Máscara Omega escrita por MrSancini


Capítulo 3
Fragmento / Verdade


Notas iniciais do capítulo

Capítulos serão postados de três em três, para até alcançar a publicação no Wattpad.



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Aquela era a primeira noite nesses três anos que estou nessa cidade aqui, que vou fazer uso do poder que a Cruz Mortífera me dera. Aqueles que se dizem meus pais estão ocupados com a novela, então saio de casa tranquilamente. Libero um pouco da energia que estava acumulada em meu corpo, e essa sensação era ótima. Agora era achar a vítima. Será que eu deveria matar a Angela? Seria justiça poética, mas não...

Caminho pelas ruas do bairro e as pessoas me cumprimentam normalmente, afinal de contas, eu era só mais um garoto qualquer. Claro, encrenqueiro, como qualquer adolescente. Será que eu deveria ir atrás daquele fracote do Julio?

Dou uma risada alta, só de pensar na surra que eu dei nele hoje. Conhecendo-o, deve estar em casa choramingando pro pai aleijado ou pra mãe, enquanto faz os exercícios e rasteja pra cima da Williams.

Lembro de uma pessoa. Alguém com quem eu tive uma discussão, um ano atrás. Ele seria uma boa vítima, e se o conheço bem, ele deve estar saindo da academia agora. Dou uma acelerada na caminhada, porque se eu o perdesse, teria de procurar outra pessoa. Chego na academia e o vejo. Dreads, touca rastafari. Não vai fazer falta pro mundo, pois mora sozinho. Vou para um beco escuro e mudo a minha forma.

Um exo-esqueleto formado pelo que parecem carapaças de inseto cobre meu corpo, além de uma cauda longa com um ferrão e duas pinças acima dos meus antebraços. Com dois saltos, subo no alto de um prédio, e do topo, vou seguindo ele pelas ruas, até que quando ele entra num beco, pra cortar caminho, salto, caindo bem atrás dele.

—Olá, Felipe... – Digo a ele, com minha voz normal.

—Roberto, o que AAAAAAH! – Ele se vira pra me responder, e percebe a minha forma, dando um grito. – O... O...

—Não me leve a mal, Felipe... – Digo, avançando lentamente enquanto ele recua amedrontado. – Nunca foi pessoal.

Seguro os dois braços dele, que tenta resistir. Dou uma risada, antes de concentrar energia no ferrão e com a cauda, acertar uma ferroada no pescoço dele, que grita agoniado. O solto e ele cambaleia pra trás.

—O que... – A pele de Felipe começa a ficar esverdeada, enquanto os órgãos vitais dele vão parando um a um, até ele cair de joelhos, já sem vida.

—Funciona perfeitamente... – Digo, satisfeito, voltando a forma de Roberto, e indo embora dali. A vontade era de usar aquilo em mais alguém, mas devo me conter. Se eu sair em um rompante, depois não haverão brinquedos para os outros.

O importante é que aquilo havia funcionado, gostaria que a Alpha tivesse visto, será que ela me acharia forte? Preciso voltar pra casa e avisar ao Johann que o experimento funcionou.

As ruas da cidade estão bonitas hoje, acho que antes de ir pra casa vou passar na sorveteria, preciso repor as calorias que perdi nesse pequeno exercício.

 

Julio

Eu ainda vou matar o James, eu juro. Não só ele me coloca pra fazer os trabalhos mais duros no dia de hoje, como me manda resolver esse problema aqui. Estou em frente ao meu notebook, com uma tela cheia de equações, relativas ao Omega Watch que estamos criando.

Pelo que ele me disse, é o estágio final da criação, mas todas as simulações que ele testou deram em falha. As equações possuem diversas dicas em um texto que parece latim, e sinto que são a chave pra fazer a transformação funcionar.

—Ok, Julio, pense... – Digo pra mim mesmo, enquanto olho as equações e o texto na tela. – Vamos ver, acho que seria bom eu separar as equações dos textos.

