Confusão em Dose Tripla escrita por Lelly Everllark


Capítulo 4
Crianças pra mim? Não, obrigada.


Notas iniciais do capítulo

Olá meus amores!
Voltei assim no meio da semana só por que consegui terminar o capítulo hoje!
Então espero que gostem e BOA LEITURA :D



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— Então você vai voltar pra casa do seu pai, é? E o emprego novo? - Christina perguntou enquanto eu tentava enfiar o resto das minhas coisas na última caixa vazia que eu tinha. Eu estava no meu ex-quarto enquanto minha ex-colega de apartamento estava me olhando do batente da porta.

  - O emprego não deu certo e entre virar moradora de rua e ir morar com meu pai, ir morar com ele ainda é a opção menos pior - respondi de má vontade socando as roupas na caixa.

  A verdade é que desde ontem quando voltei do meu primeiro e último dia na casa dos Price eu estava irritada e perdida. Se eu ao menos achasse que tinha chance com Seth eu ficaria, ia tentar domá-lo e conquistá-lo, mas depois daquela cena assustadora que ele chamou de “brincadeira” eu vi que não ia dar certo, como a gente ia se entender se ele não me ouvia e eu não podia sacudi-lo pelos ombros como gostaria? O melhor era eu voltar a passear com os cachorros, pelo menos eles não tentavam me matar do coração.

  - Livy? - Christina me chamou e a encarei desistindo da caixa e dos meus pensamentos.

  - Oi.

  - Se você quiser, sabe... - era nítido seu esforço para fazer as palavras saírem. - Se quiser ficar mais um pouco, até achar um lugar, eu sei que você não se dá bem com seu pai e tudo, então...

  - Está tudo bem, Christina, você não me quer aqui e eu não tenho por que ficar, voltar pra casa dele é a melhor coisa que faço, pra mulher insuportável dele esfregar na minha cara o quão inútil eu sou. Mas agradeço a oferta - a resposta ácida e irônica escapa dos meus lábios antes que eu possa me conter.

  Ela parece chocada e dou de ombros, no fim não disse nenhuma mentira.

  - Eu nunca disse que não a queria aqui, só disse que precisava de ajuda com as contas - Christina se defende e finalmente consigo fechar a caixa antes de ficar de ficar de pé outra vez e olhá-la.

  - Não disse mesmo? Nem antes de ontem quando me enxotou daqui? Ah quer saber? Não importa, eu estou indo e minha mudança só vai levar mais alguns minutos. Vamos só fingir que essa conversa nunca aconteceu. Agora me dá licença que ainda tem algumas coisas minhas no banheiro - não espero uma resposta ou uma reação, só passo por ela pra buscar a escova de dente que esqueci.

  Não demora até eu ter tudo guardado em três caixas, uma mala e minha bolsa nas mãos. Eu não quero ir, não mesmo, mas que outra escolha tenho? Virar moradora de rua ainda não é uma opção, só que está quase se tornando, cada vez que penso mais a respeito de morar com Erika, suas regras sem sentido e seu sorriso debochado de quem sabe que vai conseguir tudo o que quiser do meu pai.

  Eu tenho que ligar para o meu pai, estou indo embora pra casa dele e ainda nem disse nada, mas sinceramente eu nem gostaria de ter que avisar coisa nenhuma. Revirei minha bolsa pela milésima vez e não encontrei minha carteira, hoje de manhã eu achei a tinha deixado em outro lugar, mas agora, olhando para o quarto contendo só a mobília eu tinha certeza de que ela não estava em lugar nenhum. Pensa, Olivia! Quando foi a última vez que a viu?

  Gemi em frustração quando me dei conta que tinha sido indo trabalhar, mas na volta não a vi em lugar nenhum. Eu guardava meu dinheiro no bolso interno da bolsa, carteira pra mim era só pra ocupar espaço e guardar meus documentos e os cartões que não funcionavam mais por que tinham sido todos bloqueados e era por isso que eu nunca sabia onde a tinha deixado, mas dessa vez me superei, por que eu tinha certeza que tinha ficado em cima da estante da sala da casa de Ethan, uma vez que a tirei da bolsa quando fui procurar uma lixa de unha.

