Meu coração em suas mãos escrita por Eduardo Marais


Capítulo 11
Capítulo Dez




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A garoa havia se transformado em uma chuva mais intensa e constante. Nada que causasse pânico, mas obrigava seres vivos a procurarem abrigo e aquecimento.

A madrugada já dominava aquele pedaço na Terra. Tudo atraía para uma acomodação em uma cama macia, com cobertores felpudos e de preferência em companhia a outro corpo quente.

Os sons prazerosos que encheram o quarto não eram mais ouvidos. Apenas o ressonar sereno de duas pessoas adormecidas sobre a cama, bem próximas uma da outra.

Subitamente, um gemido gutural e longo. Um gemido de sofrimento e agonia de alguém querendo gritar, sendo que sua voz estava impedida. Mais um gemido muito alto e com sonoridade desagradável. Um grito rouco.

William se senta na cama e luta para conseguir respirar, como se tivesse acabado de emergir da água, depois de muito tempo segurando o oxigênio nos pulmões.

Quase que simultaneamente, Regina se senta na cama e acende o abajur. Queria socorrer seu amante, sabe-se lá do que e de quem. Ao vê-lo sentado na cama com o corpo inclinado para frente e as mãos cobrindo o rosto, trata de acalmá-lo e descobrir o que havia acontecido.

— Respire, meu querido, respire. – ela se ajoelha atrás dele e começa a acariciar suas costas com uma das mãos, enquanto a outra tirava aquela cortina espessa de cabelos que a impedia de ver o rosto dele. – Vamos, fique calmo e respire junto comigo.

Aos poucos, atendendo a orientação da mulher, William vai se restabelecendo e modificando a frequência de sua respiração. Demonstra sentir-se confortável e confiante com Regina.

— Consegue me dizer o que houve? – ainda atrás dele, ela o envolve com ambos os braços e permite que ele incline a cabeça para trás e use seu ombro como apoio. – Isso, confie em mim.

— Eu tive medo do que vi...

— O que viu?

— Eu vi um homem...usando uma túnica escura. Ao lado dele, uma criatura sem pelos, careca e com olhos grandes e bem afastados em seu rosto redondo. A criatura tinha joelhos para frente e joelhos voltados para trás...em vez de pés, tinha mãos no final dos tornozelos. Uma calda com ponta afiada como se fosse uma arraia... estavam em transe e falavam algo repetitivo...

— Uma ladainha?

— Não sei...eram as mesmas palavras...e quando pararam de falar, comeram cada qual um coração. Um coração vivo e ainda pulsante, mesmo fora do corpo. Eram corações pequenos...comeram e em seguida estavam em pé, trajando roupas reais e joias, adornos e coroas. Eu fugi deles...

Ele se afasta do corpo de Regina e traz os joelhos para junto do peito, abraçando-os. Sem hesitar e com a propriedade de quem pode tocar o corpo de um amante, Regina se ajeita ao lado dele e o abraça com mais força. Beija-lhe o ombro nu.

— Foi alguma recordação de sua vida passada. Sabe, dizemos aqui em Storybrooke, que devemos deixar o passado onde deve ficar: no passado.

— É uma sensação horrível, Regina. Consegui sentir o cheiro daquela sala e o cheiro daqueles corações.

— Agora, você está protegido e distante desses rituais.

— Podem vir atrás de mim. – ele liberta os joelhos e vira-se para encarar Regina. – E se fugi realmente? E esses comedores de corações vieram atrás de mim?

Regina sorri maliciosa.

— E que venham. Saberei defender o que é meu.

Os olhos de William descem à meia visão e fixam-se nos lábios bonitos de Regina. Aproxima o rosto do rosto dela e toca suavemente com a ponta da língua, a pequena cicatriz sobre o lábio superior da mulher. Ela geme baixinho e sorri.

— Ainda sinto medo...- ele sussurra com a boca colada à dela.

— Tenho um método infalível para tirar todas as lembranças ruins de sua mente.

— Mesmo?

— Quer descobrir? – enlaça os braços em torno do pescoço dele e o deita sobre o colchão.

O dia amanhece frio e pouco convidativo para o início das tarefas fora da casa. O desejo de permanecer mais horas sob os cobertores era um denominador comum em todos naquela cidade, mas as obrigações tinham de ser realizadas e não costumavam esperar muito tempo.

Quando Cora chega à cozinha, encontra Regina e William já despertos e conversando algo em tom inaudível. Pareciam cúmplices de algum segredo novo, uma vez que não tinham convivido por muito tempo.

