Vidas Secretas escrita por Srta Poirot


Capítulo 14
O Excêntrico Morgan (Standing Outside the Fire)


Notas iniciais do capítulo

Olá! Só tenho a agradecer a quem está acompanhando esta fic até agora e a quem vai acompanhar a partir de agora. Sério, vocês são demais! ;-)
Enfim, estão ansiosos para conhecerem a minha versão do Morgan? Espero muito que gostem. Aproveitem!

Dica de música: Garth Brooks - Standing Outside the Fire (1993)



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We call them strong

Those who can face this world alone

Who seem to get by on their own

Those who will never take the fall.

We call them weak

Who are unable to resist

The slightest chance love might exist

And for that forsake it all

They're so hell-bent on giving, walking a wire

Convinced it's not living if you stand outside the fire.

.

.

.

Queens, 25 de novembro de 1993...

Tony tinha o prazer de comemorar o Dia de Ação de Graças na casa dos Potts. Tony e Peter formavam uma família só de duas pessoas, mas com os Potts e o Rhodey, Tony sentia que sua família era bem maior. E nesse ano eles teriam a presença dos irmãos de Joe, que ainda não tiveram a oportunidade de aparecer.

Tony fez questão de ficar elegantemente bem vestido e ajudou Peter em sua escolha de roupa. Os dois ficaram prontos e preparados para irem à casa dos Potts no horário marcado.

“Mas e o meu chocolate quente?” Peter lamentou, cruzando os braços em chateação.

“Peter, não é hora para chocolate quente! Está na hora de irmos para a casa do Joe, e nós marcamos de chegar lá às 16 horas!”

Peter continuou com os braços cruzados. “Mas eu ainda quero meu chocolate quente.”

Tony suspirou. Peter não só herdou a inteligência dos Starks, mas também a determinação dos Starks para conseguir o que quer. Para Tony, os truques de fazer beicinho, olhar-de-cachorrinho-sem-dono e brincar com os dedos já não funcionavam mais, pelo menos, não com tanta frequência.

Tony se abaixou para ficar na altura do garoto de 8 anos. “Vamos fazer o seguinte: quando voltarmos da casa dos Potts, caso você ainda queira o chocolate quente, eu farei o seu chocolate quente. Entendido?”

“Promete?”

“Eu prometo.” Peter acenou com a cabeça aceitando a promessa. “Agora vamos! Se não o sorvete vai derreter.”

Peter sorriu, mesmo com dentes faltando. Ele estava na fase de troca de dentição, mas isso não o impedia de mostrar seu sorriso banguela.

Os dois saíram do apartamento e chegaram à casa dos Potts. Joe atendeu a porta que dava para as escadas que levavam diretamente para o andar de cima, sem terem que passar pela oficina.

“Tony! Que bom que chegou cedo! Meus irmãos literalmente acabaram de chegar. E aí, Peter? Como vai na escola?”

“Indo bem, mas as provas finais estão chegando!” Peter respondeu com um sorriso banguela.

“Tenho certeza que vai se dar bem.” Joe disse acompanhando os dois ao andar de cima.

Quando Tony entrou, Amélia estava dando atenção a duas pessoas que ele deduziu serem os irmãos de Joe, e Pepper os abraçava com carinho. Pepper estava em recesso da faculdade devido ao feriado de Ação de Graças e conseguiu visitar os pais.

“Tony! Que maravilha! Você está tão bonito e elegante!” Amélia exclamou quando viu Tony.

“Obrigado pelo elogio, Amélia. Eu e Peter fizemos sorvete caseiro para a sobremesa.”

“Isso é ótimo! Pepper! Coloque o sorvete no congelador.”

Tony entregou o pote cheio de sorvete que trouxe à Pepper, que levou logo para o congelador. Claro que Tony reparou no belíssimo vestido que mostrava os ombros que Pepper estava usando.

Amélia voltou a chamar a atenção de Tony. “Tony, deixe-me tirar uma foto sua com a minha nova Polaroid. Sorria!”

Click.

Amélia voltou a falar, “Peter, você também está lindíssimo! Vou tirar muitas fotos hoje.”

“Que bom, Amélia.” Joe a interrompeu. “Mas vamos apresentar nossos amigos aos meus irmãos.” Joe gesticulou para os dois desconhecidos. “Estes são Cristine e Morgan Potts. Morgan é meu irmão do meio e Cris é a mais nova.”

“É um prazer conhecê-los.” Tony estendeu sua mão e Cristine a apertou em cumprimento, mas Morgan ficou apenas encarando a estante de livros da sala do Joe. Ao contrário de Cristine, ele não olhava nos olhos e parecia desatento. Tony não se ofendeu, mas achou estranho.

