Mágicos escrita por Aiwa Schawa


Capítulo 4
III


Notas iniciais do capítulo

Esse deu trabalho, mais de uma semana só para um capitulo ta mal, mas valeu a pena.
O que seria uma história de mistérios sem o primeiro caso?



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Dia 15 de maio.

O sol estava no meio do céu, por onde andávamos ele estava diretamente acima de mim.

Não demorou para que meu corpo inteiro começasse a queimar, mesmo todo aquele suor não fazia efeito.

Mas não podia parar, Brian estava comigo e ele estava me levando para ser registrado como um mágico.

Ainda não compreendia a lógica por trás desse registro, na verdade não entendia quase nada, Brian certamente parecia saber bastante, portanto parecia uma boa ideia perguntar algo a ele no caminho, entender melhor a situação.

—Brian, o que nós somos?

—Nós? Você diz os mágicos certo? Nós simplesmente somos pessoas que tem capacidades distintas, nada mais que isso —“Todas essas conversas que já tive com ele... ele está escondendo algo, tenho certeza”

—Então me diga algo, qual a minha capacidade?

—...digamos... não... serei direto. Você tem sorte, apenas isso. As balas parecem sempre se desviar de você, o mundo se distorce para que tudo dê certo para você, em certos pontos... poderia dizer que essa habilidade é totalmente diferente do que outros mágicos podem fazer.

—É uma habilidade fraca?

—Não foi o que eu disse. Diferente apenas.

Resolvi me silenciar e entender o que ele disse antes de fazer minha próxima pergunta, porém antes de minha fala, já havíamos chegado.

Era a delegacia, um prédio de tijolos coberto por cimento, um grande escrito acima dizia o propósito da construção.

Ele foi à minha frente, subimos uma escada de madeira, havia alguns policiais no caminho, a maioria me olhou expressando alguma irritação.

“Será que todos eles sabem o que vim fazer aqui? ”

Entramos num escritório, tudo era marrom, a mesa marrom, paredes, cadeiras, até os jornais e livros pareciam de madeira vários papeis, ainda assim essa era a parte mais bem ornamentada da delegacia.

—Isso é mais uma formalidade —Ele se sentou na escrivaninha, puxou um papel e uma pena— Responda essas perguntas com absoluta honestidade, mentir para mim lhe será muito prejudicial.

—Certo —“Se necessário terei que mentir”

—Frente a frente Rafael, olhe nos olhos, tire seu chapéu —“Ele está sério sobre isso”

Pôs meu chapéu sobre a mesa, aquilo foi a primeira vez em anos que encarei alguém por tanto tempo, lembrei de toda a minha experiência como um guerreiro.

“Não posso ser abatido por algo assim, isso seria admitir derrotar para eles antes mesmo de ser um deles”

—Você já roubou?

—Sim —“Durante minha viagem, fiz vários roubos para sobreviver, é insignificante mentir aqui”

—Tentou matar alguém?

—Sim.

—Revelou a alguém nossos segredos?

—Não.

—Familiares?

—Todos falecidos.

—Sinto muito em ouvir isso. De onde você veio? —“Não adiantaria mentir”

—Vim da China.

—Rafael é seu verdadeiro nome?

—Não.

—Bem, seu nome não importa, você mesmo disse que não tem mais família.

—Isso é tudo? Entrei na universidade em bem menos tempo.

—Sim, o resto já está feito, agora você precisa entender sua responsabilidade. Nunca revele nada sobre nós sem antes consultar a organização de mágicos, tenha em mente que nossa confidencialidade é a apenas em segundo de manter a ordem em nosso mundo. Além disso, algo que não é tão intuitivo... jamais fuja de um filho, não estou questionando sua moralidade, porém esse ato coloca nossa organização em extremo perigo, assim é punida com a pena máxima.

—Como?... Qual o motivo dessa regra?

—Todo, digo, quase todo mágico é filho de outro mágico, os poderes são algo que é passado para os filhos, portanto abandonar seu filho significaria deixar um mágico sem conexão a nós, é isso —Ele encheu as pernas de força em um décimo de segundo e iria levantar logo após, mas...

—Espere! Onde eu fico nisso? Minha família...

—Não. Seu poder é totalmente diferente dos nossos, o poder da sorte não é advindo da herança de pais para filhos, ele apenas surge, não há padrão algum para quem ganha essa capacidade, alguém com tal poder aparece a cada 10 e até 300 anos.

—Hum... isso deve mais ser um problema para vocês...

—Não está errado, não só isso como seu poder é totalmente incontrolável, nós mágicos nascemos com total domínio de nossos poderes, nunca precisamos treinar mais de um dia em nossas vidas para atingir nosso maior potencial, entretanto seu poder não funciona assim. Ele é uma força que age sem você sequer pensar.

—Entendi.

—Por isso você não precisa se importar muito, é inútil saber mais do que isso, seus poderes estão fora de seu controle, apenas se mantenha em contato conosco e faremos as decisões, é totalmente comum um mágico registrado manter sua vida normal.

—Hum... irei agora, com isso em mente... não tenho intenção de atrapalhar, se vocês não me oferecem ameaça, não oferecerem nenhuma a vocês —Peguei meu chapéu de volta —Até mais, delegado.

Era o que ele era, obviamente me informei um pouco pela cidade, Brian Loiret é responsável pelas redondezas da delegacia, pelo menos metade da cidade está nas mãos dele.

3 horas depois.

O sol estava longe, podia sair.

—O que eu faço?...

“Deixar para lá? Viver uma vida normal? Não estou vivendo uma vida normal desde que vim aqui, pessoas tentaram me matar, agora estou sendo envolvido nessa coisa de mágicos... aliás que poder é esse? Sorte... eu não faço ideia nem dos poderes que aqueles dois irmãos têm, agora que descobri tudo não vou conseguir mais falar normalmente com a Pietra, não bastasse ser tão arrogante e violenta... ela estava escondendo aquilo de mim, não posso confiar em alguém assim”

Estava sentado no banco do parque enquanto pensava isso, toda vez que vinha havia a chance de me encontrar com a irmã Skyle, não conhecia ela muito bem, mas sabia que ela era uma pessoa boa, sinceramente eu vim esperando ver ela, porém não quero ficar muito perto da igreja. Me soava errado entrar lá.

Ainda encarava o céu dentre as folhas, minha visão estava embaçada, estava divagando profundamente.

Ouvi algo.