— Bom dia, crianças. – ela fala sem entonação. – Amanhã é o Dia do Mineiro e realizarão a festa, com ou sem chuva. Pretende preparar algum prato?

Regina se afasta do amante e vai apanhar um pouco mais de café.

— Vou levar minhas tortas de maçã. – ela sorri sem exibir os dentes. – Preciso conversar com os organizadores e conhecer o plano B, caso esteja com chuva forte.

Cora sorri e balança o corpo de maneira irônica.

— Tem tantos bruxos aqui e ainda não pode controlar o clima por algumas horas?

— Isso é perigoso. – a resposta de William sai rápido como se fosse cuspida.

— Como sabe? – Cora arqueia as sobrancelhas e fica interessada.

— Posso ter perdido lembranças, mas não os conhecimentos. Sei que quando o clima é alterado por magia numa região, acontece desorganização nas regiões vizinhas. O que aconteceria com as marés, caso as chuvas fossem suprimidas abruptamente? Como ficaria o ciclo lunar? E os animais?

Colocando a caneca sobre a pia, Regina limpa a boca com um guardanapo de papel e o entrega para William.

— Tenho de ir trabalhar. Vamos saber como os organizadores vão agir para a festa, com ou sem chuva. Ninguém vai interferir na ordem natural e nas mudanças climáticas. – aproxima-se de William e sorri maliciosa. – Vamos dançar logo mais à noite. Iremos ao Siri Barbudo!

Depois que Regina sai, Cora vai apanhar seu café e é interrompida pelo hóspede que se apressa em servi-la. Ela sorri, sentindo-se agradada.

— Quer trabalhar, William?

— Amaria. Não posso permanecer como se fosse um príncipe, sendo sustentado por quatro mulheres. É algo indigno!

— Saiba que as quatro mulheres estão amando ter você sob nossa proteção. E sim, você é o nosso príncipe. O que sabe fazer?

— Saberei quando começar a fazer.

Ela bebe apenas um gole do café. Deixa a caneca sobre o balcão e gesticula para ser seguida.

— Vou providenciar roupas quentes para nós e depois iremos para as docas, verificar se o Capitão Jones pode colaborar com este detalhe. Mas antes, eu...

— Cora, você é uma mulher forte e conhecedora de magia, certo? – ele a interrompe bruscamente, tomando-a de assalto e curiosidade.

Ela concorda. Mas de onde ele havia tirado aquela informação.

— O que significa comer corações vivos?

Espalmando a mão sobre o colo, Cora se repugna. Como é?

— Tive uma visão esta noite e sei que a presenciei. Não me lembro onde, nem quando e nem quem era o aquele casal. Mas eu os vi comendo corações vivos e assumindo uma aparência de esplendor. O que significa?

Cora abre e fecha a boca algumas vezes, como se fosse um peixe respirando.

— Uau! Teríamos de pesquisar e isso não é um assunto para a biblioteca de Belle...

“Convide-me, agora. Sei que guarda tesouros no mausoléu. ”

Algo se move dentro do peito de Cora e ela se sente incomodada. Um arrepio percorre todo o seu corpo e sem conhecer a causa, ela se apoia no balcão para evitar uma queda. Sente as mãos de William segurando o seu corpo e aquela sensação conhecia muito bem.

Ela estende a mão e segura o braço de William. Sorri amável e diz:

— Venha comigo. Tenho algo que precisar ver...

— Que bom que encontrei vocês aqui! – a voz de Zelena quebra o transe em que Cora se encontrava. – William, preciso de sua força para me ajudar com objetos lá no sótão. São coisas para o bazar da festa de amanhã e eu não consigo carregar sozinha.

Mentira! Zelena queria a companhia exclusiva. Era a sua vez.

Rapidamente os olhos dele voam para Cora e percebe que ela está liberta de sua influência. Ainda não era o momento, mas conseguiria.

— Sou todo seu, Zelena.

Num ponto da casa, Robin observa a movimentação dos adultos e vê sua mãe conduzir o hóspede para o andar superior da casa. Certamente demorariam ali.

Esgueira-se pelo corredor dos quartos e entra no cômodo onde William dormia. Precisava ser rápida e eficaz como se fosse uma ratinha roubando pedaços de papel para fazer seu ninho. Ali dentro, ela abre portas dos armários, vasculha gavetas e é embaixo do colchão que ela descobre a bolsa trazida pelo hóspede no momento da travessia do portal.

