Máscara Omega escrita por MrSancini


Capítulo 4
Transformação / Responsabilidade




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Christie

Quando tenciono correr naquele corredor largo, Julio me segura.

—Julio, o que... – Tenciono perguntar, mas ele me interrompe.

—O botão esquerdo do seu Omega Watch, aperte-o duas vezes. – Ele responde, com um sorriso. Aliás, aquele corredor era bem iluminado. Quando será que meu tio trabalhou nele?

Aperto o botão esquerdo do Omega Watch duas vezes, como ele sugerira, e quando faço isso, duas motos se materializam na nossa frente, como se tivessem surgido do nada. Uma delas, era uma moto branca com uns detalhes em vermelho, claramente usada para motocross. E a outra era um tanto semelhante, mas toda vermelha e mais parruda, como as motos usadas no transito normal, ou em circuitos.

—De onde elas vieram? – Pergunto, espantada.

—Essa moto aqui. – Ele aponta para a branca e vermelha. – É a moto que meu pai usava antes de sofrer o acidente que o deixou paraplégico. Basicamente o seu Omega Watch a transportou pra cá. Quanto a outra Moto, eu usei o projeto da minha moto pra criar a sua, usando os projetos que roubei. Então basicamente a sua moto foi criada usando as peças dos responsáveis pelo Omega Watch.

—Você é um robô? – Pergunto, surpresa com o quão rápido o Julio trabalhava.

—Quem sabe? – Julio dá de ombros, subindo na moto e pegando o capacete. – Você sabe pilotar uma moto, não sabe?

—Claro. – Subo na minha moto. – Pra onde o Roberto estava conduzindo a Angela e a Jéssica?

—Eu diria que é a pedreira da cidade. – Julio sugere, com um tom de voz pensativo.

—É o nosso melhor palpite, então vamos. – Digo, colocando o capacete e agora notando que o Julio estava com o jaleco da clínica. – Quando você colocou o jaleco?

—Enquanto descíamos a escadaria infinita. – Ele explica, enquato damos a partida.

Eu havia pilotado moto apenas uma vez na vida, num feriadão do ano passado, que o James me ensinou, estávamos na Região dos Lagos. Felizmente, não perdi esse conhecimento e saímos nós dois nas ruas de Trerriense, acelerando rumo a pedreira que ficava nos limites da cidade. Espero que não tenha guardas ou policiais pelo caminho, embora ache que ainda estão procurando pistas da morte do Felipe.

O bom de cidade pequena, é que as coisas são uma perto da outra, então não demora até que cheguemos no ponto onde vimos os caras fardados com a Angela e a Jéssica, mas obviamente eles não estão ali.

Não sei se guiado por um senso de urgência, mas Julio acelera ainda mais sua moto, até chegarmos na pedreira da cidade. Ao longe, vemos duas figuras femininas, aterrorizadas e um grupo de vinte ou trinta homens, além de uma outra figura atrás desse grupo.

Quando o grupo começa a caminhar na direção de Angela e Jéssica, Julio acelera ainda mais, subindo num monte de pedras e terra que formava quase que uma rampa, e cai com a moto próximo delas, fazendo com que os homens chegassem pra trás, surpresos com a moto repentina.

Julio freia a moto, e acelera depois, fazendo com que o pneu traseiro jogasse terra nos homens.

—CORRAM, SAIAM DAQUI AGORA! – Escuto ele gritar, enquanto as duas aparentemente assentem e começam a correr pra fora da pedreira, felizmente vazia naquele momento.

Eu entendo a deixa de Julio (para elas não verem eu me transformando), então vou de moto até o grupo, atropelando alguns deles ali mesmo. Felizmente a moto absorveu o impacto e não sofri um acidente. Precisava agradecer ao Julio pela utilidade da moto.

—JULIO, SEU NEGRO INSOLENTE! – Escuto o grito de Roberto, furioso. – EU VOU MATÁ-LO!

—Você acha que eu viria aqui atrás de você, se não tivesse um ás na minha manga? – Escuto Julio falar de maneira bastante debochada. – Agora é com você.

Pego a segunda deixa, e desço da moto, tirando o capacete. Meus cabelos caem pra trás, eles estavam presos pelo capacete. E com um sorriso, tiro a chave do bolso.

—Nós sabemos a verdade, Roberto... – Digo, apertando um botão no lado direito e o relógio se transforma no Omega Watch. – Você matou o Felipe na noite passada. Aliás, quem é você na verdade?

—Então você sabe... – Roberto começa a sofrer espasmos, e seu corpo é revestido por um exo esqueleto composto de carapaças de inseto, além de uma cauda com um ferrão e pinças acima dos antebraços. Os homens uniformizados se transformam em criaturas humanoides com o corpo azul claro, olhos vermelhos e pele metálica. – Não importa, já que você não é minha, morrerá junto com seu amiguinho.