Passos apressados e leves, uma criança correndo, o espaço de tempo dos passos parecia constante, mas repentinamente eles pararam, ouvi um grito agudo e baixo.

Corri para o som, certamente estava perto, era a minha direita.

Assim que minha visão focou novamente, era uma garotinha, devia ter 1 quarto da minha idade, era uma típica criança europeia, pelo vestido limpo e ornamentado devia ser filha de alguém rico.

Olhei ao redor, ninguém perigoso parecia estar atrás dela. Me foquei em todos os sons ao redor...

Em segundos notei outros passos leves, eles vinham de trás de um arbusto, um pedaço de pano amarelo aparecia, era a direção que a garotinha estava indo.

“Estavam brincando apenas...”

Ajudei ela a levantar, então percebi algo ruim, ela tinha se ferido, pior, terra passou pelas feridas, apesar dela não parecer ter percebido por ser um corte menor, certamente abria riscos.

—Mocinha, espere um pouco —Assim que ia examinar a ferida, logicamente, a garota recolheu os braços e deu um passo para trás.

“Isso é sério?... Claro... de qualquer forma, tenho que falar algo esperto”

—Eu preciso ver seu braço, se as feridas abrirem com tanta terra os insetos podem entrar.

—... —Nada. “Olhando ao redor... sim! ”

—Vamos, eu preciso olhar, depois eu posso te levar a irmã Skyle —“Até onde entendi esse país é bastante influenciado pela igreja, acho que me relacionar a ela pode funcionar”

—E... por que você... —“Não está trabalhando” tinha certeza que era isso, contando com a minha sorte eu respondi logo.

—Me pediram para ver vocês, as irmãs estão muito ocupadas lá... —“Eu posso ir além”— Tanto que eu sei onde a sua amiga se escondeu —Me virei para trás, ela ainda não havia percebido o acontecido e estava se escondendo.

—Ahn... então...

—Não precisa agradecer, esse é meu dever.

Coloquei a mão no bolso, mesmo que agora minha chance de entrar numa guerra seja minúscula, antes era para isso que treinei por toda a minha vida, um desses treinos foi limpar e estancar ferimentos de balas ou facas, algo assim era simples, contudo é fato que nada disso adiantaria se eu não tivesse com os suprimentos necessários para isso.

—Mas que sorte... —Justo nesse dia senti que iria precisar deles e os trouxe comigo.

Limpei a ferida, enfaixei, com alivio e uma respiração calma, pedi que ela voltasse para casa.

Com tanto tempo pensando o sol já parecia estar pronto para ser por novamente.

“Melhor ir, eu só quero voltar a dormir tranquilamente, malditos mágicos e seus poderes bizarros”

Enquanto passava pelo parque, por trás de uma arvore eu ouvi alguém, não estava no meu campo de visão, parei. Ela não saiu.

“Será isso... será um inimigo? O maldito Brian não me contou quase nada, não posso atacar indiscriminadamente, estou num parque, mas preciso garantir minha segurança”

Enchi meus pulmões.

“Subir! ”

Aquela era a maior arvore do parque, porém sua velhice lhe dava várias cavidades e pontos para que eu segurasse, subi algo como 8 metros e então rodei pela arvore, procurando o inimigo.

Não era um inimigo.

“Ainda bem que tem poucas pessoas aqui, fiz tudo isso para nada”

Pulei de volta ao chão, aguentar quedas era outra parte do meu treino.

—Hum?! Ah!! —“Era isso o esperado, que escândalo desnecessário... não tive tempo para pensar...”

—Bom dia Irmã Maddison —“Ela só ela”

—O que foi isso...?

—Ah... exercício! Eu passo muito tempo estudando, preciso fazer exercício as vezes também.

—Mas... você subiu tanto... tão rápido...? Você já treinou antes?

—É claro, só estava vendo se não tinha perdido minha pratica.

—E sobre aquela... coisa que você fez...?

—Deu certo, meu colega passou a noite estudando então bastou pedir para ele conseguir a chave e deixar a janela aberta.

—Você tem tantas habilidades... eu vim aqui porque vi você cuidando da Petra —“Petra?... Isso é alguma piada desse mundo? ”

—Aquilo... eu costumava andar até as montanhas com meu irmão mais velho então tive que aprender a cuidar de mim mesmo —“Isso é... parcialmente verdade”

—Que coisa... onde você nasceu Rafael?

—Vim do extremo norte da Escócia —“Me parecia a melhor opção”

—Ainda bem que você nasceu tão ao norte... com albinismo desses nascer em outro lugar seria um pesadelo.

—Albi... o que?

—Você não sabe o que é isso? Nunca pensou o que fez sua pele ser assim?

—Nunca...

—O que tons escuros para a pele é um grupo de pigmentos que o corpo produz, melanina, no seu caso... por alguma razão sua capacidade de produzir melanina é quase nula, por isso lhe falta pigmento na pele, imagino que isso na sua cabeça seja uma peruca, certo?

—Corretíssima, uso para evitar mais estranhamento.

—Imaginei... as pessoas pensam que você é velho... —“Mas que...”

—Falando nisso, você sabe muito sobre essas coisas certo, Irmã Maddison?

—Sim, precisa de outra ajuda?

—Eu não poderia pedir outra coisa estranha em tão pouco tempo, me dê pelo menos um bimestre.

—Metade disso —“Feito”

—De qualquer forma, você não poderia fazer algo com isso? Em tempos difíceis precisamos de pessoas assim, não sei muito sobre política, mas se a Inglaterra se envolver em uma guerra tão longa quanto a grande guerra, não tenho dúvida que eles buscaram pessoas como você para desenvolver armamentos e outros engenhos.

—Você está bem informado, mas eu não desejo isso, aqui eu posso ajudar quem está perto de mim, manter as crianças da cidade num bom caminho.

—Há... nós seguimos lógicas semelhantes. Crianças, os mais fracos e pessoas amadas, é isso que desejamos proteger.

—Por isso você precisa treinar? Proteger outras pessoas?

—Sim... também para ter algo para fazer no tempo livre... imagino o que você faz Irmã Maddison.

—Pintura.

—Mas!... Não, eu até continuaria, mas imagino que você precise voltar ao trabalho, eu também deveria voltar e ajudar na limpeza do dormitório, até mais Maddison.

—Imaginei que iria embora agora. Até mais.

—Hum...? Até...

