Primeiro, eu matei o meu pai... escrita por Myu Kamimura, Madame Chanel


Capítulo 9
Capítulo VIII


Notas iniciais do capítulo

Boa meninas! Mais um Capítulo que conta momentos super importantes da nossa saga, determinando várias coisas... inclusive o destino da armadura da Kammy.
Gostaria de clamar as fantasminhas que não se acanhem! Comentem meninas! Isso só nos ajuda a melhorar! beijos e boa leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/778172/chapter/9

 

Kammy continuou a seguindo seus árduos treinamentos, até que um dia, voltando de uma sessão com as amazonas, foi surpreendida por Misty, que a aguardava com um sorriso largo e uma convocação balançando na mão direita, pela cor azul da fita que a selava, a loira sabia ser um recado direto do décimo terceiro templo.  Sentiu a nuca arrepiar, pois sabia o que aquilo significava: Era sua vez de entrar em combate por uma armadura. 

A loirinha abraçou o seu mestre ansiosa e clamou para que ele lesse o comunicado. Misty, com a voz cheia de alegria, começou a ler em voz alta o conteúdo da convocação, saltou de felicidade ao descobrir que lutaria por uma armadura de prata. 

A novidade a encheu de alegria, tudo que queria era subir até Aquário e comemorar junto com Camus, até que Misty leu o restante do  comunicado e mandou sua felicidade para o espaço:

—Daqui sete dias você duelará com Satrina no Coliseu pela armadura de Cervo.

—Cervo?! - indagou soltando o mestre - Eu achei seria pela armadura de Flamingo e… duelar contra a Satrina? Contra a única amiga que tenho? Por que a vida tem que ser tão injusta comigo, Mis?

—Acho que você já tem idade o suficiente para saber de uma coisa, Kammy - o francês falou, colocando o comunicado sobre a mesa - A vida é uma vadia suja, pronta para te dar uma rasteira sempre que necessário.

—Você não precisava ter dito… Eu sei disso desde que tinha cinco anos de idade. - Todo o frisson inicial da notícia tinha se apagado, as circunstâncias como ela realizaria seu sonho de ser amazona, lhe trariam mais problemas até onde ela podia ver. Kammy arrumou seu rabo de cavalo e olhou para o Mestre - Preciso tomar um ar tá? 

Ela se levantou e foi até a porta, Misty sabia exatamente onde ela ia e viu a jovem sumir aos poucos de seu campo de visão bosque adentro.

Uma das primeiras coisas que o Cavaleiro de Lagarto fez ao mudar com Kammy para aquela cabana no bosque, foi dizer tudo que ela representava. Por anos, ele treinou ali com Ellen e os demais discípulos de seu pai. A oeste, ficava a cabana de Dorothée que se encontrava abandonada desde que ela partiu para Chantilly  e no caminho entre as duas casas , um lago e a Torre dos Ventos, local onde a “revolta” de seu pai teve início.

Quando chegou no lago ela se sentou na beira, descalçando os  seus sapatos e colocando os pés na água fresquinha, olhou inconscientemente o horizonte, visualizando a famigerada torre dos ventos,  Kammy a odiava com todas as forças, sentindo por diversas vezes vontade de transformá-la em poeira:

—Você sabe que, se destruí-la , irá receber uma punição extremamente severa, não é? - era Crystal, que vinha chegando com roupas casuais e a urna de sua armadura nas costas. Sentou-se ao lado dela e prosseguiu - Antes de ver o Mestre Camus, resolvi dar uma passada para ver o Mis e você… Como sempre ele não desgrudou o rosto do espelho, mas disse que te acharia aqui.

—Ah Crys... - o abraçou deixando seus anseios saírem - Duelarei com minha única amiga pela antiga armadura do meu pai que, não sei se você lembra, traiu o Santuário, levou quase todos seus discípulos com ele e matou minha mãe.- Ela ainda se permitiu fungar- Você tem noção de como estou me sentindo?

—Não tenho plena certeza, mas o ódio com o qual você encarava a Torre dos Ventos me dá uma leve pista desse sentimento - falou com leve tom de sarcasmo

—Graças aos deuses aquela maldita princesa desabrigada da Sammyrah não está aqui para ver isso...