“Cris, este é Tony, o rapaz que trabalha comigo do qual lhe contei, e este é o filho dele, Peter.”

“Joe sempre fala de vocês dois. Peter parece ser um menino adorável.” Cristine disse.

“Ele é.” Tony concordou com um sorriso. “Diga ‘olá’, Peter.”

Peter deu um passo à frente e disse, “Olá, é um prazer conhecê-la, Srta. Potts.”

“Ele ainda é um pouco tímido com desconhecidos, mas logo ele estará à vontade.” Tony explicou.

“Ele é bastante educado!” Cristine olhou para Peter. “Pode me chamar de Cristine.”

Peter acenou com a cabeça. “Srta. Cristine, o que ele está fazendo?”

Os adultos presentes olharam para onde Peter apontava. Ele apontou para o tal de Morgan que estava retirando todos os livros da estante e murmurando “Isso está errado, isso está errado...” sem parar.

“A culpa foi minha”, Joe disse. “Esqueci de colocar os livros em ordem alfabética.”

“Ele só está arrumando a estante, Peter.” Cristine assegurou.

Peter estranhou porque a estante de Joe estava sempre arrumada não em ordem alfabética, mas por temas. Os livros que Peter gostava de ler agora estavam sendo misturados com livros de sociologia e autoajuda que interessavam aos adultos.

Pepper voltou à sala com um sorriso. Ela viu Morgan arrumando a estante, mas mostrou indiferença, como se fosse normal. “Que tal sentarmos no sofá? Minha tia pode falar um pouco mais de Detroit.” Pepper sugeriu.

“Ótima ideia!” Amélia concordou. “Quero ouvir as novidades de lá.”

Amélia se sentou primeiro com Peter, Joe e sua irmã. O garoto ficou ansioso para ouvir histórias. Pepper foi detida por Tony quando ele lhe tocou suavemente no braço, chamando-lhe atenção.

“Espera um pouco.” Ele pediu. Pepper acenou positivamente e aguardou a próxima fala dele. “É que eu... queria dizer que você está muito bonita hoje. Não que não esteja bonita todos os dias, quer dizer, imagino que em Yale você deve chamar muita atenção... No bom sentido, é claro, você é muito inteligente-”

“Tony.” Pepper chamou.

“-e sempre se dedicou ao que era certo. O que faz de você ser a melhor pessoa para-”

“Tony!” Pepper chamou mais alto, mas só pra ele ouvir, e ele se calou na mesma hora. “Você está falando mais do que o Peter.”

“Isso é impossível.” Tony riu da própria piada.

Pepper, no entanto, continuou séria, como se estivesse medindo suas próximas palavras. “Você não sai muito, não é, Tony?”

Tony fez um olhar confuso. “Isso não é verdade. Eu e Peter gostamos de passear pela cidade, e ele está excepcionalmente animado para ir à Disney ano que vem, como eu prometi a ele.”

“Ah, esquece. Vamos nos sentar com os outros que é melhor. Minha tia deve ter muitas histórias pra contar.”

Pepper se retirou e deixou Tony muito mais confuso que antes. Será que ele disse algo errado? Talvez ela não gostasse do elogio, afinal, Tony ainda não sabia como falar com garotas. Não tinha tempo nem oportunidade pra isso.

Deixando a confusão de lado, ele se juntou aos outros sentando ao lado de Peter. Como prometido, Cristine contou muitas histórias de Detroit, dos pontos turísticos e de coisas embaraçosas que Morgan fez, inclusive sobre o escândalo que ele fez no avião.

“Mas por que seu irmão Morgan gritou no avião? Ele não gosta de voar? Eu gosto de voar com o Tio Rhodey.” Peter perguntou à Cristine.

“Ele gritou porque nossos assentos não eram do lado da janela e ele gosta de sentar ao lado da janela.” Cristine explicou.

“Mas ele é adulto! Se eu gritasse em público, meu pai me colocaria de castigo.”

“Peter! Non offendere gli adulti!” Tony disse repreendendo-o. “Não liguem e não pensem que ele tentou ofender.”

“Tudo bem, Tony.” Disse Joe. “Na verdade, nós não explicamos a situação. Morgan tem uma condição chamada de autismo. Por isso, ele age assim.”

Peter se virou para Tony com o cenho franzido. “Papai, o que é autismo?”

“Acho que o Joe pode explicar melhor.” Tony disse.

“Peter, autismo é um transtorno de desenvolvimento que compromete a comunicação e interação social.” Joe explicou. “Morgan foi diagnosticado com 2 anos.”