“Isso foi realmente estranho... estranho. De qualquer forma, é fato que preciso ir até o dormitório, amanhã me disseram que terei muito trabalho na universidade”

Cheguei no dormitório, cuidei de limpar todos os cantos que os outros esqueceram.

Naquele dia, finalmente dormi bem outra vez.

Dia 16 de maio.

A aula tinha terminado. Tinha que esperar na porta, meu professor disse que um conhecido dele precisava me ver.

Obviamente considerei a possibilidade dessa pessoa ser perigosa e poder revelar minha identidade, neste dia trouxe minha arma comigo, guardei todos meus pertences numa mala, garanti minha sobrevivência ao menos.

Era o diretor, o homem que me confundiu com o Rafael, um garoto que provavelmente sequer existe, um erro de descrição ou uma mentira inocente que abriu as portas da universidade para um estrangeiro.

—Boa tarde diretor —“Agora... será que ele descobriu? ”

—Boa tarde. Rafael, você ouviu que essa manhã... um corpo foi encontrado na casa de uma família muito influente da cidade? —“Espera... ele está me acusando?...”

—Não, não fazia ideia.

—Bem, pode me fazer o favor de ir até a cena do crime?

“Não faço ideia do que ele pensa, mas sei que não vou encontrar uma oportunidade boa lá, contudo ainda preciso manter minha reputação”

—Claro senhor, você me deu a oportunidade de aprendizagem aqui e até minha moradia, irei cuidar do que for que esteja lá.

—Hum... então você sabe o que está acontecendo...

—Creio que sim —“Não. Não faço ideia alguma”

Meu destino parecia ainda não ter sido selado, o diretor me deu o endereço e eu segui, sempre passando pelas sombras, prestando atenção para passos pesados, esperando a todo momento que a polícia possa querer me apreender.

Sem nenhum ímpeto, cheguei a casa.

De relance parecia até uma mansão, porém ela estava no meio da cidade, cobria o dobro de área das casas ao redor, tinha 3 andares, era pintada de branco com bordas azuis, ornamentos dourados, algumas sacadas com grades pretas, mas o que me confirmou que era lá que eu devia estar.

Um homem de pele escura no meio dos europeus, vestido com um uniforme, uma malha azul por cima duma camisa branca e gravata, uma boina estilizada, bolsos grandes, cinto, uma arma e um emblema dourado na gola. Ele era um membro da polícia da cidade.

Me aproximei da porta, ele focou em mim por um segundo e abriu caminho, entrei na casa.

“Eles já avisaram que estava vindo... isso só parece piorar”

Entrei na casa, algumas paredes eram brancas, outras azuis, distribuídas de forma que parecia ter sido decidida num dado, notei no caminho que havia vários vasos de planta pela casa toda.

“Será que... não... não faz sentido isso estar relacionado com a biblioteca”

Andei até ouvir o som de pessoas em algum cômodo, assim que achei resolvi entrar.

Era a cena do crime, tinha 2 policiais de uniforme como o do homem na entrada, mais uma ajudante com eles.

O cômodo tinha duas paredes brancas e duas paredes azuis, uma estante de madeira nobre com todos os espaços preenchidos por livros de todo tipo, por mais que eles estranhamente fossem todos de capa branca. Uma mesa de trabalho da mesma madeira ao canto, de lado a janela, todos os livros jogados nela tinham capa azul. A 5 metros uma cadeira preta com detalhes verdes encostada na parede azul. Outro vaso de uma planta com folhas azuis, o vaso era marrom.

“Acho que tem vasos de planta pela casa inteira, não, tenho certeza já, é impressionante”

E claro. Um corpo, um homem antes alto e forte, vestindo um terno pesado. Ele tinha uma faca encravada nas costas, havia um pouco de seu sangue no chão, ele parecia ter se arrastado um pouco para a janela antes de morrer, talvez a janela tenha sido a última coisa que ele viu, afinal, agora não havia mais vida alguma em seus olhos.

Contudo ainda diria que essa não era a coisa mais aterrorizante naquela sala, assim que minha visão clareou, vi em detalhes quem era a ajudante da polícia, bastou o cabelo.

Pietra Loiret.

“Agora... o que ela está fazendo aqui?... Ela é a mais perigosa dentre os três, ela sabe dos meus poderes”

—Oficiais, vasculhem o resto da residência White. —“Ela sempre quer estar no comando...”

—Certo, anote tudo que parecer importante, ao fim da tarde levaremos tudo para analise cientifica —O oficial que parecia mais velho ajeitou seu chapéu e saiu, o mais novo seguiu.

Agora estava sozinho com ela, obviamente ela tinha a intenção de fazer isso?

—O que você está fazendo aqui?

—Investigando. Você por acaso está também?

—N...

—Eu sei. Fui eu que pedi para te mandarem aqui.

—Por que?! Nós já não acabamos com essa história? Não tenho intenção alguma de lhe auxiliar nessa investigação.

—Vai quebrar sua palavra? Prometeu que me ajudaria a capturar quem quer que fosse o culpado, mas não disse de qual crime.

Isso não importa nem um pouco, entretanto quando olhei para além das palavras, para a mensagem, a situação, tudo que aconteceu.

—Mesmo que esse assassinato envolva os mágicos, você não pode deixar seu irmão cuidar disso?

—Não dessa vez.

—Hum, certo. Afinal eu sou um aliado da justiça, farei um uso egoísta do seu intelecto para meu próprio ganho.

—Ainda bem...

Apesar de tudo, tinha motivos para resolver aquele caso.

—Até onde sua investigação foi?

—Tinha 3 pessoas na casa na hora do crime, tirando a vítima, o filho, a filha e o mordomo. Foi o mordomo que encontrou o corpo, a porta estava trancada, o mordomo correu para o filho que tinha todas as chaves da casa, quando eles abriram a cena já estava assim.

—Ele era viúvo?

—Não, a esposa saiu para as compras, ela já retornou.

—Hum... sobre teve sinais de conflito?

—Nenhum.

—Err... vamos... a janela...

—Ela não tem sinal algum de que foi aberta pelo lado de fora, porém sabemos que seria possível a abrir e fechar do lado de fora sem rastros, claro, isso necessitaria de muita habilidade do culpado.

—Então devíamos pedir testemunhos...

—Ah por favor, você não serve para isso.

—O que foi agora?...

—É só pensar na faca... antes de começar a perder tempo nas ruas, olhei na cozinha e perguntei ao mordomo, assim descobri que uma faca sumiu.

—Mas isso... estamos um corredor de distância da cozinha, o culpado...