Executo alguns comandos no programa, que começa a separar os "x²+y³ * 2" dos "erdum sanctum rectum" da vida pouco a pouco. É longo, então saio do meu quarto, vou até a cozinha e pego um refrigerante. Bom, lado positivo dos seus pais terem uma lanchonete é que eu tinha garantia de porcarias em casa. Só não engordo de ruim mesmo.

Voltando ao meu quarto, vejo que o programa já separou boa parte das equações, o que me permite analisá-las numa segunda tela, no caso, meu tablet que estava ao lado. Olho pouco a pouco e vejo uma coisa... As equações estavam corretas, e se o padrão se repetir pro documento todo, TODAS as equações estão corretas, o que significa que o erro estão nos textos.

Mudando a minha atenção pro notebook, vejo os textos já separados. Ótimo, o programa fizera seu trabalho. E é claro que os textos estão incorretos, a língua deles não é latim, por isso tinhamos aqueles caracteres todos no final da última equação. O James arranjou isso como se os textos estivessem em latim.

Se a minha memória estiver correta, a missão que o James teve pelo serviço secreto, foi na Alemanha, então... Esses textos estão em alemão, só preciso reorganizar as equações de modo que dê pra encaixar os textos em alemão, sem sobras.

Algumas dezenas de comandos, e as equações se reorganizam como estavam, deixando espaço para reencaixar os textos. Agora é colocar os textos em ordem, isso vai demorar um pouco.

Os minutos passam, e vou colando pouco a pouco os textos entre os espaços da equação. É esquisito, que nós criamos o Omega Watch com projetos roubados, mas bem... É melhor do que o que eles tinham em mente se ficassem com esses projetos. Pena que quase descobriram minha invasão, então não pude roubar os quatro projetos.

—PRONTO! – Colo a última parte do texto no espaço correspondente. Tive que improvisar por conta da programação anterior do James, mas me parece correto, agora vou compilar e simular...

Uma barra de carregamento surge na tela e começa a encher... Meu, me sinto como naqueles momentos em livros, ou quadrinhos, ou animes, onde um personagem espera a resposta de uma confissão. A barra enche.

"SIMULAÇÃO CONCLUÍDA. TAXA DE PRECISÃO: 100%"

—ISSO AÍ! – Grito, erguendo as duas mãos ao céu e pegando meu telefone.

—Alô, Julio? – É a voz de James, e pelo visto ele estava dormindo.

—Doutor, consegui! – É tudo o que digo.

—SÉRIO? COMO? – Me afasto do celular porque ele tinha gritado.

—As suas equações estavam corretas, só o texto que não. – Respondo, com um sorriso no rosto. – Era alemão, e não latim.

—Ótimo. – A voz de James parece satisfeita.

—Levarei o conteúdo pra você amanhã após a aula. – Digo, igualmente satisfeito.

—Tudo bem... Obrigado, Julio. – Ele diz, antes de desligar.

Eu caio de costas na cama, com a adrenalina no máximo. Agora... O que eu faria? Eu já terminei os exercícios da escola, o trabalho do Doutor. Bem... Será que eu conseguiria fazer modificações nesse projeto? Ou trabalhar nos outros Watches? As possibilidades eram infinitas.

 

Christie

Meu dia foi bem tranquilo, nada demais na academia, apesar de que quando eu ia embora, podia jurar que vi alguém familiar, mas quando pisquei não tinha ninguém. Quando cheguei em casa, meu tio já dormia NA SALA e a minha comida estava no micro-ondas, no caso... Lasanha. Preciso negociar com meu tio pra sair mais cedo da academia e poder preparar a janta, porque não vou conseguir viver de comida congelada por muito mais tempo.

Após fazer meus exercícios escolares, vou pra cama dormir feito pedra. Queria eu que meu sono tivesse sido tranquilo.

Que lugar era aquele? Minhas costas doem, assim como minha cabeça. Tento me erguer, mas parece que tem algo segurando a minha cabeça. Tento mexer meus braços, nada acontece, igualmente presos. Pernas, a mesma coisa. Tento falar, mas não consigo... É como se minha boca não conseguisse abrir, tudo o que consigo ver é o teto amarelo e um ventilador preto.

