Oitava Fileira escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 21
Sobre lobos e homens


Notas iniciais do capítulo

Capítulo duplo



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— Por aqui, senhores.

Ver Carmem como empregada de Maria foi estranho. O Cas tentou falar com a garota desde que levantou, ela sempre dando desculpas. Eu procurei feitiços agressivos e coisas estranhas o tempo inteiro, mas não tinha nada. Infelizmente não podia ler a mente das pessoas ali, só a do Cas, mas nem meu lobo achava algo suspeito.  Não fossem os avisos de Denise, até eu poderia acreditar. Maria Cebolinha tinha se tornado uma mulher bonita, educada, sem um pingo da malícia do irmão.

Esperava que o Cas pudesse convencê-la a mudar de rumo, porque até pra mim seria duro matá-la sem ser provocado. Debandar seu exército, talvez deixá-la presa a uma cama pelos inocentes que morreram na vila, sim, mas matá-la… Eu estava tão cansado de matar. 

Maria mostrou com alegria a cidade que construiu, o quanto tudo era organizado e limpo. Eu sentia falta de outras pessoas, um pouco. Havia tanto tempo que eu não via crianças brincando, ou gente fazendo coisas comuns. Vimos o festival que acontecia na frente dos portões. Música. Danças. Alguém fazendo truques com fogo. Ninguém com medo de nós, isso era novo, diferente de um jeito bom.

— Maria, por favor me escute. Essas coisas que você faz, precisa parar. Por melhores que sejam suas intenções, isso não pode acabar bem. Eu vi o que acontece ali e por favor, você não pode parar lá.

Ela só riu suavemente, como se ele tivesse contado uma piada interessante. — Sei que parece cruel, Cas, mas quando se lida com tantas vidas, preciso ser rigorosa às vezes. Realmente lamento pela vila, pode ter certeza que vou corrigir a brutalidade de Eduardo. Quanto ao inferno, você pode falar mais sobre isso durante o almoço.

Havia uma mesa posta num pátio largo, coberto com palmeiras, e um banquete. O Cas era um cozinheiro fantástico, mas conforme ele ia se perdendo, as coisas que preparava se pareciam cada vez menos com comida. O cheiro era de embriagar, e Maria em pessoa puxou a cadeira pro Cas. Nós caminhamos até nossos lugares, quando algo dentro de mim alarmou. Tinha algo que eu não podia ver, ou perceber, mas sabia que estava ali. Segurei o braço do Cas.

“Pare, Cas. Já chega, vamos embora.”

— O que foi, Mauro? Está tudo bem. Vocês são meus hóspedes hoje, ninguém se atreveria a lhes agredir aqui.

Cássio só ficou na minha frente, entre mim e Maria. Os guardas nem se mexeram.

O animal dentro de mim mostrava os dentes. Eu a subestimara demais, não seria capaz de matá-la ali, no centro do território dela. Nós tínhamos de sair logo, e planejar um ataque outra hora.

— Mauro, os senhores estão na minha cidade há um dia. Se eu quisesse lhes fazer mal, já teria feito. Pode verificar de novo, há algum feitiço agressivo aqui?

Nenhum. Só essa barreira por todo o lugar. Mas não vou ignorar meu instinto, tem algum perigo aqui.

Ela sentou-se na cadeira que puxou, nada aconteceu. Então ela ordenou a um dos soldados que sentasse, e nada aconteceu de novo. — Por favor, sentem-se. Eu insisto. Um almoço, e discutiremos tudo que vocês quiserem. Então poderão ir embora em paz.

Cássio ainda acreditava mais em mim, e recuou um passo, o braço pra trás. Tocou em alguma coisa. Puta merda, a barreira. Ela não alterou o caráter da coisa, e sim os limites. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele foi erguido e atirado pro céu. Me virei pra segui-lo, alguma coisa forte como um coice me acertou e jogou no chão. Algo como um empurrão, e outro e outro.

Me levantei com dificuldade. Inferno, a barreira tinha bloqueado minha conexão com Cássio. Merda, tenho que me levantar, ele não pode ficar sozinho. Como fui cair numa armadilha estúpida dessas?

Então apareceram encantamentos e correntes de todos os lados, e fui preso no chão.

— Incrível. Sabia que você era forte, mas aguentar vivo três tiros do Nemesis... Estou francamente impressionada. Um disparo é capaz de perfurar um prédio, sabia? Agora tenho a elite da magia do continente contendo-o agora. Sem sua bateria mágica, você não é capaz de se livrar. Olha, ele está de volta.

