Vidas Secretas escrita por Srta Poirot


Capítulo 4
Abutres (Another Brick in the Wall)


Notas iniciais do capítulo

Dica de música: Pink Floyd - Another Brick in the Wall (1979)



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We don't need no education

We don't need no thought control

No dark sarcasm in the classroom

Teachers leave them kids alone

Hey, teachers, leave them kids alone

All in all it's just another brick in the wall

All in all you're just another brick in the wall.

.

.

.

Malibu, 01 de junho de 1985…

Tony acordou com a sensação de ter dormido mais do que deveria. Por mais que ele quisesse dormir um pouco mais, ele não poderia, pois seu pai impôs uma regra rígida de que ele não poderia acordar depois das 8 horas da manhã mesmo que fosse final de semana. E já eram dez e meia. Era reflexo do quão cansado ele estava.

Tony praticamente saltou da cama e vestiu rápido suas roupas comuns. Pegou dois livros acadêmicos quaisquer e os abriu sobre a cama caso seu pai aparecesse de repente. Ele poderia alegar que acordou e foi logo estudar, já que as provas finais estavam chegando.

Era primeiro de junho, terceiro dia após seu aniversário de 15 anos e Tony não se sentia diferente. De fato, nada mudou. Estava tudo ‘normal’ desde que chegou do MIT na noite anterior. Infelizmente, ele imaginou que poderia passar seu aniversário em casa, que talvez teria uma festa para ele. Que ilusão!

Seu estômago roncou alto já que a hora do café da manhã já passou. Ele abriu a porta de seu quarto e a primeira coisa que percebeu foi o cheiro de tinta. Em seguida, ouviu o barulho de uma furadeira.

Mas o quê?

Tony seguiu a direção de onde vinham o barulho e o cheiro. Ele andou pelo corredor e notou que a origem desse transtorno vinha de um dos quartos de hóspedes. Tony tinha certeza que nunca entrou nesse quarto, ou em qualquer outro quarto de hóspedes, mas sentiu muita curiosidade em saber o que estava acontecendo ali.

Ele se aproximou devagar. Se fosse seu pai trabalhando, ele daria meia-volta e se retiraria o mais rápido e silencioso possível para não perturbá-lo. Sua mãe sempre costumava avisar para não distraí-lo quando ele estivesse trabalhando, porque seu pai estava construindo um mundo melhor.

Será que Maria Stark era muito otimista, ou cega de amor ou simplesmente muito ingênua? Porque acreditar que Howard estava construindo um mundo melhor soava impossível para Tony. Pelo menos hoje em dia, Tony não acreditava mais nisso. Como construir um mundo melhor se ele só construía armas?

Ao entrar no quarto, Tony notou que Howard não estava lá. Havia pessoas trabalhando por todo lado, havia cortinas novas para as enormes janelas francesas e havia móveis novos sendo montados. Móveis pequenos e delicados, a propósito. Alguns homens pintavam as paredes de azul-bebê enquanto um artista desenhava delicadas nuvens perto do teto. Era uma imagem que transmitia paz e calmaria para Tony. Como ele não pensou que o bebê precisaria de um quarto?

Em um dos cantos do quarto, tinham algumas caixas marrons meio empoeiradas. A curiosidade o levou àquelas caixas e uma delas estava aberta. Dentro da caixa, o primeiro item logo lhe chamou atenção: um livro infantil com um desenho artístico na capa. Outros livros infantis estavam na caixa, provavelmente para preencher as prateleiras da nova estante sendo montada. Mas foi o livro de cima que mais lhe chamou atenção.

Tony sorriu se recordando do quanto gostava daquele livro. Ele sempre gostava quando as babás liam para ele, pois era seu livro favorito. Ele usou sua mão para tirar a poeira da capa que um dia foi mais brilhante e mais viva.

Peter Pan.

Um menino que não queria crescer. Esse era Tony. Era irônico que atualmente ele estava desesperado para ser adulto.

Tony virou a capa e encontrou a primeira página do livro. Era uma página em branco, mas tinha algo escrito nela:

Para Tony,

Mamãe ama você, tesoro mio.

Tony fechou o livro de volta tentando conter as emoções de antigas lembranças. Sua mãe sempre falava palavras doces e gentis em italiano para ele. Ele tinha 4 anos quando ganhou aquele livro e, de alguma forma, foi ficando mais difícil esquecer aquele momento.

“Era o seu preferido.”

Tony voltou para a realidade ao ouvir a voz gentil de sua mãe. “É, era sim”, ele respondeu. Ele pôs o livro de volta na caixa em cima dos outros. “Mãe, o que está acontecendo?”

Tony perguntou como se o berço recém-montado não fosse uma pista óbvia. Maria apenas sorriu antes de responder. “Bem, seu pai demorou pra sair, então o trabalho aqui começou um pouco atrasado, mas está bem encaminhado. E a resposta da sua pergunta é óbvia: mandei construir o quarto do bebê. É bom começar logo, não acha?”

“E o meu pai aprovou isso?”