—De novo, deixe comigo. Esse fato nos deu uma enorme vantagem contra o culpado, isso significa que o culpado ou é alguém que sabe do mordomo que trabalha e vive aqui e tentou colocar a culpa nele, ou é o próprio mordomo.

—Quem poderia saber disso?...

—Bem, isso depende do que achamos na faca, porém eu imagino que ela estará sem digitais.

—Sim... mordomos usam luvas o tempo todo certo?

—Exatamente, por isso alguém tentando colocar a culpa no mordomo usaria luvas também.

—Ei, nós estamos sempre voltando para o mordomo como culpado, vamos perguntar para as pessoas da casa se ele teria algum motivo para matar o próprio chefe —“Matar o próprio chefe? Acho que me simpatizaria com ele se for verdade”

Ela saiu da sala, dava para imaginar que ela sabia onde os outros da casa estavam.

—Que coisa em... você não fala nada.

—...

—Se eu não tivesse uma intuição tão boa...

—...

—A vítima era um mágico, certo?

—Sim, o poder dele o deixava cegar os outros, quem o matou não é uma pessoa comum.

Não pude perguntar mais, nós logo chegamos no quarto onde o filho do casal estava, mesmo apenas tendo visto ambos uma vez, vi que ele era muito parecido com o pai. Um policial estava com ele, apesar de tudo ele ainda não parecia abatido pela situação.

—Vá vasculhar o resto da casa, nós vamos fazer algumas perguntas.

—Está certo madame, mantenha um bom trabalho.

—Digo o mesmo.

Ele saiu, imaginei quantos policiais estavam espalhados pela casa, 3 andares enormes podiam guardar muitas pistas.

—O que vocês precisam? —Mesmo não parecendo triste, ele certamente estava estoico e frio.

—Precisamos de mais algumas perguntas.

—Digam.

Nos sentamos no lugar do policial, achei que seria melhor deixar Pietra falar, apenas observei o garoto com cuidado, escondendo meu olhar com o chapéu.

—Você está certo que não ouviu ou viu nada anormal?

—Sim, estava revendo as finanças... eu vou realmente precisar delas agora, não é?

—Bem... o que o mordomo estava fazendo na hora do crime?

—Limpando o quarto do segundo andar —“Pelo o que entendi... era o quarto dos pais dele”

—Ele não teria motivo algum para cometer o crime? Você sabe de algo?

—Não, ele sempre jogava cartas com meu pai, ele foi sempre leal a família e está aqui desde que nasci, ele não tem motivo.

—Aí temos uma resposta. Vamos continuar com isso em mente —“Fácil”

Nós saímos do quarto, ela estava andando numa direção diferente por alguma razão.

Não me dei o trabalho de perguntar, mas quando cheguei entendi que fomos ver a viúva da vítima, uma mulher bem bonita, com longos cabelos loiros como ouro.

“Mesmo dentre europeus não vejo um cabelo assim todo o tempo”

—Com licença, podemos fazer algumas perguntas?

—Outras? —“Ela parecia estar triste, mas já tinha cansado de chorar”

—Sim —Nos sentamos, fiz a mesma coisa de antes— O que o mordomo fazia enquanto você estava fora?

—Ele estava limpando esse quarto —“Este parecia ser o único quarto do segundo andar, as histórias batem”

—Você diria que ele tem alguma motivação para ter cometido o crime? Algum problema que ele tinha com seu ex-marido?

—Não!... Ele nunca faria isso... foi...

—Certo, vou lhe contar algo importante então preste atenção. Você está ciente de que seu marido era um mágico? Ele não mantinha contato conosco, sequer sabíamos sobre as crianças, precisamos de informação.

—Hum... sim eu sabia... o que vocês precisam?

—Alguém além de você sabia do status dele como mágico?

—Ninguém, ele certamente tinha alguns rivais, porém justamente isso não os deixaria saber, fora isso ele nunca contou para ninguém além de mim, ele também nunca se casou antes.

—Entendo, aaaaliáaaas —Ela me olhou falando isso— você entende que um mágico consegue sentir outro? Ainda assim não senti nada do seu filho, a sua filha também é adotada?

—Ah... tem isso... sim, ele falou que não queria ter filhos porque eles teriam que lidar com essa sociedade também, porém eu queria filhos... então ele adotou os 2.

—E eles serem tão parecidos com vocês foi proposital também? Nooooooormalmente os filhos de um mágico são quase idênticos aos pais, no caso de um filho de dois mágicos ele puxara a aparência do pai a qual ele herdou os poderes.

—Sim, ele também não queria que os filhos soubessem, que ninguém soubesse que eles foram adotados, ele usou o dinheiro para acobertar tudo e eliminar as ligações dele com o orfanato, até me pediu para não sair de casa por 9 meses nas duas vezes.

—Mais uma, você que faz a comida?

—Não. O mordomo faz todas as refeições, todos os dias.

—Obrigado, isso é tudo por agora.

—Sim...

Nós saímos, no caminho vimos um policial vasculhando a casa.

—Vá reportar que podem levar tudo para o laboratório, terminei por hoje.

—Descobriu o culpado?

—Ainda não.

—Hum... tente resolver logo, se você conseguir vai sair da universidade direto para polícia.

Ela não respondeu, continuamos andando e paramos na sacada.

—Então? Qual a conclusão?

—Que você vai ter que ir falar com esses caras —Ela pegou um papel, neles tinha 3 nomes, eu reconheci os 3 como figuras importantes da cidade.

—O que você quer que eu faça...?

—Eu considerei os rivais dele, esses são os que podem ter causado esse assassinato, dê um jeito de saber quem deles fez isso.

—Como?! Eu concordei em prender o culpado, agora além disso vou ter que desvendar ele?!

—Sim, vá em um deles e volte para contar o que achou.

—Hum... quer saber? Eu vou fazer isso agora, vou voltar antes dos resultados do laboratório inclusive.

—Pode ir.

Minha raiva me tirou a noção de segurança, eu pulei de uma sacada para a outra, depois pulei dela para a janela para finalmente cair no chão.

“Boa sorte explicando isso para polícia, eles nunca vão me pegar”

Correndo com tudo me fez despistar os 2 policiais que me perseguiam em apenas algumas esquinas.

“O primeiro deles é... Lewis D. Mathers...”

Não sei se foi a escolha certa, ao olhar bem percebi que ela não tinha dado endereço algum.

Mas neste momento me veio uma solução simples.