Mexo o pescoço pra esquerda e o que vejo é um espelho, e na reflexão desse espelho, duas pessoas com uniformes médicos, além de uma jovem Christie, de cabelos curtos. É o James?Não, não parece que seja meu tio, ele não me deixaria desse jeito. Um dos "médicos" vira pra trás e me vê.

—Ela está consciente, senhor. – Ele fala pro seu amigo.

—Sem problema, só aumente os sedativos... – O outro mal se mexe, enquanto verifica algo na mesa.

O primeiro médico vem até a mim, e mal consigo ver o rosto, pois os olhos estão com uma espécie de óculos com lentes espelhadas, tudo o que vejo é a máscara médica e o meu próprio rosto, com um terror indescritível. Eu quero gritar, enquanto ele pega uma seringa e a leva até o meu pescoço.

—Fique tranquila, minha querida... – As palavras dele gelam a minha espinha. – Não vai doer nada!

Tento mexer o corpo, havendo esquecido que estava paralisada, e ele espeta aquela coisa no meu pescoço.

—AAAAAAGH! – Acordo, sobressaltada. Meu coração está mega acelerado, minha coberta cheia de suor.

O... O que fora aquele sonho? Eu nunca tive nada parecido com ele antes, nem na época do desastre, nem depois. Instintivamente levo a mão ao ponto do meu pescoço onde a agulha havia sido espetada. Não tem nenhuma marca lá, e não havia razão para tal, mas... Por quê o sonho parecia tão real?

Era quase... Quase como se não tivesse sido um sonho... Preciso guardar esse sonho, antes que eu perca os detalhes. Pego meu notebook na cômoda que fica no lado da cama, abro e vejo a hora: 4 da manhã. Bem, posso escrever o que der, e depois dou uma caminhada antes de ir para a escola.

Começo a tentar lembrar do que sonhei, mas é aquilo, sonhos vão se esmaecendo a medida que tentamos nos lembrar deles, então a tentativa de pôr aquilo da melhor maneira possível em algumas linhas leva pelo menos uma hora e meia, quando vejo, o sol já está nascendo. Tiro meu pijama e coloco uma das roupas de treino da academia, para em seguida começar a caminhar pelo bairro.

Pelo tempo que tenho, dá para eu ir até um dos bairros vizinhos, pegar a ponte pro outro bairro, descer até o outro bairro e voltar a tempo de eu tomar banho e me arrumar pro colégio. Eu não era lá uma grande corredora (meus exercícios e treinos tiveram mais foco nas artes marciais do que em correr), mas a sensação de correr a essa hora era muito boa. Principalmente porque Trerriense era uma cidade tranquila, mas também porque a essa hora tinha pouca gente na rua que ficaria me olhando.

O vento era pouco, e o fato de eu caminhar paralelamente ao rio que corta a cidade dava um sentimento de... Não sei, selvageria, naturalidade. Quando termino de cruzar a ponte, vejo umas duas ruas depois, em frente ao que seria um beco, uma âmbulância parada com alguns curiosos ao redor.

Não é da sua conta, Christie, você não precisa ir... E minhas pernas não obedecem minha cabeça, logo, estou me aproximando da pequena aglomeração de curiosos ao redor da ambulância.

—O que aconteceu? – Pergunto a uma das pessoas.

—Alguém foi encontrado morto ali. – A resposta me surpreende. Nos quase seis anos que moro aqui, raramente pessoas eram encontradas mortas, a taxa de criminalidade era baixíssima, a ponto de assaltos serem raridade.

Vejo os médicos transportando um corpo meio esverdeado pra ambulância e o corpo é familiar, aqueles dreads, aquelas roupas...

—Felipe! – Exclamo, reconhecendo-o como um dos frequentadores da academia. Os médicos se viram pra mim.

—Você conhece o falecido? – Um deles pergunta, de sopetão.

—Conhecer eu diria que é muito... – Respondo, um pouco na evasiva. – Ele frequenta a academia do meu tio, onde trabalho no turno da tarde.

—O que você sabe sobre ele? – Ele pergunta.

—A única coisa que sei, é que é solteiro e tem residência na cidade. – Afirmo, ainda chocada por ter encontrado um cliente do meu tio, morto.

