Contos da Noite escrita por adjr
Eu tinha um amigo, Dimitre. Nós matávamos aula de vez em quando e íamos a praia para ficarmos deitados tomando sol e ouvindo o mar.
Era só mais um desses dias. Era bem cedo e o sol estava fraco. Fazia pouco tempo que tínhamos chego quando uma menina se aproximou. Ela usava um vestido bonito e carregava os saltos na mão.
— Oi meninos, vocês tem isqueiro?
Eu e Dimitre nos olhamos.
— A gente não fuma Helena.- Eu disse.
—Ah, não faz mal... – Ela sentou ao nosso lado. – Matando aula então?
— É... Aproveitando a manhã. – Dimitre respondeu. – E você?
— Não dormi ainda, passei a noite na Perdição.- Helena disse dando de ombros.
—A balada?
—Sim, conhece?
— Só de passar na frente, a gente não tem idade pra entrar. – Dimi disse, olhando para baixo, meio decepcionado com a constatação.
— Eu também não, mas entro. – Ela disse rindo. – Não é tão difícil, lá eles se importam mais se você tem dinheiro do que idade pra beber.
Eu e Dimitre também rimos.
— Devíamos tentar um dia Ber.- Dimi disse me olhando.
— O Bernardo na balada? Essa eu pagaria pra ver. – Helena riu.
Na época eu era bem tímido, mal saia de casa. Dimitre e Helena eram alguns dos poucos amigos que tinha.
— Porque não? – Eu disse provocando. – Eu é que duvido que a gente consiga entrar.
—Então combinado, vamos hoje! Eu coloco vocês pra dentro. – Ela sorria maliciosamente.
Eu fiquei branco.
— É que hoje eu...
— Eu sabia, ele não tem coragem. – Dimitre riu.
Eu o encarei estreitando os olhos.
- Tá, por que não? – Falei dando de ombros. – Mas vamos precisar dormir na sua casa Helena.
—Beleza, não vai ser a primeira vez que alguém “dorme” lá – Ela fez aspas no ar. – Cheguem as dez... E vão bem bonitos. - A garota se levantou tirando a areia do vestido. – Agora vou pra casa dormir um pouco para estar inteira para hoje a noite. – E saiu mandando beijos com as mãos.
—Huu, baladinha hoje então Ber. – Dimi disse me cutucando.
— É Dimi, balada! – Disse, jogando areia nele. – Grande coisa.
Me levantei e comecei a andar. Ele veio atrás.
— Bernardo vai balançar o rabo hoje, vai beijar na boca. – Dimitre fazia vozinhas e cantarolava enquanto me seguia.
Eu revirei os olhos e apertei o passo, não queria mais ficar na praia, então fui pra casa.
***
— Eu sempre passo na frente dessa tal Perdição, mas nunca entrei. - O suicida disse após um gole do whisky com o olhar perdido na noite.
— Você não tem cara de quem gosta de balada. – Bernardo respondeu.
— Você tem razão. Eu mal bebo. Sou muito descontrolado alcoolizado, morro de medo do que os outros podem pensar de mim.
— Não é a toa que você vai se suicidar. - Bernardo disse com um risinho.
O outro o encarou por alguns segundos com desaprovação, mas depois tentou retomar a conversa.
— Então você, Helena e o Bernardo foram pra essa tal Perdição?
— Eu, Dimitre e Helena! Bernardo sou eu! – O ceifador disse com um ar levemente irritado. – Você está prestando atenção na história?
— Estou, estou sim! Acho que é o Whisky. Eu te disse que não sou acostumado a beber. – E deu mais um gole.
— Então não é melhor parar?
— São, provavelmente, minhas ultimas horas de vida, acho que tenho o direito de beber o quanto eu quiser.
— Então tá... – Bernardo revirou os olhos. – Contanto que fique consciente pra me ouvir.
— Vou ouvir se você continuar a contar a tal história... Vocês foram ou não pra Perdição?
***
Eu estava meio receoso de sair de casa a noite, mas acabei indo e as quinze pra dez já estava em frente a casa de Helena, esperando Dimitre chegar para entrarmos.
Demorou um pouco, mas logo ele chegou. Estava muito arrumado, os cabelos lambidos de gel.
— Sua mãe resolveu pentear seu cabelo? – Eu disse tirando sarro.
— Pelo menos eu penteio o cabelo. – Ele respondeu, me dando um soco no ombro. – Está pronto pra hoje?