Fui até a rua, assobiei para o nada, como esperado, uma carruagem veio do horizonte e parou em minha frente.

Subi nela, a única janela se escureceu, me sentei ao lado da mulher de aparência arrepiante.

—Finalmente... nos encontramos de novo —O homem manifestou um rosto feliz em sua nuca e falou isso, tampei aquela abertura e me sentei novamente.

—Isso foi um tanto rude para seus padrões —A mulher ao meu lado falou.

—Você me chutou da carruagem na última vez que eu entrei aqui, nem devia vir de novo...

A carruagem começou a se mover, não entendia ainda como isso funcionava, porém não parecia importante para mim.

—Vocês sabem onde eu vou?...

—Claro, nós temos o trabalho de lhe levar a seu destino sem jamais errar.

—Entendo... o que vocês fazem quando não estão me levando para algum lugar?

—Lendo sobre a história humana —“Considerando a natureza dela e desse lugar... o que seria isso?...”

—Enquanto eu, eu sempre estou viajando, sempre estou levando alguém para seu destino.

—É... interessante... nisso, Elizabeth?

—Diga, irei responder qualquer pergunta.

—O que você sabe sobre esses mágicos?

—Ah, isso... eles são de fato uma raça própria, descendentes tanto de um humano quanto um ser sobrenatural, sabe dos faraós do antigo Egito? Os mitos contam que eles eram reencarnações de Hórus, deus dos céus, o qual seu olho esquerdo era a lua e seu olho direito o sol, deus da vida tendo uma forte relação com Ísis, aquela que guiava os mortos, além de ser o deus da guerra. Isso é uma verdade parcial apenas, eles eram filhos de Hórus com um humano comum, essa combinação é a que cria um mágico e fez os faraós tomarem poder, em 1700 A.C. já havia alguns membros da família que viviam sem sequer saber de suas conexões de sangue, por isso os mágicos se espalharam.

—N... nossa... os mágicos modernos sabem disso?...

—Creio que não, sem algumas capacidades como as minhas seria quase impossível juntar as peças e descobrir tal coisa.

—Entendo... espera! Se você sabe de tudo, você sabe quem é o assassino?!

—Claro que eu sei.

—Perfeito! Me dig... —Foi como na primeira vez, me senti muito sonolento sem motivo.

“Ouro é o que lhe mais importa

Será? A tal da juventude

Isso lhe corta e lhe suporta

Emoção de tamanha magnitude, nenhuma platitude

Pelo trivial, lagrimas caíram

Pelo que é essencial, assassinos viveriam”

Foi a última coisa que soou na minha mente, já tinha caído no colo daquela mulher que parecia saber de tudo. Sem forças, fechei os olhos.

Ao abri-los, novamente estava descendo de uma carruagem guiada por um homem de cartola e longos cabelos brancos.

Já entendi que era inútil ir atrás da carruagem assim que saísse dela, deixei que ela sumisse no horizonte mais uma vez.

Olhei no relógio e apenas 10 minutos se passaram desde que parti, porém, ao olhar ao redor, não tinha sido entregue numa estrada, por todo o horizonte, apenas via a torre, a escadaria da apoteose.

“Pensando bem... eu desembarquei no litoral da Inglaterra... a cidade que estou agora fica no meio do país... essa carruagem consegue atravessa muita terra em pouquíssimo tempo”

Ao dar as costas para a cidade, me achei de frente a mansão D. Mathers.

Três enormes blocos pretos se erguiam do chão, uma varanda de grade vermelha no do meio e janelas nos laterais, os blocos laterais eram cobertas por uma abóboda que parecia ter sido cortada ao meio e cada metade posta em uma lateral, a construção do meio tinha um terraço de ponta a ponta com um parapeito carmesim.

“Deve ser aqui”

Subi as escadas de pedregulho, cheguei a porta, à primeira vista pensei que era madeira, porém de perto era claramente ferro imitando uma porta de madeira.

Bati algumas vezes na porta.

“Num lugar distante desses acho que serei bem recebido ao visitar”

Após uma dúzia de batidas, ouvi trincos se movendo.

Uma mulher asiática, mas definitivamente não uma chinesa, de cabelos pretos.

Ela usava roupas de empregada iguais às que vi na França durante a minha viagem.

—Boa tarde, qual é seu nome?

—Rafael, aqui vive o senhor Mathers? —“Por que ela abreviou o nome do meio?! Eu devia falar o nome completo dele agora! ”

—Sim, deseja vê-lo?

—Certamente.

—Siga-me.

Entrei e a porta se fechou com o vento.

Enquanto a seguia meus pensamentos convergiam em apenas uma coisa.

“Essa empregada certamente não é normal, deixar um desconhecido entrar assim... bem possível que ela saiba lutar, ou talvez haja outros como ela por toda a mansão, nesse caso tenho que ser muito cuidadoso”

Não olhei para a casa, era inútil, tinha que me focar nela e nas redondezas, o som de passos mais pesados, respiração, roupas batendo contra o vento, qualquer coisa.

O mundo escureceu, a única coisa que precisava era de meus ouvidos, com eles iria enxergar a verdade, contudo...

Nada disso vinha, por toda a mansão só senti a presença dela.

“Será...? ”

Tentei me focar, lembrei do que Pietra disse antes. Caso me focasse descobriria o que ela era.

“Ela não é uma mágica, pelo menos isso, não sinto absolutamente nada dela”

—Sente aqui, chamarei meu mestre de imediato.

—Não se preocupe, tenho o dia todo.

Sentei, tentei me focar novamente em achar presenças.

“Agora sim! Consegui! ”

Eram 5, tinha exatas 5 pessoas naquela mansão, nenhuma delas estava no mesmo lugar e a maioria estava bem longe da minha posição.

“Não tenho garantia alguma dessas outras pessoas não sejam mágicos... vou prestar atenção nesses sons”

Depois de alguns minutos, a empregada voltou junto do dono da mansão.

Era claro a diferença, a empregada era menor do que eu, mas aquele homem me fazia parecer uma criança, devia chegar perto de 2 metros, porém era bem magro e logo não parecia ser muito forte.

Estava usando um terno com gravata borboleta, o cabelo claro e encaracolado estava bem penteado.

“Será que... eu fui confundido com outra pessoa novamente? ”

—Boa tarde senhor D. Mathers —Me levantei e comecei a dialogar assim que meus pensamentos se organizaram.

—Boa tarde. Sente-se —Ele tomou a iniciativa de apertar minha mão.

