Deep End escrita por Erin Noble Dracula


Capítulo 9
Julia Oliveira




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P.O.V. Julia.

Imagine a minha reação quando eu vejo meus filhos chegando em casa todo ensanguentados.

—Misericórdia meninos! O que aconteceu? Vocês foram assaltados?

—Estamos bem mãe, esse sangue não é nosso.

—Se meteram em briga foi?

—Não.

—Bem, vou fazer um pouquinho de chá. E vocês vão tomar um banho quente.

Fui até a cozinha e fiz chá de camomila e erva doce. E não esses de saquinho, eu fervi as ervas mesmo. Os meus filhos estavam em choque, bem, Angus estava. E isso me deixou louca.

Depois deles já estarem de banho tomado eu trouxe o chá com umas bolachas.

—Pelo amor de Deus, o que aconteceu?

—O Henry tava certo. Vamos atacados por vampiros.

Ein?

P.O.V. Angus.

Eu não sou crédulo. As pessoas nascem, envelhecem e morrem. Este é o mundo em que vivemos. Não existe magia, nem misticismo, muito menos imortalidade. Nada que desafie o pensamento racional.

Sempre zoei minha mãe por ela acreditar em espíritos e magia e misticismo, mas como posso negar algo que estava bem diante de mim? Que testemunhei com meus próprios olhos, estando acordado, lúcido e são?

As pessoas deviam ser quem dizem ser, mas no fim do dia todos temos segredos. Todos escondemos partes de nós.

Não é possível. Não sou crédulo e nem posso ser, mas como posso negar algo que aconteceu bem na minha frente? Alguém que nunca envelhece, nunca se machuca. Alguém que muda fisicamente duma maneira que não pode ser explicada.

Eu continuava vendo os olhos dela, brilhantes, os ossos quebrando. Hope se transformando literalmente num lobo. 

Pessoas mordidas, corpos sem nenhum pingo de sangue.

Foi difícil dormir, eu quase não dormi.

—Angus? O que aconteceu?

—Eu vi o impossível. Meu cérebro está tentando processar o improcessável mãe.

Ela sorriu e me abraçou.

—Filho, nada é improcessável para esse seu super-cérebro. Quando você era criança, botava todos aqueles números na lousa, equações, leis da física pra mim... aquilo era abobrinha. Eu não nego a validade do conhecimento, mas nunca consegui absorver. Você pequeninho, um pinguinho de gente já sabia fazer as conta toda, resolver as fórmula e empilhar os garfos encima dos copos. Você fazia apresentações lembra? Me explicava tudo e como você tinha aprendido. E eu... eu te aplaudia e fazia que tinha entendido, mas menino você fritava os meus neurônio com aquilo tudo e isso me deixava tão orgulhosa. Construía aquelas engenhocas com clipe de papel, um botão e sei lá mais o que que você arrumava. E a geringonça funcionava.

Eu ri. A minha mãe sempre me apoiou. Eu sabia que ela não tava entendendo nada o que eu tava falando, mas ela me aplaudia mesmo assim.

—Gente normal, gente ordinária que nem eu... faz o que com clipe de papel? Grampeia os papéis. Mas, alguém extraordinário, extra-especial faz o que com clipe de papel? Cria uma geringonça. Que ás vezes explodia. 

É. Mas, o que ela não sabe era que quando explodia eu obtinha sucesso.

—Só tente não usar o seu talento especial para construir uma bomba e explodir um prédio tá?

—Eu não prometo nada.

—Pelo amor de Deus Angus! Nada explodir prédios. Se não fica que nem o onze de setembro.

O evento do onze de setembro foi quando um grupo terrorista sequestrou um avião e fez o avião colidir contra as torres gêmeas. E minha mãe até hoje acha que foi uma bomba. Ela não entende nada de explosão.

—Tá bem mãe.

Acha que foi algo cármico. Como uma espécie de castigo divino por algo que aquelas pessoas fizeram numa vida passada.

—Porque vocês não ficam em casa hoje? Você não pode escrever um atestado, Max?

—Eu sou físico, amor não clínico.

—Mas, é médico.

—Eu sou Doutor.

—Então é médico.

A minha mãe é como uma borboleta em se tratando de ciência. Ela é totalmente ignorante. Apesar de se esforçar para compreender a parte técnica ela nunca consegue.

—Não, Julia, eu sou Doutor.

—Esse é o jeito de você dizer que não pode assinar o papel?

—É.

—Porque não disse logo!? Ai, os gênios da minha vida vão fritar meus neurônios.

P.O.V. Doutor Fitzroy.

Minha esposa tem muitas qualidades, é boa vendedora, é boa com as pessoas, uma mãe amorosa, uma pessoa caridosa, sorridente, feliz, contagiante, mas em se tratando de ciência... Pra ela Doutor é médico. E ponto. Ela sabe que Isaac Newton descobriu a lei da gravidade porque a maçã caiu na cabeça dele. Ponto.

Julia sabe fazer cálculos, mas só somar, subtrair e multiplicar e ainda assim ela usa a calculadora eletrônica para ter certeza.

