A Aranha na Teia escrita por Elvish Song


Capítulo 2
Another mission


Notas iniciais do capítulo

Bom dia!!! Ressuscitamos dos quase-mortos pela faculdade, rs.
Desculpem mesmo o atraso, mas essa fanfic é escrita por duas estudantes de biologia (minha coautora ainda não teve a decência de criar um perfil no Nyah), então não podemos prometer nada quanto a prazos; apenas que essa história não será abandonada, ok?
Bom, sem mais delongas, esperamos que gostem, e vemos-nos nas notas de rodapé, ok?
Boa leitura, e obrigada a quem comentou no último capítulo!



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            Muito trabalho surgira para os Vingadores, na semana que se seguiu; analisar e cruzar os dados de Nuremberg, rastreando origens de transmissões, servidores de computador, cargas recebidas e pessoas contratadas tomava praticamente 24 horas de seus dias, mesmo com a abençoada ajuda constante de Jarvis.

            Para Natasha, o trabalho assumia conotação extremamente pessoal: sentia-se responsável por não ter investigado as ações a respeito das informações que roubara, na primeira vez, e saber sobre todos os experimentos conduzidos naquela unidade, e depois em outras pelo mundo, aumentavam sua determinação em ir até o fundo naquilo. Cada vez que a contagem de mortos aumentava, os colegas percebiam o aumento da tensão no ânimo da amiga, que sequer respeitara – como todos já esperavam – os quatro dias de repouso para virar noites atrás de informações. E tão logo seu corpo se recompôs, assumiu outra vez missões de campo. Não lhe faltavam nomes dos quais ir atrás, mesmo na América.

            Com dez dias de procura, a pesquisa os levara a Izmar Von Hecker, geneticista, supervisor da unidade de Nuremberg. Possuía pelo menos uma dúzia de ajudantes em suas pesquisas com aprimoramento genético, e era um jovem prodígio que mal atingira os 40 anos. Assim, Hidra o cooptara e lhe dera a unidade de Nuremberg para conduzir seus experimentos em cobaias humanas... Dez dias atrás, quando Natasha e Clint “desativaram” – melhor dizendo, explodiram – a instalação, o cientista encontrava-se no Canadá, em viagem de fins não declarados. Rastrear seu paradeiro foi um passo simples, e logo a equipe sabia que Hecker se encontrava agora em território estadunidense, oficialmente em “visitas a amigos”, e fora convidado a um baile de gala dado para a alta sociedade por Guillaume LaRoche, um membro do alto escalão da HIDRA, ex-agente da SHIELD.

            - Incrível! – protestou Steve, ao ler a última ficha. – Esses caras foram expostos para o mundo inteiro, e continuam agindo como se nada...

            - Nós também somos ex-agentes da SHIELD, Rogers. – Respondeu Clint, concentrado nas anotações que fizera. – Alegar inocência é simples, e todos são inocentes até que provem o contrário. Serão anos até que se prove quem é quem, e os culpados sejam presos.

            - A menos que nós façamos o serviço sujo, claro. – Completou Natasha, virando uma página ao mesmo tempo em que ampliava a holo à sua frente. – Que é, em resumo, o que estamos fazendo, agora.

            - Impressionante como você se sente confortável em fazer absolutamente tudo, Natalia. – Comentou Tony. – Sua consciência não pesa nem um pouco?

            - Não quando estou acordada. E pela quantidade de álcool que ingere ultimamente, Anthony, eu diria que você tem mais problemas com seu passado, do que eu com minha profissão. – Respondeu a agente, sem emoção na voz. – Se lhe interessa, até onde sei, destruir os próprios neurônios apenas piora o quadro.

            - Você às vezes pede por essas, Tony. – Sussurrou Banner. – Por que precisa alfinetar toda a equipe?

             O Homem de Ferro deu de ombros, mas Natasha o compreendia: Tony era um ansioso crônico. Sentia coisas demais, carregava coisas demais; ele não fora criado para ser um herói ou agente, e o que fazia era por pura iniciativa própria, desejo de tornar o mundo um lugar ao menos um pouco mais seguro, e de se redimir pelo passado. Ela o admirava por tal vontade, mas via que o peso de ser um “herói”, somando-se às culpas pelos males que as indústrias herdadas do pai haviam causado, além do Transtorno de Estresse-Pós-Traumático gerado pelo sequestro, formavam uma situação na qual os sentimentos de Stark eram uma constante caldeira em ebulição, cuja válvula de escape era arrancar reações dos outros como um modo de projetar a própria frustração e incerteza, para não as demonstrar ele mesmo.

            Tentando desviar a atenção da situação tensa – juntar Nat e Tony na mesma sala, ultimamente, acabava como uma concentração de cortisol e adrenalina tão intensos que até os outros se sentiam contagiados pelo estresse – Banner terminou de ler a ficha em suas mãos e declarou:

            - Um interrogatório não adiantaria; ele tem conhecimento e contatos demais. Algo de estranho acontecendo alertaria os outros, e colocariam pistas falsas em nosso caminho.

            - Alguém terá de se aproximar dele. – Declarou Steve, arrependendo-se no exato segundo em que falou... – Natasha, eu não estava falando que você...

            - Nem comece. Poupe o fôlego. – Ela pegou outra ficha. – Dra. Melinda Lambert: ex-supervisora de bases de pesquisa, psiquiatra especialista em análise comportamental, com uma vasta pesquisa sobre a influência da genética nos traços de personalidade. – Informou, projetando no holo a imagem da mulher de pele clara, cabelos e olhos escuros, de constituição muito similar à da Viúva Negra. – Sim, eu já tinha pensado nisso, com Clint e Banner. – Steve fuzilou os amigos com os olhos, ao que o cientista encolheu os ombros:

            - Ela é de longe a mais indicada. Quer dizer... Nat se passa por quem e pelo que ela quiser. É mais sutil e eficaz do que sair derrubando prédios, e nenhum de nós consegue se camuflar como ela. Nem mesmo Clint.

            - Então empurramos uma amiga no fogo, e é isso?

            - Relaxe o músculo cardíaco, vovô. – Brincou Tony. – O Barton não deixaria algo ruim acontecer à Natasha, nem em um milhão de anos. Se os conheço, ambos já têm um método de ação traçado, e planos alternativos até o Z-26 para imprevistos.