Nos sentamos, a empregada estava atentamente ouvindo a conversa em pé.

—Agora... o que lhe traz a minha mansão?

—É sobre um acontecido recente... você soube de que o Senhor White foi assassinado? Presumidamente ainda nessa manhã.

—Ahn?! O que?! —O coração dele disparou, seu rosto estava pálido, olhos arregalados e a boca entreaberta.

“Mas isso... ele não era um rival do White? Ele parece aterrorizado, como se um ente querido tivesse morrido... talvez ele esteja imitando uma reação”

—Infelizmente, quando o encontraram seu coração já havia parado, os médicos sequer foram chamados.

—Entendo... você está com a polícia?

—Sim senhor, fui mandando, pois, os investigadores acreditam que você possa saber algo, tem alguma ideia de quem teria motivo para matar o Senhor White?

—Bem... ele certamente tinha muitos rivais no mundo dos negócios, porém se me permite raciocinar... ele tem um filho que já está na universidade, o filho poderia tomar o cargo sem problema, portanto acho que seria preciso um motivo pessoal, contra White em especifico... e isso eu não tenho ideia de quem poderia ter feito —“Com esse raciocínio ele se tirou dos suspeitos, melhor pressionar ele até o fim”

—Ótima lógica, nós também pensamos nisso e uma lista foi feita de 3 pessoas que teriam motivos para assassinar o Senhor White.

Puxei a lista que Pietra me deu, coloquei na mesa entre nós, Lewis a pegou e abriu.

—Você está me acusando?

—Vê que seu nome é o que está no topo? Você é o mais suspeito dos três Senhor Mathers —Na verdade era apenas coincidência, mas se eu pudesse usar ao meu favor, usaria.

Yurusarenai! —A empregada brandiu em outro idioma, apenas o tom me fez entender a desaprovação do meu comentário— Ele mora a quilômetros da cidade! É impossível ele ter feito isso!

—Não é como se alguém tão rico fosse o fazer com as próprias mãos, pode ter contratado alguém para realizar o trabalho.

—...

—De qualquer maneira, o Senhor Mathers mostrou uma forte reação ao saber da morte, apesar deles supostamente serem rivais, qual a sua história, senhor?

—Não fale como se você tivesse autoridade para isso, se retire imediatamente!

“Bem... é nessas horas que eu preciso contar com minha sorte”

Puxei a minha arma e apontei para o peito de Lewis.

—Isso me dá a maior autoridade.

Foi quando ouvi, passos.

Não tive tempo de entender mais, no canto do olho percebi o brilho de uma lamina, pela situação entendi.

“Ela vai cortar o meu pescoço! ”

Minha sorte, ao puxar a arma entrei num estado de absoluta calma, estava pensando rápido, porém menos que a empregada, ela estava muito veloz, para atingir tamanha velocidade...

“Você teria que ser muito leve! ”

Com isso eu em vez de desviar, encarei o ataque de frente, a segurei e joguei-a direto no chão.

—Isso foi muito bom, mesmo com todo o treino que passei... desviar disso foi apenas questão de sorte, a faca teve que estar no ponto de luz exato para fazer o brilho que eu vi, se não por isso eu estaria me sufocando em meu próprio sangue —Mudei minha posição para a encarar, porém continuei mantendo minha arma apontada para Lewis.

—Não o enfrente novamente, eu não sou o culpado, não tenho nada a temer.

—Tem certeza disso?

—Claro, ela é quem recebe todos os meus convidados, ela sabe que nenhum assassino de aluguel entrou nesse recinto, na verdade a semanas ninguém de qualquer tipo entra por aqui.

—Se ela tem a disposição de matar para lhe proteger, deve estar disposta a mentir também, eu quero saber qual sua relação com a vítima.

—Está certo. Se retire.

Olhando para a empregada ele falou aquilo, ela obedeceu e sai da minha visão de imediato.

—Não vai abaixar sua arma também?

—Não, enquanto você andava eu ouvi metal se colidindo, você certamente não é muito habilidoso, porém está carregando uma arma consigo.

—Exatamente, é minha garantia.

—Hum... ela não te garantira muito —Apontei para cima, contando novamente com a minha sorte— Estou esperando, quanto mais rápido melhor.

“E também porque eu quero chegar antes dos resultados da ala cientifica”

Tudo começou a mais de 20 anos.

No frio inverno dois garotos estavam num beco, aqueles trapos pesados não eram suficientes para se proteger do frio, eles não tinham casa, não tinha comido nada naquele dia nem no anterior

Eles passavam a bola de um para o outro, era o que podiam fazer para manter o otimismo necessário para enfrentar aquela situação dia após dia.

Esses eram o Senhor White e o Senhor Mathers, na época apenas Charles e Lewis, ambos nomes de família vieram de suas esposas.

Os dois se ajudavam desde crianças, a amizade deles os fez sobreviver aos subúrbios, onde adultos podiam tomar vantagens de crianças por motivos fúteis, pessoas morriam sem razão.

Mais tarde ambos começariam pequenos negócios, ambos tinham um senso de buscar oportunidades impecável e uma determinação criada desde a infância.

Anos depois ambos se tornariam homens de negócio, se casariam com mulheres da burguesia e ganhariam seus nomes de família, porém...

Lewis virou um grande amigo da família, como era de se esperar.

Durante um passeio, o filho de Charles o contou o que ocorreu noites passadas.

O pai dele, Charles tinha agredido ambos filhos e a própria esposa.

—No mesmo dia eu me encontrei com ele, perguntei o que era aquilo, como ele podia ter ido contra o que nós aprendemos na juventude, tomei aquilo como um ataque a nossa amizade, nós brigamos, ele com uma faca e usando um soco inglês, ambos quase morremos lá e nossa amizade tinha sido quebrada definitivamente. Eu resolvi que nunca mais iria falar com ele outra vez, agora queria quebrar os negócios dele, fiz tudo para o derrubar, admito que ainda tenho boas lembranças dele, por isso senti tristeza ao saber de sua morte, entretanto agora... acho que foi justo.

Em momento algum Lewis se acovardou, se escondeu ou sequer desviou o olhar, ele manteve o foco em contar a verdade.

“Se aquilo tudo foi realmente uma mentira... é inútil leva-lo a corte”

—Obrigado por tudo.

“Eu devo ter subido só 2 andares... considerando que há vários passos vindo em minha direção... é melhor tentar um novo truque”

Fui para a janela mais próxima, a janela que fez o brilho na lamina e me impediu de morrer a pouco.

