Lua do Corvo escrita por EllisSG


Capítulo 2
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo é um pouco mais pequeno que o anterior, só mesmo para compensar o próximo que, muito provavelmente, irá ser bastante longo e detalhado. Lamento se custa a ler, mas não os consigo repartir em partes mais pequenas ou então tornar-se-ia bastante caótico tentar coordenar os capítulos.



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A noite já ia longa quando o trote vagaroso de um cavalo rompeu pelo silêncio dando-lhe importância desproporcionada. Da estrada de gravilha vinda do interior da floresta e que se abria para a frente da mansão, um garanhão cinzento rato, montado com o seu cavaleiro, abranda o passo antes de chegar ao destino. Parados a escassos metros da entrada principal, a mansão erguia-se em todo o seus esplendor astro, onde as suas generosas janelas verticais eram envoltas por heras, essas que camuflavam parte das paredes de pedra de todo o edifício, o que poderia ser bastante proveitoso para se passar despercebida, isto se não fosse pela sua grandiosa entrada central onde se destacavam quatro enormes pilares de mármore que se estendiam a toda altura dos dois pisos. A majestosa porta de entrada tanto recebia os seus visitantes com um convite para conhecer o interior, como com um augúrio a quem se atrevesse a passar por ela sem ser convidado. Apesar de pouco trabalhada e de não ter as mesmas dimensões que muitas outras casas de nobres, ainda metia tanto respeito como temor - nem que fosse somente pela importância de quem lá morava.

Os cascos do animal bateram no chão alternadamente, de orelhas para trás e com uma certa impaciência no corpo, este acusava um cansaço extremo pela viagem em galope constante desde o centro de Compienha, no entanto, Hanzi sabia que esta tinha de ser feita bem antes de o sol começar a espreitar no horizonte.

— Vamos rapazestá na hora de descansar. - anunciou o jovem, passando a mão pela crina do animal em gesto de conforto, perscrutando a casa uma última vez. Com um leve abraçar de pernas na barriga do cavalo, ordenou-o que continuasse a passo até às cavalariças do outro lado da pequena mansão.

A propriedade havia sido construída no coração da floresta, longe de olhares curiosos, o que lhe proporcionava a privacidade pretendida dado que poucos sabiam da sua existência, ou então faziam por não saber. À entrada erguia-se a casa, envolta de pequenos jardins floridos divididos por lagos vivos. Na retaguarda, estariam as modestas cavalariças de madeira e dois pequenos casebres que albergavam os jardineiros e fazendeiros necessários para manter os jardins e culturas vivos e os cavalos em bom estado; não deveria de se percorrer mais do que uma centena de metros até que o campo se diluísse de novo com a floresta. Era como se esta abraçasse aquele pequeno recanto de modo a protegê-lo do mundo exterior; era como se tudo fizesse parte do mesmo espaço, mas todos sabiam, que tamanha generosidade para com a natureza provinha da Bruxa Branca. Esta nunca tirava nada sem dar algo em troca, mesmo quando revolvendo as terras virgens no coração de um terreno sagrado só com a intenção de construir um lar, não pretendia tirar mais do que aquilo que ambicionava.

Quatro anos passaram desde que Hanzi entrara naquela propriedade pela primeira e última vez. Na altura fora algo novo a descobrir. Bruxos. Estes as seus olhos eram apenas seres desinteressantes e de baixo rendimento para as suas ambições. Oh, como estava enganado. Embora vivessem em comunhão com a terra, eram ricos, nobres, e de boas famílias, o que Hanzi não conseguia compreender era o porquê de se manterem no meio de nenhures a guardar o Dom só para eles, a rezar a Luas e a beijar os troncos das árvores em agradecimento a deusas sem fundamento - pois ele sabia que havia um só Deus, e esse não era tão misericordioso como toda a gente o descrevia em livros ditos sagrados. Depois relembrou-se do quão banais esses seres realmente eram e as suas atitudes ficaram esclarecidas. Mas o poder, ó o poder, o que poderia ele fazer com tamanha magia e o desperdício que era não a utilizar para um feito maior.