Coloco meu braço esquerdo em posição de defesa, como se fosse me defender, coloco a chave na fechadura do Omega Watch e giro. Naquele momento, sinto algo ferver dentro do meu corpo, como se engrenagens começassem a girar, dos pés a minha cabeça.

—Você não é o único que tem uma forma diferente... – Dou um sorrisinho, antes de gritar. – TRANSFORMAÇÃO!

Olho para baixo e vejo um traje vermelho revestindo meu corpo. Sinto tudo ficar escuro por um segundo, até que tudo se acende novamente, é como se eu visse por trás de um visor de vidro, com uma visão límpida de tudo. E meu corpo... Ele parece mais forte do que nunca. Parece que o trabalho do meu tio e do Julio deu certo, e tudo o que James fizera por mim finalmente trouxe o resultado. Eu me sentia invencível.

—É... É a... A mesma... – Roberto balbucia, parecendo assustado. – ATAQUEM, ZI-BOTS!

—Julio, recue! – Ordeno, e Julio nem pensa duas vezes, acelera a moto pra longe do perigo.

Salto por cima da moto e começo a lutar contra os robôs, a sensação era incrível, eu via melhor, escutava melhor e até sentia melhor, como o deslocamento dos golpes inimigos vindos na minha direção. Com um soco poderoso, jogo um deles longe, com um buraco no peitoral.

Aos poucos, vou pegando o tempo dos golpes inimigos e revidando com força o suficiente pra destruir os zi-bots. Pelo visto, o treinamento em artes marciais variadas me deu experiência pra saber como contra atacar nos momentos certos.

Com um chute certeiro, arranco a cabeça do último robô, que cai no chão com fios ainda faiscando do pescoço. Satisfeita, bato as mãos limpando a poeira.

—E então, Roberto? – Digo, apontando pra ele. – Vai ser homem o suficiente pra me encarar?

—Não me desafie! – Ele exclama, erguendo a cauda e disparando um ferrão do tamanho de dois controles remotos na minha direção, com um tapa, o mando para longe.

—É assim que você sempre foi, não? – Parto pra cima dele, dando uma sequência de dois socos no peito e uma joelhada. – Sempre mimado, convencido e arrogante. – Ele tenta me socar, mas me esquivo e acerto um soco diretamente no rosto dele. Logo em seguida, acerto um chute bem na altura do estômago, que o lança uns três metros pra trás.

—E você... Sempre foi... Uma vadia convencida da sua superioridade e privilégios. – Roberto tenta provocar.

—Privilégio? Você chama de privilégio perder sua família e ter seu corpo modificado por desconhecidos? – Desdenho dele.

—Me pergunto, o que você dá pro Sanches em troca do conhecimento dele... – Ele dispara dois ferrões na minha direção, eu dou dois saltos pra trás e eles fincam no chão. – Dizem que a gente da laia dele é favorecida, então deve ser...

Ele... Ele estava insinuando que eu e o Julio... Aquilo meio que ligou um gatilho em mim, quando percebi, já estava colada no Roberto, socando ele sem parar. A força era tamanha, que rachaduras surgiam no exoesqueleto dele.

—Você nunca... NUNCA! Ouse ofender a mim e ao Julio desse jeito! – Digo, enquanto algo soa no meu ouvido e dou um gancho tão forte, que Roberto voa pelo menos dois metros, antes de cair no chão.

—Christie, Christie! – Ouço a voz de James mais claramente.

—James? – Falo, olhando ao redor.

—Estou falando pelo sistema de comunicação do traje. – Ele responde. – Estou aqui no centro de vigia, use o Chute Giratório Omega. Tire a chave da cintura e a esfregue na perna.

Faço o que ele sugere, e não sei como, removo uma chave da lateral da minha cintura, e esfrego a ponta dela na minha coxa, como se estivesse riscando o metal. Uma faísca surge, a chave some e sinto a minha perna direita quase explodir de poder. Pelo menos não explodir literalmente.

—É o seu fim, Roberto... Ou qual seja seu real nome. – Bato com a ponta do pé no chão três vezes.

—É o que você acha... – Ele corre na minha direção.

Quando ele se aproxima de mim, dou um chute giratório na cabeça. Quando o peito do meu pé toca a cabeça dele, sinto o tempo desacelerar, então giro novamente e dou um segundo e terceiro chutes no mesmo lugar, até que ele cambaleia pra trás, fumegante, antes de suas placas começarem a se desfazer, assim como seu corpo, que explode e se transforma em pó, sendo levado pelo vento.

