Vidas Secretas escrita por Srta Poirot


Capítulo 18
O Acidente (November Rain)


Notas iniciais do capítulo

Preparem o coração porque este capítulo é bem triste. Tentei deixá-lo curtinho para não prolongar o sofrimento, mas foi necessário. Aproveitem!

Dica de música: Guns N' Roses - November Rain (1991)



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Nothing lasts forever

And we both know hearts can change

And it's hard to hold a candle

In the cold November rain.

.

.

.

Queens, 18 de novembro de 1998...

Aconteceu em uma tarde de novembro de 1998.

Ninguém espera atender a um telefonema apenas para receber uma notícia que não é menos que um duro golpe.

Aconteceu com Joe. Ele atendeu ao telefone e ouviu a triste notícia de um acidente que tirou seu chão. Amélia Potts sofreu um terrível acidente de carro e sua vida estava em risco.

O dia de terça-feira começou normal como sempre. Joe abriu a oficina, Tony levou o Peter à escola e foi trabalhar na mesma oficina, e Pepper saiu para o seu trabalho na Clarim Diário. À tarde, Amélia Potts saiu para ir ao banco. Toda terça-feira ela ia ao banco depositar os lucros da semana anterior. Dessa vez, ela não voltou para casa.

Durante anos, Amélia disponibilizou seu tempo para fazer esse pequeno favor ao Joe. Ela nunca ia de carro porque gostava de caminhar. “O banco não é tão longe. Posso perfeitamente ir caminhando. É um ótimo exercício.”, ela disse uma vez. Amélia sempre foi muito atenta e cuidadosa na rua e as chances de acontecer algo com ela eram pequenas, mas, claro, aconteceu.

Assim que Joe recebeu a ligação, ele correu de encontro ao lugar onde aconteceu o acidente. Ele largou tudo e saiu correndo. Deixou Tony atônito e preocupado.

Sabendo que não iria mais conseguir trabalhar, Tony trancou a oficina, ligou para Pepper e contou o que aconteceu. Pepper também foi outra que recebeu a notícia por telefone, largou o trabalho e saiu correndo, deixando J.J. Jameson furioso.

Quando Tony chegou ao local do acidente, os paramédicos estavam fazendo o atendimento e preparando para levar a vítima ao hospital. Outra ambulância estava lá, com paramédicos cuidando do corpo do motorista que morreu na hora. Curiosos contaram que o carro atingiu Amélia antes de atingir o poste.

Mas, infelizmente, Amélia não resistiu durante o caminho para o hospital. Ela aguentou o tempo que fosse preciso para ver seu marido e filha pela última vez. Eles conseguiram se despedir durante esse tempo, foram forçados a dizer adeus.

Tony mais uma vez ficou arrasado com mais uma morte. Primeiro Jarvis e Ana, e agora Amélia.

Era estranho. Naquela mesma manhã eles estavam conversando sobre o Dia de Ação de Graças da próxima semana. Tony jamais imaginou que, na verdade, esse seria o primeiro sem Amélia.

A mulher que o ajudou e o ensinou a cuidar de Peter sem receber nada em troca. A mulher que era carinhosa e positiva todos os dias. A mulher que adorava ver a família – e amigos – usando suéteres combinando. A mulher que o recebeu de braços abertos sem nem mesmo conhecê-lo direito.

Por quê?

De tantas pessoas no mundo, por que Amélia?

Tony nunca terá a resposta.

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O funeral aconteceu no dia seguinte.

Foi em uma quarta-feira e ao pôr do sol.

Um carro foi buscá-los em casa. Tony sentou ao lado de Peter e Joe sentou de frente para eles. Os irmãos de Joe chegaram de manhã cedo e sentaram ao seu lado. Cristine e Morgan pegaram o primeiro avião disponível para Nova York assim que souberam. Morgan parecia não compreender o sentido de dizer adeus para sempre para alguém, mas tudo bem.

Ninguém falou durante o caminho até lá.

Uma chuvinha leve caiu durante a cerimônia, molhando o caixão e os convidados desprevenidos que não levaram um guarda-chuva. A chuva de novembro não falhou em fazer sua aparição durante um enterro.

Porém, a chuva não incomodou Joe enquanto ele fazia um discurso emocionado, mas inspirador.