Na altura da sua vinda, estava acompanhado de mais um rapaz, rapaz esse que o levou até eles, mas que no entanto estava completamente desesperado por ajuda, tão desesperado que rapidamente tiveram de voltar a Inglaterra sem que Hanzi conseguisse desfrutar daquele canto, de saber mais e, principalmente, de como conseguir tudo aquilo que mais ambicionava. Poder. Agora abrira-se uma nova janela de oportunidade em que ele faria de tudo para que não se voltasse a fechar. Teria aquilo que queria, de uma maneira ou de outra, e tinha a perfeita desculpa - a rapariga.

Uma pequena lamparina mantinha-se acesa acima da porta da entrada das cavalariças. Era o único vestígio de vida que iluminava aquela propriedade sinistramente adormecida. À sua guarda estava um homem envolto num cobertor encostado à parede de madeira. O olhar cansado e frustrado do velho ergueu-se para o jovem quando este se aproximou o suficiente. As rugas do seu rosto faziam-no mais velho do que os anos ditavam e o seu olhar, apesar de um claro vivo, desprovido de qualquer emoção.

— Aparecer a estas horas não é, nem nunca será, aceitável. - disparou o homem num tom amargo. O seu olhar fervilhava enquanto o rapaz desmontava o belo garanhão. - Estás a ouvir-me?

Hanzi sorriu-lhe de volta, um sorriso que despontou uma fúria ardente no velho, que a controlara admiravelmente.

— Tenha calma, meu pai. Estou aqui, não estou? Devia de dar graças a Deus por não ter entrado pela porta da frente em plena luz do dia. - disse de sorriso rasgado, abrindo os braços.

O homem pigarreou tentando manter o desagrado na situação, mas não desmentido que, realmente, seria desastroso se Hanzi se desse a conhecer a todos sem que ele tivesse oportunidade de o abordar primeiro a sós.

O jovem retirou a sela e as rédeas da montada e atirou-as diretamente para o chão sem qualquer cuido. O seu olhar escuro examinou em seu redor. Havia um charco a poucos metros e suficiente prado para o cavalo se alimentar devidamente, o que deixou Hanzi mais aliviado por não ter de vir a pedir mais favores, pelo menos não mais naquela noite. Não que Silverstorm não fosse obrigado a ceder-los, mas porque estava demasiado cansado para relembrar ao velho tudo aquilo que lhe devia.

— Vai. - murmurou, dirigindo a cabeça na direção do charco para que o animal lhe lesse a intenção.

O cavalo abanou a cabeça chicoteando a cauda de um lado para o outro. Uma palmada seca no pescoço do mesmo garantiu a este que não havia problema em ter um bocadinho de liberdade, e assim avançou sem receio.

Hanzi virou-se para o outro e um abismo colossal apoderou-se do espaço entre eles. Via-se tanto na postura, como nas feições, de que não estava agradado, de todo, pelo jovem se ter feito de convidado, muito menos utilizar a pastagem em proveito do seu próprio animal, mas optou por apenas lançar um olhar de desaprovação ao cavalo que se dirigia lentamente para o repasto. Como se o animal fosse culpado da prepotência do seu cavaleiro.

— Vamos ficar por aqui muito tempo, ou vais finalmente fazer as honras? - perguntou Hanzi em tom de provocação.

Isso divertia-o, mas Silverstorm estava habituado e mantinha o mau espírito controlado. Embora não convivessem muito, e eram longos os anos que nem cartas trocavam, este tinha uma obrigação e estava presa a ela para o resto dos seus poucos dias. Para Hanzi, era uma troca de favores, mesmo que isso custasse a vida do homem, mas isso não lhe importava - poucas coisas o faziam importar.

— O que viste cá fazer? - vociferou Silverstorm.
Os olhos castanho-escuros do rapaz reluziram mais do que o ténue luar proporcionava, o que levou um arrepio subir pela espinha do velho, instalando-se no peito. O medo que este tinha do outro era palpável no ar, mas tentava sempre encobri-lo o melhor que conseguia. Com os anos aprendera a controlar as emoções quando na presença do jovem, e, mais importante, já tinha consciência que não poderia fugir dele por muito que tentasse.

