Contos da Noite escrita por adjr


Capítulo 2
Perdição




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/779168/chapter/2

 

Eu tinha um amigo, Dimitre. Nós matávamos aula de vez em quando e íamos a praia para ficarmos deitados tomando sol e ouvindo o mar.

Era só mais um desses dias. Era bem cedo e o sol estava fraco. Fazia pouco tempo que tínhamos chego quando uma menina se aproximou. Ela usava um vestido bonito e carregava os saltos na mão.

— Oi meninos, vocês tem isqueiro?

Eu e Dimitre nos olhamos.

— A gente não fuma Helena.- Eu disse.

—Ah, não faz mal... – Ela sentou ao nosso lado. – Matando aula então?

— É... Aproveitando a manhã. – Dimitre respondeu. – E você?

— Não dormi ainda, passei a noite na Perdição.- Helena disse dando de ombros.

—A balada?

—Sim, conhece?

— Só de passar na frente, a gente não tem idade pra entrar. – Dimi disse, olhando para baixo, meio decepcionado com a constatação.

— Eu também não, mas entro. – Ela disse rindo. – Não é tão difícil, lá eles se importam mais se você tem dinheiro do que idade pra beber.

Eu e Dimitre também rimos.

— Devíamos tentar um dia Ber.- Dimi disse me olhando.

— O Bernardo na balada? Essa eu pagaria pra ver. – Helena riu.

Na época eu era bem tímido, mal saia de casa. Dimitre e Helena eram alguns dos poucos amigos que tinha.

— Porque não? – Eu disse provocando. – Eu é que duvido que a gente consiga entrar.

—Então combinado, vamos hoje! Eu coloco vocês pra dentro. – Ela sorria maliciosamente.

Eu fiquei branco.

— É que hoje eu...

— Eu sabia, ele não tem coragem. – Dimitre riu.

Eu o encarei estreitando os olhos.

 - Tá, por que não? – Falei dando de ombros. – Mas vamos precisar dormir na sua casa Helena.

—Beleza, não vai ser a primeira vez que alguém “dorme” lá – Ela fez aspas no ar. – Cheguem as dez... E vão bem bonitos. - A garota se levantou tirando a areia do vestido. – Agora vou pra casa dormir um pouco para estar inteira para hoje a noite. – E saiu mandando beijos com as mãos.

—Huu, baladinha hoje então Ber. – Dimi disse me cutucando.

— É Dimi, balada! – Disse, jogando areia nele. – Grande coisa.

Me levantei e comecei a andar. Ele veio atrás.

— Bernardo vai balançar o rabo hoje, vai beijar na boca. – Dimitre fazia vozinhas e cantarolava enquanto me seguia.

Eu revirei os olhos e apertei o passo, não queria mais ficar na praia, então fui pra casa.

***

— Eu sempre passo na frente dessa tal Perdição, mas nunca entrei. - O suicida disse após um gole do whisky com o olhar perdido na noite.

— Você não tem cara de quem gosta de balada. – Bernardo respondeu.

— Você tem razão. Eu mal bebo. Sou muito descontrolado alcoolizado, morro de medo do que os outros podem pensar de mim.

— Não é a toa que você vai se suicidar. - Bernardo disse com um risinho.

O outro o encarou por alguns segundos com desaprovação, mas depois tentou retomar a conversa.

— Então você, Helena e o Bernardo foram pra essa tal Perdição?

— Eu, Dimitre e Helena! Bernardo sou eu! – O ceifador disse com um ar levemente irritado. – Você está prestando atenção na história?

— Estou, estou sim! Acho que é o Whisky. Eu te disse que não sou acostumado a beber. – E deu mais um gole.

— Então não é melhor parar?

— São, provavelmente, minhas ultimas horas de vida, acho que tenho o direito de beber o quanto eu quiser.

— Então tá... – Bernardo revirou os olhos. – Contanto que fique consciente pra me ouvir.

— Vou ouvir se você continuar a contar a tal história... Vocês foram ou não pra Perdição?

***

Eu estava meio receoso de sair de casa a noite, mas acabei indo e as quinze pra dez já estava em frente a casa de Helena, esperando Dimitre chegar para entrarmos.

Demorou um pouco, mas logo ele chegou. Estava muito arrumado, os cabelos lambidos de gel.

— Sua mãe resolveu pentear seu cabelo? – Eu disse tirando sarro.

— Pelo menos eu penteio o cabelo. – Ele respondeu, me dando um soco no ombro. – Está pronto pra hoje?

