Contos da Noite escrita por adjr


Capítulo 3
Consequências




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—Nossa. – O rapaz engoliu em seco. – Você ouviu seus ossos quebrando?

— Sim, posso te garantir que é uma das piores sensações do mundo. – Bernardo estendeu a mão pedindo a garrafa e de um gole.

Depois de uma longa pausa o suicida resolveu quebrar o silêncio.

— Eu nem posso imaginar como é isso. Mas... Se você morreu... Então é um fantasma?

— Não exatamente. Fantasmas não tem corpo físico, eu tenho. É quase como se eu tivesse ressuscitado.

— Espera! Fantasmas também existem? – O rapaz parecia assustado com a constatação.

Bernardo bebeu mais um gole de whisky e, limpando a boca, estendeu a garrafa para o outro.

 - Você se surpreenderia com a quantidade de seres que habitam a noite, se escondendo nas sombras dessa cidade, sem que os humanos sequem imaginem sua existência.

O outro bebeu.

— Eu acho que é muita informação pra mim.

Bernardo deu um leve sorriso.

— É muita informação pra qualquer um. – Ele fez uma pausa. – Acho melhor eu parar por aqui e você prossegui com seu suicídio.

O rapaz o encarou franzindo o cenho.

— Mas você ainda nem chegou perto de me contar como se tornou um ceifador! E a gente tem um trato, assim que me explicar tudo eu pulo.

O ceifador suspirou revirando os olhos.

— Acho que eu não tenho muita escolha então.

***

Foi tudo muito estranho. Em um momento eu estava deitado na rua da praia e, em um piscar de olhos, eu estava acordando com sons estranhos de batida e vozes que ficavam cada vez mais altas.

Meu corpo ainda doía muito, e eu mal conseguia me mexer. O local em que eu estava era escuro e apertado, era difícil até de respirar.

Não demorou para que eu percebesse que estava dentro de um caixão e o som das batidas na verdade eram pás jogando terra sobre ele.

Eu me desesperei. Havia acontecido um engano! Eu ainda estava vivo! Não podia estar sendo enterrado.

—Socorro... Eu ainda estou vivo. – Tentei gritar, mas minha voz mal saiu.

Então era isso, eu não tinha morrido atropelado para poder morrer asfixiado dentro de um caixão.

Meus olhos vertiam lágrimas enquanto eu reunia todas as minhas forças pra bater na tampa pedindo por ajuda. Era inútil, eu não conseguia mover nenhum músculo.

Não sei quanto tempo fiquei tentando me mover em vão, mas acabei desistindo, já havia aceitado que aquele seria meu fim.

Fechei os olhos, tentando controlar a respiração para prolongar meu resto da vida. Foi aí que comecei a ouvir com mais clareza as vozes que vinham de fora.

— Ele deve estar desesperado se já tiver acordado.

—Por isso que temos que ser rápidos, senão ele vai acabar enlouquecendo lá dentro.

Demorei alguns segundos pra entender o que estava acontecendo, mas logo percebi que as pás não estavam jogando terra sobre o caixão e sim estavam o desenterrando. Uma centelha de esperança tomou conta de mim, então mais uma vez me esforcei pra gritar.

— Eu tô aqui, tô acordado. – A voz saiu mais alta.

—Ber? – Agora eu reconhecia a voz, era Helena. – Ber, já estamos chegando, logo te tiramos daí, fique calmo.

Chorei de alívio, não era meu fim. Sem querer comecei a rir de felicidade. Entre meu riso e minhas lágrimas ouvi as pás batendo na tampa do caixão e então, depois do som da madeira quebrando, a luz invadiu o lugar.

Demorou pra eu conseguir enxergar direito, mas quando minha vista focou na cabeleira ruiva de Helena quase não contive minha alegria.

— Feliz em me ver? – Ela disse sorrindo.

Eu queria pular do caixão e abraça-la, mas não consegui.

— Eu... Eu não consigo me mover.

—Isso é normal, você ficou muito tempo aí dentro e... Bem, você foi atropelado, provavelmente ainda está todo quebrado. – A voz grave vinha de um homem barbado do outro lado da cova.

— Pai?! – Eu estava confuso.

— E aí filhão, eu esperava te ver só nas férias... E em melhor estado. – Ele riu. – Agora me ajudem, vamos tirá-lo daí.