  Deitei no colchão sem capa ou lençol e encarei o teto com vontade de chorar, tinha que ser eu né? Pra arrumar uma dessas, se não fosse pelos documentos que eu ia precisar não teria motivo algum para eu ir atrás dessa maldita carteira, mas agora eu preciso voltar até lá. Olhei as horas no celular e suspirei, eram quase duas da tarde, ir lá, voltar e pegar minhas coisas não demoraria tanto assim, acho que eu ia conseguir pegar o ônibus das 16h00m.

  Respirei fundo, peguei minha bolsa e sai sem trocar nenhuma palavra com Christina desde a nossa pequena conversa na porta do meu ex-quarto. Eu não tinha pressa, não realmente, então resolvi ir de ônibus, era bem mais barato e cabia no meu orçamento. Depois do que pareceu uma eternidade e na verdade foram só alguns minutos eu peguei um ônibus para a parte rica da cidade que na verdade era onde Ethan morava. Minha viagem apesar de longa foi tranquila, não tinha trânsito nem muita gente no ônibus então para alguém que pegou chuva e passou raiva nos últimos dias, eu estou no lucro. Quando cheguei ao interfone hesitei, era muita cara de pau até pra mim, voltar assim do nada como se não tivesse me demitido depois de um único dia de trabalho. Mas no fim, eu não tinha outra escolha, eu precisava daqueles documentos.

  - Quem é? - foi como Ruth atendeu, eu quase podia sentir sua raiva pelo auto-falante.

  - Oi, Ruth é a Olivia, eu estava aqui ontem, eu só vim...

  - Graças a Deus alguém! - ela me interrompeu e eu escutei o portão se abrir. - Entra.

  Mesmo sem estar entendendo nada, entrei. Percorri o caminho pelo jardim e sorri, as flores bem cuidadas e o balanço ainda me encantavam tremendamente.

  Antes mesmo de alcançar a porta da cozinha eu ouvi o choro agudo de Molly, quem a ouvisse acharia que a bebê estava morrendo. Apertei o passo e entrei, Ruth estava com a bebê no colo e tentava acalmá-la, era em vão, isso só parecia estar fazendo Molly berrar ainda mais alto, Charlotte ao lado dela cobria os ouvidos e fazia careta, Seth olhava a cena quase como se quisesse ajudar, só não sei se Ruth ou a irmã.

  - Que bom que você voltou, aqui, pode pegar, é sua - Ruth disse estendendo Molly sem me dar outra alternativa senão pegar a bebê. - Olha eu já avisei que sou cozinheira e faxineira, não sou babá, nunca nem tive filhos por que não gosto de crianças.

  - Ruth eu não voltei - disse ninando Molly, ela estava tão vermelha que parecia prestes a explodir. - Pronto pequena. Sério eu só vim buscar minha carteira que esqueci aqui. O que está acontecendo?

  - Pois a nova babá não conseguiu nem levá-los para a escola - Ruth disse apontando para as crianças que ainda estavam de pijamas e, realmente, sua raiva era quase palpável. - Daí Seth a assustou e ela foi embora, simplesmente saiu e me deixou aqui com esses projetinhos de gente. E isso foi antes do almoço, não quero nem saber. Eles são seus, eu nem devia estar aqui, hoje é minha folga e só vim pegar umas coisas que esqueci.

  - Meus? Não mesmo, nem trabalho mais para o Ethan, e falando nisso, cadê ele? Você já ligou pra ele ou aquela mulherzinha chata, qual era mesmo o nome dela? Cíntia?

  - Célia - Ruth me corrigiu suspirando e pegou uma bolsa que até então eu não tinha notado encima do balcão. - E eu já liguei para os dois e ninguém atende. Isso não é da minha conta, eu estou indo e boa sorte.

  - É o que!? - perguntei em choque, mas era em vão, Ruth já tinha fugido pela porta que deixei aberta. Olhei para Seth e Charlotte que me encaravam curiosos e suspirei. Sério universo? Sério mesmo? Continuei acalmando Molly até a bebê parar de chorar.

  - Finalmente! - Charlotte exclamou tirando as mãos das orelhas. - Ela chorando desde que o papai saiu.

  - Tanto tempo assim? Seth? - mesmo que nós não sejamos melhores amigos era mais fácil obter alguma informação dele que de Charlotte.

  - É. Meu pai saiu e deixou ela com a nova babá, daí ela começou a chorar e só parou quando dormiu, mas ela acordou e começou a chorar de novo.

