In Perfect Harmony escrita por EsterNW


Capítulo 5
A escuridão de Londres




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Elise encostou-se à parede, antes que fizesse um buraco no piso de madeira polida, de tanto que andava em círculos no corredor em frente ao escritório do pai. Ela tentava de todas as formas conter sua ansiedade e o sentimento de aflição, fosse contando as batidas do salto de seu sapato no chão ou cutucando as cutículas das unhas. Parou com o segundo quando sentiu uma ardência em um dos dedos, preferindo pressionar as unhas contra as palmas. 

As vozes de dentro da sala subiram de volume, primeiro a de William e em seguida a de seu pai. Elise mordeu o lábio inferior, tentando apurar a audição para compreender o conteúdo da conversa. Nada mais do que algumas palavras foram entendidas e não eram nada animadoras. Ainda mais com o clima que parecia estar quente naquele escritório. E não era apenas em questão de temperatura ambiente.

A porta foi aberta de supetão e Elise sentiu o gosto metálico de sangue na boca, tendo mordido demais o próprio lábio. 

— Will... — Sua tentativa em dizer o nome do ator perdeu-se com o vento de sua passagem ligeira pelo corredor.

Antes que tivesse tempo para reagir, ouviu a porta da frente bater e o mordomo grisalho olhar assustado por onde o rapaz passara. Sequer teve tempo de oferecer a cartola de volta para o ator, pois ele mesmo pegou-a e desapareceu para as ruas de Londres sem dizer uma despedida qualquer.

Elise lambeu o sangue dos lábios e engoliu em seco, aproximando-se da entrada do escritório do pai com passos comedidos, temerosa das respostas que poderia encontrar no recinto. Ela parou no batente, torcendo os dedos como uma forma de distração. Edmund, o conhecido Dr. Davies, estava imerso em pensamentos à meia luz do crepúsculo que entrava pela janela às suas costas. Elise observou a testa franzida e as rugas aparentes no canto dos olhos escuros. Ela conhecia aquela expressão e a vira poucas vezes ao longo da vida. Especificamente quando ela ou o irmão aprontavam algo digno de repreensão durante a infância ou quando o Dr. Davies retornava para casa após a perda de um paciente. Apesar da firmeza de suas atitudes e de seu semblante, ele sempre se abalava nesses momentos.

— Questiono-me o que passa pela sua mente, Elise — o médico disse mais para si mesmo, entretanto, deixando claro para a filha que estava perfeitamente ciente de sua presença no escritório de paredes forradas por estantes e pelo papel de parede salmão. 

Ele sabia que Elise aguardou o tempo inteiro do lado de fora. Conhecia-a muito bem para saber que ela andava sem parar em sua espera silenciosa. Contudo, parecia não conhecer tão bem alguns pontos de sua menina... 

— Um ator, minha filha? Um ator?! — Ele afastou a cadeira da escrivaninha, visualizando a filha que adentrava o cômodo. Elise mantinha a cabeça abaixada, não tendo coragem de olhar o próprio pai nos olhos naquele momento. — Tem alguma noção do que planejava fazer ao casar-se com esse rapaz?

Elise deu o silêncio como resposta, sendo analisada pelo olhar decepcionado do pai. O médico suspirou, balançando a cabeça com a mistura de fios grisalhos e pretos. 

— Eu gosto dele. E ele também gosta de mim, papai — a jovem disse em um murmúrio, criando coragem para erguer o rosto para o pai. Ele riu da ingenuidade da filha.

— Apenas o amor não é o suficiente em alguns casos, querida. — Edmund suavizou a fala e dirigiu-se à filha com carinho, na intenção de colocar juízo na cabeça dela. Ou ao menos era o que ele desejava. — Pense, onde vocês viveriam após o casamento? Em quartos de hotéis? De onde conseguiriam uma renda? Na incerteza de uma companhia de teatro? — Ele juntou alguns objetos e papéis de cima da mesa, colocando-os em sua valise preta, enquanto enumerava os motivos para a construção de seu argumento. — Sequer seríamos bem vistos ao deixá-la se casar com alguém de renda inferior ao seu dote. Em uma visão otimista, esta questão seria nossa menor preocupação.