— Não te preocupes. - Hanzi aproximou-se e pousou-lhe uma mão no ombro. A vontade de Silverstorm era de o cuspir instantaneamente, mas, mais uma vez, conteve o impulso de se atirar contra ele, sabendo que o seu corpo frágil iria parar ao chão antes de tentar tal abordagem. - Eu não vim por ti. Estivesses tu ou não aqui, eu sou amigo da família, eles ter-me-iam recebido de uma maneira ou de outra. Mas tenho de confessar que assim as coisas se tornam muito mais fáceis.

Outra vez aquele sorriso de escárnio.

— Não que o teu orgulho te deixe ver as coisas como realmente são, mas não és bem-vindo aqui. Os senhores apenas te toleram por causa dos contactos e de seres conhecido de quem és. Não é por se simpatizarem contigo que estás aqui. Certamente que partilham dos mesmos receios que eu.

O jovem encolheu os ombros, retirou-lhe a mão do ombro e deu um passo atrás. Pouco lhe interessava o que os outros pensariam da sua audácia, o que importava é que ele estava ali e conseguia sempre tudo o que desejava.

— Eu chamar-lhe-ia medo. E nada lhes garante que eu mantenha a boca fechada, mas pode ser que me comporte devidamente caso me deem aquilo de que estou à procura. Não me traz qualquer vantagem meter as cartas todas em jogo, não é verdade? Julgava que me conhecias melhor que isso. - riu-se.
      - Então não estás aqui por causa dela. - por momentos Silverstorm foi albergado por uma sensação de alivio, o que acabou por não durar muito tempo.

— Hmm, também, mas não é o fator principal. Confesso que me questiono até que ponto tal feitiço dure até começar a quebrar. - confessou genuinamente pensativo. - Mas em breve saberemos a resposta.

Silverstrom abanou a cabeça. Não havia nada que pudesse dizer, muito menos fazer, para que o fizesse voltar para trás, e tudo o que pudesse tentar o encaminhava a passos largos ao encontro da Morte. Por muito preocupado que estivesse com toda a situação, o seu dever para com aquela família terminava quando os interesses de Hanzi estavam à sua frente.

Hanzi bocejou avidamente, pensando que seria o suficiente para que aquela conversa terminasse e lhe dessem uma cama confortável para o resto da noite. Claramente não iria resultar com Silverstorm até que este tivesse todas as respostas de que necessitava.

— Ela está a adaptar-se bastante bem e nada sugere que as coisas estejam a tomar um rumo diferente. Não fazes falta nenhuma e esperava nunca mais vos ver por aqui. Onde está ele? - perguntou o velho.

Hanzi abanou a cabeça. 
     - Decidiu ficar pela vila. Deve de ser uma das poucas coisas que o amedronta. Peculiar, mas não me admira. 
O homem afastou-se da parede e olhou-o de cima abaixo em tom de julgamento.

— Ele tinha muito mais razões para vir até cá do que tu. Se ele está a tentar deixar o passado para trás, porque é que não estás tu a fazer o mesmo? Que interesse é que tens nisto tudo? Não lhes venhas estragar a vida passados estes anos todos. Pensas que tenho medo das consequências, mas a mim a morte já não me assusta rapaz. Já vivi o que tinha a viver. Não vou permitir que arruínes mais vidas por simples capricho.

Hanzi aproximou a cara da do velho. Deixou crescer a tensão e esperou que este vacilasse, o que não viria a acontecer, e isso intrigava-o, mas não queria perder mais tempo do que o necessário com aquela charada. Não passa de uma ferramenta enferrujada, que de pouco uso me serve. Porque é que me deveria de preocupar ou gastar forças em tentar quebrá-lo mais uma vez?

— Isso não é da tua conta, mas posso garantir que se tentares boicotar a minha vinda ou tudo o que tenho a fazer nos próximos dias, não é da morte que vais ter medo. - disse entretendes antes de se afastar. De mãos na cintura e com um ar alegre ditou – Vamos? Estou cansado e a precisar de uma boa noite de descanso. Tenho a sensação que amanhã vai ser um longo dia. 
         E com isso os dois rumaram a passo pesado para dentro da mansão, sem nenhuma palavra mais trocarem entre si.


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Notas finais do capítulo

Obrigada mais um vez por ter chegado ao fim deste capitulo! C: Espero que tenham gostado!
Volto na próxima Segunda-feira para mais um capítulo! xx



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