  Suas palavras me pegaram de surpresa, a coisa foi tão feia assim? Molly se remexeu em meu colo e seus olhinhos marejaram outra vez.

  - Tem quanto tempo que ela acordou?

  - Foi na hora do almoço - Seth responde solícito e já estou começando a desconfiar de toda sua vontade de ajudar, mas é só ver seu olhar preocupado encarando a irmã que é fácil entender o motivo. Ele parece não gostar muito de ninguém, mas é inegável seu amor pelas irmãs.

  - Droga! Ela comeu pelo menos? Vocês comeram, Seth? - pergunto já equilibrando Molly em um braço para começar a fazer sua mamadeira com o outro.

  - Eu e o Seth almoçou, a Molly tava chorando e não quis comer nada não - Lottie explica em sua simplicidade fofa e sorrio.

  - E por que vocês não foram para a escola?

  - Por que a Lori não sabia como dar banho na Molly e o Seth não quis tomar café. Ela não tava chorando que nem você, ela tava gritando que não precisava disso e que o papai não valia tanto. O que isso quer dizer, Livy? - Charlotte pergunta inocente e quase engasgo com minha própria saliva enquanto tento esfriar o leite de Molly.

  - Olha, Lottie...

  - Isso quer dizer que ela quer casar com o nosso pai, mas que não vai cuidar da gente pra conseguir isso, por que ninguém gosta dos filhos dos outros - Seth responde mais sincero e irônico que achei ser possível para uma criança de dez anos.

  - Ah é isso, Livy? - ela pergunta animada fazendo Seth revirar os olhos e eu sorrir. - Então ela ia ser nossa mãe? Mas por que as pessoas não gostam de filhos dos outros?

  - Bem, a mulher que se casar com seu pai vai ser sua madrasta.

  - Que nem a da Cinderela?

  - Sim, mas isso não quer dizer que ela vá ser má como a da Cinderela.

  - Vai sim - Seth murmura e quero muito concordar, mas não digo nada. A verdade é que por experiência própria sei que dificilmente uma madrasta vai ser a “segunda mãe” que você quer que seja.

  - Se for assim não quero mais - Charlotte cruza os braços e faz bico e quero muito mordê-la.

  Sento-me com uma Molly já muito impaciente em meu colo e lhe dou a mamadeira, a bebê suga tão avidamente que tenho medo dela engasgar. Tiro alguns fios de cabelo de sua testa e sorrio.

  - Você estava com fome, não é? Ninguém te alimenta.

  - Ela que não quis comer - Lottie avisa e se eu não estivesse com Molly no colo já teria amassado essa pequena num abraço.

  - Já que eu não tenho outra alternativa além de ficar com vocês até alguém chegar, podem limpar essa bagunça aqui na cozinha e depois ir tomar banho que eu vou tentar ligar para o pai de vocês assim que a Molly acabar aqui.

  - Não – Seth responde simplesmente e hoje não estou com paciência para suas gracinhas. Ah, mas não estou mesmo.

  - Eu não perguntei, Seth. Eu mandei você arrumar isso e ir tomar banho.

  - E eu disse que não, você trabalha pra mim, não é? Então eu não preciso te obedecer – seu tom de deboche ainda é o mesmo e não me surpreende.

  - Primeiro que eu não trabalho mais nem para o seu pai, quem dirá pra você, e segundo que hoje eu não estou aqui por que quero, ou por que vou receber pra isso, estou simplesmente por que eu sou uma pessoa muito legal e não vou largar vocês sozinhos. Então eu não tenho que ser legal e nem fazer você gostar de mim, tenho que cuidar de vocês até alguém chegar, só isso. E você vai me obedecer por que pra mim te arrastar até o banheiro pelos braços não vai custar nada, assim como não vai custar nada te deixar sem lanchar até você arrumar essa cozinha.

  Os olhos arregalados do garoto me fizeram sorrir, talvez eu tenha sido a primeira “babá” a falar assim com ele por que pelo que ouvi da tal Lori, a maioria delas não estava interessadas nas crianças, mas no pai delas. E talvez, mesmo aquelas interessadas nas crianças, fugiam assustadas assim que Seth fazia alguma brincadeira estúpida como foi o meu caso, não me orgulho disso, mas era o melhor para a minha sanidade mental.

