Meu coração em suas mãos escrita por Eduardo Marais


Capítulo 26
Capítulo Vinte e Cinco




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Danna sorri e se aproxima da mesa.

— Bom dia! Dormiram bem? Espero que o quarto os tenha agradado.

— Tudo foi perfeito, Rainha. – Emma sorri. – Confesso que estava precisando me sentir uma princesa.

— Peço desculpas por não ter vindo mais cedo, mas precisei realizar uma reunião com os Conselheiros. Sem a presença de meu filho na administração, tenho de ficar atenta, mesmo contando com a total participação de nossos súditos.

Killian sorri e mostra-se compreensivo. Diz:

— Fui informado de que William delegou tarefas aos patrícios e todos estão colaborando para o bom andamento do reino.

— Ah, sim! – a Rainha se aproxima de Emma e não fica acabrunhada em tocar-lhe os fios dourados. Os achava lindos. – Quando estávamos criando a cidade, pessoas vieram para cá, fugidas de alguma forma de opressão. Perseguição religiosa, política, sexual...vieram para assumir este pedaço de terra como sua nação. Estavam despatriados e foram aceitos como filhos da terra. Mesmo sem governo, todos irão cuidar deste lugar, porque aqui é o nosso lar.

Esperando um momento adequado para retornar ao assunto, Killian tenta ser polido ao máximo, pois havia sido alertado por Emma sobre um eventual destempero nas atitudes da Rainha. Ela havia percebido mudanças súbitas de humor, durante as conversas no dia anterior.

— William foi procurar a cura para o Rei Olavo...

— Meu William foi recuperar o coração de meu esposo. O primeiro passo para a recuperação física do pai dele. – Danna pisca várias vezes e inclina a cabeça para o lado. Gostava de admirar a beleza do pirata. – Quando o coração estiver dentro do peito de Olavo, seguiremos para a poção que o revigorará.

— Mas William descobriu onde está o coração de Olavo? – Emma entra na conversa.

— Junto com a Rainha Maligna. Os magos Borae e Mornae conseguiram descobrir para onde a facínora levou seus súditos miseráveis. E foi para lá que meu William foi...- a Rainha exibe um sorriso largo e arregala seus olhos. – Caso vocês tivessem chegado antes, poderiam acompanhar e proteger o meu filho, mesmo ele sendo o que é!

Emma e Killian se entreolham. Percebem que Danna quer que eles façam a pergunta. Mas eles resistem.

— Precisamos sair um pouco e visitar algumas pessoas, antes de partirmos.

— Lamento, Capitão. Eu gostaria que vocês tivessem encontrado meu William. – ela estende a mão e os cumprimenta. – Antes de partirem, venham conversar com o meu marido. Ele amará conhecê-los.

Ela se vira a sai da sala sem a menor cerimônia. Deixa os visitantes para trás e age como se tivesse se esquecido deles.

Aproveitando-se da solidão, Killian agarra Emma pela cintura e gesticula. Ambos são envolvidos por uma nuvem de fumaça.

— Ei! – é tudo o que Emma consegue falar quando reaparecem num beco, perto de uma taverna. – Como fez isso?

— Parte do acordo o Crocodilo pela devolução da adaga. – Killian olha em volta. – Amor, vamos! Quero que conheça uma pessoa especial.

Quando Killian e Emma entram na taverna, imediatamente ouvem o barulho de algo metálico caindo no chão. Uma mulher havia derrubado uma bandeja no chão.

— Capitão Gancho? – ela grita e mostra-se emocionada. – É você mesmo ou é o filho?

O pirata sorri e caminha para a mulher, envolvendo-a em um abraço.

— Como conseguiu manter sua beleza intacta, seu bufão? É magia?

— Fiquei preso numa bolha que me protegeu do tempo. – ele indica Emma, que se aproxima. – Esta é a minha esposa, o amor de minha vida. É Emma!

— Olá, minha linda! Sou Hileia, dona deste lugar e amiga deste pirata! Venham, vamos nos sentar!

Momentos depois, os três estão num dos cantos da taverna, protegidos para conversa mais próxima.  Falam de tempos passados, conseguem rir muito e atualizam informações divertidas.

— Mas por que voltar aqui?

— Killian sempre me falou sobre esta cidade e sobre os amigos daqui. Decidimos que era momento de conhecer o Reino de Velac.