—Eu posso te dar um conselho?

—Sabe que sim.

—Por que ao invés de pensar que está herdando o legado de um traido, você não encara como uma oportunidade de  limpar a honra dessa armadura? - Kammy ergueu o rosto prateado para ele sentindo como se ele tivesse aberto uma nova perspectiva em sua mente atribulada. Crystal sentiu o olhar de alívio e o sorriso da loira , acariciou os seus cabelos  e se levantou - Eu vou para Aquário agora. Pense nas minhas palavras e, por favor, não pulverize a Torre dos Ventos-disse com tom divertido- Quem sabe, daqui uns anos, você não esteja aqui com seus próprios aspirantes explicando para eles a história por trás desse símbolo?

—Pode ficar tranquilo, Crystal - ela ficou de pé e respondeu com um tom mais animado - E eu espero que você esteja aqui para assistir ao duelo.

—Vim dar o relatório mensal do treinamento de Isaak e Hyoga para o Grande Mestre, mas pedirei autorização para assistir sua vitória - enfatizou - Bom, até mais, tampinha.

Uma semana depois, o Coliseu estava lotado de soldados, cavaleiros de bronze e de prata. Na arena, Kammy estava ao lado de Misty, recebendo as  últimas instruções de seu mestre. Do outro lado, Satrina era orientada por Ellen. A Amazona de Lebre olhou para Misty e acenou com a cabeça em respeito. O cavaleiro de Lagarto fez menção em se aproximar, mas foram interrompidos pelas batidas do cajado do Grande Mestre no chão, simbolizando que havia chegado a hora do combate: 

—Kammy,  Satrina - o patriarca iniciou seu discurso. Ao ouvirem seu nome, cada qual deu um passo à frente - ambas treinaram arduamente por anos para cumprir seu objetivo e ambas estão destinadas a armadura de Cervo, porém apenas uma de vocês possuirá o direito de envergá-la. Que comece o combate.

Misty e Ellen se afastaram e as garotas começaram a duelar. A princípio, pareciam empatadas, mas em um descuido, Satrina acertou um golpe em Kammy, gerando uma comemoração da amazona de Lebre na arquibancada. O gesto chamou a atenção da loira para a arena. Ela ergueu o olhar rapidamente e analisou todos que estavam lá e os viu. Na última arquibancada à esquerda estava Crystal com sua armadura completa e, ao seu lado, usando o uniforme de treino e os cabelos presos, seu querido Camus. Uma torcida silenciosa, que lhe deu o vigor de continuar. Como Crystal falou, aquela armadura estava manchada e cabia a ela limpar sua honra:

Pour ma mère, pour mon instructeur, pour Crystal, pour Didier (Por minha mãe, por meu mestre, por Crystal, por Didier) - a medida que mentalizava seus desejos, o seu cosmo crescia - Desculpa, Satrina,  mas eu tenho um legado a seguir: FURACÃO DAS TREVAS.

O golpe foi perfeitamente executado, mas não fatal. A aspirante caiu ferida no chão da arena e o patriarca bateu o cajado, encerrando a batalha:

—O destino está findado e, finalmente, Cervo tem um novo cavaleiro. Que todos saúdem Kammy de Cervo, a mais nova guerreira deste Santuário.

Alguns aplaudiram, mas outros automaticamente fecharam a cara e a loira sabia o porquê. Se não fosse aquela máscara, todos veriam a fina lágrima que escorreu em seu rosto. Buscou seu primo na multidão, mas ele já não estava mais lá, apenas Crystal, que acenou em meio a um sorriso.

A loira correu para perto do amigo, que lhe abraçou e logo depois bagunçou os seus cabelos suados e sujos de areia, divertido:

—Eu sabia que você ia ganhar, tampinha - o cavaleiro de prata falou animado, pousando uma das mãos no ombro da nova Amazona.

—Tampinha uma ova, Crystal! Agora eu sou amazona  - ela riu, se desvencilhando dele - Para onde... O senhor Camus foi.

—Você sabe como ele é... Não gosta de multidões e nem de ouvir coisas que o fazem perder a linha. Quando viu que você ganhou, voltou rapidinho para Aquário...