Percebi então que Dimitre também estava ali com eles. Os três me pegaram e, com algum esforço, me tiraram de lá e me colocaram em uma cadeira de rodas.

— Dimi? O que está acontecendo? – Eu estava completamente perdido.

— Calma Ber, eles vão te explicar logo. – Dimi disse, empurrando a cadeira enquanto os outros fechavam novamente a cova. – Tô feliz que você está vivo cara, me deu o maior susto.

Eu olhei para meu corpo, estava vestido com um terno simples, mas não conseguia mover nenhum músculo sequer.

— Eu estou confuso Dimi, o que está acontecendo?

— Não adianta eu querer explicar, eu sei quase nada Ber, só o pouco que me disseram. Parece que seu pai é importante de um jeito que a gente nem imagina, um tipo de anjo eu acho.

Chegamos a um carro preto que estava estacionado em frente ao cemitério. Meu pai e Helena chegaram e, com a ajuda de Dimi, me colocaram no banco traseiro. O carro arrancou.

— Pra onde gente tá indo? – Foi a primeira coisa que pensei em perguntar.

— Vamos pro meu apartamento, no centro. Lá é mais seguro. – Meu pai respondeu enquanto dirigia.

— Mas você sempre disse que morava muito longe. – Eu disse.

— Eu não podia te contar que morava na cidade, não era seguro pra você e sua mãe.

—E, deu muito certo. – Helena respondeu. – Ele tá super bem!

— Se a senhorita não tivesse levado meu filho menor de idade pra uma balada de seres noturnos ele estaria muito bem! – Meu pai retrucou, visivelmente irritado com ela.

Todos ficaram quietos por um tempo.

—Pai, você é um anjo? – Eu disse, quebrando o silêncio.

Ele riu.

— Não, anjos são metódicos, burocráticos e extremamente chatos. Na verdade eu sou um ceifador de almas.

— Um o que? – Eu perguntei.

— Um ceifador de almas. – Helena explicou. – Ele coleta as almas de quem morreu e encaminha pro julgamento. – Então ela se voltou pro meu pai. – E, na minha opinião, os anjos pelo menos ficam lá no lugarzinho deles e não incomodam tanto como ceifadores.

— E por que você também não fica no seu lugar? – Meu pai retrucou.

Eu troquei olhares com Dimitre que estava em silêncio. Parecia que meu pai e Helena não se davam muito bem.

Não demorou para chegarmos em um grande prédio espelhado com uma placa que dizia “M. Enterprise”.

— M Enterprise? – Dimitre questionou. – Não é uma empresa de tecnologia?

—É também... Mas é muito mais também. – Meu pai respondeu.

—Sim, eles também fazem merda, por isso o M. – Helena provocou novamente.

— Olha aqui menina, só pelo que você fez já merecia ser executada, então é melhor se por no seu lugar senão...

— Parem, por favor! – Eu intervi. - Parem de discutir, eu preciso sair daqui.

Meu pai me olhou e depois encarou Helena.

—Venham, me ajudem com ele.

Os três saíram do carro e me colocaram novamente na cadeira de rodas. Dessa vez meu pai a empurrava.

Seguimos para dentro do prédio. A recepção era pequena com um rapaz que nos cumprimentou com um aceno. Subimos de elevador mais andares do que o prédio aparentava comportar e então saímos em uma sala ampla com várias estantes e uma janela que pegava uma parece inteira, dando uma bela vista da cidade a noite.

Me colocaram em um sofá. Meu pai saiu por uma porta e meus amigos sentaram em minha frente.

Ficamos calados até meu pai retornar. Quando voltou, trouxe uma xícara e se sentou ao meu lado.

— Beba, vai te ajudar a recuperar os movimentos e ajudar com os ossos quebrados.

O líquido era amargo e cheirava mal, mas ainda sim bebi tudo sem questionar.

Meu pai então colocou-a em cima da mesinha de centro e sentou em uma poltrona, de costas pra grande janela.

— Vamos lá... as explicações. Deixe-me pensar por onde devo começar. – Ele nos olhou por alguns instantes e, tomando folego, começou a falar. – Parece que uma série de fatores quase que improváveis nos trouxe até aqui hoje.

