Meu coração em suas mãos escrita por Eduardo Marais


Capítulo 5
Capítulo quatro




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Com o espirito despedaçado pela perda de sua linda Rainha de olhos escuros, William se perde em conjecturas que pudessem colocar paz em seus pensamentos. Como descobrir a verdade em um mar de mentiras e versões contraditórias? Quem seriam os verdadeiros demônios daquele conto? Todos envolvidos nos mais profanos rituais em busca de conforto na convivência com o sobrenatural. Comedores de coração, parricidas, assassinos, burladores da ordem da natureza...desafiadores das leis da existência, apenas pelo anseio e obter vitórias fugazes e tolas, por motivos tolos. Todos tolos, tolos e tolos.

William não se isenta daquela classificação, decide fechar-se em um casmurro, camuflar qualquer tipo de emoção e sentimento que o tornasse frágil e manipulável. Lutaria muito e seria puramente racional em tudo o que viesse a viver. Confiar? Jamais. Amar de novo? Talvez...

E naqueles dias, o príncipe começa sua busca de novos conhecimentos. Queria estar muito forte para os dias e anos que viriam. Queria estar forte para assumir definitivamente uma posição de comando e todos encargos que essa posição viesse a exigir. 

Ouvira falar da presença de uma velha criatura, isolada numa montanha fria, longe de qualquer convívio com humanos. Uma criatura que possuía um vasto conhecimento sobre o antinatural e que nunca tivera pupilo algum. Quem se submeteria ao aprendizado com uma coisa temerosa e com poderes de magia?

Depois de dias em uma caminhada árdua e solitária, William encontra o exato local descrito naquele pergaminho amarelado, conseguido em um navio naufragado em algum ponto do oceano. Ali seria a morada da criatura eremita, conhecedora de segredos fortes, que usados com parcimônia e cuidado, não causariam danos à humanidade.

Era noite, quando ele termina sua escalada. A caverna estava escura e o frio o empurrava lá para dentro. Sem hesitar, William cria iluminação e invade a caverna. Esperaria o tempo que fosse necessário para ser percebido pelo morador daquele lugar.

Não precisa esperar muito. Mal se acomoda ao lado da fogueira que havia providenciado, quando ouve sons de farfalhar de tecidos, vindo em sua direção. Jura a si mesmo que não iria se afobar e tampouco se acovardar.

— O que pensa que está fazendo, menino?

— Não sou menino há muito tempo, senhor. Estou me aquecendo do frio e não aprecio lugares escuros.

— Não? E quando estiver em sua cova?

— Não terei noção de onde estarei. – ele ajeita o cobertor felpudo em volta do corpo.

— O que quer em minha caverna?

William olha por cima do ombro e vê a criatura alaranjada pela luz do fogo. Não era uma visão agradável de ter, mas já vira tantas coisas abjetas. Com um gesto imperativo, que escondia seu pavor, ele convida a criatura para sentar-se ao seu lado.

— Estou curioso com o seu atrevimento, menino. – a criatura se senta numa pedra e seu movimento faz exalar um cheiro de ervas. – Invade minha caverna e me trata como se eu fosse o convidado.

— Não o estou desafiando ou tentando me sobrepor. Quero apenas conversar amigavelmente e aprender com você. Meus conhecimentos são poucos e preciso saber mais, para conseguir governar um reino imenso e complicado.

A criatura se inclina para frente e inala o cheiro que exalava do fogo. Ah! O invasor estava assando um grande peixe. A quanto tempo não sentia o gosto de um peixe fresco!

— Vai comer todo o peixe?

William nega com a cabeça.

— Eu quero conversar com você. E conversar com a barriga vazia não ajuda no raciocínio.

— Meus conhecimentos são vastos e para conseguir guardá-los dentro de minha alma, tenho usado forças de minha matéria. Fui tão consumido que murchei como se fosse uma raiz sem água. – a criatura apenas mordisca pequeninas porções do peixe assado. – O que me mantém vivo ainda é a quantidade de magia e conhecimento dentro de mim.

— E isso quer dizer...

— Que a cada um dos ensinamentos, eu ficarei mais decrepitado...a ponto de não existir mais.

William abaixa a cabeça e fica pensativo por alguns segundos.

— Peço desculpas, então. Vim em busca de ensinamentos, mas se isso custar sua existência não será enriquecedor para minha vida. – ele se levanta e faz esboço de organizar suas bagagens, mas é detido pela mão magricela da criatura.