—Quando foi a última vez que o viu?

—Ontem, ele foi a academia no horário noturno e foi embora por volta das 9. – Respondo, lembrando de ter visto o Felipe fazer os exercícios dele naturalmente.

—Algum comportamento estranho dele? Ele parecia paranóico ou amedrontado? – Caramba, aquilo começava a parecer com investigação policial.

—Não. Ele parecia saudável e despreocupado como sempre. – Suspiro aliviada, porque era verdade.

—Entendi... – Ele diz. – Desculpe pelas perguntas, estou só adiantando o que posso pro trabalho da polícia.

—Se não tiver mais perguntas, eu vou seguir meu caminho porque em breve tenho de ir pra escola. – Digo, voltando a caminhar.

Mas minha caminhada mudou muito o tom. Antes eu estava completamente descontraída, agora eu estava amedrontada. Primeiro tenho aquele sonho esquisito, agora o Felipe aparece morto. E de caminhada virou corrida, pois volto pra casa correndo, a ponto de ver meu tio saindo de casa pra ir pra clínica. Apesar da clínica abrir as oito, ele chega antes pra preparar as coisas. É de família.

Quinze pras sete da manhã, depois de pirar e me arrumar, estou no pátio externo da escola, assim como boa parte dos alunos. Curiosamente, ouço alguns papos e o assunto é um só, que saíra na edição da manhã do jornal, sobre a morte do Felipe. Alguns teorizam que pode ter sido overdose, mas nada foi encontrado na cena do crime, e até onde eu saiba, nenhuma droga deixa a pele da pessoa esverdeada. Ninguém realmente sabe quem o morto era, porque aparentemente ele morava sozinho e não tinha família na cidade.

Quando chego no pátio externo, uma barra de cereal vem voando na minha direção, sinalizando que Julio já estava ali. A diferença dele pros demais estudantes é noite e dia, enquanto os estudantes parecem ressabiados com a notícia da morte, ele parece extasiado.

—Ganhou na loteria, ou a Scarlet Johansson ligou pra você, cara? – Pergunto, estranhando a atitude dele. Noto também uns pequenos hematomas no rosto dele, mas ele não parece ligar.

—Hoje é um bom dia, Christie... – Ele passa o braço pelo meu ombro, coisa que usualmente ele não faz. – As coisas estão pra melhorar.

—Você viu na TV que acharam o corpo de alguém na cidade? – Pergunto, espantada com a despreocupação de Julio.

—Claro que eu vi. – Naquela frase, a voz de Julio demonstrava preocupação. – Mas pessoas morrem todos os dias, porém não são todos os dias que eu estou com o humor assim.

—Eu encontrei com a ambulância que levou o corpo do Felipe... – Continuo, e os ombros dele caem, como num desenho animado.

—Você conhecia o morto? – Ele pergunta, curioso.

—Não o conhecia realmente, mas ele frequentava a academia do meu tio, e se não me falho a memória, ele era um terceiranista quando a gente entrou pro ensino médio. – Respondo, lembrando de um fato aleatório.

—É triste, mas a vida segue. – Julio dá de ombros. – Mas é compreensível que as pessoas estejam espantadas, há quanto tempo não temos corpos aparecendo mortos?

—Verdade... – Penso em perguntar sobre os hematomas, mas deixo pra lá. Eu provavelmente sei quem fez isso e até mesmo o motivo.

 

Julio

Estranho a Christie não perguntar dos meus hematomas. Claro, o James tratou da maioria dos meus machucados, mas algumas coisas ficaram evidentes. As aulas da manhã são relativamente normais, a vontade que tenho de dormir pra hora passar mais rápido é grande, mas não creio que os professores iriam gostar.

Durante o intervalo do lanche, vou refletir um pouco na área dos fundos da escola, onde usualmente não vai ninguém. Só que quando estou lá, tem duas pessoas, uma delas familiar. É Roberto, e a outra pessoa se não me engano, é a ex dele, Angela.

Eles parecem estar numa conversa acalorada, Roberto parece nervoso e Angela, defensiva. Angela era uma garota de cabelos curtos e corpo bem delineado, se a minha memória não me é falha, ela joga no time de vôlei da turma, junto com a Christie.