Agora que Roberto estava destruído, restavam algumas questões... Quem estava por trás da minha modificação, e quem estava por trás desse monstro e desses zi-bots? Como vai ficar o caso do assassinato do Felipe? E o que acontecerá quando derem falta do Roberto?

Esses pensamentos ficam na minha cabeça, até que sinto um abraço em mim, vindo pelas costas. Me viro e é Julio, satisfeitíssimo. Me concentro e a armadura some.

—Você foi genial, Christie! – Ele elogia, sorridente.

Nós caminhamos até um ponto da pedreira, que basicamente era a parte alta, no limite da cidade. Estamos sentados na beirada e se cairmos a coisa vai ser feia, mas ainda assim, era um bom ponto. Principalmente pela sombra das árvores ali.

—Sério, Christie, você foi sensacional. – Julio repete, satisfeito.

—Não teria conseguido isso sem você e o James. – Digo, sorrindo um pouco. – Sem o trabalho de vocês, eu não teria conseguido.

—Agora tenho mais um ponto a invejar em relação a você. – Ele diz, rindo.

—Como assim?

—Você é forte, bonita e gentil. E agora ainda tem superpoderes. – Apesar do elogio, tem um tom triste na voz dele. – Queria ser metade da pessoa que você é.

—Julio, eu posso ter te defendido contra bullies nesses últimos anos, mas acho que você não faz ideia do quão importante pra mim você é.

—Eu sou só um nerd inteligente pra caramba e...

—Não falo só disso... – O interrompo, lembrando de muitas coisas. – Quem evitou que eu entrasse em muitas brigas inúteis? Quem sempre me ajudou com a matéria quando eu ficava doente? Mas, mais importante... Quem foi a primeira pessoa, fora o meu tio, que me tratou como uma pessoa de verdade, e não como uma coitadinha que perdeu os pais no Dia Zero?

—E... Eu... – Pelo tom, ele não lembrava ou considerava essas coisas tão importantes na nossa amizade.

Mas eu lembrava como era, no primeiro ano em que eu passei a estudar aqui em Trerriense. Todos os alunos da turma e a maioria no colégio me tratava como uma pessoa rara, só porque eu havia perdido a família no Dia Zero, até que houve um certo dia.

Março de 2014

Por quê? Por quê essas pessoas me tratam como se eu fosse diferente, me tratando como se eu fosse uma coitadinha? Tudo bem, eu perdi minha família no Dia Zero, mas eles não precisam me tratar como se eu fosse uma desabilitada. E mesmo essas pessoas querem ser tratadas normalmente, mas... Eu odeio essa escola!

Estava eu, na saída do colégio, depois de mais um dia irritante de aula. Estava decidida, eu ia pedir o Tio James pra me colocar numa escola numa cidade vizinha, qualquer lugar era melhor que aqui. E...

—Ei... Você é a Christie Williams, não é? – Escuto uma voz masculina a uma distância. Me viro e vejo um garoto negro, com cabelos curtos. O tom de voz dele era casual, mas como ele sabia meu nome, era provavelmente pela minha fama da garotinha sem os pais por causa do Dia Zero. 

—Sim... – Respondo, polidamente.

—Você provavelmente não lembra de mim, porque tava mal quando fui entregar algo pro seu tio na clínica, mas foi lá que te vi pela primeira vez. – Ele fala de maneira totalmente casual. – Sou Julio Sanches, meus pais são donos da lanchonete McSanches Feliz, sim, pode rir que é parecido com o negócio do McDonalds. – Faço o que ele sugere, porque era engraçado. – Sei que parece ser aleatório, mas você gosta de videogames?

—Gosto, por quê? – Sou sincera, porque videogames não me julgam por ter perdido meus pais, nem me tratam diferente.

—É que meu colega de jogatina não veio pra escola hoje e preciso de um parceiro pro Time Crisis 3. – Julio responde. – E você parecia chateada, então, como meu pai diz e eu sigo isso a risca, quando se está chateado, nada melhor que jogos. Você topa? Eu pago as fichas.

Fico num momento de hesitação, aquele garoto aleatório que nem da minha turma era, estava simplesmente me convidando pra jogar com ele. Por outro lado, ele estava certo, eu estava muito chateada.

—Tudo bem, vamos! – Digo, enquanto ele aperta minha mão de maneira entusiasmada e saímos da escola.

Lá por volta das três da tarde, chego em casa e encontro James lá, o que não era normal. A essa hora ele estaria na clínica. E a cara dele era de poucos amigos.

—Onde a mocinha esteve desde a saída do colégio? – Ele pergunta, sério.