—Pois sabia que não conseguiria ficar calado. - Ela ainda animada suspirou abraçando o próprio corpo

—Isso mesmo tampinha de Cervo… - Brincou Crystal, vendo a jovem o encarar 

—Poxa... Queria tanto um abraço dele… - Suspirou Kammy ainda entorpecida pela adrenalina da batalha

Ao ver Satrina se aproximando, Kammy virou o corpo para falar com ela, mas foi ignorada. Ao perceber a surpresa dela Misty se aproximou:

—Consequências…minha querida.... - deu de ombros, observando Afrodite se aproximar, com um olhar jocoso - Mas o que diabos você veio fazer aqui?

—Obviamente, vim saber quem seria o novo Cavaleiro, ou melhor, a nova Amazona de Cervo - O cavaleiro de ouro estendeu cordialmente a mão. Como sempre, o ar em torno dele cheirava a rosas - Meus cumprimentos por elevar sua pupila ao nível de prata, Misty.

—Muito obrigado Afrodite - o francês respondeu, apertando a mão do dourado levemente emocionado pelo reconhecimento de outro cavaleiro da elite fora, obviamente, Camus - Eu não imaginava tamanha cordialidade vinda de você.

—Eu já disse que amo um bom drama, Lagartixa - respondeu sorrindo, passando a mão direita suavemente na túnica - Quando chegou aos meus ouvidos que sua protegida duelaria com a única amiga que tinha pela armadura do papaizinho traidor sabia que seria um espetáculo imperdível - o rapaz projetou uma rosa branca e depositou-a nos cabelos loiros do Cavaleiro de Lagarto - Ah e tente não chorar... Sabemos que sua máscara para cílios não é a prova d'água e você é o Cavaleiro de Lagartixa, não de Panda.

O pisciano fez uma leve menção para se despedir dos três e saiu caminhando tranquilo. Misty apenas balançou a cabeça, respirou fundo e olhou para Crystal:

—O Senhor Camus solicitou nossa presença em Aquário…vamos? 

—Eu queria ter um terço dessa sua calma Libriana - o cavaleiro de Coroa Boreal falou - Na primeira provocação, eu teria ralado o rostinho bonito dele na arena.

—Mala ou não, ele ainda é um Cavaleiro de Ouro. Se eu me atrevesse a isso,  o meu rostinho bonito que seria ralado na arena e muito mais - suspirou o cavaleiro de lagarto - Vamos logo 

—Bom… Então… - Kammy começou um pouco cansada, ajustando as alças da urna da armadura - Eu vou esperar  você lá na cabana, tá Mestre Misty?

—Por Athena, Kammy - o loiro passou a mão por seus cabelos, se esquecendo da rosa branca que Afrodite tinha posto ali, o cavaleiro tomou um susto e deu um pulo - ARGH! MALDITO… enfim ele disse que preparou um lanche para comemorar sua vitória. Pegue sua armadura e venha.

As semanas seguintes  vieram cheias de novidades, Astrid e Maggie também receberam o chamado de constelações, mas sem necessidade de duelar. Astrid ficou com a armadura de bronze de Girafa e Maggie com a armadura de prata da constelação de Flamingo, fato que culminou em uma ameaça de Kammy, feita ainda no Coliseu:

—Meus parabéns, Margareth - a amazona de cervo falou, apertando a mão da irlandesa com firmeza.

—Obrigada, Kammy… Eu não imaginei que você fosse ficar contente por eu ter herdado a armadura que foi da sua mãe - A irlandesa mantinha a postura ereta de desafio e o tom de deboche

—E quem disse que estou contente? - indagou, ainda segurando a mão dela - As felicitações foram mera cordialidade e uma desculpa para eu me aproximar e dar meu recado.

—Que recado? -A irlandesa já ia cruzar os braços quando a loira a puxou para mais perto 

—Que, se você não honrar essa armadura e todo o peso que ela carrega, eu darei sua cabeça pessoalmente ao Grande Mestre, você me ouviu garota? - Kammy murmurou em tom de ameaça e soltou sua mão - Tenha uma boa vida, Amazona.