  - E só pra você saber, eu ainda estou esperando as desculpas por ontem, aquilo não é brincadeira que se faça com alguém.

  - Não vou me desculpar, nem limpar, aposto você não tem coragem de fazer nada disso que falou – seu sorriso de deboche não diminuiu e eu só sorri também, ele achava que eu não tinha coragem, logo eu? Pois esse pequeno terrorista não sabia onde tinha se metido.

  - Tudo bem então, faça como quiser. Charlotte coloque seu prato na pia e vamos tomar banho – digo olhando para a garotinha ajeitando Molly em meu colo para arrotar e levando sua mamadeira para a pia. Ela olha para o irmão em busca de uma resposta e ele nega com a cabeça, eu suspiro. – Agora, Lottie. A não ser que você queira ficar sem lanche como Seth.

  - Eu não – ela responde depois de pegar seu prato e trazê-lo até a pia, o balcão não é muito alto então a pequena não tem problemas em colocar seu prato na beirada. Ajeito o prato para não correr o risco dele cair e sorrio pra ela, depois alguém, talvez eu mesma, lave tudo.

  - Vamos tomar banho? – pergunto e ela faz que sim. Seth me olha com verdadeiro ódio e sorrio, quero só ver aonde isso vai dar. – Então sobe, tira a roupa e me espera, vou só pegar a cadeirinha da Molly para levá-la com a gente.

  - bom! – Charlotte concorda aos berros como se eu estivesse muito longe e sobe correndo as escadas.

  Vou até a garagem e vejo, como esperado, que a cadeirinha da bebê está no banco de trás da minivan, primeiro prendo Molly nela, depois a trago comigo, quando volto à cozinha Seth ainda está exatamente no mesmo lugar.

  - É bom essa cozinha estar impecável quando eu voltar – digo passando por ele e seguindo atrás de Charlotte sem esperar uma resposta.

  Só paro a porta do quarto para ligar para Ethan, é em vão, seu telefone está desligado e eu começando a achar que talvez eu não pegue o ônibus de 16h00m, ligo para Célia e nada também, só chama até cair. De que adianta eles deixarem os números se ninguém atende? Eu mereço mesmo.

  Depois de ontem não é difícil dar banho em Charlotte, com um olho nela e outro em Molly que deixo perto da porta do banheiro, talvez até exista uma solução melhor pra isso, mas no momento deixar a bebê ali onde eu posso ver é a única que tenho. Não é difícil dar banho nela, ajudá-la a se vestir e depois fazer um penteado com marias-chiquinhas e laços, sorrio quando Lottie faz pose balançando a cabeça. Essa garotinha é sem dúvidas uma gracinha, a aperto em um abraço que ela me devolve toda animada. Como posso ficar brava com ela por ir na onda do irmão quando ela faz umas coisas assim?

  Charlotte desce as escadas me garantindo que vai ver televisão e eu concordo decidida a dar banho em Molly antes de descer outra vez. Assim como ontem eu ainda estou com medo de afogá-la, só que tento mesmo assim, não é fácil e esse com certeza não é o melhor banho que ela já tomou, mas pelo menos Molly não chora e eu não a deixo cair e isso por si só já um grande avanço. Trocá-la e vesti-la já é quase fácil se comparado ao banho, então não demora até a bebê estar muito cheirosa e dentro de um macacão azul-claro muito fofo. Molly por si só é uma fofura.

  Finjo mordê-la enquanto desço as escadas só para ouvir sua gargalhada deliciosa e continuo a brincadeira até chegarmos ao sofá, a risada da bebê é a coisa mais linda e quero mordê-la realmente cada vez que ela me dá um sorriso banguela.

  Encontro Charlotte no sofá vendo outro filme da Barbie e sorrio, ela gosta mesma da boneca loira metida à cantora.

  - Lottie, cadê seu irmão?

  - Não sei – ela responde simplesmente sem nem desviar os olhos da tela e acho graça, coloco Molly no cercadinho e lhe dou sua bonequinha para morder, preciso ir atrás de Seth, no mínimo ele não fez o que eu mandei, mas ainda assim preciso saber onde ele está.

