Truth to Power escrita por Helena Lourenço


Capítulo 2
Evasão


Notas iniciais do capítulo

oi, gente :)



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Evasão

 

 

  Um ano.

Descobri a infortuna traição do meu melhor amigo há um ano. Exatos 365 dias. Consequência da falta de conhecimento de Charlie, meu avô materno. 

  Era como se o veneno vampiro estivesse correndo minhas veias, até que chegassem a meu coração. Era um sentimento de dor, eu estava devastada. Morta. Mais do que nunca, eu queria ter o coração morto dos vampiros, queria ter a desumanidade deles; queria não ter que sentir esse sentimento. Sentimentos humanos.

 A vida não parecia mais justa e eu estava disposta a dar um fim a ela.

  Retornei para a Ilha na manhã seguinte. Não me despedi de ninguém, apenas de Charlie com uma promessa de que voltaria logo. Nunca mais eu pisaria naquele lugar, ele que me desculpasse. Implorei a Sue que não contasse a ninguém que eu estive ali por algumas horas. Apesar de ser com a filha dela que o meu namorado estava dormindo, ela não tinha culpa. Quando cheguei ao Rio, meus pais já estavam a minha espera. Não disse uma palavra, apenas me deixei ser abraçada por eles e seu amor fraterno.

  Fechei-me em minha própria bolha de gelo.

Costumava gastar as horas tocando piano, ou apenas observando Edward tocar. Mas com o passar dos dias, meus pais perceberam que aquelas poucas horas em Forks tinham me feito um mal absurdo, e eu não era mais a mesma. Por vezes eles me perguntavam o que tinha acontecido, e por vezes eu não respondia.

    Edward tentava acessar minha mente, mas eu me recusava a pensar nas palavras de Charlie. Eu também não dormia mais. Meus sonhos costumavam ser imagens do que tinha acontecido, mas que eu não precisei presenciar. Então estava sem dormir há um ano. Não que isso não me afetasse, afetava. Mas com o tempo, eu aprendi a contorná-lo.

   Os sons na Ilha passaram a ser apenas da natureza. Meus pais pareciam estátuas e eu me recusava a falar, seja por voz ou por meu dom. Não queria falar, não precisava falar. Estava decidida a nunca mais sentir nenhum sentimento, estava começando com meus pais. Sabia também que eles não tinham culpa de absolutamente nada, eles não tinham como saber, mas eu não conseguia. Eu via a dor nos olhos dourados deles e sentia-me mal no inicio, mas nós nos acostumamos a tudo, até a dor.

   Passei a não me alimentar de comida humana também. Eu não precisava dela realmente, apenas o fazia por inércia. Mas qualquer coisa que me fizesse humana, eu evitava. Eu podia ser eu mesma na Ilha, não tinha humanos ali para descobrirem o que não devia, mas eu não me encaixava mais lá.  Precisava de um novo lugar, sozinha, onde eu podia afundar-me em meus próprios pensamentos sem ninguém para observá-los.

Precisava passar um tempo. Sozinha.

 Eles não entenderam quando eu pedi para ir embora. Disseram que eu não viveria muito sem a ajuda deles. Mas eles não entendiam que era isso que eu queria. Queria morrer, enterrar esses sentimentos na cova e cobrir com espessas camadas de terra. Queria que meu coração parasse, queria ir. Mas ir para onde? Inferno? Não, não há lugar para vampiros em lugar nenhum. Somos amaldiçoados com a eternidade, para que nunca possamos ir para lugar nenhum. Nós pagamos pelos nossos pecados em Terra, matando gente, alimentando-se de vida, sem sentir nenhuma culpa.

   Precisava disso. Precisava ser mais vampira, matar a parte humana que vivia em mim, e deixar a parte imortal comandar. E eu não podia fazer isso enquanto tivesse um coração batendo.

  Eu tinha que destruí-lo, fazê-lo virar pedra, como o coração vampiro. Sem vida. Sem pulsação. Sem nada. Carlisle costumava falar que o veneno vampiro não surtiria o mesmo efeito em mim. Por ter veneno em minhas veias desde o nascimento, ele repelia o veneno da mordida, consequentemente, eu não poderia ser transformada. Seria uma híbrida para o resto da minha existência.

  Mas essa tese nunca fora testada nem comprovada, e eu nunca acreditei plenamente nela. Precisava de comprovações, precisava tentar. Mas ninguém da minha família aceitaria fazê-lo e arriscar minha vida. Mas o que eu tinha a perder? Já não vivia mais, eu apenas existia. Isso me desgastava, arrasava-me por dentro, sentia-me morta já havia um ano. Por que não tentar? Eles não entendiam o que eu sentia.

  Jacob jurou me amar, jurou proteger-me com sua vida, mas era com Leah que ele dormia e deixava seus problemas de lado. Como poderia ficar bem? Eu teria o coração dele, mas não teria ele.