A morena a observou se afastar incrédula  e, com um meio sorriso assobiou alto, chamando a atenção da francesa, que se virou. Maggie acenou e depois mostrou o dedo do meio, sumindo em um salto antes que Kammy pudesse esboçar qualquer reação.

Mesmo longe de Sammyrah, ambas continuavam trocando farpas com a loira, tudo instruído pela ruiva através de cartas, que trocavam sempre que possível. Mais ou menos três meses após conquistarem as armaduras, saíram em missão de reconhecimento a mando do próprio Grande Mestre.

Em Paris o dia a dia de Sammyrah, agora Tatiana, se mantinha comum. Tinha recebido alta médica para voltar a frequentar a escola. Ia às aulas, tinha aulas particulares a tarde e algumas aulas de ballet. Ainda se adaptava à vida normal e pensava em tudo que estava acontecendo na Grécia, suas amigas foram sagradas amazonas e enviadas em suas primeiras missões, definitivamente não eram mais crianças. Pela primeira vez ela sentia o peso de seu machucado e de sua vida dupla, quando voltasse provavelmente não teria mais a companhia das duas, pois pelo menos no que ambas relataram sempre nas cartas era que suas missões não acabariam nem tão cedo. Se sentia culpada também, pois amava a vida boa em casa, com tudo que ela gostava, aquele imenso duplex era seu paraíso e o esconderijo dos seus. 

 

A ruiva encarava ainda a carta com a letra desenhada de Astrid, adorava não só a caligrafia dela, como a forma que ela se expressava e detalhava tudo que dizia, podia ouvir a voz cantada da marfinense enquanto lia suas cartas, guardou com cuidado o papel dentro do envelope, em cima de sua escrivaninha de madeira clara, perto de seus papel de carta para responder mais tarde, pegou a Polaroid que a amiga havia anexado a carta e sorriu, vendo ela e Maggie fazendo uma pose da vitória no porto de Athenas. Riu ao imaginar as peripécias das duas pelo mundo e colocou a foto em cima da escrivaninha. 

Tatiana caminhou até sua penteadeira, catando um prendedor e fez um rabo de cavalo nos cabelos compridos, ainda tinha de terminar o bendito Anna Kareninna que tinha decido fazer a resenha para a aula de literatura, se amaldiçoou mentalmente por contar com a preguiça de já ter lido a obra, mas esquecido da sua extensão. Encostou os cotovelos na penteadeira e afundou o rosto nas mãos num resmungo que durou pouco, logo ela levantou e catou o livro que estava largado em sua cama. 

—”Bendita preguiça ein garota? invenção… podia ter escolhido um livro menor”-Resmungava mentalmente enquanto passava pelo corredor da casa, finalmente chegando a sala. Encontrou o pai interceptando um funcionário com uma bandeja de café, seu pai enchia a xícara perigosamente enquanto falava no telefone e equilibrava uma pasta debaixo do braço, quando terminou, fez um sinal com a cabeça e saiu andando desequilibrado .

Rapidamente, Tatia caminho até o pai e tocou em seu ombro, pegando a pasta delicadamente, e vendo o pai sorrir e pedir uma pausa em italiano na ligação. 

—Você é o anjo mais magnífico que já existiu minha filha…-O ruivo deu um beijo em sua testa- Nem de botticelli, nem de Michêlangelo.. o meu… -E logo voltou a ligação

Ela abraçou a pasta e sorriu, seu pai era uma criatura bastante carinhosa e agitada, parecia mais uma criança que os filhos. Caminhou mais tranquila pela imensa sala, e com cuidado abriu a porta da biblioteca que dava acesso ao escritório de seu pai, viu o irmão levantar a cabeça um pouco irritado e o viu reclamar:

—Papai entrou aqui como um vendaval esbravejando em italiano com algum cliente, tá difícil pra estudar nessa casa hoje-Vlad franziu a testa, enquanto via a irmã fechar a porta principal

—Relaxa, ele provavelmente não sabia que você estava aí… vou deixar essa pasta lá dentro e já volto tá?