— Não sei, estou meio... Sei lá...

—Eu também estou assim, mas você conhece a Helena, ela vai pra esses lugares desde o primeiro ano e nunca teve problemas com isso.

— É, você tem razão. – Eu disse, e seguimos para a porta. Ele bateu.

—Entra. – A voz de um garoto veio de dentro da casa.

Dimitre deu de ombros e abriu a porta. Entramos em uma sala com um sofá rasgado e uma TV grande onde o irmão de Helena jogava qualquer coisa.

—Oi Caio, a gente veio ver a Helena...

— Claro que vieram. – Ele havia pausado o jogo e nos olhava. – Se tivesse vindo jogar comigo a mãe do Dimitre não teria penteado o cabelo dele. –Ele disse rindo, eu ri junto. – Ela tá no quarto. – O garoto apontou para a porta, mas nós já conhecíamos o caminho.

Fomos até lá e abrimos sem bater. Ela estava sentada em frente a um espelho colocando uns brincos.

— Achei que vocês não vinham.

Nós sentamos na cama enquanto ela terminava de se arrumar.

— Na verdade eu ainda não tenho certeza. – Eu disse.

—Ah Ber, não me diga que vai desperdiçar todo o trabalho que a tia Beth teve penteando o cabelo do Dimi. – Ela disse com um sorriso malicioso.

— Mas que caralho! O que vocês tem com o meu cabelo? – Dimitre disse bagunçando o cabelo com as mãos. – Pronto! Felizes?

Eu e Helena nos entreolhamos e caímos na gargalhada.

—Ai Dimi. – A garota se levantou e veio até ele. – Deixa que eu arrume isso. – Então começou a passar o dedo entre as mechas loiras de cabelo até o colocar no lugar. – Pronto, agora tá melhor.

Eu o olhei, realmente estava melhor, menos lambido. Dimi também gostou.

— Só vou calçar os sapatos e a gente vai. – Helena disse indo até uma sapateira ao lado da porta enquanto gritava para o irmão. – Caio, chama um taxi pra gente?

—Taxi? Pra que se... – Ele deu fez uma pausa. – Ah, claro, pra vocês três, chamo sim.

—Valeu... – Ela respondeu.

—Eu queria um irmão legal como o seu, o meu não faz nada o que eu peço. – Dimi disse levantando e indo pra saída do quarto.

— Acredite, ele não é tão legal assim, só está numa lua boa. – Ela riu e nós acompanhamos.

Saímos da casa e um taxi nos esperava.

—Como vamos entrar. – Eu perguntei enquanto estávamos no caminho.

—Ah é, quase esqueci. – Helena tirou dois documentos de uma bolsa. – Esses são seus documentos pra hoje. Não troquei nada, só mudei a data de nascimento.

Pegamos os documentos. Não sei como, mas Helena havia feito uma cópia dos originais tão perfeita que eu jamais saberia que eram falsos.

— Ai Ber, parabéns, ficou maior de idade. – Dimitre disse brincando.

O resto da viagem passamos fazendo piadas e comentando como seria a festa daquela noite.

A fachada da balada era discreta. Uma porta vermelha com um toldo e um segurança. No toldo se lia Perdição, escrito com uma tinta descascada.

Helena se aproximou do segurança e nós a seguimos.

— Oi Dani, como está hoje?

A cara amarrada do segurança se desfez em um sorriso.

— O de sempre pra esse horário, meio vazia ainda. O povo chega mais tarde. – Ele fez uma pausa e nos olhou. – Trouxe novos amigos hoje?

 - Sim! Primeira noite deles aqui! Acabaram de ficar maiores. – Ela disse sorrindo.

—No taxi, eu imagino. – Ele disse fechando a cara. Nós dois engolimos em seco. – Brincadeira. – Ele riu. – Sejam bem vindos, sou Daniel, se divirtam.

Nós rimos meio nervosos, entregamos os documentos e entramos.

O lugar realmente estava meio vazio, mas era incrível.

Helena nos puxou direto para o bar. Uma mulher de cabelos negros nos atendeu.

— Helena. O de sempre?

—Hoje não Verônica, estou com os meninos, é a primeira noite deles aqui...

—Primeira? Na vida? – A bartender perguntou e Helena afirmou com a cabeça. – Então a primeira é por conta da casa.

—Não precisa. – Dimi tentou argumentar, mas Helena o interrompeu.