            - Z-43, na verdade. – Continuou Natasha. – Escutem, a HIDRA sabe que iremos atrás deles. Não são idiotas, e estarão atentos. Procurarão por nós, por sinais de que estamos em seu rastro, e deixarão pistas falsas.

            - Tentarão nos eliminar ou capturar. – Concordou Banner. – E já esperam que Natasha e Barton se disfarcem, que Tony e eu tentemos decodificar seus sistemas, que Steve proteja o mundo...

            - Ah, o peso da fama – Suspirou Tony, irônico – Já entenderam, então, não é? Precisamos jogar como eles. Dar o que esperam ter, mas jogar pistas falsas. Fazê-los crer que seguimos o rastro por um lado, quando estamos em outro e, principalmente, fazê-los crer que engolimos as mentiras e pistas falsas.

            - Quando foi que vocês começaram a prestar atenção no que eu falo, garotos? Vou me sentir orgulhosa, desse jeito! – Comentou a agente, com algum divertimento. – Vamos fazer nossa parte, também. Deixá-los achar que nos descobriram, que entenderam nossa linha de ação. Fazer se tornarem tão focados em nos manter em xeque, que não percebam a armadilha para seu rei.

            - Teremos de fazer inveja a Kasparov, nesse jogo. Sem margens para erros. – Clint estava pensativo, repassando em mente os planos feitos com Natalia e Banner enquanto andava em redor da mesa, sobrancelhas franzidas e braços cruzados. – Jarvis, informações sobre o evento de LaRoche.

            - Trata-se de um evento beneficente organizado pela fundação LaRoche de incentivo à pesquisa. Uma homenagem a várias personalidades reconhecidas do meio acadêmico, dentre as quais figuram os alvos Von Hecker e sua família, e a doutora Lambert.

            - Dados dos cientistas. – Pediu Steve.

            - O reconhecimento facial de Von Hecker é incompatível com o banco de dados internacional. – Começou a AI, no que foi interrompida por Banner, que se curvou para observar o rosto mostrado como pertencendo ao homem, de acordo com a imagem do passaporte:

            - É parecido, mas não é ele. O desgraçado, filho de uma mãe, está tentando despistar todo mundo!

            - Ele está tomando cuidado; sabe que estamos atrás da HIDRA, e que conhecemos os integrantes. – Raciocinou o Capitão, ampliando os dois hologramas. – Jarvis, busca nos bancos de reconhecimento facial mundiais.

            Dois rostos surgiram como comparação, ao lado dos dois hologramas originais. Ao lado do rosto de Von Hecker surgiu sua nova versão, os cabelos mais curtos e agrisalhados. Ao lado, identificado pelo nome Edmond Lissen-Ecklund, o rosto do homem pelo qual se passava.

            - Filho da p... – A Black Widow não terminou a frase, batendo na mesa e se levantando para olhar mais de perto. – Trocou de identidade com um dos assistentes! Ele sabe que estamos em sua esteira.

            - O que foi que disse sobre xadrez, mesmo, Romanoff? – Perguntou Stark, revendo algumas filmagens em que Jarvis detectara Melinda Lambert. – Parece que nosso amigo fez o primeiro lance.

            - Então, vamos continuar. – Declarou a mulher, em tom decidido. – Preciso fazer uma ligação para alguns conhecidos, e vocês não vão gostar da linha de ação.

            Os cinco homens a fitaram, imaginando o que viria a seguir; não ficaram exatamente surpresos com a explicação:

            - Se preciso me passar pela doutora Lambert, ela não pode estar nas ruas. E preciso ouvi-la falar, para imitar seu sotaque, ver gravações suas, ou mesmo observá-la, para copiar seus trejeitos. Estou falando de sequestro e interrogatório. – Em outros tempos, consideraria também o assassinato, mas não era assim que os Vingadores agiam. – Quando terminarmos, entregamo-la à justiça.

            - Está falando de tortura? – Thor tinha um tom incrédulo, apertando levemente os olhos com asco pela ideia.

            - Eu só finjo ser um monstro, Thor: não preciso de tortura para fazer alguém falar. Agora, se me derem licença, tenho uma ligação a fazer. – Ela deixou a sala e fechou a porta atrás de si.

            - Mandou bem, Thor. – Ironizou Tony. – Jarvis, para quem Natasha ligou?

            - O número está em nome de Jean Grey, senhor. – Tony trocou um olhar perplexo com Clint.

— O que ela está armando, agora?

            - Você parte do princípio que ela me conta tudo. Ainda estamos falando de Natasha. Ela fala o que acha necessário, quando acha necessário.

            - Mas Jean Grey? – O empresário tirou os óculos e esfregou o rosto, preocupado. – Bem, ela estava certa: não gosto nem um pouco da ideia. Esse pessoal do Instituto Xavier é... Imprevisível, para dizer pouco.

            - Não é como se nos encaixássemos no conceito usual de previsibilidade e normalidade. – Banner fazia apontamentos sobre os estudos de Melinda Lambert e seu histórico de trabalho com a HIDRA, especialmente os realizados em conjunto com a unidade de Nuremberg.

            - Pelo lado positivo, os X-Men têm interesse nisso: a criação de mutantes e aprimorados em laboratório vai lhes causar problemas, se é que já não causa. – Considerou Clint. – Ajuda é sempre bem-vinda.

            - Os genes mutantes originais tiveram de ser tirados de algum lugar. – Complementou Steve. – Mais rápido e eficaz do que tentativa e erro. E se têm capturado mutantes, como provavelmente fazem, então faz sentido que a equipe tenha entrado em contato com Nat.

            - E por que ela não se reportou ao resto de nós? – Sim, Natasha conseguia irritar Tony. – Somos um time.

            - Sim, somos. – A voz da espiã soou profissional e sem emoções enquanto ela voltava para a mesa. – Mas estou neste trabalho como freelancer há algumas semanas, antes de ele ser associado ao que estamos fazendo como Vingadores, e o sigilo profissional é uma regra rígida, para mim. Foi uma coincidência que os casos se cruzassem, permitindo que eu compartilhe a respeito com vocês.

            - E que trabalho seria este, exatamente? – Havia preocupação na voz de Thor.

