. Um menino de rosto ainda inchado pela juventude. Agora é um homem de rosto maduro e marcado pela vida. Nem posso imaginar o que você viveu, quais reinos conheceu...em quantos mares velejou...quantas mulheres amou...

— Somente uma, meu pai. E ela me marcou a alma e o corpo. Não pertenci a mais ninguém.

— Não terei netos?

— Não. – o príncipe beija novamente as mãos do rei. – Vamos ser diretos e francos: o coração em seu peito de novo não o fará forte e vigoroso. O que quer que eu busque a mais, para usar como ingrediente para seu elixir? Sei que os magos descobriram algo que os fará jovens de novo, mas algo de poder e perigo imensos. O que é?

— O coração de Regina. – a voz de Danna é imperativa.

Por segundos que se assemelharam a séculos, os três permanecem em silêncio total. Porém, a Rainha é assertiva:

— A poção pede o coração mais forte e mais cruel que seu pai e eu já conhecemos. E este é o coração da Rainha Maldita! O coração da mulher que matou centenas apenas por não gostar de tê-los no caminho de sua carruagem; a mulher que perseguiu e puniu uma criança apenas por ser inocente; a mulher que teve a coragem de mandar matar a própria mãe e que que ousou tirar o coração do peito do pai para esfarelá-lo no caldeirão de uma fórmula perversa! Queremos e precisamos do coração de uma mulher que levou o reino inteiro para outra dimensão e carregou consigo centenas de corações, deixando pessoas que não podem morrer, abandonadas para trás.

— Traga-nos o meu coração e o coração da Rainha Maldita, filho. É a única maneira de não nos tornarmos raízes secas, ocas e ainda conscientes. – suplica o rei.


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