“Então ele é doente?”

“Claro que não! Ele só não se comunica como nós. Mas ele é muito inteligente. Por exemplo, não queiram jogar Blackjack contra ele. Ele sempre vence.”

“Nesse momento, o próprio Morgan decidiu se juntar a eles depois que terminou sua tarefa de arrumar os livros. Ele olhou para a TV e depois para Cristine.

“Está na hora do jogo.” Morgan disse. “São quatro e meia. Essa é a hora do jogo.”

Cristine fingiu ver as horas em seu relógio de pulso e disse, “Oh, é verdade. Está na hora do jogo.”

Tony ficou confuso. “Mas hoje não é dia de jogo.”

“Para Morgan, é.” Joe disse.

“Joe, seu VHS está funcionando?” Cristine perguntou.

“Sim, está em perfeito estado.”

Cristine tirou de sua bolsa um videotape com o título ‘Jogo de 66’. Ela colocou a fita no sistema de vídeo de Joe e ligou a TV. Tony percebeu que o vídeo era uma gravação de um jogo de futebol americano.

Morgan se acomodou exatamente no meio do sofá, separando Cristine de Tony. Peter sentou no chão, e Joe, Pepper e Amélia sentaram no outro sofá.

Durante a próxima meia hora, Tony se sentiu confuso com o jogo em preto e branco que estavam assistindo. Ele gostava de futebol americano, mas não entendia por que estavam vendo uma gravação antiga, feita antes mesmo de ele nascer. Morgan obviamente não ligava pra isso e assistia como se fosse a primeira vez, até vibrava a cada ponto que seu time fazia.

“Então...”, Tony começou a dizer, “Morgan gosta desse jogo?” Ele direcionou a pergunta ao Joe.

“É. Toda quinta-feira.” Joe se endireitou no sofá a fim de direcionar sua atenção ao Tony. “Deixe-me lhe contar a história toda. É que nosso pai adorava assistir aos jogos com os filhos, eu e Morgan. Era 24 de novembro de 1966, dia de Ação de Graças, quando nosso pai gravou esse jogo, Lions contra San Francisco 49ers. Ele gravou porque eu estava atrasado; tive uns problemas no trabalho na época – trabalhava em uma fábrica – e me atrasei. Ele e Morgan assistiram ao jogo e, como eu também gostava, gravaram para mim. Alguns dias depois, nosso pai morreu em um acidente de carro. Foi a última vez que assistimos juntos a jogos na TV.”

“Eu sinto muito, Joe.” Tony disse em conforto.

“Eu também, Tio Joe.” Peter disse.

Joe acenou para eles. “Morgan era o mais apegado ao nosso pai. Ele ficou estranhamente quieto por dias, até que decidiu que queria assistir ao jogo toda quinta-feira, mesmo que o Lions tenha perdido. O mesmo jogo, o último jogo... desde 1966.”

“Espera, desde 1966?” Tony perguntou surpreso e Joe acenou que sim. “Há 27 anos ele assiste ao mesmo jogo? Toda quinta-feira?”

Se Morgan tinha comportamento estranho antes, esse era mais estranho ainda.

“É verdade. Autistas têm comportamentos repetitivos e se apegam a rituais.” Cristine explicou. “Ele tinha dez anos na época e eu tinha oito. Acho que é uma forma dele se lembrar do nosso pai.”

“Karl Sweetan podia ter feito um passe completo. Ele tem força pra isso.” Morgan comentou para ninguém em particular.

“Não foi Karl Sweetan quem fez o recorde de passe mais longo completo semanas antes?” Joe entrou na conversa.

“99 jardas, em 16 de outubro de 1966. Ele tem força pra isso.” Morgan disse.

“Hã...” Tony ainda continuava surpreso com o que Joe contou. “Isso é...”

“Excêntrico?” Pepper sugeriu.

“Excentricamente incrível.” Tony completou.

Eles assistiram ao jogo todo e, como Joe havia dito, o Lions perdeu. Morgan ficou contando as correções que fez do jogo e das estratégias do time, mesmo que ninguém quisesse ouvir. Cristine, sempre paciente, ouviu atentamente ao que ele dizia.

Tony percebeu que Peter ficou inquieto e perguntou o que queria.

“Eu estou com fome.” Peter respondeu.

Amélia, sempre atenciosa com Peter, se direcionou a ele. “O peru ainda está no forno. Você sabe como demora, não é? Enquanto isso, você pode comer um pedaço do bolo de ontem. Guardei na geladeira.”

“Oba! Adoro bolo!” Peter adorou a ideia e foi direto para a cozinha.