—E então, aceita a proposta pra voltar comigo? – A voz de Roberto é convencida.

—Um não é um não, Roberto, você não entende isso. – Angela responde claramente.

—Quem você acha que é pra me dizer não? – Roberto pega no pescoço dela e a ergue.

Não penso duas vezes e corro, me fazendo ouvir.

—Roberto, que merda você tem na cabeça? – Grito, quando ele olha pra mim e joga Angela no chão.

—Você quer receber mais do que teve ontem, é? – Ele rosna, enquanto verifico como Angela está.

Uma coisa que noto, é que os braços de Angela possuem marcas, ainda que suaves, de que a relação dos dois não era das boas antes de eles terminarem.

—POSSO SABER O QUE ESTÁ ACONTECENDO? – Ouvimos uma voz feminina, quando Roberto dá o primeiro passo pra cima de mim.

Eu viro e vejo uma mulher que usualmente eu não a veria, porque raramente ela aparece fora da secretaria. Com uma longa trança de cabelos castanhos, Jéssica, a secretária da escola, vinha com seu usual vestido/terno escuro e uma expressão nada amigável, diferente do sorriso que ela sempre exibe na secretaria. Eu nunca queria ficar no lado oposto ao dela numa briga.

Roberto olha para Jéssica e para mim com raiva, e vai embora do local sem falar nada. Eu me viro para Angela, que ainda tentava recuperar a respiração.

—Va... Valeu cara... – Ela me agradece, com a voz fraca.

—É... Julio. – A secretária se dirige a mim. Felizmente, o tom dela é normal. – O que acontecia aqui?

—Roberto pediu pra voltar com Angela, ela discordou e ele simplesmente a pegou pelo pescoço. – Respondo com os fatos que vi. Penso em contar sobre as marcas nos braços de Angela, mas será que devo, aqui na frente da própria?

—Entendi... Angela, se puder me acompanhar, por favor... – Jéssica pede, estendendo a mão pra Angela.

—Só me deixe falar um segundinho a sós com ela, secretária? – Peço, educadamente e ela assente. Levo Angela pra um ponto relativamente longe. – Angela, você pretende contar pra secretária que o Roberto te agredia?

Os olhos de Angela se arregalam, como se ela tivesse sido pega fazendo algo ruim. Ela toca os próprios braços, os olhos com um pouco de medo.

—Como você... – Angela tenciona perguntar.

—Essas marcas nos seus braços. Por conta da sua pele sensível, algumas das marcas ficaram. – Explico, calmamente. – Olha, eu não controlo a sua vida, nem o que você deve fazer. Mas acho que você deve denunciar o Roberto, porque honestamente... Você merece mais do que ele, tanto é que terminou, então deve saber disso melhor do que eu.

—Você mal me conhece... – Ela diz, rindo. – Mas ainda assim observa bem. Vou seguir seu conselho. Obrigado por me ajudar.

Observo Angela seguir a secretária, e acaba que eu fico totalmente sem vontade de ficar ali. Agora... O que o Roberto pretendia fazer com a Angela, caso eu não tivesse chegado ali? As possibilidades me dão calafrios imensos e uma sensação ruim.

 

Christie

As aulas se passam em mais um borrão, o que difere de um dia normal, é uma ligação que recebo do meu tio, pouco depois da última aula, pedindo para que eu não fosse trabalhar na academia, mas sim diretamente pra clínica dele, juntamente com o Julio.

—O que você acha que o James quer? – Pergunto, enquanto caminhamos juntos.

—Sei lá, só porque trabalho praquele maluco do seu tio, você acha que sei de tudo? – Ele dá de ombros.

—Ele confia em você, então pensei que você tivesse alguma informação. – Confesso. – Mas então, Julio, por quê você parecia alterado quando voltamos do intervalo hoje?

—Sabe, no intervalo eu fui praquele meu lugar de sempre... – Julio começa, e aceno com a cabeça, confirmando. – Só que lá, o Roberto estava tendo uma conversa com a ex dele, a Angela, ele pediu pra voltar, ela negou e então ele pegou no pescoço dela e a ergueu.