—Me desculpe James, é que... – Tento encontrar palavras, até que a expressão de 'continue' no rosto do James me incentiva a continuar. – Eu estava muito, mas muito chateada com a escola, porque todos ficam me tratando de maneira diferente por causa do Dia Zero, aí veio um garoto e me convidou... Me convidou a jogar Time Crisis 3 com ele no fliperama, então passamos o tempo lá. Desculpe.

No fim do que eu havia dito para James, ele estava com um sorriso no rosto, e me abraça.

—Quer dizer, que você finalmente fez um amigo na escola? – James pergunta, passando a mão nos meus cabelos.

—Sim, eu até tinha pensado em implorar pra você me mudar de escola. – Confesso, sorrindo. – Mas acho que agora dá pra aguentar, já que tem alguém que não me trata de maneira especial. E... Você não devia voltar pra clínica?

—Ops... – James dá uma risada, mas antes de sair de casa, devolve. – E a senhorita devia ir pra academia treinar.

 

Tempo presente

Julio

Ouvir aquilo diretamente da Christie fez um bem pra mim. Porque, honestamente, as coisas que ela alegou a meu respeito, foram coisas que não fiz pensando exatamente em ser legal ou bem visto, fiz porque achei que eram necessárias.

—Mas sabe, tem uma coisa que me deixa muito frustrado. – Falo, enquanto observo a pedreira e os trabalhadores começavam a voltar. Como eles não estavam presentes na hora do combate? Sorte, ou manipulação?

—O que é? – Christie pergunta, posso dizer pelo canto do olho que ela está bem relaxada.

—Eu queria ser forte como você. – Confesso, tentando encontrar as palavras certas. – Sei que você teve toda essa questão com o seu corpo, mas fora isso, você é habilidosa, me senti vendo um filme de ação praticamente. Enquanto eu, bem... Era sempre alvo dos amigos do Roberto e quando você não se metia em encrenca pra salvar o meu rabo, as coisas pra mim não terminavam tão bem.

—Nem tudo é tão simples. – Christie comenta. – Tem dias que você quer desistir de treinar, tem dias que você não consegue levantar da cama porque seus músculos estão completamente doloridos.

—Ainda assim, é frustrante. – Continuo, suspirando. – A sensação de impotência é terrível. Mas bem, pelo menos agora com o Roberto fora da jogada, não vai ter um racista babaca pra vir me agredir ou incitar alguém contra mim.

—Ah, Julio... Lembre de falar com a secretária e com a Angela. – Ela diz, repentinamente.

—Como assim? – Pergunto, intrigado com o pedido.

—Você lembra lá na clínica, o James nos mostrando o monitor... – Christie responde, pensativa. – A maneira com que o grupo do Roberto conduzia as duas, não é como se elas estivessem sendo coagidas ou forçadas.

Fazia sentido... Como não pensei nisso antes? Acho que meu lado paranoico tava tentando conectar todos os fatos sobre o Roberto, e quando James nos mostrou o monitor, não havia pensado nisso.

—Verdade. E você? – Pergunto, já tentando verificar as possibilidades.

—Vou voltar pra clínica e depois ir trabalhar na academia. – Christie responde, levantando e batendo a sujeira da roupa.

—Sério? – Me levanto, igualmente batendo a roupa, e a acompanhando, até onde cada um de nós pegaríamos nossas motos.

—Apesar desse novo 'trabalho', eu ainda tenho responsabilidades, Julio. – Ela responde de maneira pragmática.

—Eu não sei se eu teria o seu pique... – Comento, montando na minha moto. – Não sabendo que embaixo de onde eu trabalho tem uma base de vigilância da cidade.

—Trabalho é trabalho... – Ela conclui, colocando o capacete. – Enfim, a gente se vê mais tarde, cara.

—Até! – Me despeço, enquanto pisamos no acelerador de nossas motos.

Enquanto saio da pedreira, penso em duas coisas. Meu, a Christie tinha me elogiado pra valer. Sei que assim como as coisas que fiz, ela simplesmente falou de coração, sem nenhuma segunda intenção, mas... Significou pra mim mais do que ela poderia imaginar. Quando foi que passei a pensar na Christie desse jeito?

Ponha-se no seu lugar, homem! Não fique fantasiando com ela a toa, você tem um trabalho pra fazer! Que inclusive é a outra coisa que tenho que fazer e não faço a menor ideia. Onde vou encontrar a Angela e a Jéssica?

Chego finalmente na cidade em si, até que numa coincidência do destino, no parque da cidade, ao lado do hipermercado, vejo sentadas num banco, como se estivessem recuperando o fôlego, Angela e Jéssica, uma, colega de time da Christie e a outra, secretária da escola. Bem, eu achei que fosse demorar, mas a conveniência ajudou. Se bem que esse aqui é o primeiro local assim que você entra na cidade, vindo da pedreira.

Parando minha moto no parque, caminho em direção às duas, quando Jéssica me nota e se levanta.