—Precisa sim, é tradição da casa

—Exatamente. – Verônica disse e logo serviu dois pequenos cálices com um líquido esverdeado. – Saúde meninos.

— O que é isso? Não é absinto, né? – Eu disse, estava meio desconfortável.

— Se chama Beijo Verde, é o drink de boas vindas da Perdição. – Verônica explicou. – Não se preocupe, não é forte.

— Só bebe Ber. – Dimitre disse, virando seu cálice.

Olhei para Helena e ela apenas sorria, esperando que eu bebesse, então o fiz.

A bebida desceu suave, um sabor que ainda consigo sentir se me esforçar um pouco. Não parecia com nada que eu já tivesse bebido antes;

— Como se sentem? – Helena nos olhava curiosa.

— Ótimo! Quero outro! – Dimitre parecia mais alegre do que nunca.

— Sim, é muito bom! – Eu também respondi.

— Desculpe meninos, só uma. – Verônica respondeu. – Agora eles estão com você Helena.

— Perfeito, três tequilas então. – Ela disse sorrindo.

Eu estava meio confuso sobre o significado daquilo, mas preferi não fazer caso por pouca coisa, então bebemos tequila.

Uma, duas, três... Não sei quantas tequilas tomei aquela noite. Lembro-me de flashes. Uma hora eu estava dançando com Helena na pista, outra estávamos bebendo cerveja no bar. Conversei com pessoas que mal lembro o rosto e tenho lembrança de ter beijado pelo menos uma delas. Estranhamente sentia como se muitas pessoas me seguiam com os olhos, me encarando com olhares estranhos, mas pensei que era o álcool.

Chegou uma hora que eu não aguentava mis dançar que Helena me arrastou para o terraço. Lá eu sentei e, enquanto bebia água, comecei a recobrar os sentidos.

Helena fumava, sentada ao meu lado. Em nossa frente estava Dimi, visivelmente mais bêbado que eu. Ao seu lado um rapaz afagava seu cabelo enquanto ele repousava a cabeça em seu ombro.

— Você é um cara legal. – Dimitre falava enrolado.

— E você é fofo loirinho, vontade de te levar pra casa e guardar num potinho. – O outro respondeu.

— Mas não pode Lucian, ele está comigo hoje. – Helena disse entre as tragadas que dava no cigarro, incrivelmente sóbria para a quantidade que havia bebido.

— Eu sei Heleninha... Eu sei... Quem sou eu pra quebrar o código. – E riu.

—Lucian? Que nome bonito, parece antigo. – Eu disse, meio sem entender a conversa. O rapaz riu e me encarou, olhando nos meus olhos.

— Só meu nome é bonito?

Eu corei, olhei para Helena e ela revirou os olhos.

— Todo mundo sabe que você é o mais bonito daqui! Mas nem todo mundo sabe o demônio que você por dentro.

Ele a encarou com desaprovação, mas logo se recostou na cadeira e sorriu maliciosamente.

— Não precisa dizer... Se eu quiser, eu posso saber o que você está pensando bebê. Não é feio achar alguém do mesmo sexo bonito. Feio é não aproveitar a vida.

Eu senti o meu rosto esquentar. Não sabia onde me esconder.

— Você jamais saberia o que eu estou pensando. – Eu disse baixo.

— Isso é um desafio? – Ele disse e então estreitou os olhos. Mas logo seu olhar se tornou preocupado.

Olhei para Helena e ela também parecia estar preocupada com algo. Lucian parecia incrédulo.

— Tem algo errado Helena. – Ele disse.

— Como assim? Ele só bebeu o Beijo, nada além.

O rapaz se levantou e parou na minha frente.

— Quem é você? – Ele parecia mais sério.

— Bernardo...

— Bernardo do que?

— Bernardo... Bernardo Parish. – Eu estava começando a ficar com medo do tom do rapaz.

— Parish? – Ele olhou de canto de olho para Helena e depois voltou para mim. – Arthur Parish é seu parente?

Por um momento eu estaquei. Não sabia o que dizer. Com alguém que eu havia acabado de conhecer. Podia conhecer Arthur Parish.

— É... Meu pai. – Eu respondi com a voz tremendo.

Ele então se voltou para Helena.

 - Tire-os daqui agora! Os dois!   Ele me pegou pelo braço e me pôs em pé. – O Beijo verde não vai fazer efeito nele.

Helena estava confusa.

— Como assim? Eu conheço ele há anos! Não tem como não ser humano.

