Gabriel havia partido e não havia nada que eu pudesse fazer quanto á isso.As memórias ainda pareciam tão vivas,pulsantes,quase palpáveis.

Era como se ele ainda estivesse ali ou fosse chegar de viagem a qualquer momento trazendo boas novidades.

‘Que bobagem...’

Ele havia me prometido que nunca me deixaria.Prometeu que nossas almas estariam interligadas para sempre.Mas como?

Me sentei no chão frio e abracei os joelhos para tentar estancar o sofrimento.Subitamente as janelas se abriram e um jorro de vento invadiu o cômodo.As cortinas bailavam em fúria,os vasos de planta que estavam arrumados na entrada espatifaram,deixando o ar com cheiro de terra molhada.As portas do armário de mogno se desprenderam fazendo um barulho seco ao cair no chão.As luzes se apagaram sincronizadamente.O trinco da fechadura girou,trancando a porta.

__Quem está aí?

Ninguém respondeu.Ninguém nunca mais me responderia quando meu coração gritasse por uma resposta.

Como um filme antigo,as lembranças de quando o conheci vieram á tona.

No dia em questão,eu havia acordado atrasada para o meu primeiro dia na escola.A manhã estava cinzenta,como se uma névoa de pessimismo me perseguisse sempre.Fazia apenas duas semanas que eu estava morando com meu pai no Rio de Janeiro e já estava dando mancada.

Me arrumei rápido,com a esperança de que o meu último ano do colegial e primeiro dia na escola nova fosse,no mínimo,aceitável.Talvez fizesse amigos,talvez não.Um professor legal,outro chato.Não esperava mais do que o habitual.

Peguei um ônibus relativamente vazio e me sentei no primeiro lugar que encontrei.Pus os fones do meu mp3 no ouvido e fechei os olhos distraída.Meus cabelos lisos e pretos estavam açoitando meu rosto por causa do vento forte.

__Você poderia fechar a janela,por favor? – perguntei sem olhar diretamente nos olhos da pessoa que estava ao meu lado.

__Claro. – um menino me respondeu secamente.Ele estava lendo uma revista em quadrinhos.

Olhei mais atentamente para ele e percebi que estava usando o uniforme da escola onde eu iria estudar.

__Desculpe,mas você está indo para o Colégio da Associação?

__Sim,estudo lá.Você é aluna nova? – ele sorriu,fazendo meu estômago dar um breve salto.

__Sim,eu morava com a minha mãe em São Paulo,mas ela aceitou um emprego no Canadá e eu resolvi vir morar com o meu pai. – ‘Meu Deus...estou contanto a minha vida para um estranho’  pensei com meus botões.

__Espero que goste da cidade.E do colégio. – a forma como ele cortou o assunto me deixou um pouco irritada,mas disfarcei.

Aquele clima do Rio de Janeiro me dava a impressão de que o verão nunca acabaria.É,acho que eu estava realmente prestes a gostar da cidade.E do colégio.

A primeira impressão que tive foi boa.Quero dizer,definitivamente não era um colégio tradicional.Algumas colunas de vidro,o pátio com paredes vermelhas e o chão perfeitamente branco...e em vez de refeitório,havia uma praça de alimentação arborizada.Muito simpático.

Havia um grupo de meninas me observando em um canto.Sorri para elas,mas elas não sorriram de volta.Que idiota eu sou.

‘Eu não perguntei o nome daquele menino...’ pensei.Ele saiu tão depressa,que mal pude prestar atenção na cor de sua mochila.Parecia que ele estava fugindo ou qualquer coisa do tipo.Estranho.Por que ele fugiria de mim? Ou melhor...por que ele fugiria?Havia uma atmosfera doentia em torno dele.Algo que me atraía.Poderia ser um abismo,mas poderia ser uma dádiva.Fosse o que fosse,eu me senti tentada a descobrir.