O ruivinho assentiu e abaixou a cabeça, voltando a atenção no que estava fazendo. Tatia rapidamente entrou no escritório do pai, deixou a pasta em cima de sua mesa, enquanto o ouvia argumentar preços e raridades, deu um beijo em sua cabeça e antes de sair, admirou um  afresco que decorava uma das paredes daquele lugar, ela se perguntava desde pequena de onde diabos o pai tinha tirado aquela obra para enfiar em seu escritório.

Logo estava deitada num sofá da biblioteca do pai lendo o romance de Tolstoi, enquanto Vladmir resolvia alguns exercícios e seu irmãozinho Sergei brincava na sala, podia se ouvir a risada estridente do pequeno no outro cômodo. O pequeno, que já tinha oito anos, era doce e tranquilo. Amava finalmente poder conviver mais com a irmã mais velha, já que Vladmir vivia implicando com ele. Quando ele se deu conta que seus irmãos mais velhos estavam juntos estudando, decidiu levar alguns dos seus gibis para fazer companhia. Abriu a porta desajeitado, segurando as revistinhas contra o peito:

—Posso ler aqui com vocês? - o pequeno entrou de supetão, falando um pouco alto

—Vai ficar dando escândalo garoto?  - Vladmir resmungou sem levantar a cabeça - Estamos estudando!

—M-mas eu só queria… - o pequeno fez beicinho 

—Ah não…- Vladmir levantou o rosto e sorriu - já vai chorar, maricas

—Vem Serge! - Tatia se ergueu e estendeu a mão vendo o pequeno correr até seu lado - Mas não faz muito barulho que a gente está estudando e o papai está ocupado.

—Certo, irmã.

Sergei deu um estalinho na bochecha da irmã e se acomodou no chão  ao lado dela. Assim que o pequeno se distraiu, ela encarou Vladmir e apenas disse na mente dele: 

Eu já mandei você parar com isso e pra deixar ele em paz!

Viu o irmão revirar os olhos e responder da mesma forma: 

—Eu não aguento a manha que vocês dão a ele, só isso.

Ela decidiu ignorar e continuou a ler seu livro, desviando o olhar apenas para ver seu irmão mais novo sorrindo enquanto lia. Às vezes invejava a infância tranquila de Seryozha, como a avó carinhosamente o chamava. Naquela mesma idade, ela e o irmão gêmeo tinham uma rotina cheia de aulas - isso sem citar o caso do quase sequestro de Tatiana, que fechou o cerco para Vladmir por tantos anos. Ela sabia que o irmão tinha ciúmes do pequeno, ciúmes até demais. Precisava reverter aquilo.

Mais tarde, depois do jantar, ela e o irmão costumavam se reunir para conversar bobagem e ficarem juntos . Tatiana foi rapidamente pelo corredor para o quarto de Vlad, sendo seguida por Merlot, sua cadela e o encontrou ouvindo música baixinho na vitrola, parecia ser Joy Division, enquanto Matisse uivava para o som.

—Você podia ter avisado que pegou meu disco né? - Resmungou

—Cara! Eu gostei mesmo disso! Comprei um pra mim ontem- Vlad sorriu e abraçou a irmã - Matisse também está amando não é?

—Ótimo! Assim não preciso brigar com você por ele - Ela se sentou na cama analisando umas anotações espalhadas rindo do cachorro que abanava o rabo

—Detestei todas as minhas resenhas! Vê se você odeia menos alguma…- Vlad se sentou encostado nos travesseiros com as pernas esticadas, vendo os dois Huskies pularem na cama para ficarem com os donos

—Pro trabalho de francês ? Eu acho que a segunda está boa sim… a primeira tava meio por cima mesmo…- Merlot, mais tímida deitou só a cabecinha no colo da dona, que fazia carinho em sua cabeça 

—Ótimo! - Vlad pegou a folha e guardou dentro de uma  pasta - Bem o que você queria falar mesmo?

—Vlad, você precisa ser menos implicante com o Serj…

A ruivinha viu o irmão revirar os olhos e deitar  em cima de Matisse e o abraçar como se fosse uma almofada gigante.

—Ah não, Tatiana! Sério ?

—Claro que sim! 