Elise engoliu as próprias palavras, desviando o olhar do rosto do pai. Ele estava certo em todas suas considerações. Ela própria pensara nos mesmos pontos durante os dois dias que tivera de intervalo entre a proposta e aquele momento, onde era confrontada com a frieza da realidade. Sentia-se cansada de tanto andar em voltas no mesmo lugar. Talvez fossem os nervos, seu pai diria, se ela ousasse expôr-se.

— Nós não sabemos... Ainda. Mas teremos muito tempo para considerar essas questões.

O médico suspirou outra vez, tentando manter a compostura e não discutir com Elise. Ela não tinha culpa por sua ingenuidade, infelizmente. Em irritação, fechou a valise com força e encarou a filha em desamparo à sua frente, despreparada para aquele diálogo e para a vida adulta.

— Tempo é uma coisa que não teremos, Elise. Você está de casamento marcado com o filho mais velho dos Michaels — sentenciou, erguendo-se de sua cadeira e encaminhando-se para a saída do escritório, passando de largo pela jovem Davies.

— O que?! — Elise exclamou quase em um grito, não acreditando no que ouvira no meio da conversa. Decerto era apenas a aflição que embararalhava as palavras para seus ouvidos.

— Você está de casamento marcado com o filho mais velho dos Michaels, para este verão, assim que Daniel retornar de Oxford — repetiu a sentença derradeira, adicionando a informação do quando. — Sua mãe concordou com o arranjo. — Colocou ainda mais. Gillian acabou deixando de lado os próprios planos de casar Elise com Charles, filho mais velho dos Jones, como confabulara com a amiga, a matriarca da família Jones, por anos. As fantasias das duas mulheres foram por água abaixo devido ao plano de ambos os maridos.

Elise sentiu como se estivesse prestes a desmaiar, com as pernas bambas a sustentarem-lhe. Sabendo que não era o momento certo para dramas, saiu do escritório e seguiu o pai pelo corredor em direção ao vestíbulo, insistindo em fazer valer sua própria vontade.

— Mas, papai, esse rapaz sempre foi apaixonado por Caroline, Londres toda sabe disso. Pois que case-se com ela! — Elise percebeu que seu argumento era inútil quando o pai virou o rosto para encará-la, vendo os olhos castanhos suspirarem.

— Caroline está de casamento marcado com o filho mais novo dos Michaels. O pai dela firmou o acordo na última quinta-feira — esclareceu e Elise paralisou no lugar, finalmente entendendo o porquê de tanta conversa entre os patriarcas das três famílias no último jantar na residência dos Jones. 

A jovem percebeu que tinha pouco tempo restante no embate, vendo que o pai chegara ao mordomo, que ajudava-lhe a vestir o casaco de tweed.

— Papai, por favor, nós quatro seremos completamente infelizes com esse acordo. Por favor... — ela tentou suplicar, porém, seu pai apenas balançou a cabeça em negativa. Para ele, o pleito era exagerado. E bem sabia como a filha podia ser dramática.

— Você irá se casar com o filho do Sr. Michaels, Elise. Pelo seu futuro e pelo futuro dessa família — ultimou com dureza, abrindo a porta da frente. — E espero não ver nunca mais a presença daquele ator nesta casa, compreende? Mesmo que seja através de suas cartas tolas — soltou o segredo dos dois apaixonados para que toda aquela casa pudesse ouvir. 

O mordomo afastou-se da cena, sabendo ser ele o culpado da informação ter chegado aos ouvidos do Dr. Davies. Para sua sorte, o patrão não o puniu por intermediar a correspondência entre os dois jovens. Apenas dera sua dívida por perdoada graças à delação.

— A partir de agora você é uma dama comprometida e deve ser fiel ao seu noivo. Você não possui tempo para perder com namoricos inúteis. — Em sua sentença final, o Dr. Davies bateu a porta, deixando Elise sozinha no vestíbulo.

Ela encarou a porta fechada, sentindo-se asfixiada pelas paredes que pareciam estreitas demais. Talvez fosse seu espartilho que estivesse apertado demais, sufocando o grito que desejava dar naquele instante. Obrigada a ficar em silêncio, ela assistiu seus sonhos desabarem em sua cabeça.