—É o quê? – Arregalo os olhos, assustada.

—Só não aconteceu algo pior porque intervim. – Ele continua, estamos perto da clínica do meu tio. – Ele parecia prestes a fazer algo contra mim e a Angela, até que a secretária surgiu e o interrompeu. Só que quando o Roberto foi embora, o olhar dele para mim e para a Angela, era de puro ódio. Sem contar, que descobri que ele a agredia durante a relação deles.

—C-como? – Agora estou realmente surpresa. – Por quê a Angela nunca disse nada disso para o time? Nós poderíamos ter feito algo...

—Você sabe o por quê. – Julio diz, enquanto entramos na clínica.

O pior é que eu sabia. Muitas vezes, em relacionamentos abusivos, a vítima acha que é culpada por ter sido agredida. Desde pressão do parceiro, até o medo da reação a sociedade. É algo que se não for feito algo pode levar a coisas piores.

Na recepção da clínica, meu tio está nos esperando. E o que me espanta é que ele não está no seu 'modo casual', que é usualmente como ele fica no horário de almoço. E ele está portando uma maleta.

—Julio, Christie... – James me cumprimenta com uma seriedade que eu raramente vejo nele. – Se vocês puderem me acompanhar.

—Quem é você e o que fez com meu tio? – Pergunto, enquanto ele abre a porta pro consultório dele.

—Agora não, Christie. – A resposta dele é calma.

Seguimos ele pro consultório, ele vai até uma porta, que sempre assumi de ser um armário onde ficam quaisquer instrumentos extras que ele precise. Só que James pega uma chave no bolso e a abre, revelando uma escadaria pra um... ANDAR SUBSOLO?

—O que é isso? – Pergunto, olhando pra Julio, que olha pra mim com cara de... Não faço a menor ideia.

—Se puderem me seguir, vou explicar tudo. – James diz, descendo a escadaria.

Olho para Julio, que dá de ombros, sendo assim nós dois seguimos meu tio, com cuidado para fechar a porta atrás de nós. A escadaria é longa, e termina numa espécie de sala de controle, com alguns computadores e pelo menos uma dezena de monitores que mostram imagens de diversos pontos da cidade.

—James... – Me aproximo dos monitores. – O que diabos é isso?

—Antes de responder sobre isso, tem uma coisa que eu gostaria de te contar. – Ele responde, totalmente sério, mas com um tom meio que pedindo desculpas. – Lembra da época em que você chegou aqui, e não conseguia dormir direito por alguma razão?

Afirmo com a cabeça, lembrando de algo que estava literalmente apagado da minha memória. Eu cheguei aqui alguns dias depois de ter acordado após o incidente do Dia Zero, e tanto no abrigo lá no Rio, quanto aqui, eu não conseguia dormir direito. Não sabia a razão, mas meu Tio fez alguns exames e alguma outra coisa, e consegui dormir novamente. Alguns dias depois, inclusive, James adquiriu a academia. Os treinos de artes marciais ajudaram a aliviar a dor da perda, inclusive. Eu tinha novamente um propósito.

—Nos exames que fiz em você, descobri uma coisa. Alguém, durante os dias que você ficara desacordada, modificou seu corpo. – Ele continua.

—COMO É? – Minha voz é incrédula. – VOCÊ ESTÁ DE SACANAGEM?

—Você... Você acha que eu brincaria a respeito da única família que me resta? – A voz dele tem um tom zangado, que eu nunca vi. – Enfim, pelo que descobri, foram nanomáquinas que lhe deram mais força que um humano normal, mas elas aumentariam seu estresse a ponto de você perder o controle da sua mente, logo fariam com que você fosse controlável por alguém. – Ele fez uma pausa para eu absorver aquilo. – Era por isso que você não conseguia dormir direito, estavam elevando seus níveis de estresse. Felizmente, eu consegui modificar essas nanomáquinas para não aumentarem mais seus níveis de estresse, mas nas condições certas, pudesse aumentar a sua força.

—Como... Como você conseguiu isso? – Pergunto, começando a acreditar naquela loucura.