—Ele nem é nosso irmão de verdade - resmungou - com o cabelo escuro e esses olhos de cor estranha…

—Isso era engraçado quando a gente tinha a idade dele Vladmir - Franziu a testa- Agora ele fica triste com isso.

—A vida dele é muito mole, isso sim!

—Claro que é sua anta! Ele não foi criado para ser regente igual nós dois fomos! - Tatia ficou de joelhos - Nem foi quase sequestrado, teve que viver isolado em antigas ruínas gregas ou em um colégio interno,  nem nada do tipo… Talvez, o único sofrimento que ele tenha passado foi quando você mandou Matisse enterrá-lo na pracinha aí na frente - rolou com os olhos ao ver o irmão soltar uma leve risada e o cão levantar o rosto espantado - Se nossa vida foi mais complicada, é porque tinha que ser!

—Que seja - Revirou os olhos 

—Me promete que vai melhorar com ele?

—Aff, garota - ele desconversou abraçando agora metade de  Merlot

—VLADIMIR NÃO SE PROTEJA COM OS CACHORROS...

—Tá, vou parar de dizer que ele não é nosso irmão, mas porque magoa a mamãe e dá corda pra Tetya falar asneira para ela, mas só.

—Vai continuar enchendo o saco?

—Claro! Ou você acha que ele deve ser tratado como um bichon frisée

—Lógico que não, Vladmir - A ruivinha percebeu que Merlot adormecera em seu colo e viu Matisse bocejar - Eca! que bafo é esse ein? Tá dando carne de urubu pro pobre comer?

Matisse a encarou com os olhos esbugalhados e fez um barulho estranho com a boca assustando merlot que ergueu a cabeça em alerta, arrancando risadas dos dois, que logo seguiram para outros tópicos de conversa até adormecerem.

O tempo parecia não passar no Santuário. Cada hora pareciam anos e os dias eram séculos, principalmente para Marie, que não gostava de, usando suas palavras, viver uma mentira. Desde o dia da “traição de Aiolos” aquela terra santa passou a ser um antro de falsidade, a começar pelo próprio subcomandante: Um usurpador, que ela sabia a verdadeira identidade, mas devia se calar, para manter o equilíbrio e o destino traçado pelos deuses:

—Não podemos ir contra o que está escrito nas estrelas.

Shion sempre repetia isso a ela, normalmente enquanto a morena debulhava-se em pranto com a cabeça apoiada em seu colo. Era essa sua sina: Esconder a mentira de seu tio, dizer a todos que a criança Athena dormia serena em sua clausura e, a maior provação de todas: Amar um homem proibido. Um homem com uma gritante diferença de idade. Um homem que nunca poderia ser seu por completo:

—Ao menos eu ainda posso ter seus carinhos… – sussurrou – Talvez essa ainda seja a única coisa boa que me resta.

Shion suspirou e a abraçou forte, afundando as mãos em sua longa cabeleira negra. Não podia falar o que sabia… Não podia e não queria contar a amada que logo sua vida se extinguiria e, com isso, ela teria que sustentar as mentiras criadas por eles sozinha… Que ela teria que suportar conviver com o tio farsante, o tio que ela passou a odiar:

—Eu te amo, Marie… – a morena apenas respirou fundo e afundou-se na única forma que o patriarca tinha de demonstrar carinho. Após um breve silêncio, ele voltou a falar – Daqui alguns dias teremos o duelo para definir quem será o cavaleiro de Pegasus.

—E o que isso me importa? – respondeu com leve grosseria.

—Vou te confiar um segredo… Bem, mais um – ele riu – Os pergaminhos na biblioteca do Santuário relatam que já tivemos oito reencarnações da deusa Athena… A Violeta, como você a chama, é a 9ª. E que, sempre que a deusa renasce como humana, um fiel cavaleiro está a seu lado…

—Pegasus… – sussurrou a morena, finalmente erguendo o olhar.

—Sim… E o Cavaleiro de Pegasus ressurgindo nessa era é a confirmação que a Deusa está viva e pronta para a batalha…

Marie sorriu. Se isso fosse verdade, sua amiga voltaria e a teia de mentiras finalmente teria fim. Em um impulso, atirou-se nos braços do amado, que a abraçou com força e deixou escorrer uma lágrima, pois sabia que não estaria mais ali para ver o mal se desfazer.