“É claro que ele nunca aprovaria que eu gastasse dinheiro com isso, mas é algo que eu quero fazer. Sei que Howard está cuidando de tudo, inclusive em relação à mídia, mas eu quero fazer isso. Por isso que eu esperei até que ele saísse.”

“Hoje é sábado, para onde ele foi?”

“Ele foi fiscalizar os últimos ajustes para o jantar executivo que teremos hoje à noite.”

É claro! Hoje eles terão um jantar executivo com vários homens e suas esposas das Indústrias Stark. Como Tony pôde esquecer-se do jantar em que ele era obrigado a ir só por ser o herdeiro da enorme companhia? Provavelmente ele vai ser o único adolescente por lá.

Tony mal reparou que sua mãe se afastou. Ela pegou algumas coisas que estavam sobre uma mesa e mostrou uma delas ao Tony.

“Veja como é fofo.”

Tony ficou surpreso com o macacãozinho que ela tinha em mãos. Diferente dos livrinhos, as roupas de bebê estavam bem conservadas e embaladas em saquinhos plásticos fechados a vácuo.

Tony inclinou sua cabeça com cara de curioso. “Ele vai ser tão pequeno assim?”

Maria riu de leve. “Bem, você era. Estas coisas aqui eram suas. Muitas dessas roupinhas eu consegui conservar e vou deixar você escolher alguns desses livros. Nem todos estão em bom estado.”

Tony se sentiu bastante grato pela atenção que sua mãe estava dando a toda essa situação. Uma situação que Howard chama de inconveniente.

“Mãe?”, Tony continuou. “Eu poderei... ver o bebê, certo? Poderei segurar ele?”

Maria, que parecia afeiçoada ao macacãozinho, ficou com cara de preocupada. “É claro sim, meu filho. Por que não poderia?”

“Meu pai disse que teremos ajuda para cuidar dele.” Tony respondeu.

Sua mãe parecia pensar bem no que ia dizer a seguir. “Seu pai está só tentando te proteger. Ele sabe que você estará bastante ocupado, então vai contratar alguém pra ficar com o bebê durante o dia e cuidar dele à noite enquanto você estuda.”

“Ou seja, 24 horas por dia! Mãe, eu só estarei em casa nos finais de semana e meu pai me faz ficar ocupado. Se não for estudando, é fazendo algum maldito projeto para as Indústrias Stark. Eu só serei o cara que vai segurá-lo por uns vinte minutos antes de sair de novo e se manter ocupado.”

“Não vai ser sempre desse jeito.”

“Mas ele vai crescer achando que uma babá é mais parente dele que o próprio pai!”

“Bobagem, ele não vai pensar assim.”

“Por que não pensaria? Eu pensei!” A voz de Tony saiu ríspida e ele se arrependeu na mesma hora. O olhar de dor nos olhos de sua mãe foi triste e de partir o coração. “Mãe, eu sinto muito. Eu não queria-”

“Está tudo bem, amore.” Não, não estava. Maria continuou, “Eu preciso fazer algumas ligações agora. Ainda tem muita coisa faltando no quarto e eu quero tudo organizado e pronto antes que seu pai chegue. Você se lembra de que temos um jantar hoje, não é? Esteja pronto antes das 18 horas, seu pai odeia atrasos.”

Maria saiu do quarto e deixou Tony sozinho com seus pensamentos.

Ele era muito estúpido.

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O jantar foi organizado de forma absurdamente elegante.

Como Tony suspeitou, ele era o único adolescente lá. Ele olhou para todos os lados e não era exagero dizer que estava tudo absurdamente muito chique. Seu pai alugou um restaurante inteiro para fazer um jantar com todos os executivos, sócios e parceiros da empresa. O restaurante tinha até um palco que Howard usou para fazer seu discurso. Ele falou sobre novas estratégias e parcerias e falou de expansão para outros locais do mundo. Howard foi ovacionado com muitas palmas quando terminou.

De volta à mesa do jantar, o dito homem agora estava sentado ao lado de Tony enquanto o prato de salmão ia sendo servido. A maior parte das conversas que Tony pôde ouvir era sobre negócios, os erros e acertos de investidores, sobre quem quer que fosse que investiu em algo e perdeu muito dinheiro. Tudo isso era um tédio, mas, de alguma forma, era interessante para aqueles homens de terno.

Por falar em terno, Tony foi obrigado a usar terno também. Ele estava convenientemente elegante, mas não mudava o fato de que estava entediado. Talvez a coisa mais interessante que Tony fez naquela noite foi observar as pessoas mais entediantes do mundo. Além dos homens que fofocavam sobre investidores, ele também observou as mulheres que cochichavam sobre as outras mulheres presentes. As esposas de uns falando sobre as esposas de outros.

Apesar das fofocas serem de diversos assuntos, Tony ficou surpreso que ninguém falou no tópico mais comentado na mídia atualmente: o bebê do filho de Howard Stark. Isso porque o próprio Howard Stark estava presente e ninguém se atreveria a comentar tal assunto. Era o que a presença dele fazia, deixava as pessoas desconfortáveis para falar ou perguntar, ou pior: poderiam ter suas cabeças cortadas com uma faca de mesa. O jantar não terminaria bem.