            - Jovens mutantes têm desaparecido, tanto no Canadá quanto nos EUA, na região da fronteira. Alguns foram contatados por uma “instituição”, e chegaram a relatar aos familiares. Porém, uma vez em contato com a organização, desaparecem, e as suspeitas recaíram na direção de grupos radicais que exterminam mutantes. O Instituto Xavier me contratou após o desaparecimento de um de seus alunos, durante férias na região. E eu gostaria de poder dizer que se tratavam de simples assassinatos, mas a situação era pior: usados como cobaias por, adivinhem? Isso mesmo... A mesma organização falida que está nos dando dores de cabeça.

            - Compartilhando informações, por favor? – Pediu Banner, sem surpresa na voz, acessando o banco de dados para o qual Romanoff enviava as informações de seu arquivo pessoal.

            - Na linha superior estão os desaparecidos. – Explicou a espiã, passando rostos de jovens mutantes entre 12 e 19 anos. – E na de baixo, o mais assustador: os resultados de suas experiências. – rostos de crianças, todas entre 3 e 6 anos. – Isso estava nos arquivos de Nuremberg, codificado. Quebrar os códigos foi um pouco difícil, mas essas cinco crianças são as únicas sobreviventes dos experimentos… Dentre mais de duzentas. – ela passou as imagens. Primeiro um menino de cabelos loiros e cacheados, com vibrantes olhos laranja. – Cobaia 43. 7 anos. Sua visão é aprimorada para a ausência de luz no espectro visível: enxerga ultravioleta e infravermelho, e isso significa que pode enxergar mesmo através de barreiras menos sólidas. – A seguir, duas menininhas idênticas, de cabelos azuis e pele negra, olhos amarelos como o sol. – Cobaias 72 A e B. 4 anos. Se algo originou a lenda das sereias, foram mutantes como elas: respiram embaixo d’água, podem alternar entre respiração pulmonar e branquial. Além disso, têm a força de um homem adulto. – Mais um menino, de pele dourada como metal, olhos vermelhos e desprovido de cabelos. – Cobaia 81, 4 anos. Telecinese avançada, e pirocinese. E o mais assustador... – Uma menininha aparentemente normal, de cabelos tão ruivos quanto os de Natasha, a ponto de parecerem tingidos, aspecto de 5 ou 6 anos, sardas espalhadas pelo rostinho tímido. – Essa menina tem três anos não-completados, apenas. Hiperdesenvolvimento mental e físico, com telepatia, percepção e controle de estímulos sonoros e vibrações de energia em frequências além das habilidades humanas, sentidos operantes no pico das habilidades humanas, imunidade a toxinas e força aumentada, além de um QI elevado até para os parâmetros de um adulto. Cobaia 109, mas a ela deram um nome, ao contrário dos outros: Lucy. Registrada como extremamente perigosa, e causou três mortes "acidentais" durante uma sessão de testes, literalmente fritando seus cérebros dentro dos crânios.

            Tony tinha uma expressão mortificada no rosto, especialmente ao ver as crianças resultantes dos experimentos. Ninguém da equipe esperava vê-lo tão afetado por aquilo, mas estava bastante óbvio que o engenheiro mesclava raiva, perplexidade e compaixão por aqueles pequenos. Finalmente, após passar as fotos duas vezes, ele se voltou para a espiã:

            - Eu vou me arrepender disso, mas... Registro dos procedimentos de criação?

            - Manipulação gênica. As mulheres usadas para gestar as crianças são denominadas “incubadoras”, e “desativadas” após os primeiros meses de vida das crianças. – Embora se mantivesse impassível e profissional, o desgosto estava evidente na voz da mulher. – O problema: a localização deles é mantida em segredo absoluto. Encontrei algumas unidades, mas ali eram conduzidas apenas as partes laboratoriais da “pesquisa”. Achar essas crianças, admito, é desafiador. Eu não teria encontrado esses arquivos, se não fosse nossa incursão a Nuremberg.

            - E por que estariam mantendo as informações tão desencontradas e separadas? – Indagou Thor. Não fazia muito sentido. Se algo precisava ser protegido, deveria ser mantido junto.

            - Compartimentalização. – Disse Steve, lembrando-se de uma conversa recente com Fury. – Se ninguém possui a informação completa, ninguém pode fornecê-las num interrogatório.

            - Mas não pode ter sido mera sorte. – Ponderou Clint. – Não é coincidência que tenhamos ido até lá, e isso simplesmente fosse parte de sua outra missão. Você sabia o que procurar.

            - Eu não disse que era coincidência. – Respondeu a espiã. – Foi raciocínio. Nuremberg foi um centro de pesquisas importante... Precisava ter algo. Era a confluência entre as unidades no Leste Europeu e as ocidentais. Se a HIDRA atuava aqui, na mesma empreitada que no Leste, então algo passaria por ali, e poderia me dar uma direção. Trabalhei por cinco dias para quebrar os códigos, porque sabia que estavam ali: a base chefiada por Von Hecker tinha de ter dados relevantes. Não sabia quais eram as informações, e isso sim foi uma sorte... Agora é conosco.

            - A ficha de Von Hecker apenas aumenta. – Clint fazia linkagens rápidas no starkpad. – Trabalhou em Nuremberg, ou melhor, chefiou, e veio para o Canadá. Isso não foi aleatório: Obtiveram resultados na fronteira norte, e ele está aqui para chefiar esses avanços. Os chacais estão perto.

            - Vamos jogar a isca, então. – Disse Stark. – Se o Instituto Xavier está nisso, que forneçam a isca, em vez de mandarmos Romanoff.

            - Está sendo tão fofo, que vou achar que se preocupa comigo, Tony. – Ironizou a mulher. – Mas eu não colocaria um deles nisso, nem se fosse a última opção. Não são espiões, vão acabar como mais cobaias, e denunciar que estão atrás da HIDRA. Já viu a sutileza deles? Um elefante numa loja de cristais.... Não. – Ela respirou fundo. – Não vou coloca-los em campo. Isso é algo que eu tenho de fazer. Comecei, e vou terminar.

            - Não pode colocá-los em campo. Mas e quanto a apoio? – Sugeriu Tony, insistente. – Especialmente se algo sair ao controle. Sua conhecida, Jean Grey, seria incrivelmente útil nisso; e você pode ser mais útil ainda terminando de colocar na mesa o que está planejando, porque essa sua cabeça está maquinando agora mesmo.