—Sanches... – Ela caminha em minha direção. – O... O que foi aquilo?

—Como assim? – Pergunto, sem entender o que ela queria dizer.

—Desculpa, você não deve ter entendido o meu lado, senta aqui que eu explico... – Jéssica aponta o banco onde Angela estava, ela parecia pensativa.

—Angela, você tá legal? – Pergunto a ela, assim que me sento, juntamente com Jéssica.

—Fisicamente sim... – Angela dá uma risada sem graça, não de mim, mas da situação. – O problema é o rombo na minha memória.

—É o quê? – Estou mais perdido do que nunca, até que lembro uma coisa que Christie me dissera pouco antes de nos separarmos na pedreira.

—Bem, eu explico. – Jéssica diz, tomando a palavra. – Após aquele incidente lá na escola, a Angela conversou comigo, explicando o que acontecia na relação dela com o Roberto, e que iria seguir seu conselho de denunciá-lo. Então após as aulas, nós duas partimos até a delegacia, lembro de registrarmos a queixa e sairmos da delegacia, só que depois...

—Depois disso, nós estávamos na pedreira, com o Roberto e aquela quantidade de homens fardados. – Angela conclui. – Não pareciam com nenhum policial que eu tenha visto aqui na cidade. Roberto disse que nós iríamos pagar em dobro pelo que fizemos a ele, e nós começamos a recuar, mas ainda assim parecia ruim. Por sorte, você apareceu... Não sabia que você pilotava tão bem. O que aconteceu lá?

—Felizmente tinha alguém me acompanhando, que conseguiu afastar o perigo. – Dou uma meia verdade, não podendo falar sobre a Christie.

—Angela, parece que seus pais chegaram... – Jéssica diz, assim que escuta uma buzina. Quando ergo as sobrancelhas, ela conclui. – Os pais vão levá-la para fazer o exame de corpo de delito.

—Aaah... – Digo, em tom compreensível. – Se cuida, Angela.

—Você também. – Ela diz, antes de acenar em despedida e correr até o carro onde seus pais a aguardam.

—Tudo bem, Julio... A Angela se foi, então me diz... O que você fazia na pedreira? Parece conveniente demais que você tenha aparecido no meio do perigo. – Jéssica pergunta, com um tom sério.

Ops, realmente, era suspeito demais que eu aparecesse ali. E eu não posso contar nada do que sei pra ela, ou posso acabar metendo a própria Jéssica em encrenca. O que devo falar?

—Bem... A verdade é que apesar de ser um estudante brilhante. – Digo, com total falta de modéstia. – Eu quero participar de campeonatos de motocross. – Uma meia verdade, meu pai me ensinou a pilotar a moto dele justamente para que eu cumprisse um dos sonhos dele, correr em pelo menos uma corrida de motocross, ele queria fazer isso, mas acabou ficando paraplégico. – Então eu ia treinar na pedreira com um amigo. Foi coincidência ter visto vocês lá.

—Entendi... – A expressão dela me aliviou, ela engoliu a desculpa. – Mas, olha só... Você não acha meio estranho a pedreira estar vazia naquela hora do dia?

—Honestamente, sim... – Concordo. – Tanto, que nas vezes durante a semana em que decido pilotar a moto, dou voltas na parte superior da pedreira, assim evitando atrapalhar os trabalhadores lá embaixo. Agora, você realmente não lembra de nada entre a delegacia e a pedreira?

—Deixe-me ver... – Jéssica coça a cabeça, pensativa. – Lembro de uma luz laranja e olhos amarelos, mas algo muito rápido. Por quê quer saber?

—Bem... Qualquer informação pode ser útil futuramente. – Digo, desconversando.

—Que seja... – Dessa vez, parece que ela não acreditou tanto assim. – De qualquer jeito, preciso voltar pra escola, tenho que justificar meu salário.

—Depois dessa loucura toda... Você vai trabalhar? – Pergunto, meio desconcertada.

—Claro, eu tenho responsabilidades... – Jéssica se levanta. – Enfim, obrigado pela ajuda na pedreira... E se cuida, Julio. Se ele fez aquilo só porque foi contrariado na escola, nem imagino o que ele seria capaz agora, se bem que...

—Se bem que? – Pergunto, no meio da hesitação dela.

—Eu trabalho como secretária da escola tem quatro anos, e lembro bem de como o Roberto era antes do ensino médio. – Jéssica responde, meio insegura. – Totalmente diferente desse Roberto recente, não sei se é fase da adolescência, mas enfim... Preciso ir.

—Quer uma carona? – Ofereço, como cortesia.

—Não precisa, mas agradeço a oferta. – Ela diz, indo embora.