  Deixo as duas na sala e vou até a cozinha, tudo ainda está como deixei, com copos espalhados pra todo lado, o prato de Seth em cima da mesa e suspiro, esse menino é realmente impossível. Aproveito o silêncio e pego o celular para tentar ligar outra vez para Ethan. Mas continua desligado e o de Célia ainda está chamando até cair sem ninguém atender. São mais de três da tarde, daqui a pouco as crianças vão estar com fome e pra falar a verdade eu também, por isso resolvo fazer um bolo, daqueles com recheio e cobertura, apenas para negá-lo a Seth. Se ele acha que não vou manter minha palavra não poderia estar mais enganado.

  Subo só para conferir que ele está no quarto ainda de pijamas jogando videogame, não faço barulho então Seth nem me nota ali na porta. Nossa tarde apesar de ser algo que nem devia estar acontecendo, vai ser bem divertida. Desço, passo pelas meninas na sala só para encontrar Molly dormindo no cercadinho e Charlotte cantando a música do filme enquanto fazia uma coreografia de balé muito boa para uma garotinha de cinco anos.

  Não é difícil me localizar na cozinha, Ruth no mínimo não vai gostar nada, mas como ela me abandonou aqui não posso fazer nada. E poder cozinhar numa cozinha chique até que é divertido, eu não sou nenhuma chefe de cozinha, mas consigo me virar bem, então não demora até eu ter um bolo no forno, resolvo fazer um suco também, mas a cada dez minutos dou um pulo na sala só para ter certeza de que elas continuam no mesmo lugar e felizmente continuam.

  Estou terminando de tirar uma fatia do bolo de chocolate com recheio de coco e colocando em um prato quando Charlotte surge na cozinha.

  - Livy, o filme acabou e eu com fome.

  - Quer bolo? – pergunto apenas por mera formalidade o enorme sorriso da pequena responde por ela.

  - Sim! Eu posso comer?

  - Claro, sente-se à mesa.

  - Ok!  - ela grita animada e acho graça da sua empolgação. Ajudo-a a se sentar e coloco o prato com o bolo a sua frente junto com um copo de leite, ver Charlotte comer toda animada já é o suficiente para me fazer sorrir. Dou uma última verificada em Molly que ainda está dormindo – chorar tanto deve ter deixado-a exausta – e decido me juntar a Lottie com uma fatia de bolo e um copo de suco.

  Termino meu segundo pedaço de bolo e decido guardar a bandeja em algum lugar alto o suficiente apenas pra mim alcançar, mas que dê para vê-lo mesmo assim, algumas portas do armário são de vidro então não é difícil de conseguir o que quero. Estou lavando meu prato enquanto Charlotte termina seu segundo pedaço de bolo quando Seth aparece na cozinha ainda com o pijama de quando cheguei. Ele vê a irmã comendo e me encara.

  - Estou com fome. Eu quero bolo – ele diz simplesmente e finjo não ouvi-lo, não é muito maduro da minha parte, mas ele merece esse gelo. – Hei! Eu estou falando com você!

  - Comigo? – digo me virando depois de secar a pia. – Pois saiba que meu nome não é “Hei”. E você fez o que eu mandei?

  - Não – ele sorri.

  - Ótimo então, sem lanche pra você – digo simplesmente e ele me encara surpreso, é a minha vez de sorrir. Olho para Charlotte que está muito concentrada comendo para se preocupar com a nossa conversa. – Quer mais, Lottie?

  - Não, mas tava muito gostoso.

  - Que bom que achou, nada de deixar o prato na mesa, é pra colocar aqui na pia.

  - Hei! Hei! Olivia! – Seth está vermelho e acho graça. O encaro depois de pegar o parto que Charlotte veio me dar.

  - Sim?

  - Eu disse que quero bolo.

  - E eu disse que você não ia ganhar se não me obedecesse, e como não me obedeceu não ganha. Simples assim.

  - Você não pode me deixar com fome! – ele insiste e sorrio depois de terminar de lavar o parto de Charlotte, a essa altura a pequena já sumiu na sala outra vez.

  - Claro que posso. Ontem eu estava tentando ser legal por que era meu trabalho e eu achei que você ia entender e nós íamos nos acertar, eu estava muito enganada por que você é um garotinho muito mal educado. E por mais que você queira chamar atenção do seu pai, não é machucando as pessoas que tentam ser legais com você, que vai conseguir. E caso você não tenha percebido, eu não sou legal. E se disse que você não come até limpar a cozinha e tomar banho você não vai comer até lá.