“[...] Sempre nos falam que o luto pode ser superado. Mas, na prática, é tudo mais complicado, mais saudoso, mais doloroso... Não há opção menos doída, menos sofrida e menos traumática do que a de continuar vivendo sem os nossos entes queridos. As perdas são inevitáveis, é a única certeza absoluta que temos na vida porque o destino é igual para todos. Dificilmente aceitamos a morte porque esquecemos com facilidade que nossa vida na terra é passageira. É por isso que, quando perdemos alguém, é como se acordássemos para a realidade e inconscientemente pensamos na nossa própria morte e na daqueles que ainda estão conosco. Mas uma coisa que Amélia me ensinou é que, além do luto, as saudades e as lembranças de tudo que compartilhamos também são eternas. Ela me ajudou a superar a triste perda de meus pais criando comigo novos momentos felizes e inesquecíveis. Quando a tristeza for insuportável, pensarei em todas as nossas lindas lembranças. Enfim, o mundo continuará a girar como antes, mas nada voltará a ser igual para mim. Sentirei sua falta todos os dias.”

Os convidados aplaudiram emocionados o discurso de Joe. Menos Tony. Tony queria aplaudir, mas seu braço estava em volta de Pepper, sustentando-a enquanto ela começava a chorar mais uma vez. Tony queria ter tido a oportunidade de dizer à Amélia – talvez pela milésima vez – que ele tinha muita sorte em tê-la como sogra. Sim, ele dizia isso a ela com frequência e queria ter dito mais uma vez, antes dela partir.

O relacionamento entre Pepper e Tony estava indo bem. Pepper estava feliz, Joe e Amélia estavam felizes, Peter estava feliz e Tony... Ah! Tony estava mais feliz ainda. A última vez que Tony chorou de tristeza foi quando ele leu a carta de Jarvis dois anos atrás. Hoje, ele se permitiu derramar lágrimas para alguém que as merecia.

Após o funeral, eles voltaram para a casa dos Potts. Todos os convidados deram suas condolências e apoio ao marido e filha da falecida, em seguida, eles foram embora para o alívio de Joe. Ficaram na casa apenas Joe, Pepper, Tony, Peter, Cristine e Morgan. Rhodey só não estava presente porque ele estava em uma missão fora do país.

Joe ficou calado desde o caminho de volta.

“Eu vou preparar lanche para todos nós.” Cristine avisou enquanto se levantava do sofá. “Eu volto logo.” Ela se dirigiu à cozinha.

Tony olhou para Peter ao lado, que também permaneceu calado. Ele nunca o tinha visto chorar tanto em toda sua vida. Tony imaginou que Peter tinha Amélia como uma avó, apesar de ainda chamá-la de Tia Amélia. Ainda mais quando Tony começou a namorar Pepper. A única figura de avó que Peter conheceu e a perdeu tão cedo.

“Você está bem?” Tony perguntou.

Peter passou a mão nos olhos apesar de não ter mais lágrimas para derramar. “Eu vou ficar bem. Não sou mais criança.”

“Eu sei disso, filho. Todos nós estamos abalados e tristes com o que aconteceu. Não é nenhuma vergonha.” Tony pôs um braço em volta dos ombros de Peter. “Eu ainda não estou acreditando no que aconteceu.”

“Por que ela? Por que justo a pessoa mais bondosa e gentil que conhecemos?”

“Eu não sei a resposta para isso, mas... acidentes acontecem.”

Cristine voltou da cozinha com uma bandeja de sanduíches, mas ninguém estava com muita fome. Sempre positivista, ela queria iniciar uma conversa para que todos se distraíssem naquele momento pós-funeral.

“Então, Pepper...”, Cristine começou a dizer, “eu soube que você foi promovida na Clarim Diário, Joe me contou mês passado pelo telefone.”

Pepper acenou para sua tia. “Sim, eu... meio que agora sou secretária de J.J. Jameson, o editor-chefe.”

“E como ele é? Eu soube que a Clarim Diário é uma ótima empresa e a maior de Nova York. Deve ser ótimo trabalhar lá.”