— Não sei, estou meio... Sei lá...
—Eu também estou assim, mas você conhece a Helena, ela vai pra esses lugares desde o primeiro ano e nunca teve problemas com isso.
— É, você tem razão. – Eu disse, e seguimos para a porta. Ele bateu.
—Entra. – A voz de um garoto veio de dentro da casa.
Dimitre deu de ombros e abriu a porta. Entramos em uma sala com um sofá rasgado e uma TV grande onde o irmão de Helena jogava qualquer coisa.
—Oi Caio, a gente veio ver a Helena...
— Claro que vieram. – Ele havia pausado o jogo e nos olhava. – Se tivesse vindo jogar comigo a mãe do Dimitre não teria penteado o cabelo dele. –Ele disse rindo, eu ri junto. – Ela tá no quarto. – O garoto apontou para a porta, mas nós já conhecíamos o caminho.
Fomos até lá e abrimos sem bater. Ela estava sentada em frente a um espelho colocando uns brincos.
— Achei que vocês não vinham.
Nós sentamos na cama enquanto ela terminava de se arrumar.
— Na verdade eu ainda não tenho certeza. – Eu disse.
—Ah Ber, não me diga que vai desperdiçar todo o trabalho que a tia Beth teve penteando o cabelo do Dimi. – Ela disse com um sorriso malicioso.
— Mas que caralho! O que vocês tem com o meu cabelo? – Dimitre disse bagunçando o cabelo com as mãos. – Pronto! Felizes?
Eu e Helena nos entreolhamos e caímos na gargalhada.
—Ai Dimi. – A garota se levantou e veio até ele. – Deixa que eu arrume isso. – Então começou a passar o dedo entre as mechas loiras de cabelo até o colocar no lugar. – Pronto, agora tá melhor.
Eu o olhei, realmente estava melhor, menos lambido. Dimi também gostou.
— Só vou calçar os sapatos e a gente vai. – Helena disse indo até uma sapateira ao lado da porta enquanto gritava para o irmão. – Caio, chama um taxi pra gente?
—Taxi? Pra que se... – Ele deu fez uma pausa. – Ah, claro, pra vocês três, chamo sim.
—Valeu... – Ela respondeu.
—Eu queria um irmão legal como o seu, o meu não faz nada o que eu peço. – Dimi disse levantando e indo pra saída do quarto.
— Acredite, ele não é tão legal assim, só está numa lua boa. – Ela riu e nós acompanhamos.
Saímos da casa e um taxi nos esperava.
—Como vamos entrar. – Eu perguntei enquanto estávamos no caminho.
—Ah é, quase esqueci. – Helena tirou dois documentos de uma bolsa. – Esses são seus documentos pra hoje. Não troquei nada, só mudei a data de nascimento.
Pegamos os documentos. Não sei como, mas Helena havia feito uma cópia dos originais tão perfeita que eu jamais saberia que eram falsos.
— Ai Ber, parabéns, ficou maior de idade. – Dimitre disse brincando.
O resto da viagem passamos fazendo piadas e comentando como seria a festa daquela noite.
A fachada da balada era discreta. Uma porta vermelha com um toldo e um segurança. No toldo se lia Perdição, escrito com uma tinta descascada.
Helena se aproximou do segurança e nós a seguimos.
— Oi Dani, como está hoje?
A cara amarrada do segurança se desfez em um sorriso.
— O de sempre pra esse horário, meio vazia ainda. O povo chega mais tarde. – Ele fez uma pausa e nos olhou. – Trouxe novos amigos hoje?
- Sim! Primeira noite deles aqui! Acabaram de ficar maiores. – Ela disse sorrindo.
—No taxi, eu imagino. – Ele disse fechando a cara. Nós dois engolimos em seco. – Brincadeira. – Ele riu. – Sejam bem vindos, sou Daniel, se divirtam.
Nós rimos meio nervosos, entregamos os documentos e entramos.
O lugar realmente estava meio vazio, mas era incrível.
Helena nos puxou direto para o bar. Uma mulher de cabelos negros nos atendeu.
— Helena. O de sempre?
—Hoje não Verônica, estou com os meninos, é a primeira noite deles aqui...
—Primeira? Na vida? – A bartender perguntou e Helena afirmou com a cabeça. – Então a primeira é por conta da casa.
—Não precisa. – Dimi tentou argumentar, mas Helena o interrompeu.