Quando ela já foi, pego meu telefone e ligo para James, o telefone dá dois toques, até que James atende.

—Julio, onde você está? – Ele pergunta, um tanto assustado. – A Christie voltou e já foi pra academia trabalhar, e nada de você aqui na clínica.

—Olha James, desculpe. Devo aparecer em breve. – Respondo, pensando no que aquilo pode implicar. – Mas, acho que há um elemento oculto no caso.

—Elemento oculto? – James pergunta, intrigado.

—Nas imagens que você havia nos mostrado, apesar da quantidade de gente as conduzindo, Jéssica e Angela não pareciam assustadas. – Começo a explicar. – Depois do que aconteceu, eu vim atrás das duas pra saber como elas estavam, e consegui a informação de que ambas estão com um lapso de memória, do momento em que saíram da delegacia, até chegarem na pedreira. Jéssica disse acerca de olhos amarelos e uma luz laranja. Não sei o que é, mas acho que o caso não chegou no fim.

—Entendi... Venha pra cá, e aí nós podemos pensar no próximo passo. – Ele aconselha. – Obrigado pelo trabalho, Julio. Até breve.

—Até breve, James... – Desligo o telefone e volto pra minha moto.

Enquanto volto para a clínica, penso... Por quê Jéssica e Christie, mesmo com isso tudo que aconteceu, simplesmente voltaram pros trabalhos que possuem? Não entendo. Eu teria no mínimo tirado uma folga, por conta dessa loucura toda.

As vezes agradeço por essa cidade ser pequena, logo, o volume de ônibus circulando é bem menor, assim como o de veículos, algumas pessoas simplesmente podem ir trabalhar a pé, ou pegam ônibus no terminal, caso trabalhem nas cidades vizinhas. Por fim, chego a clínica, através da entrada secreta, e lá está a moto da Christie. Bem, acho que é um bom lugar pra deixar minha moto, apesar do fato de que o meu pai estranharia a moto estar fora de casa.

A sala subterrânea está vazia, provavelmente James está trabalhando lá em cima e me esperando, pois tem um jaleco novo pra mim, prevenção porque o meu sujou nesse trabalho todo. E também tem o suor, então terei de me banhar antes de conversar com ele.

Lá em cima, após eu tomar um banho e trocar de jaleco, estamos eu e James no consultório dele. Naquele momento não haviam consultas marcadas, e provavelmente as outras meninas que trabalham aqui estão cuidando das outras coisas da clínica.

—James, você passou as novas informações pra Christie? – Pergunto, me sentando em frente a mesa dele.

—Positivo... – Ele responde. – Embora eu tenha estranhado você ter ido atrás das duas vítimas logo após o incidente.

—Você não acharia estranho, ter sido salvo por alguém que convenientemente sabia onde você estava? – Digo, lembrando da pergunta de Jéssica. – Eu tive que colocar uma meia verdade.

—Bem pensado... – James concorda. – Eu tentei pensar em algo a respeito da informação que você conseguiu, mas nada.

—Mas sabe, James... Tem uma coisa que não entendo.

—O que é?

—Tanto a Christie, quanto a Jéssica... Logo depois de tudo o que aconteceu, simplesmente foram trabalhar. Como se nada tivesse acontecido. Ambas alegaram que possuem responsabilidades a cumprir. Eu não com... – James ergue a mão, interrompendo-me.

—Hm... – Ele começa, pensativo. – As duas lhe deram uma meia verdade, assim como você, disfarçando o fato de que sabia onde Angela e Jéssica estavam. Não é apenas o fato de que elas possuem responsabilidades, coisa que você parece não perceber, mas tem também, se não sentisse o mesmo, teria deixado as duas vítimas pra lá, assim que tudo havia terminado. O que tanto a secretária do colégio, quanto minha sobrinha queriam, era justamente colocar um pouco de normalidade nas vidas delas, depois de tudo ter ficado de pernas pro ar.

—Como assim?

—Elas queriam sentir o mundo real, de pessoas com problemas do dia a dia, não essa coisa de tentativa de assassinato e monstros que lidaram na última hora.

—Agora... O que está me intrigando é o elemento oculto nessa equação. – Deixo pra lá porque James tinha razão nesse ponto. – O que fez com que Angela e Jéssica pudessem ser conduzidas até a pedreira por Roberto?

—Bom... – James se levanta, decidido. – Isso é algo que você vai ter que trabalhar lá embaixo.

—Como assim? – Pergunto, coçando a cabeça.

—Bem, você foi contratado não como meu assistente ou função real na clínica, era para construir o Omega Watch. – Ele explica. – Agora você irá trabalhar lá embaixo, auxiliando a Christie com informações, busca e tudo mais. Se precisarmos de você aqui na clínica, eu irei chamar.

