Paredes de ar escrita por Senhorita Amabel


Capítulo 11
Mãos Vazias




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Vazias. Abria e fechava as mãos, sentindo nelas a ausência. Se esquecia de algo. As mãos nuas sabiam que algo faltava. O peito gelava e as batidas se tornavam escassas, até que no instante seguinte se desse conta de que nada faltava. As mãos eram sempre nuas, nada carregava nelas. Então que era aquela ausência que lhe tomava as palmas? Abria e fechava, sentia as juntas secas, a friagem da manhã e um vazio que custava a sumir. Não faltava nada. Mas algo faltava. Algo que não era material. As mãos queriam agarrar esse algo que não existia no mundo da carne, que não podia ser sentido nos ossos nem na pele. Mas se o vazio persistia quase palpável, assim também era a ignorância de sua origem; como suprir a ausência que não sabia do que era? A impotência surgiu, misturando-se ao vazio e tornando-se tristeza. Mas não uma tristeza nova: era velha, muito mais velha do que os anos de seu corpo, uma tristeza escondida sob as palmas vazias. Notou então que o vazio era tristeza, tristeza que doía no peito e o esvaziava, deixando-o oco.

Era isso. Abriu e fechou as mãos. Era uma tristeza mais antiga do que ela mesma, uma tristeza enraizada na carne e nos ossos; era a tristeza de uma solidão rodeada de pessoas, uma necessidade absoluta de se agarrar a algo. Suas mãos ansiavam tocar no que não podia ser tocado e por não tocarem se sentiam vazias. Então sorriu, um sorriso amargo de quem se dá conta de uma tragédia. Uma tragédia que ela precisava remediar se queria afastar de si o vazio. E assim teria feito, com todo o empenho de quem descobre o rumo que deve seguir na vida... se a buzina de uma moto entrando na contramão não a lembrasse de que a maior tragédia possível era perder o ônibus e se atrasar para o serviço. Assim, ela apertou aquelas mãos que começara a detestar e apressou os passos, empurrando para o fundo de seu coração a tristeza, porque era preciso que também a tristeza tivesse horário e que o vazio se sentisse na solidão, quando tivesse tempo para ser ela mesma. Por hora atuaria e seria uma personagem e fingiria que as mãos estavam cheias de sonhos. Sonhos que se perdiam no vazio.


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