—Agora!

Pulei, não tive um segundo para apreciar a vista, enquanto ainda estava subindo eu assobiei o mais forte que pude.

Cada instante podia ser apreciado individualmente, cada momento que eu tinha chance de me arrepender do que fiz, no entanto, minha confiança se manteve até o momento que iria me encontrar ao chão sem nada para me salvar em vista.

Minha visão foi da grama para o interior de uma carruagem de madeira, estava sentado, o sentimento de cair havia sumido.

—Vocês são realmente... muito bons...

—Nós não podemos falhar jamais, devemos sempre lhe levar ao seu destino —Logo o velho fez a carruagem andar.

—E você... por que você não me falou de uma vez quem é o culpado? Assim eu não teria que passar por tudo isso só para comprovar que aquele homem não fez nada.

—Nossa missão é lhe guiar até a verdade, se você apenas busca o culpado, o resultado final, você não achara a verdade.

—Ah... eu não me importo com filosofia...

—Sim, eu sei disso afinal... —A voz dela no fim pareceu mais distante, senti meus olhos pesarem, meu corpo ceder.

—Como? Já...?

E mais uma vez. Me vi descendo de uma carruagem em algum canto do centro da cidade.

“Onde será que meu ‘destino’ caiu dessa vez? ”

Comecei a olhar ao redor, tentando identificar as construções, sons, cheiros, porém perdi minha linha lógica quando a vi. Pietra estava ao meu lado.

Primeiro senti apenas ódio contra os seres na carruagem, até me lembrar da missão.

—Pietra, acabo de chegar da residência Mathers.

—Logo essa?... Tão longe?...

—Eu sei uns atalhos, mas o que importa é o que eu descobri lá.

Para não ter que explicar do homem sem rosto e da mulher bizarra, comecei a contar tudo que descobri, ela pareceu ter se distraído com o enigma.

—Entendi... portanto o Senhor Lewis é inocente e por isso...

—Ainda tenho que visitar os outros dois homens dessa lista?

—Desnecessário. O mordomo é o culpado.

—O que...? De onde veio isso? Me acostumei com seus saltos lógicos, contudo isso é sobre a vida de um homem inocente. De onde essa conclusão veio?

—É apenas como é. É totalmente lógico, se algum desses homens fosse o culpado, você o teria visitado logo de primeira, é a natureza da sua sorte, não é?

—Hum... foi isso? E eu pensando que tinha tomado a maior vantagem da minha sorte. Vamos então, o culpado só pode ser o mordomo certo? Já sabe como ele executou o crime?

—Os resultados da ala cientifica esclarecem tudo que levou a morte de Charles White.

Então percebi onde estava, logo ao lago da cena do crime, apenas uma quadra de distância.

Ao voltar grande parte do lugar havia sido limpo, a planta, corpo, livros, tudo tinha sido levado.

—Tenho uma certa impressão que seu talento vem da audição, mas ainda assim, tente imaginar cada passo que levou para o crime ocorrer.

—Sim, eu tenho um pequeno problema de visão, mas eu escondi isso para não ter mais problemas entrando no exército.

—Primeiro, é sabido que o filho estava visitando, mais especificamente ele estava vendo as finanças dos negócios, pela distância e grossura das paredes tenho certeza que se tivesse havido um grito, ele ouviria, portanto, a única possibilidade é não ter tido um.

—Vamos logo, diga o que ocorreu.

—Certo, aqui está a resolução do caso:

O mordomo envenenou a comida, ele é a pessoa mais lógica que poderia ter o feito, sabendo que ninguém tentou ativamente o colocar como culpado, essa é a única possibilidade.

Como esperado a autopsia mostrou que a causa mortis foi a hemorragia, além de que o Senhor White estava intoxicado, presumidamente com algo que o fez incapaz de gritar, levando em conta que a autopsia também revelou que a morte não foi instantânea, levou quase 1 minuto.

À primeira vista pode parecer que ele não sentiu a dor, porém esse não foi o efeito da droga, a chave do quarto estava na mesa, o Senhor White se arrastou até a porta, nenhum sangue foi encontrado no caminho pois a faca impedia, grande parte do sangue foi dos vasos para o resto do corpo da vítima, apenas quando ele finalmente morreu, tentando alcançar a chave, o sangue vazou do corpo para o chão.

A toxina exata ainda não foi apontada, a planta foi levada justamente por isso, porém não há plantas azuis com capacidades que se conectem ao crime, assim a comida dele em especifico deve ter sido envenenada.

Ele trancou o quarto e se sentou, presumidamente para ler, o que o matou estava na cadeira, pensando que ele sentou sem um livro e que a cadeira estava a 5 metros da estante, ficou fácil imaginar que ele sentou em outra cadeira no momento do crime.

Ao procurar encontramos uma cadeira, feita de madeira uma cavidade estava coberta por uma almofada branca.

A faca cravou nas costas dele, apesar da dor ele não pode gritar, assim ele se arrastou até a porta para buscar ajuda, assim que viu a porta trancada ele tentou ir para a janela, ou talvez pegar a chave, mas ele não conseguiu nenhum desses objetivos. Ele morreu antes.

—Com as armas da verdade, a justiça será atendida!

—...

—...

—Bem, agora o que eu faço?

—Vou arrumar tudo para você ter uma conversa com ele, você agora precisa conseguir uma confissão.

—Meu trabalho nunca acaba... certo, vamos nessa!

Assim que iriamos sair do cômodo.

—Com licença Madame Loiret, temos um... —Era um policial, ele parecia estar apressado.

—Sim?

—É sobre um criminoso que invadiu a residência de um grande homem de negócios, ouvimos que você já havia achado o culpado deste caso, então queríamos sua assistência.

—E o que sabemos?

—Só temos a aparência dele, era um homem, um jovem, ele usava um chapéu, não era muito mais alto do que uma mulher, mais importante, sua pele era muito branca, igual a neve, além de que seus olhos...

“Droga, esse sou eu”

—Parado! Mãos ao alto!

Já tinha ouvido os passos deles, então não foi surpresa ver mais dois policiais entrando subitamente e levantando suas armas contra mim.

Tive que obedecer às ordens deles e fui levado para a delegacia.

Claro, assim que eles perceberam que o crime ocorreu a quilômetros da cidade e ao mesmo tempo a menos de uma hora, do ponto de vista da polícia era absolutamente impossível eu ter executado a invasão.