            Natalia se aproximou mais um pouco da mesa, ampliando as filmagens de Melinda Lambert. Com alguns toques, acessou as informações sobre a mulher nas últimas 24 horas.

            - Para eu entrar sem suspeitas, ela precisa sair. Uma vez que esteja dentro, posso mover os peões e preparar o tabuleiro para vocês; mas ela é a chave de acesso para esse mundo. – A mulher encarou os colegas, que acompanhavam seu raciocínio, e já sabiam a qual ponto voltariam. – Temos dez dias para agir, antes do evento. Uma vez que a tenhamos, tudo começa de verdade: quero concluir a ação em 72 horas, para ter tempo de me preparar. Quanto a onde deixa-la... Bem... O Instituto precisa fazer sua parte, e a doutora Grey acessará as informações que não conseguirmos.

            - Um de nós deve estar sempre presente, ou no mínimo com uma escuta ligada ao Instituto, e outra a você, para lhe passar o que recebermos de novidades. – Steve já passara do ponto de se incomodar. Aprisionar e ler a mente de uma mulher que compactuava com tortura de crianças não seria a pior coisa que já vira, e achar aqueles jovens sequestrados, e as crianças-armas, era mais urgente do que tudo. – E outro deve estar pronto para auxiliá-la em caso de imprevisto.

            - Vou deixar a escala com vocês, meninos. – Ela encarou o doutor Banner. – Doutor, seria estranho eu dizer que o considero a pessoa mais indicada para estar conosco quando a doutora Lambert for levada para sua “hospedagem”? Não na chegada, é claro, mas nos dias que se seguirem.

            - Precisa de alguém com paciência e tato. – Ele anuiu brevemente, um pouco desconfortável: aquela não era sua zona de conforto, tamanha trama de sequestros, espionagem, roubo de informações. Por outro lado, ansiava por ser útil por si mesmo, e não pelo cara verde que agia como um animal enfurecido.

            - E com uma mente brilhante. – Ela fitou Tony – Nada contra, Stark, mas paciência não é seu forte, e só genialidade não ajuda. Preciso das duas coisas. – Ela poderia mencionar a capacidade de empatia, também, mas seria uma provocação desnecessária. – Se houver a formação de um vínculo, ela tenderá a confiar em você, o que tornará a situação mais fácil para ambos os lados. Está disposto a fazer isso?

            - Melhor assim do que te dando cobertura. Acho que o cara verde chamaria alguma atenção indesejada. – Ele suspirou e deu um breve sorriso tenso. – Conte comigo, Nat.

            - Clint e eu nos revezaremos para dar cobertura em campo para Natasha. – Declarou Steve. – Tony, precisamos de você de prontidão para incidentes inesperados.

            - Desculpe, picolé, mas alguém aqui tem um trabalho fora dos Vingadores que não pode ser feito no laboratório da Stark Tower. Não consigo turno integral na vigilância, mas posso cobrir seu turno, quando precisar tirar a sonequinha do vovô.

            - Se começarem com isso, eu vou jogar os dois pela janela. – Pelo tom resmungado de Natasha, não era uma piada. – Thor, você está anormalmente quieto.

            O asgardiano tinha o olhar fixo no chão, meditativo, e Natasha não sabia se realmente queria a opinião dele: Thor era uma alma boa, um aliado corajoso e alguém ao lado do qual valia a pena lutar, mas sua mente não era exatamente a mais brilhante ali, e os demais se perguntavam se ele havia sequer acompanhado tudo, ou se perdido em pensamentos em algum momento. Porém, ele ouvira, sim. Ouvira, e se sentia horrivelmente impotente e deslocado:

            - Não sou um espião, ou um agente. Quero parar a HIDRA, entrar na unidade onde esses jovens estão cativos e libertá-los, não tenho medo de lutar. Mas não sei fazer o que vocês fazem. Não conheço a Terra a esse ponto, e não conseguiria me misturar, mesmo que tentasse. – Ele cerrou os punhos, e suas veias se ressaltaram nos braços e sob a mandíbula, claramente demonstrando sua frustração para consigo mesmo. – Eu simplesmente escolheria um dos líderes, o arrancaria de seu covil e o obrigaria a dizer a verdade. Ainda posso fazer isso, se me disserem onde e quem. Mas é tudo o que posso fazer. No momento, sou tão útil quanto o Hulk.

            - Ele tem razão. – Concordou Banner. – Mas embora tenhamos uma missão sigilosa aqui... Estive rastreando fenômenos de radiação e picos anômalos de energia que poderiam apontar o rastro do Cetro. Você é o que mais conhecimento possui desse tipo de tecnologia e energia, Thor. Se a pista de Von Hecker for um beco sem saída, um rastreamento ativo pode nos dar nova direção: uma caçada.

            - Isso eu posso fazer. – Um novo brilho surgiu nos olhos do guerreiro, que por um segundo aparentava ser uma criança grande, com muita energia, boa vontade e força, mas que precisava ser orientada em algum aspecto para direcionar todo esse potencial. – Levarei um comunicador, para mantermos contato.

            Natasha olhou para os demais colegas, e todos anuíram; ela não sabia bem em que momento fora decidido unanimemente que estava à liderança da situação, mas por ela parecia bem, assim. Menos chances de algo dar errado.

            - Faça isso, Thor. Nós o informaremos, e o chamaremos se houver perspectiva de combate. – Ela repassou mais algumas coisas em mente. – Tony, consegue criar um carro que se modifique? Cor, placa, até mesmo designer, se possível.

            - Uma pergunta dessas é quase um insulto. SE eu consigo? Levo uma tarde, no máximo um dia para fazer isso. – Ele arqueou uma sobrancelha. – Carro de sequestro?

            - Também. Mas se vou fazer um papel, o veículo precisa estar irreconhecível. Não posso roubar um carro, e menos ainda usar um dos seus, mantendo o aspecto e informações.

            - Você me subestima. – Stark cruzou os braços, fechou todas as telas diante de si e abriu outras, com as imagens dos carros que usavam em missões, começando a verificar os modelos e quais atenderiam melhor ao propósito. – Se estamos entendidos, reunião encerrada. Natasha, é com você, agora.