—Conhece alguém que pode fazer um atestado? Um Doutor que seja Doutor?

Traduzindo, um médico.

—Conheço. E é melhor você levar os meninos ao hospital e pedir um atestado ao médico.

—Certo. Então vamos queridos, se vocês sentirem alguma coisa é só falar.

Ela levou os dois ao hospital. E eu fui trabalhar.

P.O.V. Henry.

Eu sei que a minha mãe tá surtando. 

—E ai Doutor? Eles tiveram algum tiu-tiu no cérebro?

Só a minha mãe pra fazer uma pergunta dessa para o médico. Tiu-tiu no cérebro.

—O que?

—Sabe, quando uma pessoa bate a cabeça, o médico fala que não é pra dormir por sei lá quantas horas porque se não dá tiu-tiu no cérebro. Nós passamos aqui ontem com eles, eu e o meu marido, mas foi o Max que falou com o médico.

—Sim. Angus Oliveira MacGyver e Henry MacCarty Fitzroy. Angus e eu já somos amigos de longa data, certo?

—É.

O Doutor Roberts conhecia minha mãe e o meu irmão. Ele sabia que minha mãe era meio doidinha.

—Eles fizeram todos os exames e não houve dano cerebral.

—Graças á Deus!

—Os ferimentos que eles apresentaram foram apenas cortes superficiais.

—Não teve que levar ponto desta vez?

—Não.

—Graças á Deus! Da última vez que esse menino se meteu numa roubada... tomou vinte pontos na testa.

—Bem, eles estão liberados.

—O senhor não pode fazer um atestado pra eles não irem á escola? Porque eles ficaram meio perturbado das ideia. Acho que eles viram alguma coisa muito terrível e eles não conseguem expressar o que eles viram. Olha pra esse menino doutor, quase não dormiu. O bichinho tá tão pálido, tão abatido.

E realmente o meu irmão tava mau.

—Tudo bem. Eles vão ter que ser avaliados pelo psiquiatra. Mas, posso dar o atestado para hoje.

—Só pra hoje tá bom. Obrigado Doutor Roberts.

P.O.V. Doutor Roberts.

Eu adoro a Julia. Ela é completamente autêntica e apesar de sua total ignorância em se tratando de mestrados, doutorados e ciência em geral, ela consegue deixar até isso fofo. Tiu-tiu no cérebro.

—Agora eu já ouvi de tudo.

—Doutor, eles podem dormir né?

—Podem.

Respondi rindo.

—Ótimo. Então eu vou botar os meus bebês na cama. Conseguem levantar? Tão enxergando embaçado? Quantos dedos tem aqui?

—Estamos bem mãe.

P.O.V. Henry.

Chegando em casa ela literalmente colocou a gente na cama e verificou os nossos chacras com o pêndulo. Nos fez comer um pedacinho de bolo com chá. Tirou a nossa temperatura com o termômetro.

—Agora vocês ficam deitadinhos ai e conta carneirinhos. Boa noite meninos.

—Boa noite mãe.

Angus tem vinte e nove anos e eu tenho trinta e três. Sim, sou mais velho que o Angus. Embora eu sempre goste de dizer que sou mais novo. Me sinto mais novo.

Minha mãe diria que é porque o Angus tem uma alma velha e eu sou uma alma jovem. Que ele já reencarnou mais vezes que eu. E pela primeira vez eu estou em paz. Porque alguém realmente acredita em mim, alguém além da minha mãe.

De repente, nós acordamos com o barulho de algo quebrando. E quando chegamos a nossa mãe tava no chão, tinha tomado três tiros. A xícara de chá caída no chão, o chá derramado sob o tapete branco. E o sangue.

—Mãe! Mãe! Angus! Angus levanta!

Meu irmão veio correndo e nós ligamos para a emergência.

—Fica calma mãe, os médicos já estão chegando.

—Está tudo bem filho. Agora eu entendo. Eu cumpri a minha missão. Eu criei dois super-gênios, fui amada pelos melhores filhos e pelo melhor marido. Sejam bons um com o outro, lutem um pelo outro. Não faz sentido agora nem pra mim, mas acho que quando a hora chegar vão entender o que quero dizer. Mas, preciso que se lembrem que eu disse.

—Nós vamos lembrar, agora fica quietinha que a ambulância já tá chegando. Posso ouvir a sirene.

Eu estava chorando, nós estávamos chorando porque sabíamos pela quantidade de sangue que ela não ia sobreviver.

—Agora me deito para dormir, se eu morrer antes de acordar... peço ao senhor para minha alma guardar.

Foi a última coisa que ela disse antes de parar de se mexer.

—Mãe. Mãe!

Os paramédicos chegaram, fizeram massagem cardíaca, reanimação, mas... não funcionou.

—Hora do óbito... 09:20 da manhã. Nome da vítima Julia Oliveira Fitzroy. Sinto muito.

Chamaram a polícia, isolaram a área, ligaram para o meu pai que chegou esbaforido.

—Julia. Cadê a minha mulher?

—Nós sentimos muito senhor, mas quando chegamos ela já havia partido.


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