—Você lembra os anos em que passei fora do Brasil? – James pergunta, com o velho sorriso brincalhão.

Lembro bem, a nossa família, pouco depois de eu nascer, veio pro Brasil, meus pais, o Tio James e a esposa dele, a Tia Erica. Infelizmente a Erica morreu, dois anos depois num assalto. Quando eu tinha uns seis anos, o James foi trabalhar fora do Brasil em algo que não faço a menor ideia. E quando voltou, passou a morar aqui em Trerriense e montou a clínica. Era bom vir aqui nas férias quando eu era mais nova...

—Sim, você veio pra cá depois desse período fora, não? – Faço uma pergunta retórica, a qual ele acena positivamente com a cabeça.

—Treinamento para o Serviço Secreto Britânico, eles queriam que eu investigasse algo a longo prazo, então fui treinado e passei um ano cumprindo uma missão por toda a Europa. – Ele explica. – Os detalhes são meio longos e honestamente, bem menos glamurosos do que os filmes fazem parecer. Mas, o fato é que consegui uns detalhes acerca de uma organização terrorista, fora o conhecimento de manipulação de nanomáquinas que acabou vindo a calhar quando você veio pra cá.

—Agora, passamos para um pouco menos de passado distante, e passado mais presente. – Julio toma a vez na narrativa, tirando o notebook da mochila e abrindo ele numa mesa. – Sete meses atrás, seu tio, curioso a respeito de algumas pessoas, me pediu pra hackear um servidor. Nesse servidor, acho um projeto interessante, e me aproprio dele, infelizmente não todo, mas consegui evitar que nos rastreassem de volta.

—Mas você trabalha pro meu tio há menos de um mês... – Falo, o que é verdade, visto que Julio começara a trabalhar pra James fazem três semanas.

—Oficialmente. – Ele me corrige – Mas enfim, temos trabalhado nesse projeto tem sete meses, e hoje chegou o dia. Aliás, doutor, você não sabe o que eu consegui depois que desliguei a ligação.

—Eu sei que parece idiotice, Christie... – James abre a maleta, nela contem uma espécie de relógio, uma chave e um negócio parecido com uma balança, mas ao invés do prato, ela contém uma tela de LED. – Mas preciso que de hoje em diante, você defenda as pessoas dessa cidade.

—Oi, desculpa? – Minha incredulidade subiu a níveis estratosféricos. Eu posso entender a parte de eu ter sido alterada genéticamente, e também posso entender meu tio ter sido um Agente Secreto temporário, mas... Defender a cidade? – Eu ouvi direito?

—Sim, ouviu. – James volta a ser super sério. – Julio, se você puder...

Julio leva o notebook e conecta ele a balança usando um cabo usb, meu tio coloca a chave e o relógio que estavam na maleta. Ele então abre um programa e digita diversos comandos, não entendo sinceramente como ele consegue compreender essa língua alienígena chamada programação tão facilmente. Por outro lado, não espanta o FBI não estar na nossa cola, porque o que já vi o Julio invadir só por diversão...

Depois do último comando, é como se linhas iluminadas percorressem a tela de led da balança, até que uma mensagem de "COMPLETO" aparece na tela do computador de Julio.

—Esse é o Omega Watch. – James diz, pegando o relógio e a chave. – Ué? Um segundo botão?

—Exato. – Julio sorri. – Durante a noite passada, trabalhei nisso e consegui terminar a tempo.

—E o que seria esse Omega Watch? – Pergunto, me aproximando dos dois.

—O dispositivo de transformação que você vai usar pra defender a cidade. – James responde. – Ele vai lhe fornecer um traje para proteção, permitirque as nanomáquinas dentro de seu corpo fortaleçam você, sem aumentar seu estresse.

Por alguma razão, aquela loucura toda parecia fazer sentido e a adrenalina dentro de mim começava a aumentar. O fato do meu tio comprar a academia e me colocar pra aprender artes marciais e estar sempre treinando clica com isso. Mas, faltava uma coisa ainda...

—Tudo bem, eu posso bancar a vigilante... Mas contra quem? Essa é uma cidade tranquila. – Pergunto, o que faz sentido.