 

 

Elise fitou os olhos castanhos inchados que a encaravam de volta no espelho, vendo seu rosto iluminado pela luz da vela pela metade no castiçal. Seus dedos trançavam maquinalmente o cabelo, trocando as três mechas de lado, uma pra lá, outra pra cá... Até que parou, observando o restante dos fios escuros marcados por ondulações que não eram naturais para seu cabelo liso. Isso era o que acontecia por deixá-lo muito tempo preso. O dia todo em um coque e numa trança durante a noite. Ela desfez o penteado, pegando uma escova na penteadeira e deslizando com gentileza pelos fios, desembaraçando-os.

Pelo menos seus cabelos podiam respirar um pouco de liberdade. Diferente dela. Elise suspirou, com a mente bem longe, enquanto suas mãos ocupavam-se com a escova. 

Estivera trancada no quarto desde o final da tarde, quando seu pai saíra para atender um chamado na casa dos Michaels... Aquela mesma família que ela seria obrigada a fazer parte. As cerdas da escova enroscaram em uma mecha e Elise sequer se importou em desembaraçar, puxando com raiva o nó e arrancando um pequeno tufo de cabelo. 

Sequer era livre para fazer suas próprias escolhas. Sequer era livre para decidir como deixar seu cabelo e sequer era livre para decidir com quem se casar. 

Será que ninguém percebia que todos seriam infelizes? Elliot, o mais velho, era apaixonado por Caroline, que, por sua vez, desejava casar-se com o irmão mais velho de Elise, Daniel. Agora, a amiga sequer precisaria se preocupar com a resolução do triângulo amoroso à volta dela. E Sebastian, o mais novo, que teria que se casar com Caroline? Sabe-se lá se ele gostava de outra pessoa...

Elise suspirou, colocando a escova sobre a penteadeira, junto de seus perfumes e grampos para cabelo. Ela jogou a cabeleira dos ombros para as costas e aproximou-se do espelho, vendo seus olhos vermelhos e magoados a encararem de volta. Era assim que ela seria de agora em diante, magoada com a vida.

Secando as lágrimas que teimaram em escorrer devido a seus pensamentos que voavam para onde não deviam, Elise pegou o castiçal e levou-o até sua mesa de cabeceira, pronta para tentar dormir por algumas horas. No silêncio da noite, ouviu batidas na sua janela fechada. Ela sobressaltou-se e olhou para a madeira na penumbra. Talvez fosse um galho batendo com o vento.

O mesmo barulho repetiu-se e Elise teve certeza de ouvir um sussurro. E não era o vento. Puxando o trinco, ela abriu as folhas da janela para dentro, sobressaltando o ator do lado de fora e quase fazendo-o se desequilibrar da beirada do parapeito.

— William! — Elise exclamou em surpresa, não acreditando ao vê-lo na sua frente. Era óbvio que ele não cumpriria a intimação do Dr. Davies para ficar longe dela, teimoso e impetuoso como era.

Elise puxou o rapaz para dentro de seu quarto, com sua mente repassando todos os avisos possíveis para não ficar sozinha com rapazes. Ainda mais em seu quarto. E à noite. Bem, não era como se ela pudesse deixar o coitado pendurado do lado de fora de sua janela, era?

— Como você chegou aqui? Estamos no segundo andar! — ela soltou em um silvo baixo e o ator levou o dedo aos lábios, pedindo silêncio.

— Estão todos dormindo? — ele questionou em um sussurro e Elise assentiu com a cabeça. — Aquela árvore em frente à sua janela, além de bela, é deveras útil. Eu sugeriria que nunca a cortasse — brincou e a tensão aliviou pelo menos um pouco, com o casal encarando-se e segurando o riso.

Passado o momento, os dois olharam para a porta fechada, não enxergando nenhuma luz pela fresta na parte de baixo. Todos provavelmente estavam em suas camas, dormindo. Com esse pensamento em mente, Elise recordou-se que ela pretendia fazer o mesmo e olhou para baixo, vendo a si mesma apenas de camisola comprida. Ela abraçou o próprio tronco, tentando disfarçar sua vergonha, contudo, seu rosto corado e quente não ajudou nem um pouco. Estava quebrando toda e qualquer regra que alguém algum dia disse para ela, mas quem se importava?