  Seth está tão vermelho que quase acho que ele vai mesmo explodir a qualquer momento, mas não é só raiva tenho certeza que ele está envergonhado também. Ele pisa duro até o armário e pega a caixa de ceral que sei estar quase vazia.

  - Se vai comer isso, boa sorte para sobreviver só com cereal até seu pai chegar, e se vai jogar o resto que não jogou ontem no chão, eu aconselho a não fazer isso, por que só vai ser mais coisa pra você limpar. Se precisar de mim vou estar na sala com as suas irmãs e nem ouse tocar nesse bolo sem permissão, por que juro que vou arrancar os fios do seu videogame se fizer isso – digo sorrindo e dou meia volta passando por ele.

  Se está certo eu não sei, mas esse é o meu jeito de fazer as coisas, se ele vai fazer o que quer comigo, ótimo! Vou fazer o que quero – e julgo certo – com ele também. Alguém tem que fazer esse garotinho mimado entender que no mínimo existem regras que precisamos seguir.

  Mesmo sentada com Charlotte no sofá acompanhando a Barbie em mais um filme tenho um olho em Seth na cozinha, ele não jogou o cereal nem pra cima, nem no armário, pra minha surpresa o comeu, mas não tocou no bolo nem fez menção em pegá-lo mesmo que ficasse encarando, no mínimo é maldade, mas o que ele fez comigo ontem também foi. Ele fica o tempo todo vendo se estou olhando e sabe que eu estou, já são quase sete da noite e não sei o que fazer se ele não resolver limpar tudo e tomar banho. Não posso deixá-lo sem jantar.

  Ligo mais uma vez para Ethan e Célia e dessa vez os dois números estão desligados, Ruth não deu as caras e não tenho outra alternativa se não continuar com as crianças. Molly acorda e fazê-la sorrir depois de alimentá-la é uma das coisas mais divertidas do meu dia, Chorlotte se junta a mim no sofá e vê-la fazendo careta para a irmã é a coisa mais fofa do mundo, nós três acabamos em uma crise de risos algum tempo depois.

  Quando passa das sete resolvo fazer um jantar e decido desistir de Seth, amanhã não vai mais ser da minha conta então ele que faça o que quiser. Surpreendo-me ao chegar à cozinha com Molly em sua cadeirinha depois de trocá-la, está tudo limpo, a mesa, os copos e pratos espalhados até mesmo a pia, ele tinha mesmo arrumado tudo. Coloco Molly com cadeirinha e tudo encima da mesa para ficar de olho nela e me decido por macarrão, por que é rápido e fácil e não estou com coragem para cozinhar mais nada.

  Não demora para o macarrão estar pronto, eu sirvo dois pratos e sento-me com Molly para dar-lhe mamadeira.

  - Charlotte, vem jantar! – grito como minha mãe fazia comigo há muito tempo e acho graça, a pequena chega correndo e nego com a cabeça. – Sem correr, agora se sente e vá comer.

  - Macarrão! – ela comemora me fazendo sorrir, pelo menos nesse quesito essas crianças não tem problemas, comem de tudo e comem bem.

  Charlotte já tem molho até no nariz quando Seth aparece com o cabelo molhado e finalmente com outra roupa. Ele me olha com um misto de raiva e resignação. O garoto claramente me odeia, mas espera que eu diga alguma coisa sobre o que ele fez.

  - Vejo que finalmente resolveu fazer o que devia, a cozinha ficou ótima, agora senta aí com a sua irmã e vá comer – digo e vejo um meio sorriso brotar nos lábios de Seth, no fim ele é só uma criança querendo atenção, não que isso justifique tudo o que ele faz, mas eu meio que entendo.

  Eles comem em silêncio enquanto dou mamadeira à Molly e nós ficamos nessa tranquilidade por alguns minutos. Quando Charlotte termina, desce da cadeira, pega seu prato e leva a pia, só isso, esse simples gesto, me faz sorrir, no fim talvez nem tudo esteja perdido.

  - Pronto, Livy, já comi tudo e guardei meu prato, eu posso ter bolo de sobremesa? – sua pergunta me faz rir, como é possível uma garotinha tão pequena comer tanto?

  - Claro que pode, mas daqui a pouco, Ok?

  - bom! Seth põe suco pra mim? – ela pede ao irmão se sentando outra vez e Seth atende o pedido da irmã e depois olha pra mim.