            - Eu sei. Obrigada pela ajuda, Stark. – A mulher fechou as próprias telas e enviou os arquivos para suas pastas em nuvem, compartilhando cópias com os colegas. – Se precisarem de mim, estou no meu apartamento, preparando tudo.

            - Subirei em meia hora, para ajudar. – Avisou Clint. – Não atire.

            - É só bater à porta, Barton. – Ela deu um breve sorriso para o amigo, e para os outros colegas. – Senhores. – Com tudo reunido em uma maleta de documentos, ela subiu para o próprio apartamento, onde espalhou tudo sobre sua mesa de trabalho e mergulhou no planejamento que precisava fazer.

*

            Steve viu Natasha cochilar pela terceira vez diante da tela azul, sem sequer se mover do lugar; pelo que ela mesma lhe confessara, era a quinta noite em claro que passava, e o Vingador se sentia a cada momento mais preocupado com a companheira de equipe. Clint e Nat haviam terminado o planejamento da abdução de Melinda Lambert ainda no final da tarde, mas a espiã se lançara ao estudo das pesquisas, histórico, relatórios e toda sorte de documento que eventualmente se relacionasse ao alvo.

            A princípio, tanto Clint quanto Steve haviam tentado demover a mulher, mas ela se mostrara irredutível; Hawkeye acabara desistindo, após algum tempo – ele próprio também sem dormir há várias noites, viradas com a amiga. Já Rogers apenas pegara uma cadeira e passara a ajudar Natalia do modo como podia, fazendo relações, esquematizando os principais nomes, levantando detalhes do histórico de Lambert... E haviam seguido assim até as quatro da manhã, quando os olhos da russa começaram a se fechar involuntariamente. Por duas vezes ela sacudiu a cabeça, tomou mais um gole de café e prosseguiu, mas na terceira vez suas pálpebras permaneceram fechadas, e por alguns momentos Steve sorriu com a visão das feições se relaxando, ao mesmo tempo em que sentia aquele desejo de confortar e proteger a mulher. E quando os segundos passaram sem que ela despertasse, tomou sua decisão.

            - Nat? – Sua mão pousou levemente sobre a dela, para não assustá-la, e os olhos dela se abriram levemente, pesados de exaustão. – Hey, vem aqui. – Passou um braço pelas costas dela, o outro por sob suas pernas e a levantou, impedindo-a de protestar. – Eu sei o que vai falar, mas, se não descansar, vai cometer um erro grave quando estiver agindo. Precisa dormir, porque sua cabeça não consegue absorver mais nada, agora.

            Foi uma total surpresa quando a ruiva, além de não protestar, anuiu e aconchegou a cabeça contra o peito do soldado, caindo no sono quase imediatamente, outra vez. Ele a levou para o quarto, ajudou-a a tirar as roupas e a colocou deitada.

            - Steve... – A espiã ia dizer algo, mas acabou sussurrando em russo, cansada demais para seu cérebro funcionar em inglês. A única indicação de sua intenção foi o modo como segurou o braço do colega perto de si, puxando-o de leve para perto, e o americano entendeu. Tirou as roupas de cima e se deitou ao lado de Natalia, aconchegando-a em seu corpo.

            - Estou aqui, Nat. – Com ela encolhida na cama, envolveu seu corpo no da mulher, puxando-a contra si e passando um braço sobre os dela, como se seu abraço a pudesse proteger de tudo no mundo. E só Deus sabia como ele gostaria que fosse verdade. Sorrindo ao ouvir a respiração lenta denunciar um sono profundo, ele escovou os cabelos dela para cima, de modo a aninhar o queixo na curva de seu ombro, e foi assim que ambos dormiram até que fosse quase hora do almoço, no dia seguinte.

*

            - Testando, Capitão. – Confirmou Tony, dando permissão a Steve para testar o filme blindado que distribuíra sobre a placa de metal. Se passasse no teste, ele aplicaria a todo o carro que aprimorava, combinado com a tinta ionizante que permitia uma variação de espectros entre o violeta e o verde, todos em tons escuros que podiam ir direto ao preto, se o recurso “cor” fosse desativado. Estavam no enorme galpão de alta tecnologia em que Stark criava não apenas os protótipos das armaduras, mas dezenas de projetos de maior volume, que iam desde aprimorar os próprios carros até uma tentativa ainda em curso de criar um satélite de rastreamento próprio, indetectável. O espaço possuía pé-direito triplo, cercado por elevadores hidráulicos que moviam as enormes plataformas nas quais o equipamento era guardado. O piso e paredes eram em tons de cinza e azul, e todo o vão possuía dezenas de projetores, para o engenheiro não ter de se deslocar para acessar os próprios projetos, enquanto trabalhava. 

            - Certeza? – Perguntou Steve, preparando os punhos. Dois guindastes imobilizavam entre si uma placa de 1,5 m por 2m, revestida com a película de alta blindagem, que dissipava a energia do impacto, redistribuindo por toda a estrutura.

            - Se não resistir, recalculo a espessura da película. Pode testar.

            Rogers tinha soqueiras em ambas as mãos, e golpeou a placa de metal a princípio com força mediana: mal arranhou a superfície. Com mais força, conseguiu amassar levemente, e apenas quando utilizou o máximo de sua capacidade foi capaz de causar rachaduras, que não chegaram a partir o metal, apenas deformá-lo.

            - Nada mal. – Aprovou o soldado, enquanto Natasha, a meros dez metros de distância, testava a própria placa com suas facas e armas de fogo. As balas ricochetearam na blindagem, mal deixando sinais visíveis. As facas resvalavam na película protetora, causando arranhões, mas nem mesmo um golpe descendente com toda a força da Black Widow conseguiu fazer mais do que cravar a ponta da arma através da blindagem. Definitivamente eficaz. As flechas explosivas de Clint, no compartimento anexo, haviam tido muito trabalho para causar dano às peças blindadas, e o teste apontara sucesso, no geral.

            O próximo passo seria aplicar a blindagem ao carro, por sobre a tinta ionizante. As peças do chassi se reorganizavam em mais de quinze configurações diferentes, o que, combinado às cores variadas e mudanças de placa, tornaria absolutamente impossível identificar o veículo, cujas mudanças podiam ser totalmente operadas no espaço de dois segundos.