Semanas depois, Seiya, o discípulo de Marin, superou Cassius e ganhou o direito de envergar a alcunha de Pegasus. Partiu para sua Terra em seguida, sem revelar a ninguém o que pretendia dali para frente. Bastou alguns dias para que seus objetivos fossem descobertos. Um mensageiro de Carlo trouxe um jornal ao Grande Mestre. Nele, anunciavam um torneio de nome Guerra Galáctica, onde dez Cavaleiros do Zodíaco lutavam entre si por um prêmio misterioso:

— “O torneio é financiado pela Fundação GRAAD, uma organização criada pelo falecido magnata japonês Mitsumasa Kido em prol de jovens desamparados” - Marie lia a matéria calmamente – “Após o falecimento de Kido, há cinco anos, a Fundação ficou aos cuidados de sua única neta e herdeira, a jovem Saori Kido, que angariou o sonho do avô e decidiu realizar o torneio na Arena Esportiva Coliseu GRAAD...”

—É o suficiente – Shion falou, interrompendo a leitura da morena – Alguém sabe de Arles?

—O Senhor Arles foi a Star Hill, Grande Mestre – Iris, uma das servas, respondeu.

—Ótimo… Deixe-me a sós com Marie.

A serva deu um sorriso perverso de lado e saiu, acompanhada do mensageiro e de dois soldados. O lemuriano tirou o elmo e sorriu. Seu rosto estava mais cansado e senil que nunca:

—Você olhou bem para a foto de Saori Kido?

—Sim… - ela retirou a máscara e exibiu os olhos vermelhos cheios de lágrimas – Ela pode estar coberta de joias e maquiagem, mas eu reconheceria a doçura desse olhar em qualquer lugar do mundo – o abraçou – Minha Violeta vai voltar, Alface! Ela vai voltar!

—Mas… Esse torneio… - a soltou – se ele chegar ao conhecimento dos demais cavaleiros, eles solicitarão uma retaliação de nossa parte… Afinal, não pode haver combates entre cavaleiros por interesses pessoais.

—Não parou para pensar que, talvez, esse seja o plano da Violeta? Tirar “aquele cara” das sombras?

—Provavelmente – inspirou profundamente e se sentou. Há dias sentia o corpo mais e mais pesado, cansado, mas não queria preocupá-la – A propósito, dentro de alguns dias, anunciarei sua armadura.

—Como, se eu mal concluí meu treinamento? - sorriu, se aproximando e acariciando os cabelos dele. Os fios brancos já eram maioria sobre os esverdeados – Deixe tudo como está. Não vamos dar mais atenção às fofocas.

Passos foram ouvidos no corredor. A filha de Salomé prontamente se afastou, recolocando a máscara e ficando em posição de reverência. Shion colocou o elmo e fingiu casualidade:

—Que isso não se repita, Marie! Athena é uma jovem, mas ainda é uma deusa. Nada de escapar para espiar o treinamento das amazonas.

—Peço perdão por isso, Grande Mestre… Não voltará a acontecer.

—Eu te coloquei como acompanhante da Deusa por conta do apreço que ela tem por você e por causa do que aconteceu a seus tios. Por favor, não me faça tirar este privilégio.

—Marie anda cometendo estripulias, Grande Mestre? - Arles falou, se aproximando.

—Apenas atendendo caprichos da Deusa, Arles. Nada mais que isso.

—Algo mais a me falar, excelência?

—Não, Marie, pode se retirar.

—Com vossa licença.

E saiu, sem fazer questão de ser cordial ou educada com Arles. A presença dele a enojava. 

Como esperado, a notícia de Cavaleiros lutando entre si no oriente acabou chegando ao conhecimento dos demais cavaleiros e uma pequena revolta se formou. Shion fez o que pôde para acalmar os ânimos no local, mas estava difícil, principalmente quando sentia seu corpo tão cansado:

—Pela manhã, faremos uma assembleia no Coliseu - declarou aos soldados e a Arles - Peço a vocês que convoquem todos os Cavaleiros do Santuário, pois é um caso de urgência e preciso da opinião de todos.