—COMO? – Essa era uma reviravolta e tanto.

—Agora que você desvendou a equação do Omega Watch, eu vou conseguir trabalhar no resto dos equipamentos. – Ele responde, calmamente.

Em choque, desço novamente as escadas. O que posso fazer agora? Eu literalmente fui chutado do trabalho lá em cima da clínica. E como o James vai usar o meu trabalho como base pra resolver as equações dos outros projetos, fico aqui sem fazer nada... Pera... Eu posso vigiar a Angela, talvez... Talvez o responsável pela hipnose e falta de memória, supondo que foi hipnose, ataque novamente. Preciso garantir a segurança da Jéssica também.

Pensando nisso, ligo para Christie, que atende de primeira.

—Alô, Julio, tudo bem? – Christie atende, a voz dela quase me deixa sem palavras. Porra Julio, agora não.

—Mais ou menos, seu tio me rebaixou pra cá pra baixo da clínica. – Comento, de maneira brincalhona. – Mas fora isso, estou legal. O James te passou as informações que descobri?

—Sim, ele me ligou pouco tempo depois. – Ela responde, calmamente. Pelo visto o trabalho na academia estava tranquilo.

—Então, eu andei pensando... Se havia um elemento oculto na questão do ataque, é provável que ele vá atrás de alguma das vítimas. – Confesso, preocupado.

—Cheguei a pensar nisso também. – Christie diz, o que me surpreende um pouco.

—Então, pode parecer meio mandão da minha parte, mas você poderia vigiar a Jéssica, assim que ela sair da escola, por algum tempo? – Peço, me sentindo meio stalker. – Eu vou dar um jeito de ficar na cola da Angela... Se eu conseguir encontrá-la.

—Você está tentando não soar como um fã perseguidor, cara, é engraçado. – Ela dá uma risada genuína. – Enfim, como essa semana o time da turma não treinou no período da tarde por causa das provas da sexta, ela ia estudar na casa de uma amiga.

—E você tem o endereço? – Pergunto, me sentindo animado por ter algo pra fazer. Mesmo não sendo forte, eu poderia ajudar alguém assim.

—Te passo por mensagem. – Christie responde, rindo. E logo recebo a mensagem com o endereço.

Bom, era hora de aproveitar esse pequeno intervalo até eu sair pra bancar o stalker pra ver se eu conseguia algo pra melhorar a comunicação com a Christie. Possivelmente algo prático e rápido. Dá pra fazer com o que tenho aqui.

Algumas horas se passam, e o dispositivo está pronto. Eu poderia colocar um no meu capacete e outro, talvez no capacete de Christie, comunicando também com o Omega Watch dela e na forma transformada, como uma forma de comunicação instantânea.

E lá vou eu, dessa vez dirigir de maneira cuidadosa, primeiro porque eu não tinha pressa de chegar lá, depois pra não ser necessariamente notado pela Angela. Felizmente a casa da amiga de Angela era próximo da maior sorveteria da cidade, então eu podia ficar lá matando tempo, talvez na máquina de fliperama que tinha e com um sorvete porque estava quente.

Passam-se mais ou menos vinte e cinco minutos, já são mais ou menos sete da noite. Pelo que me consta, a essa hora a Christie deve estar vigiando a Jéssica. Angela começa a ir embora, com a mochila de escola, mas já sem o uniforme, deve ter trocado em casa ou na casa da amiga. Dou certa distância e começo a guiar minha moto de maneira casual, a avistando de longe.

Felizmente, apesar do acontecido, ela estava mais relaxada do que naquele momento lá na praça. Pelo menos era o que o andar dela dizia, não sei como tava a cabeça da garota, eu não sou psicólogo, nem telepata. Quando chego no bairro onde moro, mais ou menos quatro ruas antes da minha, é que a coisa acontece.

Do alto de um prédio (que tinha talvez três ou quatro andares), um corpo cai de pé uns dois metros atrás de Angela, ela se vira pelo susto do barulho e pela reação, é alguém que ela conhece... E de costas, eu o conheço também. Ela começa, amedrontada, a andar, e ele a segue, os dois entrando num beco e eu arranco com a moto, porque era agora a hora.

Entrando no beco, vejo os dois já na saída, Roberto ainda em forma humana e Angela, assustada. Ela parece querer gritar, mas não consegue. Arriscando talvez me arrebentar se eu errar, acelero novamente, viro um pouco pro lado e passando rente a Roberto, acerto um chute na altura da cintura, que o pegando desprevinido, faz com que ele caia pro lado. E terminando isso, paro com a moto do lado de Angela.

—Sobe, agora! – Meu tom é urgente.

—Você de novo... - A voz de Roberto é furiosa, enquanto ele levanta. Seus olhos mudam de cor, pra um tom todo amarelo.