Eu ouvia atentamente.

—Primeiramente. – Ele continuou. – Eu sou um ceifador, um dos vários que existem e você Bernardo, sendo meu filho, assumiria meu lugar quando fosse minha hora, o que o torna, de certa forma, um semi-humano.

— Tudo teria corrido como o planejado. – Meu pai prosseguiu. – Se vocês não tivessem sápido com Helena, uma bruxa, que os levou pra Perdição, uma balada de criaturas mágicas e seres da noite.

— Bruxa? – Dimitre interrompeu, as Helena apenas fez um sinal indicando que falaria sobre aquilo depois e então voltou-se para meu pai que continuou a falar.

— Sim, bruxa. Acontece que a perdição tem a regra de que todo humano novo a casa deve beber uma bebida chamada Beijo Verde. Ela tem um efeito que impede que as criaturas façam qualquer coisa com o humano que a tomar e, caso o humano veja algo fora do normal, ele esquecerá no dia seguinte.

— E como você é um semi-humano, o Beijo Verde não fez efeito em você – Helena completou.

— Sorte a nossa que Lucian percebeu que você não era totalmente humano quando tentou ler sua mente, aí conseguiu avisar Helena. – Meu pai continuou. – Infelizmente não foi só ele que tinha notado isso e, mesmo Helena os transportando pra Praia, um grupo de vampiros o encontrou e acabou te pegando. Provavelmente seguiram o cheiro do seu sangue.

— Nossa! Vampiros, ceifadores, bruxas... Minha mãe estava certa em não querer deixar eu sair de casa. – Dimitre disse.

— Como assim? Você não disse pra sua mãe que iria dormir lá em casa? – Helena o questionou.

— Não exatamente. – Ele se explicou. – Eu meio que saí escondido.

— Eu não acredito Dimitre! – Helena brigou com ele.

— Mas por que eles queriam me pegar pai? – Eu disse, ignorando a discussão dos dois.

— Sua alma é rara filho. Se eles conseguissem pegá-la, poderiam se fazer poderosos vendendo-a no mercado negro. Felizmente eu cheguei antes deles se aproximarem do seu corpo, mas eles fugiram. Agora estamos aqui, com você se recuperando, um humano que sabe demais e uma bruxa irresponsável.

Helena o encarou com desdém.

— Mas pelo que vocês falaram, não era pro Beijo Verde ter apagado minha memoria? – Dimitre indagou curioso.

— Eu tive que cancelas o efeito dele na praia pra você me ajudar com o Ber. Aí você acabou vendo todo o resto. – Helena explicou. – Viu eu voltando inteira após ter sido atropelada daquele jeito e viu Arthur espantando os vampiros.

— E o que acontece com a gente agora? – Eu perguntei.

— Esperamos até que seus movimentos voltem e aí vamos a audiência onde o conselho será reunido para decidir o que fazer com vocês três.

— Comigo também? – Dimitre questionou, - O que eles querem fazer comigo?

— Você é uma testemunha humana. Na melhor das hipóteses apenas apagarão sua memória. – Meu pai respondeu.

— E na pior?- Dimi disse preocupado.

— Bem... Vamos esperar pela melhor. – Meu pai disse, levantando. – Agora, se me derem licença, eu tenho assuntos pra resolver no meu escritório. Qualquer coisa chamem. – E saiu por uma das portas de madeira que dava pra sala.

Foram algumas horas até que eu me recuperasse totalmente. Nesse tempo Helena respondeu um par de perguntas que eu ainda tinha.

Descobri que ela era realmente era uma bruxa capaz de lançar feitiços e que foi um dessa forma que fomos da Perdição pra praia tão rápido, e que foi um desses feitiços que a protegeu quando foi arremessada para longe por aquele carro.

Sobre a tal audiência, pelo que entendi, as criatura da noite se organizam seguindo uma serie de regras muito rígidas e uma série de regras, que eles chama de “O Código”, foram quebradas por nós, então as punições precisavam ser aplicadas.

— Acho que estamos prontos. – Meu pai disse, voltando a sala.

Nesse mesmo instante a porta do elevador se abriu, revelando um homem de meia idade vestido de terno.

— Senhor Parish, crianças, o conselho já foi reunido e a audiência vai começar, me acompanhem, por favor.


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