—Eu acho que bastaria enviar alguém para que os eliminasse por transgredir a lei - Arles se manifestou.

—Justamente por existirem essas divergências de opinião na cavalaria que farei essa reunião - tossiu - irei me recolher agora. Amanhã, ao sol das 10hrs, quero todos no Coliseu.

—Sim, Senhor - responderam os soldados, batendo continência e saindo.

Marie seguiu lentamente o amado com o olhar, mas não se atreveu a perguntar nada. Arles a encarou:

—E você, Marie? Sei que, apesar da máscara, não é Amazona, mas ainda assim… O que acha que deve ser feito?

—Se eu fosse Amazona, senhor Arles, votaria por um julgamento antes da execução de uma pena.

—Não acha que lutar em um torneio, expondo os Cavaleiros ao mundo não é crime suficiente para a pena de morte?

—É um delito gravíssimo, não nego, mas… talvez eles não sejam os verdadeiros vilões - deu de ombros - agora, com sua licença, irei ficar com a deusa.

A noite estava estranhamente fria apesar de ainda ser verão. Marie nasceu e cresceu em uma terra tão quente quanto a Grécia. Sempre gostou do sol, mas passou a apreciar as noites frias, principalmente para dormir, porém não o conseguia fazê-lo. Havia algo a angustiando, como se uma coisa ruim fosse acontecer. Desde que a verdadeira criança Athena partiu com Aiolos, ela passou a ir todas as noites ao Templo, onde tocava na estátua  da deusa e sentia um breve calor. Era uma forma de manter viva a esperança que a garota iria voltar. Naquela noite esquisita, não foi diferente. Aproveitou-se da inquietação, colocou um casaco e foi ao templo. Apesar do frio incomum, o céu estava limpo, sendo possível visualizar as estrelas com clareza. Como sempre, tocou a estátua e o calor sentido foi maior que das outras vezes:

—Eu sei que nosso reencontro está cada vez mais perto, Violeta.

Resolveu sentar ali e aguardar o sono vir. Tirou a máscara e ficou observando as estrelas. Foi quando um brilho cruzou os céus e a constelação de Áries se iluminou. Desesperada, ela colocou a máscara e saiu correndo para a clausura de Shion, entrando sem pedir licença. O encontrou deitado de lado, com a respiração extremamente pesada:

—Pela deusa, Shion - se desesperou, ajudando-o a se sentar na cama - O que está acontecendo?

—Me desculpa… Eu não estarei aqui… para ir a praia com você e a Violeta, quando ela voltar.

—Não brinca com isso, Alface.

—Não estou brincando… Há dias sinto minha vida se esvaindo… - segurou suas mãos - Não quis te falar para não te fazer sofrer.

—Você tá me fazendo sofrer agora!

—Me perdoe… Eu te amo, não se esqueça.

Aos poucos, a mão frívola e enrugada foi se desprendendo da dela, até cair ao lado do corpo morto do Grande Mestre. O grito de Marie irrompeu o silêncio da noite. Arles apareceu no quarto e a encontrou debruçada no corpo chorando:

—Ele se foi, senhor Arles! Nosso Grande Mestre se foi!

As 10 da manhã, como combinado, a assembleia estava formada no Coliseu, porém, invés do plebiscito presidido pelo Grande Mestre, Arles subiu ao púlpito e anunciou o que havia acontecido:

—Lamentavelmente, nosso Grande Mestre faleceu durante a madrugada… - suspirou - Partiu sereno, enfim descansando da dura batalha e da missão dada pela deusa antecessora. Infelizmente, não houve tempo de anunciar o seu sucessor… Como manda o costume, eu, Arles de Altar, segundo no comando, ficarei em seu lugar serei o novo Grande Mestre - houve um breve burburinho, que foi quebrado pela grave voz do, agora, Grande Mestre - Voltem para casa e se preparem, pois, quando o relógio de fogo for aceso, iniciaremos os ritos fúnebres e homenagens a nosso estimado patriarca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Primeiro, eu matei o meu pai..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.