As sirenes ressoavam na cidade inteira. Minha cabeça começou a doer de verdade e mal conseguia manter os olhos abertos. Porém não iria desmaiar, precisava sair daqui. Ajudar o Cas. Comecei a concentrar magia em mim, me preparando pra qualquer coisa que Maria tentasse. Precisava sobreviver, pelo menos até o Cássio me alcançar e eu estabilizá-lo outra vez. Ouvi a voz do Cas, ele estava se controlando pra não atacar com tudo e destruir cada humano do lugar.

— Solte-o, Maria. Agora.

— Podem ligar. — Ouvi um rugido, e começou a respingar água em mim. — Sei que herdou os poderes do Feio, Cássio, então aí tem água suficiente pra enfraquecer até mesmo você. E se ainda quiser falar um pouco mais com seu titereiro, vai parar agora.

O barulho parou. — Mauro, por favor, responda. O que aconteceu?

— Fica calmo. Eu não vou morrer agora. Não são dois tiros que vão me derrubar. Entendeu? Vai ficar tudo bem.

Eu não podia alcançá-lo dali, mas precisava que ele acreditasse em mim. Enquanto ele vivesse, eu ficaria bem.  Mas ele NÃO sabe disso, sabe?  Minha consciência irritada gritava. Você, o lobo mais burro que a terra já pariu, NUNCA planejou contar a ele o que realmente andou fazendo com essa magia de merda. 

Além disso, o encantamento não me impedia de ser muito fodido  ou morto pelo que quer que Maria e Nero tivessem na manga, somente de continuar morto e fodido. Puta merda, fui um imbecil.

— Pare de ferir o Mauro, Maria, ou eu-

Ouvimos uma voz do fundo da sala. — É Lady Shih pra você, monstro. Desculpe o atraso, m´lady.

— Bem na hora, meu campeão. Venha, tenho uma tarefa pra você. E você, Mauro, fique parado. Odiaria vê-lo morrer antes do grand finale. Ponham-no de joelhos.

Me obriguei a me acalmar. Eu não podia fazer nada em outras pessoas. Não podia alcançar o Cas, mas tinha que continuar consciente de algum jeito.

Nero se abaixou na minha frente, uma alegria perversa escorrendo das palavras, o cheiro da Serpente tão intenso que queimava. — Eu sei que vocês mandaram o Luca e seus capangas, assim como Denise e o outro Xavier pra me impedir. Estão todos mortos. Incinerei Luca com o fogo do seu próprio dragão, e aqueles dois rebeldes estão agora apodrecendo na porta da cidade.

O Luca? Ele veio aqui? Como ele soube do Nero… Merda, o Odin não tem jeito. — Você não conseguiria matar o Luca nem se quisesse, animal.

— Ele usava barba e um anel de prata na mão esquerda. Acho que você reconhece. — E deixou uma joia cair bem na minha frente.

Puta merda, é a aliança do meu pai. Sinto a corrente do meu irmão deslizando pelo pescoço. Tire as patas disso, filho duma puta! Eu vou sair daqui e você vai implorar pra morrer muito antes disso acontecer. — O que, quer sua coleira de volta? Vou pôr na minha sela pra lembrar desse momento legal, pode ficar tranquilo. Você podia ser mais como seu amiguinho paraplégico, aquele aguentou como um homem. Contenham direito esse vira-lata.

— Muito bem, Nero. Agora levante-se e termine com aquela imitação barata. — Ouço passos se afastarem e a Maria puxou minha cabeça pra trás. Algo gelado pressiona minha garganta, e quase posso ouvir a força sombria impregnada na lâmina.

Merda, nada do que eu posso fazer nesse estado vai ser suficiente contra isso. Sinto o povo das Sombras cada vez mais próximo, sem atacar. Esses merdas estão me esperando enfraquecer o suficiente pra me usar como um caminho pra mente do javali imbecil ou algo pior, e não posso deixar isso acontecer.

Vejo o sorriso faminto através do Eduardo, e o medo ameaça arrancar minha alma do corpo. Esses fiapos de demônio não podem fazer mal algum ao Cas, porém a Serpente pode, e só Deus sabe que poderes ela deu ao filho da puta.

Sem aviso, as imagens de um Cássio com os olhos negros e todo o poder da Terra corrompido nas mãos me invadem. Se aquela puta escamosa dominar o Cas, ele acaba com a porra da vida na Terra

Frenéticos, eu e lobo nos empenhamos ao máximo pra cortar qualquer acesso que tenho aos pensamentos do Cas, torcendo pra essas coisas demoníacas não perceberem. Nada vai parar a vingança de Maria, e a magia negra dela vai me deixar tão fodido — porque estou garantindo isso — que não vai sobrar o bastante pra eles usarem contra o porco babaca. Caralho, o Cas nunca vai me perdoar depois dessa. 

O silêncio crescente era sufocante. A faca cortando minhas proteções mágicas já detonadas também. 

— Eu disse que tiraria tudo de você, lembra? 


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