Peter abriu a geladeira e viu o bolo mencionado, mas também notou uma garrafa de leite. Ele soltou um pequeno gemido. “Eu ainda quero o chocolate quente.” Ele olhou para o fogão e sua mente infantil o fez perceber que ele não deveria esperar pelos adultos. “Eu sei fazer chocolate quente.”

Peter foi até o fogão e ligou o gás de uma das bocas, em seguida, pegou uma leiteira e a pôs em cima. Próxima etapa era pegar o leite e os fósforos. Pondo a garrafa de leite no balcão, ele pegou um dos fósforos para acender. Ele esfregou um fósforo contra a caixa e viu sua primeira tentativa falhar.

De repente, Peter sentiu seus braços presos e seus pés saírem do chão.

“Criança não pode mexer no fogão. Criança não pode mexer no fogão.”

Era Morgan quem apareceu a tempo, repetindo a frase ‘Criança não pode mexer no fogão’ várias vezes e segurando o garoto com força, impedindo-o de se soltar.

“Qual o seu problema? Me larga!” Peter se contorcia, mas nada adiantava.

“Que cheiro que gás é esse?!” Amélia apareceu já em alerta e viu a situação do fogão. Imediatamente ela correu para desligar o gás que vazava da boca de cima e do forno.

“O que está acontecendo aqui, Petey?!” Tony perguntou já percebendo a situação do garoto e Morgan.

“Ele não quer me soltar!”

Agora, todos os adultos se fizeram presentes na cozinha.

“Criança não pode mexer no fogão. Criança não pode mexer no fogão.” Morgan repetia.

“Ele fica repetindo isso.” Cristine suspirou. “É uma regra que nossa mãe impôs para que nós não mexêssemos no fogão quando éramos crianças. Para evitar acidentes com fogo.”

Com a presença de Cristine, Morgan soltou Peter e se acalmou. Ele esfregava uma mão na outra de nervosismo, mas sua irmã lhe tranquilizava.

Com a soltura, Peter foi para o lado de seu pai, mas Tony não lhe faltou com repreensão.

“O que significa isso, Peter?!” Tony tomou os fósforos da mão do garoto.

“Eu só queria fazer chocolate quente...” Peter disse com a voz chorosa.

“Meu Deus!” Amélia exclamou em meio a tosses. “Se o gás tivesse entrado no forno teria acontecido um desastre!”

Cristine se retirou com Morgan. Joe e Pepper continuaram na cozinha abrindo janelas para ventilar.

Vendo que os adultos estavam aflitos, Peter percebeu que fez algo errado e que seu pai ficou exasperado.

“Que história é essa de chocolate quente? O que nós conversamos, Peter?” Tony perguntou.

“Mas eu sei fazer-”

“Não interessa se você sabe ou não! Quando cozinhamos alguma coisa, quem é que fica no fogão? Exatamente, sou eu quem fica no fogão! E você tem idade suficiente para saber que deve pedir permissão aos adultos antes de fazer algo, principalmente se está na casa dos outros! Você tem ideia do que poderia ter acontecido? Quer colocar fogo na casa?”

Peter começou a derramar lágrimas de culpa. “Claro que não.”

Tony suspirou profundamente e mudou seu tom de voz. “Bambino, estou muito decepcionado com você, e estou muito chateado porque vou ter que descumprir a promessa de fazer o chocolate quente pra você mais tarde.”

Peter enxugar suas lágrimas com as mãos quase que em vão. “Vou ficar de castigo?”

“Sim, vai ficar sem o seu chocolate quente e sem videogame nas férias. O Rhodey vai ter que pensar em outras brincadeiras ou atividades pra vocês fazerem.”

“Me desculpe, papai. Eu agi errado.”

“Peça desculpas principalmente aos Potts e agradeça ao Morgan. Ele salvou nossas vidas de um incêndio iminente.”

“Farei isso agora mesmo, papai.”

Tony se abaixou ao tamanho do garoto e abriu os braços. Peter aceitou o abraço com bastante carinho. Depois que se soltou do abraço, Peter foi ao encontro dos Potts fazer seu pedido de desculpas.

Tony ficando olhando de longe para Peter e tentou se esquecer da tragédia que poderia ter acontecido. Ele já errou antes e agora foi a vez de Peter. Tony também olhou de longe para Morgan. O irmão de Joe era mais inteligente do que se poderia imaginar.

No momento, Tony não sabia até quando poderia proteger Peter dos males da vida. O que Tony realmente sabia era que ele tinha algo para agradecer hoje.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?

Próximo capítulo: Natal de 1994.



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