—Ele é humano, por enquanto, mas o pai dele não é... Sabe quanto vale uma alma dessas? Eu só estou te mandando sair pela nossa amizade, caso contrario já tinha o levado. – Ele nos puxou até a saída do terraço. – Vai, eu vou achar o Arthur e nos encontramos na sua casa.

Helena pareceu muito desesperada. Saiu correndo nos puxando escada abaixo. Eu não entendia nada, minha cabeça doía e eu mal conseguia acompanha-la. Dimitre estava ainda pior, mas ela o puxava pelo braço.

Chegamos ao pé da escada, a pista estava lotada. Uma música alta aumentava minha dor de cabeça. No meio da multidão eu finalmente consegui me soltar dela. Ela parou e me encarou.

— O que está acontecendo e o que meu pai tem a ver com isso? – Eu gritava pra ela me ouvir.

— Foi um erro trazer vocês aqui! Desculpa Ber, eu não sabia. Temos que ir antes que... - Ela estava desesperada, s olhos enchendo de lágrimas.

Eu também comecei a ficar desesperado e com medo. Ela estava me assustando muito e eu não estava entendendo nada. Olhei ao redor e vi que muita gente nos olhava, alguns até se acotovelavam para tentar se aproximar.

— O que está acontecendo! – Eu gritei com ela.

Helena olhava ao redor, parecia tão perdida quanto eu.

—Desculpa Ber. – Então agarrou novamente meu braço.

Foi tudo muito rápido. Várias pessoas se aproximavam e, juro, seus olhos pareciam vermelhos. Ouvi um grito e algo atingiu minhas costas.

Uma dor terrível tomou conta do meu corpo, senti o sangue escorrer quente por debaixo da roupa, mas não vi nada além de um clarão. Quando recuperei a visão, estava sangrando na areia da praia, helena estava a alguns metros, de costas, tremendo e chorando. Dimitre estava do outro lado, de quatro, vomitando.

— Eu tô fodida! Maldita hora que eu fui leva vocês para aquele lugar! – Helena gritava.

— Eu... Helena, minhas costas. – Eu levei a mão nas costas e senti o sangue escorria. – Eu estou sangrando Helena! Eu estou sangrando!

Ela se virou rápido e correu até mim.

— Deuses! Te acertaram! É tudo culpa minha. – Ela dizia aos prantos. – Vem, temos que chegar à minha casa, só lá estaremos seguros. – Ela então olhou para Dimitre. – Dimi! Melhore agora! Me ajude com o Ber!

Não sei ao certo como, mas Dimitre levantou como se não tivesse bebido uma gota de álcool e jogou meu braço sobre seus ombros.

— Meu Deus, o que aconteceu com ele? E o que a gente tá fazendo na praia?

—Agora não da tempo de explicar! Me ajuda a levar ele pra minha casa.

Os dois me arrastaram até a rua e Dimi me sentou na calçada enquanto chamava um taxi.

— Não é melhor levar ele pra um hospital? – Disse enquanto aguardava no telefone.

— Não é seguro, temos que ir pra minha casa e lá damos um jeito. – Helena disse, tentando estancar o sangue das minhas costas.

Sinto que apaguei por uns instantes e acordei com Dimi me puxando.

—Tá vindo um carro, deve ser o taxi.

Esperamos na calçada o carro se aproximar.

— Que estranho, não tá parando. – Helena disse. – Ele tá acelerando! Saiam! – Ela disse nos empurrando.

O carro acelerou para cima da calçada e acertou ela, jogando-a para longe.

Dimitre gritou de pavor ao ver nossa amiga sendo atropelada daquele jeito, mas não teve muito tempo, pois o carro fez a volta e já avançava em nossa direção.

Nos levantamos e Dimi começou a me ajudar a correr, mas eu estava fraco e o carro acelerava em nossa direção.

— Desculpe Dimi. – Eu disse e então, com toda a força que me restava, empurrei Dimi.

Ele caiu da calçada novamente na areia. Lembro-me de ver o farol vindo em minha direção e ouvir meus ossos quebrando. A dor invadia meu corpo de um jeito que eu jamais havia sentido. Estava quase morto, não via mais nada, mas meu resto de consciência me permitiu ouvir o carro parando e passos em minha direção. Havia risos e palmas. E então eu ouvi uma voz diferente, grave, estranhamente familiar.

Depois disso a dor levou meus últimos sentidos. Eu estava morto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contos da Noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.