— Minha existência não terá mais sentido depois de sua chegada. Então, deixe-me partir com dignidade em companhia de outro humano. Você me fará companhia em meus últimos e mais felizes momentos.

— Felizes?

— Estou solitário por décadas. Não houve quem tivesse coragem de conviver comigo e aprender o que tenho a ensinar. Fique comigo e não se arrependerá.

Era tudo o que William queria escutar.

E a areia escoa na ampulheta do tempo, deixando várias luas cheias para trás. Quanto mais forte ficava o cabedal de conhecimento de William, mais fraca ficava a criatura. Mesmo entusiasmada com a dedicação de seu pupilo, o velho mago vai definhando a olhos nus e tornando-se uma feia raiz que se movimentava dentro de roupas e capuz. Mesmo sabendo que ao repassar a última informação, iria sentir seu último suspiro, não desiste do que chamava de sua missão.

— Príncipe William, nossa convivência está terminando. Tenho apenas mais um ensinamento a passar e com isso...

— Com isso você morrerá.

— Isso mesmo. Mas morrerei feliz e satisfeito com minha vitória em ensinar você e deixar meu legado. Entretanto, antes de passar a última informação, eu preciso lhe fazer um pedido muito importante.

O sorriso de todos os dentes ilumina a boca do príncipe. Desde de sua separação de Regina, ele não conseguia sorrir daquela forma. Era como se o sol brilhasse novamente em sua vida, faltando apenas a presença de sua bela Rainha para completar sua alegria. Em pouco tempo, seria alguém respeitado e temido no mundo da magia, podendo até arriscar uma busca pela malvada que havia roubado seu coração romântico.

— Leve-me para ver meu último pôr do sol na praia. Ali, eu lhe passarei a maior informação que irá coroar todos os seus conhecimentos. Eu quero isso como pagamento pela sua formação.

Naquela manhã fria e nebulosa, os dois partem em direção ao litoral e quando finalmente chegam, acomodam-se num ponto mais alto daquela praia de areias escuras. Dali, poderiam ver o mar em sua imensidão e majestade, totalmente alheio aos olhos que o admiravam.

— Isto deve ficar sempre em um lugar de conhecimento somente seu.

William recebe uma caixa retangular das mãos trêmulas da criatura. Cuidadosamente levanta a tampa e observa um punhal de lâmina ondulada, adormecido sobre um tecido felpudo. Ergue s olhos e encara seu mentor.

— Esse é o único meio de controlar as suas vontades. Agora, você é um Dark One ou Sombrio, como achar menos hostil. Quem estiver de posse desse objeto, irá manipular suas vontades. Portanto, mantenha isso longe das mãos de seus inimigos. Guarde-o num lugar onde somente você terá coragem de entrar. Sua vida dependerá disso, menino William.

Fechando a caixa com muito cuidado, o príncipe não consegue conter as lágrimas quentes que sobem até seus olhos e criam minúsculos rios em suas bochechas.

— Agora, gostaria que você me carregasse para mais perto do mar. Quero sentir as ondas em meus pés, antes de dar meu...último...suspiro...

Desta vez, Wiliam não pensa em escrúpulos e envolve-se em uma nuvem de fumaça escura, transportando-se para a beirada do mar. Ali, ajoelha-se e deita a criatura na areia, onde pudesse ser atingida pelas ondas que vinham e iam.

A criatura geme e esboça um sorriso de prazer. É acomodada entre os braços do príncipe, que usa seu casaco peludo para evitar que o frio chegasse ao seu corpo ressequido e frágil.

— Daqui...posso ver o sol se pôr...o arrebol é lindo e por muito tempo a neblina me impediu a visão...mesmo dando lugar para o reinado da lua...o sol mantém seu calor e sua beleza sem par...eu vou partir para que você possa reinar, meu príncipe...obrigado por me deixar ver o sol pela última vez...é o pôr do sol mais lindo que já vi em toda...a minha existência...

— Qual é seu nome, mentor?

— Meu pai...me batizou como Ambrógio...significa imortal...e agora sei que serei imortal nos ensinamentos passados a você...que passará a outro...que passará a outro...que passará...

E diante dos olhos de William, o sol se esconde no horizonte e dá adeus para aquele dia, assim como seu mentor, que se transforma em poeira e é carregado pela brisa marítima.

Sem mais nada a fazer naquele lugar, o príncipe se esvai numa nuvem de fumaça escura e parte para não mais retornar ali. Um novo momento em sua vida.


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Notas finais do capítulo

Ambrógio se assemelha à criatura que aparece no filme "Drácula, uma história nunca contada."



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