Eu fui desalgemado em apenas duas horas.

E logo que sai da delegacia:

—Já arrumei sua chance para interrogar o culpado.

—Aproveitou bem o tempo que eu estava algemado!?

—É sua culpa ter deixado isso acontecer. Nisso, como você fez isso?

—Complicado. Te conto depois que o culpado estiver preso.

Como esperado.

Uma pequena lamina se cravou no meu abdômen.

—Eu não pedi isso! Eu te dei uma ordem! Me responda agora! Seu idiota! Eu vou te matar!

A lamina foi tirada violentamente.

“Isso definitivamente é uma evolução”

—Bem... a minha sorte agindo novamente... —Puxei um bloco de notas, eu acabei colocando ele ali porque os bolsos daquela calça não cabiam, por isso o bloco tinha um furo no meio, a lamina sequer arrancou sangue.

—Grr... tanto faz então, vamos interrogar o mordomo, se você não me contar depois disso eu vou te matar de verdade, nem que eu tenha que usar meus poderes e quebrar as regras dos mágicos, eu vou te matar!

Para mim, bem. Aquelas ameaças não eram tão efetivas, aprendi que no campo de batalha você pode morrer sem sequer saber o nome do seu assassino, você pode matar sem saber nem a cor dos olhos da pessoa, isso tudo não importava. E considerando o quanto ela era arrogante... não tenho certeza se ela entende o que significa matar.

“Mas espera, que regras são essas? ”

Era inútil pensar nisso tão tarde, a cena para meu interrogatório estava pronta:

A sala de jantar da casa, lá estava o mordomo, um velho com um curto cabelo loiro já escurecido, a jaqueta preta com umas dúzias de botões dourados, camisa listrada e gravata o deixavam quase indistinguível de um outro homem de negócios, porém as luvas brancas certamente pareciam diferentes, eram limpas, absolutamente limpas, não deixariam passar uma poeira sequer da casa.

Ele não parecia forte, os braços e ombros eram magros, o rosto um pouco pálido.

Me sentei, apesar da aparente pouca força do mordomo havia 6 policiais cercando a sala e ouvindo a conversa, era hoje de atacar.

—Sei que você já testemunhou hoje, mas houve algumas mudanças no caso e gostaria que respondesse mais algumas perguntas —Pietra preparou todas as perguntas que eu deveria fazer para pressiona-lo, porém eu tomaria algumas liberdades.

—E o que precisa que saber?

—Entre a vez que você limpou a cena do crime e quando você encontrou o corpo, algo pareceu ter mudado?

—Nada. A única outra mudança além do assassinato foi que uma das facas da cozinha sumiu.

—E sobre as cadeiras?

—O que houve com elas?

—Há duas, uma de adornos verdes e uma com almofada branca...

—Adornos verdes...? Tem certeza?

—Tenho, é que há uma coisa que pensamos... a cadeira de almofada branca tinha uma cavidade perfeita para colocar uma faca, além de que temos motivos para acreditar que a colocação de ambas mudou após o crime, o que você acha?

—...não sou eu o detetive, vocês deveriam resolver isso.

—Claro, claro, nossa missão é achar o culpado...

—E leva-lo à prisão.

—Por fim, é claro que a vítima foi intoxicada antes de seu assassinato, você que faz todas as refeições dessa casa, não é? Você é o único que pode ter feito isso, não é?!

—Não sei do que está falando, posso me retirar?

“Ok, essa a hora”

Puxei a minha arma e coloquei na mesa.

—Nós já sabemos o que aconteceu, você não sai dessa sala até nos dar uma confissão!

—Hum... você é bem determinado...

—Admita logo, este lugar já foi cercado pelos policiais, todos sabem que foi você, não há como fugir.

Ele não me encarou, pareceu pensativo por um momento e então:

—Sim... eu admito, eu sou o assassino. Depois do que aquele homem fez com a própria família... não poderia perdoar alguém assim, tive que fazer algo.

—Diga isso para quem for julgar, eu sou apenas um guarda-costas.

—Hum. Entendo, um guarda-costas...

Em minutos os policiais entraram e o algemaram, sabendo como o sentimento é ruim até senti algum remorso, a motivação dele era justa até, a vítima era certamente desprezível.

“Não... de que importa pensar isso? Eu não vivo pela moralidade, vivo para manter meu legado comigo, esse é o meu proposito”

Mais tarde, indo para o dormitório.

Pietra estava me seguindo, ela queria as respostas. Estava fazendo o maior esforço para mudar de assunto.

—Esse caso foi mais fácil do que eu esperava, os casos daqueles livros que li eram bem mais difíceis.

—A sua sorte é um poder bem útil se usado de forma esperta.

—Sim... agora eu consegui o criminoso, não tenho mais dívida alguma contigo, não sou mais um guarda-costas. Estou certo?

—É claro, já cumpriu seu dever, fez todo o trabalho chato para mim e me deixou apenas com a parte divertida.

—Não planejo manter mais contato algum com você, deixo isso claro. Não há nada que possa me fazer mudar de ideia.

—Dou um dia para isso mudar, você amanhã vai voltar correndo com um novo caso a ser resolvido.

—Nem pensar, aí está um motivo para eu querer manter distância, você acha que sabe de tudo.

—Eu sei de tudo que importa, por isso sempre posso resolver qualquer enigma que vier a minha frente, isso é um fato, um fato inquestionável.

—Pietra, com a minha sorte não é assim. Você sabia que essa ponte por qual estamos passando agora, Ponte Victória, passa pelo Rio Cam, ele flui sempre para o norte, direção do meu dormitório.

—Você nã...

Já não adiantava falar nada, já tinha pulado.

“Não vou explicar aquilo nunca! Venha atrás de mim se quiser! ”

Com meu treino e a usando o impulso do próprio rio, consegui chegar no meu dormitório bem antes dela, algumas pessoas questionaram porque eu estava com as roupas encharcadas, porém apenas disse a elas que tinha caído no rio acidentalmente.

Após pegar roupas secas, olhei pela janela e o sol estava se pondo, vi novamente o arrebol da Inglaterra.

Mais uma vez, finalmente, eu deitei sem peso algum em meu coração.

Mais uma vez, dormi com as cortinas abertas esperando o nascer do sol no dia seguinte.


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Notas finais do capítulo

E aqui está! Agora tenho que continuar aproveitando as férias da melhor forma possivel, escrever até cair!



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