—Segure em mim, e feche os olhos! – Digo, enquanto fecho os meus e piso no acelerador. Sinto os braços dela ao redor da minha cintura, e espero talvez dois ou três segundos. – Pode abrir.

Faço o mesmo, tomando cuidado pra não bater em lugar nenhum, e acelero pela rua do outro lado, seguindo pro sul da cidade. Meio minuto depois, olho pra trás e vejo uma moto me seguindo. Oh boy. Eu sabia que não seria fácil.

—O que é isso, Julio? – Escuto a voz de Angela, ela também olha pra trás e vê a moto.

—Eu não tenho tempo pra explicar, sério. – Respondo, enquanto aperto um botão que havia colado no painel da moto. – Olha, pode deixá-la, ela está segura. O alvo era a Angela, estou com ela e estamos indo pro sul da cidade. – Escuto a resposta de Christie. – Sim, a floresta. Vou tentar não morrer, venha depressa.

—Com quem você está falando? – Angela pergunta, aparentemente intrigada.

—A ajuda está a caminho. – É tudo que respondo, um pouco mais confiante.

 

Christie

Ah, Julio... Esses comunicadores foram uma benção. Nem precisamos mais nos preocupar com créditos de celular. Eu estava basicamente acompanhando Jéssica em seu caminho para casa, até que o comunicador do meu capacete recebe a mensagem de Julio.

—Olha, pode deixá-la, ela está segura. – Julio começa, o que me faz suspirar de alívio. Não sirvo pra babá. – O Alvo era a Angela, estou com ela e estamos indo pro sul da cidade.

Ah, a ironia do que o Julio estava armando para o elemento oculto desse caso. Primeiro, Roberto havia atraído Jéssica e Angela pra pedreira, com auxílio desse manipulador, agora era o atacante que estava sendo levado pra uma armadilha.

—Você vai atraí-lo até a floresta na parte sul do bairro onde você mora? – Pergunto, por uma associação lógica.

—Sim, a floresta. – Ele conclui. – Vou tentar não morrer, venha depressa.

Só espero não ser parada pela polícia por dirigir em alta velocidade numa moto sem placa oficial. Acelero tudo o que posso, e vejo que essa moto que o Julio fez, é bem mais veloz do que eu pensava. O velocímetro chega a 120 por hora com uma facilidade. A adrenalina em meu corpo está subindo, e felizmente consigo enxergar bem os obstáculos, podendo desviar do trânsito da cidade.

Finalmente, vejo a estradinha que leva pra floresta, uma ponte de madeira que cruza um riacho e ao longe vejo... Roberto? Enfim, um humanoide que parecia um meio termo entre o Roberto, e a criatura que eu havia enfrentado hoje cedo, com a cauda de ferrão e as pinças em cima do antebraços. Mais no fundo ainda, Julio e Angela. Angela, claramente assombrada, e Julio, tentando defendê-la, ao menos ele se posicionava na frente dela. Próximo de uma árvore, a moto de Julio, e no riacho, uma moto destruída.

Não tenho tempo pra analisar mais nada, acelero a moto e passo próximo de Roberto, que pula pro lado pra evitar ser atingido, e com uma freada, paro a moto a meio caminho, entre Roberto e seus alvos.

—Como você sobreviveu? – Pergunto, tirando meu capacete. – Eu acabei com você.

—Na verdade, você nunca me enfrentou... – Roberto tem espasmos, e as placas cobrem o resto do corpo dele. Os olhos pareciam grandes faróis amarelos. – Você lutou contra o meu duplo, lá na pedreira.

—Se é assim... – Dou um toque no botão do meu relógio, que o transforma no Omega Watch, e a chave surge na minha mão. Sei que faria isso na frente de uma civil, e isso eventualmente poderia trazer complicações pra ela, mas... Eu tinha esse poder, fruto de parte da manipulação que sofri, mas também do trabalho em conjunto do Julio, com meu tio James. Isso implicava em proteger as pessoas que não podiam se defender, em uma nova responsabilidade. – Vou destruir você de uma vez. – Coloco meu braço esquerdo em posição de defesa, como se fosse me defender, coloco a chave na fechadura do Omega Watch e giro.

Ah, a sensação... Continuava a mesma. Todo o meu corpo começa a ferver, uma vontade de lutar.

—TRANSFORMAÇÃO! – Fecho meus olhos enquanto o traje reveste meu corpo.

—Quem... Quem é você, afinal de contas? – Roberto pergunta, atirando um ferrão do tamanho de dois controles, com a cauda.

—Eu sou a filha da furia... – Pego o ferrão com uma das minhas mãos. – Máscara Omega. E o seu fim será rubro como o sangue!


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