—Precisa sim, é tradição da casa
—Exatamente. – Verônica disse e logo serviu dois pequenos cálices com um líquido esverdeado. – Saúde meninos.
— O que é isso? Não é absinto, né? – Eu disse, estava meio desconfortável.
— Se chama Beijo Verde, é o drink de boas vindas da Perdição. – Verônica explicou. – Não se preocupe, não é forte.
— Só bebe Ber. – Dimitre disse, virando seu cálice.
Olhei para Helena e ela apenas sorria, esperando que eu bebesse, então o fiz.
A bebida desceu suave, um sabor que ainda consigo sentir se me esforçar um pouco. Não parecia com nada que eu já tivesse bebido antes;
— Como se sentem? – Helena nos olhava curiosa.
— Ótimo! Quero outro! – Dimitre parecia mais alegre do que nunca.
— Sim, é muito bom! – Eu também respondi.
— Desculpe meninos, só uma. – Verônica respondeu. – Agora eles estão com você Helena.
— Perfeito, três tequilas então. – Ela disse sorrindo.
Eu estava meio confuso sobre o significado daquilo, mas preferi não fazer caso por pouca coisa, então bebemos tequila.
Uma, duas, três... Não sei quantas tequilas tomei aquela noite. Lembro-me de flashes. Uma hora eu estava dançando com Helena na pista, outra estávamos bebendo cerveja no bar. Conversei com pessoas que mal lembro o rosto e tenho lembrança de ter beijado pelo menos uma delas. Estranhamente sentia como se muitas pessoas me seguiam com os olhos, me encarando com olhares estranhos, mas pensei que era o álcool.
Chegou uma hora que eu não aguentava mis dançar que Helena me arrastou para o terraço. Lá eu sentei e, enquanto bebia água, comecei a recobrar os sentidos.
Helena fumava, sentada ao meu lado. Em nossa frente estava Dimi, visivelmente mais bêbado que eu. Ao seu lado um rapaz afagava seu cabelo enquanto ele repousava a cabeça em seu ombro.
— Você é um cara legal. – Dimitre falava enrolado.
— E você é fofo loirinho, vontade de te levar pra casa e guardar num potinho. – O outro respondeu.
— Mas não pode Lucian, ele está comigo hoje. – Helena disse entre as tragadas que dava no cigarro, incrivelmente sóbria para a quantidade que havia bebido.
— Eu sei Heleninha... Eu sei... Quem sou eu pra quebrar o código. – E riu.
—Lucian? Que nome bonito, parece antigo. – Eu disse, meio sem entender a conversa. O rapaz riu e me encarou, olhando nos meus olhos.
— Só meu nome é bonito?
Eu corei, olhei para Helena e ela revirou os olhos.
— Todo mundo sabe que você é o mais bonito daqui! Mas nem todo mundo sabe o demônio que você por dentro.
Ele a encarou com desaprovação, mas logo se recostou na cadeira e sorriu maliciosamente.
— Não precisa dizer... Se eu quiser, eu posso saber o que você está pensando bebê. Não é feio achar alguém do mesmo sexo bonito. Feio é não aproveitar a vida.
Eu senti o meu rosto esquentar. Não sabia onde me esconder.
— Você jamais saberia o que eu estou pensando. – Eu disse baixo.
— Isso é um desafio? – Ele disse e então estreitou os olhos. Mas logo seu olhar se tornou preocupado.
Olhei para Helena e ela também parecia estar preocupada com algo. Lucian parecia incrédulo.
— Tem algo errado Helena. – Ele disse.
— Como assim? Ele só bebeu o Beijo, nada além.
O rapaz se levantou e parou na minha frente.
— Quem é você? – Ele parecia mais sério.
— Bernardo...
— Bernardo do que?
— Bernardo... Bernardo Parish. – Eu estava começando a ficar com medo do tom do rapaz.
— Parish? – Ele olhou de canto de olho para Helena e depois voltou para mim. – Arthur Parish é seu parente?
Por um momento eu estaquei. Não sabia o que dizer. Com alguém que eu havia acabado de conhecer. Podia conhecer Arthur Parish.
— É... Meu pai. – Eu respondi com a voz tremendo.
Ele então se voltou para Helena.
- Tire-os daqui agora! Os dois! Ele me pegou pelo braço e me pôs em pé. – O Beijo verde não vai fazer efeito nele.
Helena estava confusa.
— Como assim? Eu conheço ele há anos! Não tem como não ser humano.