Hileia mantem o sorriso em seu rosto rechonchudo e rosado.

— Adotamos este lugar como nosso lar. Eu fui presa e condenada à morte por ser prostituta. Consegui a clemência, mas tive de sair de minha terra. Quando soube que uma cidade estava sendo construída e que todos que quisessem ajudar eram bem-vindos, fugi para cá. Foi quando eu conheci Danna, Olavo, Borae e Murnae e já estou aqui há mais de cinquenta anos!

Killian come mais um pedaço de bolo. Dá uma piscadela para Emma, que assume a conversa:

— Conhecemos a Rainha Danna, mas não vimos o Rei Olavo.

— E nem o verão tão cedo. O homem está se escondendo porque está se transformando numa figura parecida com...com esses bonecos que as crianças fazem de cipó seco. Os magos dizem que ele irá secar, mas continuará com consciência.

Emma encolhe os ombros e abre as mãos. Como?

— Ele foi amaldiçoado?

Empertigando-se na cadeira, Hileia estreita os olhos e depois faz uma careta de alguém que quer contar algo, mas não sabe s deve ou não. Decide confiar em seu velho amigo e sua linda esposa.

— Não é novidade e o Capitão sabe que os pais de William faziam rituais...bizarros. – ela abaixa o tom de voz. – Eles comiam corações infantis. Danna tem a necessidade de fazer isso para manter-se viva, mas Olavo começou a fazer por curiosidade e acabou contaminando a alma. Por isso, está murchando.

— Por que a Rainha Danna tem essa necessidade?

— Vamos conversar em minha pousada.

Já dentro da casa de Hileia, o casal se acomoda num ambiente agradável, repleto de plantinhas bem cuidadas e coloridas.

— Creio que você somente saiba sobre os corações, mas não deve saber o motivo real dos rituais, certo? – Hileia se dirige a Killian.

Ele espreme os lábios e levanta as sobrancelhas, confirmando a suspeita dela.

— Danna é uma criatura metade...metade...metade...como se diz?

— Híbrida?

O rosto de Hileia se ilumina por um sorriso.

— Ficamos muito próximas desde que eu cheguei aqui. Eu estava nos primeiros meses de gravidez e cuidamos uma da outra. Ela me mostrou como realmente é e nada mudou em meus sentimentos. – ela brinca com os dedos. – Danna é uma criatura fantástica, meio humana e meio mulher. Foi mantida prisioneira por anos, para proteger o mundo de sua aparência, até que dois irmãos a salvaram e fugiram de seu reino. Foram perseguidos e aprisionados, mas ela conseguiu escapar e encontrou Olavo naquele litoral.

Como era bom ouvir histórias! E Emma se encanta, como se fosse uma menina. Embora nunca tivesse ouvido histórias quando era menina, naquele orfanato. Hileia continua:

— Ela resgatou seus protetores e formou sua pequena família. Os gêmeos realizavam rituais macabros e isso fazia com que Danna permanecesse sempre com aspecto humano. Duas vezes ao ano faziam isso.

— William me contou uma vez, ter flagrado um ritual desses. – complementa Killian.

— Mas Olavo quis enveredar por um caminho perigoso e envenenou sua alma. Está pagando um preço alto. Podem devolver o coração ao peito, mas a alma está podre.

Curiosa, Emma instiga:

— Qual é a relação de Danna com a Rainha Regina? Por que ela tirou o coração de Olavo?

— Olavo se viu como rei em uma cidade rica, criada pelas mãos dele. Não tinha o menor tato e tanta riqueza o tornou arrogante. Ele queria expandir o território e seus olhos cresceram a direção da Floresta Encantada, porque ali os recursos naturais eram fartos. Madeira perfeita para construção de navios.

Killian começa a rir. Ele se interessa pelo fato novo.

— Então, ele mexeu com vespeiro. É um idiota!

— Pois é, Capitão.

— Ouvimos que a Rainha Regina transformou Danna em monstro. – Emma quer mais novidades.

Um sorriso debochado alegra o rosto da comerciante.

— Danna não é um monstro. É uma criatura fantástica, assim como sereias, ogros, mulheres-lobas...

— Ela se mantém viva comento tripas de animais? – Killian move a peça da conversa

Uma negativa com a cabeça vem primeiro que a fala de Hileia:

— Tripas de animais? Nunca! Acha que tripas de animais fariam o mesmo efeito que rituais com coração humano?