O único tópico que foi realmente direcionado ao Tony foi sobre o MIT. Quando perguntado, ele deu respostas positivas e falou todas as coisas boas da faculdade. Ele deixou de lado a parte sobre a péssima qualidade de sono.

“Então, Howard, quando seu garoto vai voltar a lhe acompanhar às reuniões da empresa?” Perguntou um dos executivos que provavelmente tinha um dos cargos mais altos da empresa. “Daqui a seis anos, ele poderá lhe substituir e você poderá se aposentar finalmente. Ele tem que começar a aprender.”

Daqui a seis anos? Tony terá vinte e um. Ele acabou de fazer quinze e não se sentia diferente e não fazia nada do que queria fazer, muito menos quando estiver administrando uma empresa como as Indústrias Stark. Sinceramente, ele não queria ter essa responsabilidade.

“Quando ele estiver nas férias de verão terá tempo de me acompanhar. Eu ando considerando isso mais do que você pensa, ele precisa começar a aprender a lidar com o conselho.”

Tony duvidava que ele realmente considerasse se aposentar. Sim, Howard considerava levar Tony às reuniões desde quando ele tinha doze anos, mas não considerava se aposentar. O homem não sobreviveria na aposentadoria.

De repente, flashes de luz tirou sua atenção da conversa. Esses flashes vinham das janelas que davam para o lado de fora. Outras pessoas também notaram e se perguntavam o que era aquela comoção lá fora. Tony viu a expressão de raiva em seu pai e, por sorte, não era direcionada a ele. A raiva de Howard era para os paparazzi lá fora.

Tony logo soube por que eles estavam ali querendo tirar o máximo de fotos possível. A angústia dele era perceptível.

“Sinto muito, filho”, Disse Obadiah Stane, “mas às vezes, escândalos acontecem e, se você tem grande poder, se tornam mais interessantes para o público. Por sorte, você tem seu pai para lidar com isso.”

Desde quando ser filho de Howard Stark era ter sorte? Se não fosse por Howard, seu bebê teria uma vida normal.

Os paparazzi deixaram Howard com muita raiva. Não era para eles saberem que estariam ali. Howard se desculpou aos demais convidados e pediu licença, pois iria embora mais cedo. O motorista foi apressadamente buscar o carro.

Ao colocarem os pés fora do restaurante, a família Stark foi bombardeada por flashes de câmeras de fotógrafos e por perguntas de repórteres e colunistas. O carro foi trazido e ficou esperando a poucos metros de distância deles. Enquanto fazia a caminhada para o carro, Maria pegou na mão de seu filho para confortá-lo durante o caminho.

Os fotógrafos tornaram a caminhada mais demorada.

“Anthony! Anthony, o que você tem a dizer sobre o bebê?!”

“Você vai terminar a faculdade?”

“Anthony, é verdade que Mary Fitzpatrick te manipulou?”

Tony parou no lugar... e o carro já estava tão próximo. Ele tinha duas opções: ou entrar logo no carro e deixar isso para trás, ou encarar o repórter que fez essa maldita pergunta. Ele escolheu a segunda opção.

Tony respirou fundo e se virou para o repórter que perguntou. “Mary não-”

“Anthony, calado!” Seu pai agarrou seu braço e o puxou para dentro do carro. Depois que a porta do carro se fechou com a família Stark lá dentro, os flashes continuaram a sair das câmeras. O Rolls Royce partiu logo.

“Bando de abutres.” Tony murmurou.

“Shh, vai ficar tudo bem.” Maria tentou confortá-lo de novo.

“Para nós, eu sei que vai. Tenho certeza que meu pai tem suas razões para mentir pra mídia.” Pelo canto do olho, Tony viu seu pai o observando seriamente. “A propósito, estive tão ocupado estudando que eu não tive tempo de dizer o nome do bebê.”

Tony ficou um pouco nervoso nesse momento porque ele sabia que seu pai sempre tentava controlar tudo. Se ele tentasse controlar a escolha de Tony para o nome do bebê, Tony iria brigar, bateria o pé e lutaria até o final. Isso era algo que Tony daria ao bebê e não deixaria Howard interferir.

“Peter”, Tony finalmente disse, “Seu nome é Peter.”

Ele olhou para seu pai em desafio, mas Howard não disse nada. Maria foi a primeira a falar. “Eu acho que é um bom nome. Um ótimo nome para um garotinho doce... Não acha, Howard?”

Espantosamente, Howard não brigou, não reclamou, nem argumentou, mas deixou Tony confuso.

“Esse é um nome surpreendentemente adulto.”

Howard sempre tentava controlar tudo.


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Notas finais do capítulo

O nome do bebê foi revelado! Mas todos nós já sabíamos, não é? ;)

Próximo capítulo: O Nascimento de Peter.



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