—Ele é humano, por enquanto, mas o pai dele não é... Sabe quanto vale uma alma dessas? Eu só estou te mandando sair pela nossa amizade, caso contrario já tinha o levado. – Ele nos puxou até a saída do terraço. – Vai, eu vou achar o Arthur e nos encontramos na sua casa.
Helena pareceu muito desesperada. Saiu correndo nos puxando escada abaixo. Eu não entendia nada, minha cabeça doía e eu mal conseguia acompanha-la. Dimitre estava ainda pior, mas ela o puxava pelo braço.
Chegamos ao pé da escada, a pista estava lotada. Uma música alta aumentava minha dor de cabeça. No meio da multidão eu finalmente consegui me soltar dela. Ela parou e me encarou.
— O que está acontecendo e o que meu pai tem a ver com isso? – Eu gritava pra ela me ouvir.
— Foi um erro trazer vocês aqui! Desculpa Ber, eu não sabia. Temos que ir antes que... - Ela estava desesperada, s olhos enchendo de lágrimas.
Eu também comecei a ficar desesperado e com medo. Ela estava me assustando muito e eu não estava entendendo nada. Olhei ao redor e vi que muita gente nos olhava, alguns até se acotovelavam para tentar se aproximar.
— O que está acontecendo! – Eu gritei com ela.
Helena olhava ao redor, parecia tão perdida quanto eu.
—Desculpa Ber. – Então agarrou novamente meu braço.
Foi tudo muito rápido. Várias pessoas se aproximavam e, juro, seus olhos pareciam vermelhos. Ouvi um grito e algo atingiu minhas costas.
Uma dor terrível tomou conta do meu corpo, senti o sangue escorrer quente por debaixo da roupa, mas não vi nada além de um clarão. Quando recuperei a visão, estava sangrando na areia da praia, helena estava a alguns metros, de costas, tremendo e chorando. Dimitre estava do outro lado, de quatro, vomitando.
— Eu tô fodida! Maldita hora que eu fui leva vocês para aquele lugar! – Helena gritava.
— Eu... Helena, minhas costas. – Eu levei a mão nas costas e senti o sangue escorria. – Eu estou sangrando Helena! Eu estou sangrando!
Ela se virou rápido e correu até mim.
— Deuses! Te acertaram! É tudo culpa minha. – Ela dizia aos prantos. – Vem, temos que chegar à minha casa, só lá estaremos seguros. – Ela então olhou para Dimitre. – Dimi! Melhore agora! Me ajude com o Ber!
Não sei ao certo como, mas Dimitre levantou como se não tivesse bebido uma gota de álcool e jogou meu braço sobre seus ombros.
— Meu Deus, o que aconteceu com ele? E o que a gente tá fazendo na praia?
—Agora não da tempo de explicar! Me ajuda a levar ele pra minha casa.
Os dois me arrastaram até a rua e Dimi me sentou na calçada enquanto chamava um taxi.
— Não é melhor levar ele pra um hospital? – Disse enquanto aguardava no telefone.
— Não é seguro, temos que ir pra minha casa e lá damos um jeito. – Helena disse, tentando estancar o sangue das minhas costas.
Sinto que apaguei por uns instantes e acordei com Dimi me puxando.
—Tá vindo um carro, deve ser o taxi.
Esperamos na calçada o carro se aproximar.
— Que estranho, não tá parando. – Helena disse. – Ele tá acelerando! Saiam! – Ela disse nos empurrando.
O carro acelerou para cima da calçada e acertou ela, jogando-a para longe.
Dimitre gritou de pavor ao ver nossa amiga sendo atropelada daquele jeito, mas não teve muito tempo, pois o carro fez a volta e já avançava em nossa direção.
Nos levantamos e Dimi começou a me ajudar a correr, mas eu estava fraco e o carro acelerava em nossa direção.
— Desculpe Dimi. – Eu disse e então, com toda a força que me restava, empurrei Dimi.
Ele caiu da calçada novamente na areia. Lembro-me de ver o farol vindo em minha direção e ouvir meus ossos quebrando. A dor invadia meu corpo de um jeito que eu jamais havia sentido. Estava quase morto, não via mais nada, mas meu resto de consciência me permitiu ouvir o carro parando e passos em minha direção. Havia risos e palmas. E então eu ouvi uma voz diferente, grave, estranhamente familiar.
Depois disso a dor levou meus últimos sentidos. Eu estava morto.
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