Emma e Killian se entreolham e voltam a total atenção à Hileia.

— William bloqueou o corpo das nossas crianças, mas não pôde fazer o mesmo com crianças de outros lugares. Uma criatura que mergulha em profundezas para conseguir riquezas, que resgatou navios para restaurá-los, que construiu com as próprias mãos o seu palácio, iria ficar restrita ao nosso reino para conseguir seu alimento ritualístico?

O pirata nega com a cabeça.

— Certamente, Danna ainda faz os rituais e vende a farsa de que as pessoas são influenciadas por magia, para vê-la como fêmea humana. É sedutora, aquela criatura. Eu estava grávida de William, quando a conheci e ele está com cinquenta e seis anos, então sei do que estou falando. E sempre a vi como manipuladora. Ela é manipuladora e teatral com suas narrativas. Haja vista o que ela espalha sobre a Rainha Regina...

— Desculpas, mas você disse que estava grávida de William? – Killian a interrompe e pergunta o que Emma iria falar, mas não teve tempo.

— Você não sabia? Wiliam nunca lhe contou? Eu tinha duas escolhas: dar a William o que meus braços de trabalhadora pudesse oferecer ou deixar que ele tivesse o melhor que a riqueza pudesse oferecer, sendo um príncipe. Eu não queria o bebê, enquanto Danna queria um herdeiro. Entreguei o bebê, o vi crescer perto de mim e ainda recebi ouro suficiente para ter minha taverna e minha pousada. Fiz o que foi melhor para o menino.

— Eu sei exatamente o que é viver esse dilema. – Emma fala em tom de tristeza. Estende a mão e toca o antebraço de Hileia.

A mulher retribui o toque a alarga o sorriso.

— William foi criado, instruído e amado como príncipe. Viajou para inúmeros reinos, sempre teve o melhor de tudo, conviveu com ensinamentos de magia com aqueles gêmeos que o adoram...tornou-se um governante intrépido e arrojado, fazendo nosso território se transformar numa potência...temos uma frota de navios, poderosa...um...um exército temido e as pessoas têm um ótimo padrão de vida. Somos um povo respeitado pelos demais povos.

— Uau...- Killian não se recupera ainda. – William não é filho legítimo...

— Os pais dele acreditam que ele não saiba, e ele crê que os pais não saibam que ele sabe. William é uma pessoa singular, mesmo tendo os poderes que tem.

Interessada em confirmar suas suspeitas, Emma se inclina e incentiva a mulher a continuar.

— Quais poderes ele tem?

— William sempre refutou os ensinamentos de magia que os gêmeos lhe passavam. Mas a doença do pai o obrigou a procurar informações mais poderosas. Ele seguiu pelo mundo e tornou-se aprendiz de Ambrógio, um dos Senhores das Trevas mais antigos que tínhamos notícias. Durante várias luas, William permaneceu na Montanha do Dente Quebrado e quando retornou para nós, não era mais o mesmo príncipe que conhecíamos.

Evocando lembranças, Emma traz de volta as palavras de Regina sobre a informação que o espelho de Ravenna havia lhe passado. E o tal livro conseguido por Belle...ambos diziam que os ventos não tinham mais notícias sobre o príncipe de Velac. Óbvio que não! O cara frágil tinha ficado para trás, morto como pessoa mortal e renascido como Senhor das Trevas. Então, o tal assassino de William não era bem um assassino.

— Ambrógio...Oigorbma...-  sussurra Emma de si para si. O espelho apenas tinha refletido o nome do mestre de William, de forma invertida. – William é um Senhor das Trevas...

Emma se vira para Killian e iria dizer a célebre frase daqueles que provam que têm razão. Mas Killian está lívido e sem ação, com a boca aberta e as sobrancelhas erguidas.

Delicada e sutil, ela toca o braço do marido e finge um sorriso cansado.

— Killian, eu preciso me deitar um pouco. Estou cansada...

— Está grávida, querida? – pergunta Hileia de maneira animada. – Podem dormir aqui em minha pousada. Será uma honra!

— Onde poderíamos encontrar esses gêmeos magos? – Killian pergunta. Levanta-se e estende a mão para Emma. – Preciso falar com eles para sanar minha curiosidade.

— No palácio. Eles não saem de lá.


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