—A morte que aconteceu ontem, daquele rapaz... – Meu tio diz, pensativo. – Não parece normal.

—E acho que não foi. – Julio complementa, olhando na tela do computador. – Você disse que a pele dele estava esverdeada, não foi? – Afirmo com a cabeça. – Eu sei que parece idiota pensar isso, mas lembra que uma vez o Roberto teve um desentendimento com o Felipe? – Arregalo os olhos com a lembrança de Julio, lembro bem... Aconteceu na lanchonete dos pais do Julio. – E sabe uma coisa que sempre achei estranha? O Roberto sempre morou aqui na cidade, mas ele só começou a agir feito um babaca com a gente no ensino médio.

—Julio... Você tá insinuando que o Roberto teria matado o Felipe? – Pergunto, assustada. – Isso parece paranóico demais.

—Deixe-me viajar nessa paranóia mais um pouco, Christie. – Ele mantém a calma. – Sabe... Lembro que o Roberto sofreu um acidente, três anos atrás, mais ou menos, mas apesar de passar duas semanas no hospital, ele não possui nenhuma cicatriz do ocorrido, sei porque já troquei de roupa perto daquele brutamontes algumas vezes na educação física. E sabemos que foi um acidente feio aqui na região serrana, quinze pessoas mortas naquele acidente de ônibus. Houve até uma...

—Peraí. – Agora eu saco meu celular, pensando mais ou menos onde ele queria chegar. Entro no youtube e procuro um certo vídeo. – Lembro da revolta que esse vídeo causou quando saiu.

O vídeo, filmado por um dos sobreviventes, ali na hora, mostrava ao caos que estava, as pessoas sobreviventes chorando por ajuda ou pelos amigos que faleceram. A imagem era tremida, 240p, e o vídeo tinha uns quatro, cinco minutos.

—Aqui! – Pauso na tela, e mostro a Julio e James, ali, aparentemente cambaleando, está Roberto. – Filha da mãe sortudo!

—Continue... – Julio insiste, e dou o play.

O vídeo continua, a pessoa que grava vai narrando, até que em um momento, não sei se o cara que narrou percebeu, mas havia um corpo em duas poltronas do ônibus e o rosto... COMO? O rosto parece mudar conforme os frames do vídeo vão passando. Volto pro trecho absolutamente antes de chegar no corpo. Assim que chega, pauso.

—EU... EU NÃO ACREDITO. – Julio diz, assombrado e satisfeito ao mesmo tempo. – Se isso aqui for verdade, então.

—Roberto morreu naquele acidente de ônibus, três anos atrás. – Concluo o que Julio começara. – E esse Roberto que temos convivido é um impostor.

—O que significa que as chances desse Roberto impostor ter matado o Felipe são altas. – Julio diz, convencido.

—E se vocês não agirem logo, quem quer que aquele cara seja de verdade, vai fazer mais vítimas – O tom de James vem de longe e é grave.

—Como assim? – Eu e Julio falamos ao mesmo tempo, enquanto corremos até James, que estava observando os monitores.

—Aqui... – James aponta um dos monitores, onde um cara acompanhado de um batalhão, estava conduzindo duas mulheres para um caminho. Os homens pareciam ter uniformes policiais.

—Pera, aquelas duas são a Angela e a Jéssica! – Julio exclama.

—O que significa que aquele é o Roberto! – Concluo, pegando o Omega Watch e a chave das mãos do meu tio. – James, como eu uso esse troço?

—Coloque o Omega Watch no seu pulso normal. Insira a Omega Key na fechadura do centro, grite o comando de transformação e pronto. – James responde, com um sorriso. – Quando você não estiver pronta pro combate, aperte o botão direito e você transformará seu Omega Watch num útil relógio de pulso. Uma pressionada de botão, Omega Watch novamente. Agora, quanto a esse botão esquerdo, não faço ideia.

—Eu sei! – Julio diz, indo pra escadaria, mas James puxa ele pela camisa.

—A saída é ali. – Ele aponta um portão. – Sigam em frente e sairão perto do Hipermercado da cidade.

—Vamos, Julio. – Começo a correr, assim como ele.


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