  - E eu também posso comer sobremesa?

  - Não.

  - O quê!? – ele pergunta surpreso e sorrio. – Por quê? Eu não fiz o que você mandou? Limpei tudo e tomei banho? Por que não posso?

  - Por que não fez na hora em que mandei e por que eu pedi, mas por que, no mínimo, você achou que fosse morrer de fome se não fizesse. E por que ainda está me devendo um pedido de desculpas por ontem – ele abre a boca para falar alguma coisa, mas sou mais rápida. – E se você reclamar e não guardar seu prato bem bonitinho lá na pia quando terminar, amanhã vai ficar sem sobremesa também e depois e depois até entender que tem regras que precisam ser seguidas.

  - Eu te odeio! – ele grita indo colocar o prato na pia e isso me faz gargalhar.

  - Também te amo, Seth.

  - Olivia? – a voz de Ethan me assusta e viro-me para encontrá-lo parado perto da porta da cozinha, ele me olha curioso e sorrio sem me conter.  – O que faz aqui? Achei que tinha se demitido.

  - E me demiti, mas acontecerem umas coisas.

  - Que coisas? – ele pergunta colocando sua maleta encima da mesa para logo em seguida começar a afrouxar a gravata.

  - Basicamente eu esqueci minha carteira aqui, vim buscar e quando cheguei Ruth estava pu... – me interrompo olhando para as crianças. – Ela estava muito irritada por que parece que sua nova babá não chegou nem até o meio-dia e se demitiu, então ela estava com as crianças já não conseguiu falar com você, aí eu apareci e ela me deixou com elas e foi embora por que aparentemente hoje é folga dela. E então estamos os quatro aqui aproveitando a companhia um do outro desde umas duas da tarde e foi isso.

  - Seth? – ele olha para o filho mais velho.

  - Essa bruxa está dizendo a verdade, a Lori gritou um monte de coisa feia e foi embora e a Ruth não conseguia fazer a Molly parar de chorar então a Olivia apareceu, a Molly gosta dela, por que finalmente parou de chorar e a Ruth foi embora. Ela é uma bruxa chata, mas não foi embora – isso é quase um elogio vindo dele e Seth está olhando para todos os lados menos pra mim.

  - E por que não me ligou? – Ethan me olha curioso e reviro os olhos.

  - Eu tentei, mas você não atende ao telefone. De que adianta? Mas tudo bem, já acabou não é como se eu tivesse mais o que fazer mesmo – resmungo suspirando e fico de pé indo até Ethan para logo em seguida lhe estender Molly. - Agora eu tenho que ir, vou pegar um ônibus para o fim do mundo. Aqui sua filha.

  Ethan a pega a bebê meio no automático ainda me encarando. Sinto quando Charlotte puxa minha blusa.

  - Você vai embora, Livy?

  - Eu preciso – digo a encarando.

  - Por quê?

  - Por que me demiti e isso significa que não trabalho mais cuidando de vocês. E também, o seu irmão não gosta muito de mim aí eu ia ter que ficar gritando com ele e isso não vai dar certo.

  - Ah mais o Seth te obedeceu, então isso quer dizer que você vai ficar né? Ele não sem sobremesa amanhã se te desobedecer? Então é por que você vai voltar para cuidar da gente, não é? – a pequena pergunta em sua simplicidade infantil e puxo-a para um abraço, Charlotte agarra meu pescoço e fico de pé com ela no colo.

  - Eu não vejo como você pode discordar disso – Ethan sorri e meu Deus! Isso é um perigo. – Que tal voltar amanhã para resolverem o que quer que tenha entre vocês, Olivia? Eu e Seth também vamos ter uma conversa.

  - Está me recontratando? – pergunto sem acreditar colocando Charlotte no chão e ele dá de ombros.

  - Aparentemente eu não tenho outra opção, ninguém mais quer trabalhar aqui e Molly gostou de você. O que acha, você volta? Pra ficar dessa vez, por favor.

  - Volto – digo sorrindo sem acreditar. – Por que eu realmente preciso ter certeza se Seth vai merecer bolo amanhã.

  No fim, acho que não vou precisar ligar para o meu pai.


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Notas finais do capítulo

Voltei tão rápido e me empolguei tanto que o capítulo ficou gigantesco, então, por favor, sejam legais e comentem!
Beijocas e até, Lelly ♥



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