            Mais tarde, enfiado sob o carro, checando os reversores de polaridade que impediriam a adesão de rastreadores ou bombas, Tony gritou para Steve:

            - Picolé, levante a traseira do carro! – Foi surpreendentemente rápido, e o engenheiro ia se perguntando se Steve já havia posicionado o macaco hidráulico antes de pedir, quando viu que o amigo segurava a parte de trás do veículo e o levantava... – Você sabe qual é a função de um macaco hidráulico, certo? Eu vim parar na oficina dos Flintstones? – Natasha estava sentada no chão a alguns metros dos demais, ocupada com os arquivos de Melinda Lambert, cujo personagem já começara a construir, e não resistiu a uma risada baixa, enquanto Stark continuava a mexer na lataria. – Se soltar isso na minha cara, eu te tranco no freezer por mais setenta anos, vovô.

            - Se trancar a Natasha junto, eles derretem o freezer. – Comentou Clint, aleatoriamente, convenientemente sentado fora do alcance da amiga enquanto preparava o equipamento que utilizariam. Não longe o bastante, porém, para fugir à faca que ela arremessou, a qual se cravou na parede a um milímetro de sua orelha. – Mas o que... Quer me matar, sua louca?

            - Não. Se eu quisesse, já teria feito. – Apenas o longo tempo de amizade denunciava o tom divertido na voz dela. Apenas Clint poderia perceber. – Foque no trabalho, Barton.

            - Por que eu te aturo, mesmo? – As provocações de Clint se tornavam mais frequentes, unicamente no intuito de evitar que Natasha mergulhasse mais e mais naquele humor sombrio que se infiltrar no mesmo tipo de horror em que fora criada e ao qual servira trazia à tona. Ele temia pela mulher a quem considerava sua irmã, e suas brincadeiras eram o modo de lembrá-la de onde estava, de que tudo isso acabara, e evitar um mergulho muito profundo nos mares de demônios que a perseguiam.

            - Porque eu sou a única que te suporta. – A ruiva mergulhou de novo nos arquivos, enquanto Tony meneava a cabeça:

            - Eu estou cercado de trogloditas. – Continuaram trabalhando por horas, cada um em sua atividade, até Stark se dar por satisfeito com os resultados de sua obra. – Muito bem, aqui temos o sequestromóvel.

            Natasha e Clint largaram os starkpads e pilhas de arquivos para irem ver o veículo pronto; Tony definitivamente se superara! Uma BMW preta, revestida por uma camada brilhante que, quando o engenheiro desenhou um símbolo no painel digital no console, brilhou e mudou para vermelho escuro, enquanto as características do carro modificavam, incluindo a placa.

            - Totalmente irrastreável. – Declarou o Homem de Ferro, satisfeito. – O carro perfeito para um crime.

            - Isso me parece um tanto mórbido de se falar, Tony. – Argumentou Steve, ainda incomodado com a perspectiva de cometer um crime.

            - Quando penso nas crianças e jovens que tiraremos de lá, Capitão, minha consciência não pesa por isso. – os três homens olharam para Natasha, que tinha uma expressão tensa, compenetrada e até mesmo um tanto culpada. A mesma expressão que mantinha a maior parte do tempo, desde que voltara de Nuremberg. – Está a contento, agente Romanoff?

            - Ah, claro. – Ela pareceu sair de repente de algum lugar distante em seus pensamentos. – Está perfeito, Stark. Realmente perfeito!

            - E ela fez um elogio, senhores! Jarvis, guarde essa gravação como uma preciosidade!

            Sim, senhor Stark.

            A Viúva Negra saiu de seu lugar no carro e o contornou; passou a mão pela blindagem, pelos pneus, o olhar refletindo pura aprovação antes de se manifestar:

            - É, Tony, você realmente merece a fama que tem. É o melhor trabalho que já vi.

            - Romanoff, começo a achar que alguém te drogou. Dois elogios num dia só?

            - Não se acostume. Estou lendo as fichas de pessoas que te fazem parecer a Madre Teresa, então é temporário. Além disso, eu gosto de trabalhos bem feitos. – Respondeu a espiã, com um sorrisinho atrevido e provocador.

            - Então, já temos o equipamento principal. – Clint, embora profissional, tinha os olhos brilhando de entusiasmo com o carro, como uma criança com um brinquedo novo, e certamente estava louco para experimentar. – E temos todas as informações sobre Melinda Lambert, o lugar onde está hospedada, e o mapa de alcance e varredura das câmeras num raio de cinco quilômetros a partir do hotel. O que o pessoal do Instituto falou?

            - A professora Grey não se opôs. Só precisamos agir.

            - Quando? – Indagou Steve.

            - Hoje à noite. – A Viúva Negra olhou para Tony – Melhor você não participar disso. Seu rosto é conhecido demais, e você tem uma reputação a manter.

            - Valeu, Nat. – Protestaram Clint e Steve, em uníssono, e o Gavião prosseguiu – Só ele?

            - Vocês dois entenderam, palhaços. Clint, eu vou fingir que sequer ouvi você falar de ser reconhecido, e de reputação. Steve, melhor não entrar nessa, se não tiver certeza; ainda é um crime, e você não pode vacilar.

            - Vou seguir nosso plano original e seguir vocês de moto, para dar cobertura. Estou com vocês nisso, todos estamos. É uma missão de toda a equipe.

            - Quase um passeio de férias. – O arqueiro hesitou por alguns segundos. – Não. Nem de longe tão perigoso quanto sair de férias. Quer dizer, nenhuma ocasião para nos alvejarem com uma sub-metralhadora, por ora, que é o que acontece quando se tira férias com Romanov. – Natasha arqueou uma sobrancelha para o amigo, que lhe devolveu uma expressão de “você sabe que é verdade”. – Descansar, todo mundo. Às sete horas em ponto, aqui.

            - Vou deixar o trabalho sujo para vocês e tirar a noite com a Pepper. Só me liguem se o universo estiver acabando. – Informou Tony, limpando as mãos sujas num pano. – Mais precisamente apenas se eu puder fazer algo para impedir o fim do universo.

             - Já fez o bastante, Stark. – Steve agradeceu com um aceno de cabeça, dando um leve tapa nas costas do amigo. – Tome seu tempo.

            - Tentem não explodir esse carro, de preferência. – O Homem de Ferro deu um breve sorriso para os colegas de equipe – Vou ver Banner e Thor, e sumir do mapa.