— Como você está? — William mostrou-se preocupado, segurando o rosto de Elise entre as mãos, analisando-o junto dos olhos vermelhos e inchados da amada. Ele soltou uma maldição em pensamento.

— Eu não sei ao certo... Papai contou sobre o casamento? — ela perguntou sem rodeios no assunto, relaxando um pouco ao perceber que William não dera a mínima para sua roupa de dormir. Ele assentiu com os olhos fixos nela e em seus movimentos. — O que iremos fazer? — Elise recorreu diretamente a ele. Revirara a mente a tarde inteira atrás de uma solução, entretanto, não encontrou nenhuma que não fosse lágrimas.

— Venha comigo — ele pediu, reiterando o que dissera dois dias atrás, quando propôs o casamento. — Nossa companhia irá para a França amanhã, venha conosco.

Os olhos de Elise arregalaram-se ao compreender o que William propunha.

— Fugir? Isso irá jogar a reputação da minha família na lama! — ela exclamou, censurando-se por ser alto demais. Olhou para a porta e ficaram em silêncio por alguns instantes. Tudo continuava da mesma forma.

—E você deseja fazer o que sua família te obriga, Elise? Deseja se casar com esse Michaels? — o ator tocou diretamente na ferida e Elise desviou o olhar, vendo a vela que terminava de queimar no castiçal na sua mesa de cabeceira.

— É imprudente...

— É liberdade — ele corrigiu e Elise esqueceu a chama da candeia, olhando para os olhos escuros do ator que queimavam com a fúria impetuosa. — Eu não posso te oferecer uma residência no melhor bairro de Londres ou uma renda fixa, mas eu posso te oferecer liberdade. Se você não quiser viajar com a companhia e viver em quarto de hotéis, não é um empecilho. Eu tenho um irmão no interior da França...

— Você pararia de atuar, por mim? — Elise interrompeu-o, segurando os ombros dele com força, como se tentasse chamá-lo de volta para a realidade. — Sua vida é o palco!

Ele deu de ombros, como se não fosse nada, e o coração de Elise apertou, pondo-a ainda mais em dúvida.

— Teríamos um futuro — William tentou convencê-la, contudo, seu argumento não fora dos mais firmes. — A escolha está em suas mãos, Elise... — O ator tirou as mãos do rosto da dama, segurando os dedos finos dela entre os seus. Levou-os até os lábios e beijou-os. — Caso queira vir comigo, estarei te esperando ao meio dia na Blackfriars Bridge. É próxima de West End e de fácil acesso através da Strand Street. Diretamente da ponte, seguiremos com a companhia para Dover e assim partiremos para a França.

— Em plena luz do dia?

— Clint a ajudará, caso assim deseje. Nós dois planejamos tudo e ele te esperará no final do quarteirão da sua casa, para te ajudar a chegar a Blackfriars em segurança —ele explicou o plano com uma tranquilidade impressionante, como se tivesse certeza absoluta que nada iria falhar.

Entretanto, Elise balançou a cabeça, incerta. William levou uma das mãos ao rosto dela, fazendo com os olhos cheios de medo e dúvida o encarassem.

— É a nossa oportunidade. — Abaixando o rosto, depositou um beijo sobre a fronte da dama. Fechando os olhos, sentiu o cheiro doce dos cabelos dela. — Ou a nossa despedida.

Elise arregalou os olhos à simples menção de não vê-lo nunca mais.

— Adeus, Elise — disse de súbito, pegando Elise de surpresa. Separou-se da dama e evitou olhar para trás.

— William, nós não… —Elise engoliu a própria sentença, vendo que o ator tomava o caminho de volta para a rua. 

Sem tempo para dizer uma resposta de volta ou tentar dissuadi-lo de suas propostas, Elise apenas viu a silhueta de William desaparecer na escuridão da noite.


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Notas finais do capítulo

Eu estava muito boazinha nos capítulos anteriores pra ser verdade :~
E agora, será que a Elise vai ou fica? Preparem os corações porque o próximo capítulo será o último dessa short?
Até mais, povo o/



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