“Ótimo?!? É péssimo trabalhar lá!” Pepper reclamou com mais energia que o necessário, o que surpreendeu Tony e Peter. “Como eu disse, sou a secretária de Jameson agora e já não aguento mais os gritos dele! Eu não passei seis anos na faculdade para ficar preenchendo cheques para fotógrafos Free-lancers e anotando recados de telefone quando eu poderia estar fazendo análises contábeis e financeiras. Eu sei que tem alguma coisa errada lá dentro, porque essa empresa é a maior de Nova York e, mesmo assim, eles pagam uma miséria para os fotógrafos e colunistas. Quando eu pergunto, eles sempre dizem: ‘Não há recursos suficientes’. Ah, mas J.J. Jameson está sempre de carro novo todos os anos!”

Cristine ficou piscando os olhos porque ela também ficou surpresa. Não esperava tal confissão de sua sobrinha.

“E por que você continua trabalhando lá?” Cristine perguntou.

Pepper suspirou. “Eu ainda preciso do emprego. Agora mais do que nunca. Eu preciso ajudar meu pai.”

Joe olhou para sua filha e lançou um sorriso triste. Ele estendeu sua mão e Pepper a segurou com carinho, um transmitindo conforto ao outro.

“Eu vou levar Morgan para acomodá-lo no quarto de hóspedes.” Cristine disse se levantando.

Pepper também se levantou. “Eu vou com você, para ajudá-la a arrumar as coisas. Vai me distrair um pouco.”

Cristine, Pepper e Morgan se retiraram para o quarto.

“Peter, vá arrumar suas coisas. Daqui a pouco, nós vamos para casa.” Tony pediu ao garoto.

Sem dizer uma palavra, Peter também se retirou.

Tony limpou a garganta antes de falar. “Eu notei que Morgan está muito calado hoje.”

“É. Em situações como essa, ele fica muito quieto.” Joe respondeu.

Tony não esperava que Joe respondesse, talvez no máximo um aceno. Ninguém tinha vontade de falar ou interagir como antes. Pelo menos, não por enquanto. Mas Joe respondeu e ainda continuou a falar.

“Sabe por que me tornei mecânico?” Tony acenou que não. “Quando meu pai morreu no acidente de carro, eu fiquei culpando o motorista. Eu imaginava que era mais um daqueles bêbados que não liga para a vida, ou que era um daqueles motoristas que gosta de curtir em alta velocidade. Eu fiquei furioso, mas mesmo assim, eu decidi investigar o que aconteceu. Sabe o que descobri? Eu descobri que o carro que atropelou meu pai estava com problemas nos freios. Eu fiquei pasmo porque se trata de um problema simples e de fácil conserto, você sabe. E descobri também que não foi culpa do motorista porque ele havia levado o carro ao mecânico para fazer a revisão periódica. O problema foi que o mecânico não deu muita atenção aos freios durante a revisão. Eu pensei: se eu fosse o mecânico, eu teria evitado esse acidente. Então uma ideia me veio à cabeça. Por que não? Por que não ser mecânico e evitar que acidentes como esse aconteçam com pessoas inocentes?”

Tony ouvia com atenção e interesse cada palavra.

“Eu larguei meu emprego na fábrica e aprendi tudo sobre mecânica. Eu abri minha própria oficina...” Joe continuou. “É irônico que eu seja mecânico e perdi meu pai e minha esposa em acidentes de carro.”

“Eu sinto muito mesmo, Joe. Não imagino o que esteja sofrendo.” Disse Tony sinceramente.

Joe o fitou nos olhos. “Você ainda tem pais, Tony. Devia se reconciliar com eles enquanto há tempo.”

“Eu tenho o Peter, a Pepper e você.” Tony rebateu.

“Nós nunca saberemos quando podemos perder nossos entes queridos e familiares.”

Tony suspirou, pois ele sabia que Joe estava certo mais uma vez. “Eu prometo que vou pensar no assunto. E você tem razão, não é justo para o Peter não conhecer os próprios avós.”

Joe acenou. “Sei que vai fazer a coisa certa no tempo certo.”

A chuvinha que caía mais cedo havia parado de cair. O tempo não estava mais nublado. Era como se o céu não tivesse mais água para derramar após ter chorado litros de sofrimento e saudades pelo adeus de Amélia Potts.

Mas tudo o que Amélia fez por Tony não será esquecido. Um dia, ela terá o reconhecimento que merecia e essa promessa estará guardada no coração de Tony para sempre.

Ou até um futuro próximo.


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Notas finais do capítulo

Prometo que este foi o último capítulo triste.

Próximo capítulo: Para Entrar em Midtown.



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