            - Vá se divertir. Nós damos conta de tudo, e sua máquina voltará intacta. – Assegurou Natasha, entrando no banco do motorista para levar o carro até a garagem. – Querem experimentar, garotos?

            Steve e Barton se entreolharam momentaneamente, antes de entrarem respectivamente no banco de trás e do passageiro. Clint se assegurou de a porta estar trancada de seu lado, e colocou o cinto.

            - Vamos apenas descer pelas rampas até a garagem, sabia? – Natasha ajustou a câmera retrovisora e os espelhos, dando o comando para a porta do laboratório de engenharia se abrir, e deu a partida. Os controles eram incrivelmente sensíveis, mal precisava tocá-los para a máquina responder! Tony definitivamente se superara nos “ajustes”.

            - Eu me recuso a entrar num carro que você esteja dirigindo sem colocar o cinto, Romanoff. Conheço seus test-drives.

            - Não fui eu quem enfiou aquela Maserati na árvore, com o Phil dentro do carro.

            - Que tal o sedã no Volga, conosco dentro do carro?

            - Aquilo foi proposital.

            - Eu tenho medo é de suas ações propositais!

            Steve apenas ria internamente dos dois amigos, que por vezes pareciam duas crianças enquanto se alfinetavam mutuamente. Todos sabiam que tanto Clint quanto Natasha eram excelentes motoristas, e que as farpas e brincadeiras eram o modo como se preparavam emocionalmente para lidar com tudo. Ele não tinha a ilusão de que seria fácil para qualquer dos dois cumprir as partes mais cruéis de seu trabalho, e os admirava por não deixar que esses momentos os definissem.

            Com o carro estacionado, o trio passou em revisão o equipamento que precisaria ser levado, e não havia nada que não pudessem levar no próprio corpo, ou no máximo em uma pequena maleta, para as drogas que Natasha poderia ter de usar no alvo. Assim sendo, recolheram-se todos aos respectivos apartamentos para se preparar e aguardar: Steve não podia mentir o quão apreensivo e desconfortável se sentia com toda a situação... Parecia uma completa violação a seus princípios, mas que outra linha de ação poderia haver quando as vidas de tantas pessoas estava em risco, e crianças estavam sendo criadas em laboratório para se tornarem armas?

            - Parece que engoliu um sapo, pela sua expressão. – Comentou Natasha, enquanto desciam as escadas após Clint entrar no próprio apartamento. Virando-se para o colega, a ruiva insistiu com expressão preocupada. – Não precisa fazer isso. Conheço você, e sei que está morrendo internamente por agir num limite tão cinza entre certo e errado.

            - Estaria num limiar de um cinza ainda mais escuro se simplesmente deixasse meus amigos lutarem, e esperasse. Seria tão cúmplice quanto, e ainda os deixaria correr perigo sozinhos. Às vezes é difícil separar bem e mal, mas sei de uma coisa: proteger meus amigos é certo. Salvar aquelas crianças e encontrar o Cetro antes que o usem para causar algum mal maior é certo. Ficar de braços cruzados é errado. O restante são apenas métodos.

            A espiã assentiu, comprimindo levemente os lábios; Steve mudara um pouco em sua moral rígida. Não na moral em si, mas em como avaliava o mundo, um modo bem menos maniqueísta do que adotava, quando se conheceram.

            - Ainda assim, você está mal com isso. Mas já que está determinado, tente respirar fundo e focar no objetivo final, em vez do método. Para estancar uma hemorragia, precisa sujar as mãos. Você se acostuma... Embora eu prefira que não o faça. – Ela definitivamente não queria que Steve se habituasse àquilo, que se endurecesse e acostumasse aos jogos sujos e ações moralmente questionáveis da espionagem. O mundo já tinha muitos espiões. Apenas um Steven Grant Rogers, e perder tudo o que ele era e simbolizava seria devastador demais para o mundo. Intimamente, a russa sabia que vê-lo se desvirtuar de si mesmo seria devastador para ela. O soldado parecia pensar sobre suas palavras, pois descruzou os braços e a puxou para um abraço de alguns segundos, antes de encará-la com olhar mais calmo.

            - Obrigado, Nat. E fique tranquila: dificilmente poderia me acostumar. Mas estarei guardando suas costas, sempre. – Esboçaram um sorriso confortador um para o outro, antes de se separarem quando o Capitão chegou ao próprio andar. – Até mais tarde.

            - Não se atrase.

            Sozinha, Romanoff foi para seu andar – em verdade, estavam todos em andares provisórios, enquanto as acomodações do que seria a Torre dos Vingadores estavam em reformas – e começou a se preparar. O traje quase totalmente à prova de balas – quanto maior a proteção, maior o peso e a rigidez da veste, portanto optava por “blindagens” mais leves – como uma segunda pele, por sob jeans e blusa de manga longa, o tipo de vestuário que de modo algum chamaria a atenção, nas ruas. Uma jaqueta também jeans, longa e larga, servia para esconder o cinto com o coldre da pistola Colt, da P10-CZ e das facas. Colocou uma peruca loira, de cabelos lisos e compridos, e lentes de contato castanhas. Bastou um pouco de maquiagem bem aplicada para modificar suas feições o suficiente para confundir testemunhas – não que ela costumasse ser vista em ação, mas preferia tomar todas as precauções cabíveis.

Subiu para o laboratório de bioquímica, onde separou as drogas das quais ia precisar- sedativos, adrenalina, epinefrina para um eventual choque anafilático decorrente da administração das outras drogas - e preparou três ampolas de 10ml de um composto bastante específico: embora oficialmente não existisse um “soro da verdade”, aquela combinação criava alucinações intensas de terror no primeiro ataque e, a seguir, tornavam a vítima letárgica e colaborativa. Natalia conhecia muito bem o efeito, e a doutora Lambert, ao contrário da assassina soviética, não fora treinada para resistir.