 Era um furacão e eu estava no centro dele.

  Por isso eu fugi. Sai da Ilha ainda pela manhã, enquanto eles caçavam. Dirigi a lancha da família até o porto, então segui para o aeroporto. Eu tinha tudo planejado, tudo arquitetado em minha mente. Não levava muitas coisas, apenas uma mochila com um pouco de dinheiro e roupas. Tudo que eu precisava.

  Eu já tinha passaporte, não foi difícil conseguir entrar em um avião. Tinha deixado o celular na Ilha, meus pais não poderiam me localizar, mas eu ainda tinha receio. Algo em seguir adiante sozinha, mas tratei de tirar esse sentimento.  Estava sozinha agora, no mundo, por conta própria.

  Era tudo que eu queria.  

Mas eu ainda tinha a sensação. Aquela sensação que eu não conseguia tirar de mim, por mais que eu tentasse. Medo. Medo de não conseguir fazer o que eu queria. Medo de decepcionar a mim mesma. Medo de não saber existir sozinha. Medo de ter que admitir que eu não fosse boa o bastante para viver longe deles. Medo de fracassar.

 Mas eu fingia bem, até para mim mesma. Eu não podia deixar isso transparecer. Eu era boa o bastante, era forte e não deixaria ninguém provar o contrario. Eu seria forte sozinha. Seria grandiosa sozinha. Não precisava deles. Não precisava de Jacob e de ninguém.

  Se eles pensavam que eu iria voltar chorando, implorando perdão deles, que eu não podia fazer isso sozinha.

Eles estavam errados.

~•~

  Saí para caçar na floresta perto da cidade. Estava faminta, há dias não caçava, e eu precisava repor minhas forças. Corri por umas duas horas até achar um animal consideravelmente grande para abater. Um lobo. Perfeito. Esperei o momento certo para atacar, escondida nas sombras das árvores. Posicionei-me quando o lobo virou-se na minha direção, e saltei. Pousei em suas costas, derrubando-o ao chão. Cravei meus dentes em seu pescoço e drenei seu sangue.

   Quando estou caçando, desligo-me do mundo a minha volta. Não escuto nada, não vejo nada. Era como se eu estivesse no escuro. Essa fora minha desculpa para não perceber a presença que me observava. Larguei a carcaça do lobo e me virei. Ele era moreno, tinha vibrantes olhos vermelhos. Suas mãos estavam unidas na frente do corpo, como se rezasse. Um sorriso malicioso e incrédulo brincava em seus lábios rosados.

— Olá, estranho — disse, sorrindo levemente para o imortal a minha frente. Seus olhos chamuscaram em expectativa. Ele deu um passo em minha direção e eu pude ver que ele usava terno. Era alto, não muito maior que eu. Tinha uma postura impotente, graciosa, até. E era bonito, muito bonito — vejo que encantei o senhor. Poderia me dizer por quê?

A ironia em minha voz não passou despercebida pelo imortal, que riu suavemente.

— A senhorita tem uma sagacidade em seu tom de voz. Ousaria dizer que está sendo até mesmo irônica comigo.

— Está correto, senhor. — falei, aproximando-me do imortal. Eu não tinha medo dele, esse tipo de medo fora arrancado de mim há um ano. — essa é a minha arma. A ironia, digo.

— Não seria a beleza? — sua voz adquiriu um tom de admiração cordialmente falsa. Continuei com o sorriso descarado enquanto encarava a face de anjo do imortal. — não lhe causo medo? — dessa vez, ele parecia realmente interessado.

— Não tenho medo de nada — afirmei algo que se fez presente em minha existência. Medo era uma fraqueza. Eu não tinha medos. — A única coisa que você poderia fazer contra mim, seria me matar. E, acredite, eu não ficaria mais grata.

— Por quê?

— Digamos que eu não tenho a maior vontade de continuar existindo. Eu quero viver. Viver como uma imortal. Ser uma híbrida não é como ser imortal. Vampiro, digo. Você ainda sente as fraquezas humanas, sente necessidades. Essas coisas que eu venho tentando tirar de mim, mas que pertencem a mim. A minha metade humana. Mate-me. Morda-me. Faça com que isso acabe!

Sem perceber, deixei que as lágrimas que vinha segurando há um ano transbordassem. Deixei que minha parte humana tivesse seu ultimo momento em dominação com meu corpo, minha mente e meu coração. Deixei que eu fosse vulnerável por um momento, antes de sentir dentes me perfurarem. Antes de sentir o veneno do imortal invadindo minhas veias. Deixei que meu corpo cedesse ao toque frio dele, deixei-me cair em seus braços, e quando tudo ficou escuro, desejei que tivesse dado certo.


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