Abre a bolsa e retira o livro de dentro. Fazia tempo que sua curiosidade a empurrava para aquele objeto velho e amarelado. Devolve a bolsa sob o colchão e corre para fora do quarto, deixando quase tudo como estava antes. O livro seria trazido de volta e seu dono não perceberia sua falta.

Sai de casa e vai refugiar-se na biblioteca de Belle. Quem se interessaria por uma garota lendo um livro numa biblioteca?

E sua decepção é imensa quando descobre que não conseguiria ler o que estava escrito naquelas páginas. Mesmo pesquisando em outros livros, Robin não encontra idioma semelhante ao que estava sobre o papel amarelado.

— Que livro é esse? Não é daqui.

Ela levanta os olhos e ajeita os óculos redondinhos.

— Não. Ele pertence a William, nosso hóspede.

— E o que faz com ele? – Belle se senta ao lado de Robin e estica o pescoço para ver melhor o livro.

A garota faz uma careta ordinária.

— Eu o peguei no quarto dele. Tive muita curiosidade desde que o vi, quando estávamos acomodando William naquele quarto. Ele estava muito apegado a este livro. – ela empurra o livro sobre a mesa para que Belle o pegasse. – Já pesquisei e não decifro esse idioma.

Serena e carinhosa, Belle folheia aquela preciosidade. Todo cuidado seria pouco.

— Deixe-me contar uma coisa. Quando eu era serviçal no castelo de Rumple, costumava limpar e organizar os livros dele. Com o tempo, passei a lê-los com frequência, mas alguns eram indecifráveis. Geralmente, eram receitas de feitiços ou experiências que ele costumava fazer.

— Acha que isso é um livro de magia? – Robin se interessa demais.

— Não. Penso que é um diário de bordo. Veja os rabiscos nas bordas das páginas. Quando estamos escrevendo uma coisa e paramos para pensar no que escrever, ocupamos o tempo fazendo esses desenhos. Escrito em código para ser decifrado apenas pelo seu escritor. Pode conter trocas de letras, abreviações de palavras, misturas de idiomas, escrita de trás para frente ou mesmo a língua do P.

As duas começam a rir. Uma pessoa chega à biblioteca e Belle vai para o atendimento, deixando a garota absorta em sua pesquisa.

Lá pelas tantas, Robin decide trazer para fora de seus dedos, algum pouco conhecimento de magia que conhecia. Sabia que aquilo iria exauri-la, mas valeria a pena. Saber o que estava escrito em pelo menos uma das páginas.

Evoca em sua alma alguma ladainha aprendida e começa a recitar de si para si. Faz isso repetidas vezes, quando percebe que as letras daquela página começam a se mover. Movem-se e vão mudando de lugar dentro da página, começando a formar palavras legíveis.

“ E à medida que Ambrógio ia me presenteando com seu conhecimento, eu ia me sentindo mais forte e mais poderoso. Sentia que meu corpo mudava e meu espírito também. Pude até sentir que estava mais forte e mais alto, além de não sentir dores em meus músculos depois de tantos exercícios físicos realizados.

Foi naquela lua cheia, noite de lua sangrenta, que recebi um de meus mais fortes poderes. Eu estava pronto para transitar entre todos os olhares e nenhum poderia me ver. Eu poderia assumir qualquer forma e penetrar m qualquer objeto para me esconder. De dentro de uma rocha, pude ver lobos se aproximando e entrando na caverna para comer o que havíamos deixado para eles. Sentiram algo incomum, mas não me viram.

Eu estava quase pronto e Ambrógio murchava diante de meus olhos. Quando ele me apresentou ao único objeto que poderia me controlar, também me apresentou o seu adeus.

O adeus de um amigo. Um amigo que ficaria comigo até a minha morte e não me abandonaria. Ele não faria o que fez aquele a quem dediquei a minha amizade e confiança. Ele não me trocaria por dobrões de ouro e arcas recheadas de joias valiosas. Eu era a joia valiosa dele e ele era a minha joia rara. Mesmo quando ele se fosse, deixaria dentro de mim todo o seu poder e o seu conhecimento para tornar-me um poderoso Sombrio”.

Robin se sobressalta com violência e cai da cadeira. Assustada, ela também derruba o livro. Diante de seus olhos, as letras se embaralham novamente e formam aquelas palavras desconhecidas. Ela tenta segurar novamente o livro, mas ele parecia estar muito e muito pesado, caindo de suas mãos. Um gemido é tudo o que sai da boca da garota e o resto do mundo se torna escuro.


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