            As ampolas e seringas prontas foram guardadas numa valise com refrigeração própria, que Natasha levou para o carro e guardou no porta-luvas. No bolso do casaco, trazia um pano e o bom e velho clorofórmio em um vidro de rolha, praticamente impossível de rastrear, especialmente quando fabricado em casa, como ela acabara de fazer. Geralmente as pessoas não imaginavam que possuía uma boa formação em física e química práticas, e ela não fazia questão de desmentir a suposição errada, mas saber criar e fazer a manutenção do próprio equipamento era vital para um espião. Ela não fora exceção, e fora meticulosa em se manter sempre atualizada. Ainda assim, a velha escola podia ser muito útil e acessível, como comprovava o fato de apelar a algo tão antiquado quanto triclorometano. Gostaria de ver a expressão de Tony, se soubesse de suas atividades não-autorizadas; bem, não-autorizadas por Stark, uma vez que Banner sabia muito bem, e nunca dissera uma palavra de protesto que fosse, e chegara mesmo a dar sugestões uma ou outra vez.

            Conferiu as horas, e não se deu o trabalho de descer: estando escuro, os colegas deveriam chegar logo. Pegou o celular e ligou para a doutora Grey:

            - “Natasha, está tudo pronto.” – Alertou a voz da mutante, assim que atendeu.

            - Ótimo. Saindo agora, aviso quando estivermos a caminho. – Quanto menos falassem, melhor, pois menores as chances de algo ser detectado. Se era paranoica? Talvez, embora preferisse o termo “profissionalmente meticulosa”. E em sua profissão, a catástrofe morava nos detalhes ignorados. Com tudo pronto, esperou por Barton e Rogers.

*

            O carro estava parado no ponto cego seguinte, enquanto Natasha esperava placidamente recostada na parede, no início do trecho de vinte metros que nenhuma câmera cobria, a alguns metros da entrada do Palace Hotel. Chamativo demais para alguém que trabalhava para a HIDRA, mas afinal a médica era uma civil, em última instância. Talvez com algum conhecimento em defesa pessoal básica, mas uma civil, sem os hábitos de discrição que se tornavam inerentes aos agentes.

            “Como está aí, Nat?” – A voz de Clint soou no comunicador preso à orelha da espiã.

            - Vai saber quando as coisas acontecerem. Agora relaxe, cupido: está nas mãos da profissional.

            Seguiu-se um silêncio prolongado, e a russa viu Steve passar casualmente de moto – não a dele, obviamente, mas um modelo comum pego emprestado de Stark. Olhando de esguelha para ela, o soldado acenou de leve com a cabeça, sendo respondido da mesma forma. Tudo certo, ainda.

            A espera enervava Steve enquanto fazia seu percurso, parando casualmente perto do carro de fuga e entrando num café ali perto, no aguardo de um sinal. Ao mesmo tempo, Clint e Romanoff estavam absolutamente calmos, e a espiã ouviu Hawkeye comentar com o Capitão:

            - “Tocaia é assim mesmo. Noventa por cento do tempo, nada acontece. O que interessa são os outros dez por cento.”

            Mais longos minutos de espera, e enfim a recompensa aguardada: seu alvo deixou o hotel usando roupas elegantes, mas casuais, provavelmente para jantar em algum lugar. Natasha esperou que passasse diante de si e, com um passo, estava às costas da mulher.

            - Hail, HIDRA. – Sussurrou ao ouvido da outra mulher, pegando a Colt e pressionando contra a lombar dela. – Você tem uma pistola destravada contra suas costas. Nesse ângulo, a bala vai romper seus intestinos e estraçalhar a bacia. Sua morte será bem desagradável, então não tente correr ou lutar: os chefes querem falar com você. – Melinda estava tão trêmula que mal podia ficar em pé, e assentiu levemente. – Ótimo. Caminhe normalmente, estou logo atrás de você. Se gritar ou correr, estouro sua cabeça antes que dê dois passos. Siga reto, vire na terceira esquina, à direita, e entre na BMW preta. Não esqueça: estou bem atrás.

            A cada passo o nervosismo da mulher morena aumentava, menos pela arma apontada para si do que devido ao tom gélido da enviada, e à angústia de não saber o que poderia ter feito seus superiores mandarem que alguém a buscasse sob mira de uma arma! Não mantinha ilusões de que, se houvesse cometido algum erro, seus anos de serviço lhe valeriam de algo, e por isso mesmo caminhou direto, mas sem correr, fazendo o percurso descrito. Entrou no banco de trás do veículo, seguida imediatamente pela mulher loira, que agora tinha a arma apontada para sua cabeça, e após fechar a porta traseira e trancá-la, enfiou a mão no bolso, tirando de lá um lenço embebido em uma substância facilmente reconhecida. A psiquiatra teria gritado e tentado fugir, se não estivesse presa entre a porta trancada do outro lado e o cano de uma pistola em sua testa; o clorofórmio não demorou a fazer efeito, nocauteando a vítima.

            - Pode ir. – Confirmou Natasha, espremendo-se entre os bancos da frente para pegar a maleta, enquanto Clint dava a partida. Enviou para Jean Grey apenas duas palavras – “A caminho” – e deixou a valise ao seu alcance, enquanto vendava a outra com o xale que a própria usava, também amarrando suas mãos às costas. – Definitivamente ela não é agente. Foi irritantemente fácil. Steve, na escuta?

            - “Alcanço vocês em duas quadras. Próximo ponto cego a cem metros: troquem a cor e a placa.”

            - Aprendeu depressa, picolé. – Comentou Barton, pressionando os controles no exato momento em que estavam fora de vista, mudando a identificação do veículo e a cor para um azul-escuro. – Sabe o caminho?

            - “Estou cento e cinquenta metros atrás. Não vou me perder, Barton.”

            - Então nos vemos lá. Não chegue mais perto, a menos que algo ruim aconteça.

            Para simultâneos alívio e preocupação dos espiões, o caminho estava livre, e absolutamente nada de errado aconteceu. As poucas vezes em que se comunicaram foi para indagar a Steve se avistara algo fora do comum, mas as coisas haviam seguido o plano de um modo extraordinário. Qual fora a última vez que seus planos não haviam precisado sofrer algum improviso ou modificação de última hora? A sorte era tanta, que chegava a ser assustadora. Mas que mal poderia haver em um pouco de sorte, antes de se jogarem no inferno para obter respostas que não seriam dadas de bom grado?


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Notas finais do capítulo

É isso, gente. Esperamos que tenham gostado, e já avisamos que o próximo capítulo será uma montanha russa de emoções, indo do sombrio, tenso e angustiante até momentos fofos para deixar todo mundo feliz!
Beijos enormes, e tomara que continuem gostando, porque cada capítulo é feito com muito carinho.



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